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domingo, 22 de maio de 2022


Signos do Zodíaco: Embuste ou Enigma?


"Não será a influência dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o seu Futuro, mas, quando muito,
a influência cósmica sobre a Natureza ou sobre terceiros que, por sua vez, irão determinar aspetos importantes
do que mais proximamente lhe irá acontecer
"

"Sejam quais forem os objetivos servidos pela Criação, até que ponto fará algum sentido que a Humanidade seja gerida por signos,
em duodécimos?
"

"Que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?"

1. Anátema
2. O Joio e o Trigo
3. A Importância dos Astros sobre a Vida
4. Os Outros e Eu
5. Da Viabilidade Estatística
6. A Mão de Deus?
7. Conclusão

1. Anátema

O espetro de pandemias, guerras e outras calamidades paira, permanentemente, sobre nós. No entanto, impotentes que somos para contra elas eficazmente nos precavermos, preferimos, em tempos de relativa paz - e talvez, sabiamente... -, olhar para o lado e continuar a deambular, tranquilamente por aí, optando por nos preocuparmos apenas quando as coisas acontecem e já pouco ou nada podemos fazer para minimizar o inevitável impacto negativo sobre as nossas vidas e sobre as daqueles com quem interagimos.

A previsão de tão infaustas ocorrências não constitui, porém, o propósito principal das visitas com que alguns insistem em continuar a honrar videntes, astrólogos, quiromantes e outros que, como eles, se dizem adivinhadores do Futuro - acreditem eles próprios nisso ou não.

Lá bem no fundo de quem a tais consultas recorre existe uma mais ou menos secreta esperança de voltar com boas notícias, acerca da família, dos amigos, dos colegas, mas, sobretudo, sobre si próprio: se vai morrer já ou não, como vai, até lá, andar de saúde, e se vai pingar ou não o rico dinheirinho que tanta falta lhe faz. Existe, ainda, a crença de quem entende que, por conhecer, de antemão, os infortúnios que lhe irão cair em cima, melhor se poderá preparar para os suportar.

Este hábito, bem típico e sintomático da insegurança endémica que grassa pelo território português, de ir à bruxa, de recorrer a adivinhos como forma de reduzir a ansiedade gerada pelo medo do desconhecido que aí vem ou está, movimenta, na economia paralela, verdadeiras fortunas despendidas no pagamento de serviços que, na maior parte dos casos, para nada servem. As mais das vezes consistem, de facto, em meros e fantasiosos palpites ou intuições de profetas, de feiticeiros e de outros iluminados, palpites esses sem qualquer substrato lógico ou suporte científico, devendo-se a eficácia média das ditas previsões a uma astuta e, de alguma forma, experiente interpretação da comunicação não-verbal e da história de vida posta a nu pelos consulentes, cuja conversa é, magistralmente, manipulada para o assegurar.

Comunicação não-verbal e história de vida constituem, de facto, excelentes bases para a formulação de hipóteses de evolução do destino a curto prazo, o único em que, afinal, importa acertar, tendo em conta que, no médio e no longo, já a lembrança do que foi dito pelo adivinho há muito estará esquecido - ou que, pelo menos, das palavras exatas já o cliente, entretanto, se esqueceu.

Seja como for, na visão fortemente subjetiva do incauto, o adivinho raramente falha, ainda que os factos futuros contradigam a previsão. É que, sendo o bruxo a última esperança dos desesperados, a simples ideia do falhanço corresponde à extinção da última centelha de algo que os faça continuar a acreditar, a viver.

Destas artes mais ou menos trapaceiras, mais ou menos folclóricas, escarnece, compreensivelmente, quem se acha mais esclarecido. Escarnece ou ignora, despreza, banindo-as sumariamente do discurso e da cogitação. Sujeita-se, assim, a que, por um lado, os que insistem na possibilidade de prever o futuro lhe apontem o mesmo vício de falta de fundamentação que inquina a mera adivinhação oportunista; por outro, a que, liminar e impensadamente, esteja a abdicar do que de válido que nestas coisas ditas esotéricas possa existir.

A verdade é que, seja por nada de verdadeiramente substancial a crescente panóplia de áreas e de técnicas de adivinhação em si ter, seja pela impossibilidade de, verdadeiramente, se conhecer algo que, desgarrado da ciência, nenhuma teoria objetiva e validada alguma vez poderá produzir, a crendice de uns grassa incólume a par da ganância de outros cujas fortunas continuam a engordar.

Vivemos, entretanto, à sombra do implacável e cego anátema sobre o tema lançando por uma sociedade que se tem por esclarecida e evoluída, mas que, paradoxalmente, continua alérgica a qualquer afloramento de discussão séria sobre uma matéria que considera indigna de ser levada em conta por gente que se tem por sábia, sensata, educada; e, sobretudo, politicamente correta.


2. O Joio e o Trigo*)

A despeito das considerações que antecedem, nada nos impede de, com a objetividade possível, aqui refletir um pouco sobre o tema.

Comecemos, para tal, por separar o que não passa, claramente, de mera fantasia, daquilo que poderá, apesar de tudo, relacionar-se com factores naturais suscetíveis de, em maior ou menor grau, influenciar os indivíduos num Futuro relativamente próximo. Isto, admitindo que, se  sobre os seus comportamentos operarem de forma regular e consistente tais factores, a observação e subsequente análise dos comportamentos por eles influenciados poderão permitir, com um certo grau de confiança, alguma coisa prever.

Ao primeiro conjunto - o da mera crendice, da mera fantasia - pertencem, necessariamente, coisas tão aleatórias e ocas como a predição de acontecimentos com base na disposição de folhas de chá ou de borras de café coladas à chávena, no estado de entranhas de animais mortos para o efeito, ou, ainda, a técnicas mais elaboradas, como o recurso à cartomancia, ou mais folclóricas, como a utilização de uma bola de cristal.

Tão fiáveis e exatos como o são os vaticínios para ganhar a lotaria, todos estes processos não passam, evidentemente, da montra utilizada pelo dito vidente, que para elas distrai a atenção dos incautos que o procuram, enquanto aproveita a conversa para os avaliar segundo o que de si e dos outros vão contando e o modo como o fazem, assim fornecendo dados preciosos a uma previsão para a qual, como já se disse, são essenciais a história do cliente e a leitura da componente não-verbal da comunicação.

Não é fácil errar quando se diz, a quem é pobre, que em breve acabará por receber algum dinheiro sem referir quanto, ou uma fortuna, sem referir quando; ou que - se a conversa o indiciar... -, mesmo continuando pobre, será feliz porque as suas escassas poupanças saberá administrar. Ou, a quem tem filhos, que eles lhe irão dar alegrias e problemas; ou que irá ter alguma doença quem todos os dias respira este infetado ar. Ou que a alguém lançou mau olhado uma vizinha com a qual jamais se conseguiu relacionar.

Como estes, cada vez mais meios de absolutamente enganosa adivinhação existem, já que a criatividade de embusteiros e oportunistas que enriquecem à custa da ignorância e da credulidade alheias não pára de inventar.

Poderia, é verdade, no limite do absurdo estudar-se e medir-se relações de causa-efeito com base em informação estatística. Afigura-se, no entanto, que a recolha da amostra sempre resultaria do processamento de dados fornecidos por inquiridos tão incapazes de os facultar com um mínimo de objetividade como o é, seguramente, quem em tais patetices insiste em acreditar.

Já no segundo conjunto, o que aqui interessa, serão de incluir processos que, sem prejuízo de dificilmente serem suscetíveis de fornecer um retorno válido quanto à confirmação, ou não, dos prognósticos do adivinho, acabam por se apresentar como menos aleatórios, uma vez que partem da observação de factos concretos relacionados, quer com sinais do corpo humano, quer com fenómenos naturais confirmados por evidência científica.

Tal é o caso, quanto aos primeiros, da quiromancia e, quanto aos segundos, da astrologia: a primeira, baseada no indesmentível facto de, por razões que inteiramente desconhecemos, termos linhas na palma da mão; a segunda, pela cientificamente comprovada existência também dos fenómenos astronómicos a cuja observação a astrologia se tem vindo a dedicar.



3. A Importância dos Astros sobre a Vida

Tendência para nos desculparmos
Não obstante a proverbial tendência para nos desculparmos, sacudindo para a envolvente natural e humana as causas dos erros que cometemos e a responsabilidade pelo mal que nos acontece, há que reconhecer que, nem a Natureza, nem os outros humanos são, na maior parte dos casos, os principais culpados do nosso por vezes lastimável e danoso desempenho.

Muito mais do que uma ou os outros, somos nós mesmos, esta nossa personalidade edificada sobre inúmeros pilares de entre os quais se destacam a genética e a educação, quem origina, quem provoca os acontecimentos que protagonizamos ou em que participamos e, inevitavelmente, as inerentes consequências. Somos, pois, os causadores da maior parte do mal ou do bem que nos acontece, também o sendo os outros no respeito que lhes diz.

Assim sendo - ou seja, se, não descurando a vital importância dos impactos naturais, a nossa vida é, maioritariamente, influenciada pelo desempenho de outros animais, humanos ou não -, como poderá alguém não considerar a simples possibilidade de prever comportamentos alheios algo de sumamente atraente, interessante, relevante? Importante, até?

Prever, sim, mas apenas se for possível fazê-lo com fundamentos sólidos, preferencialmente científicos.

Sem com isto se pretender, naturalmente, significar que a Ciência permite predizer com exatidão seja o que for, almeje-se, pelo menos, uma antevisão com a probabilidade possível, sempre preferível ao pouco sério recurso à leitura das folhas de chá e a outras tontices que, a velocidades astronómicas, se vão disseminando aqui e ali.

Como vimos, quer a quiromancia, quer a astrologia, se apresentam como suscetíveis de tratamento estatístico, mediante a observação da ocorrência de factos relativamente aos quais poderá existir correlação válida com aspetos da personalidade; e, por via dela, do comportamento de cada ser humano enquanto influenciador do bem-estar ou do mal-estar de um mais ou menos significativo conjunto de terceiros.

A tal correlação existir, estaríamos, na verdade, perante uma provável ação direta - mas não fatal ou de efeitos inevitáveis - da movimentação e consequente disposição dos corpos celestes sobre o comportamento dos humanos; o que, à partida, não se mostra estranho ou, muito menos, choca, se nos lembrarmos da relação bem real entre as fases da Lua e as marés, ou da forma como as estações do ano operam, por exemplo, no desenvolvimento das plantas e na vida sexual das espécies animais.

Duvidar destas relações conhecidas entre os astros e o vai-vem dos mares ou o quotidiano das espécies seria negar o conhecimento obtido de dados empíricos conhecidos desde tempos imemoriais, e de informação entretanto validada deles extraída.

De outra forma dito, negar o papel, firmemente estabelecido, que os astros desempenham sobre alguns aspetos da vida terrena seria lançar no caos toda a teoria científica. 

Por outro lado, admitir esse papel, reconhecê-lo, para alguns aspetos da vida, impede-nos de, objetiva e fundamentadamente, simplesmente o negar cegamente no que se refere a outros.

Resta, pois, dizer que, embora não disponhamos de informação credível que permita confirmar tal hipótese, a possibilidade e, até, a probabilidade de os astros influenciarem múltiplos aspetos do comportamento humano é bem real e, como tal, não deve ser descurada, menosprezada e, muito menos, desprezada, como alguns tendem a fazer.


4. Os Outros e Eu

Desta nebulosa de dúvida, uma quase certeza emerge, porém: a de que, a existir influência cósmica sobre alguma vertente do Futuro, apenas se afigura possível que ela incida, seja, diretamente, sobre o comportamento dos indivíduos, seja sobre eventos da Natureza determinantes do mesmo, como acontece, no primeiro caso, com as ações e reações de outros animais e, no segundo, com as estações do ano. O que, por absoluta inexistência de substrato lógico ou científico, não pode, de modo algum, se tido por credível, é que, arrimando-se no que quer que seja ou se esforce por inventar, alguém venha, algum dia, a prever os números que irão sair no loto do clube da aldeia, no Euromilhões ou na lotaria das variáveis que, sob tantos aspetos, influenciam a vida de cada um de nós.

Continuará, não obstante, ao alcance do vidente prever, com razoável probabilidade, que alguém irá receber uma herança, desde que, na conversa com o cliente, se inteire da existência de um abastado, idoso e doente ascendente, e a integre, depois, numa combinação astral ou imaginariamente maléfica para a saúde do dito infeliz.

Estaremos, no entanto, neste caso em presença, não de uma previsão específica de que se irão encher de ouro os bolsos do descendente, mas de uma previsão de que a vida do autor da herança em breve irá terminar, assim não se relacionando o recebimento da herança com uma previsão diretamente feita ao Futuro do cliente do adivinho - vinda do nada ou de inspiração cósmica ou divina -, mas feita à provável evolução do estado do enfermo, que qualquer um de bom senso poderia fazer.

Se determinada combinação astral for propícia termos hoje um dia chuvoso e tristonho, mais provável se torna que tomemos decisões menos empenhadas, menos lúcidas, logo, menos eficazes, e que, como consequência delas, a nossa vida se complique. Num dia tépido e ensolarado, pelo contrário, tudo parece bem menos complicado, e a vida corre melhor. Mas, isto nada tem a ver com combinações astrais, antes com o privilégio de poder contar com um dia de Sol.

Da mesma forma, se outra combinação astral favorecer a vida e a disposição da pessoa a quem mais dedicamos a nossa atenção e carinho, bastará ao adivinho conhecer o respetivo signo para nos dar a boa nova de que seremos "felizes no amor": não porque o nosso signo o diga, mas pelo que, relativamente a outros aspetos da vida, disser o signo da pessoa amada - caso isto dos signos nos afete de alguma maneira.

O que dizer, então, do que nos espera sempre que, supostamente, os astros não forem propícios à disposição de um funcionário de cujo poder discricionário depende a emissão de licença ou autorização do Estado para qualquer ação que queiramos empreender ou obra que pretendamos realizar? Ou de um juiz que os nossos atos ou interesses irá julgar?

Todas estas e outras decisões se fundamentam, idealmente, na estrita aplicação do direito; mas, sendo materialmente impossível que a lei preveja todas as combinações e variantes possíveis para idênticas situações, sempre haverá o decisor de recorrer à hermenêutica e, segundo o seu melhor critério - inevitavelmente influenciável pela disposição no momento... -, colmatar lacunas e os preceitos interpretar.

Eis, pois, a mais importante distinção a reter: não será a influência direta dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o próprio Futuro, mas, quando muito, a influência cósmica sobre a Natureza e sobre a vida dos terceiros que, por sua vez, irão operar em aspetos importantes do que mais proximamente lhe irá acontecer.

5. Da Viabilidade Estatística

Pelo menos dois obstáculos de monta se opõem a um tratamento estatístico minimamente fiável da astrologia: por um lado a impossibilidade prática de classificar, de forma significativa e abrangente, todas as vertentes da vivência humana; por outro, o facto de não haver como, objetivamente, validar os dados recolhidos e a informação colhida do respetivo processamento.

A qualidade desta validação não passaria do nível básico atribuível à de artigos científicos que por aí andam acerca da personalidade de cada um, baseando-se em traços fisionómicos, estruturas corporais ou aspetos comportamentais. Buscam os estudos que redundam em tais artigos extrair conclusões supostamente firmes de respostas naturalmente subjetivas fornecidas por familiares, amigos e conhecidos do objeto do inquérito; e, em certos casos, até de respostas dadas pelo próprio. Pergunta-se a alguém que tem o nariz com este ou aquele formato "Considera-se uma pessoa honesta?", ele responde "Sim" - todos responderão "Sim"... -, e conclui-se que quem tem um nariz de assim ou assado é honesto; e, como ninguém irá admitir que não é honesto, o mesmo acontecendo, necessariamente, com quem tiver qualquer outro tipo de nariz.

No campo da astrologia, as questões seriam, talvez, do género "Nestes últimos dias, tem tido sorte aos amores?" e, se a maioria dos nascidos sob o signo do Carneiro responder "Não", concluir-se-á que, estando a Lua e Vénus em conjugação com isto ou daquilo, os ditos indivíduos terão propensão para ser infelizes no amor... fazendo tábua rasa de coisas tão simples como factos de natureza política, social, ou económica que poderão estar a afetar toda a gente, independentemente do signo em que tiver nascido. Já para não falar, obviamente, dos diferentes e eminentemente subjetivos graus de exigência quanto à felicidade de cada um, da própria noção de felicidade e de um não mais acabar de subjetividades que inviabilizariam qualquer validação científica, por muito rigorosa que a seleção de inquéritos pudesse ser.

A despeito de alguma correlação efetiva que, de facto, possa existir entre os astros e algum aspeto da nossa vida, o facto de ela jamais poder vir a ser conhecida com uma, ainda que mínima, base científica desaconselha que continuemos a falar de astrologia assentes, unicamente, na intuição ou na observação de amostras ínfimas extraídas meramente do conhecimento direto e da experiência de vida de adivinhos de agora ou de tempos há muito idos.

Neste contexto de validação impossível, que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?


6. A Mão de Deus?

Independentemente da possibilidade ou impossibilidade de validação, o exercício da influência dos astros, direta ou indiretamente, sobre os humanos suscitará, inevitavelmente, questões quanto à forma como a Razão Criadora de tudo e de todos, gere o Universo. Isto, claro está, partindo do princípio de que esse Criador ainda existe; e de que, a existir, continua a interferir na evolução da Sua obra, designadamente nos destinos da Humanidade.

De facto, sejam quais forem os objetivos na génese do Mundo - seja ele o que for... -, até que ponto fará algum sentido que seja a nossa vida gerida ou influenciada por signos, em duodécimos, em doze fatias de dimensão presumivelmente idêntica, correspondentes aos nascidos em cada um dos signos do Zodíaco? Ou não passarão os signos de uma fantasia e, no que diz respeito ao que possa ser determinado pelo Cosmos, haverá outras formas de classificar mais consentâneas com a realidade?

Certo é que, enquanto a quiromancia, por exemplo, se foca, inteiramente, no caso específico do indivíduo que detém esta ou aquela combinação - única - de linhas nas palmas das mãos, enquanto a fisiognomonia se centra no conjunto - único - de traços fisionómicos de um indivíduo -, a astrologia parte do pressuposto do exercício da ação benéfica ou maléfica de corpos celestes sobre conjuntos imensos de pessoas formados por um duodécimo da Humanidade, se não determinando o respetivo destino em lotes, pelo menos assim o tornando mais provável em detrimento da individualidade, da originalidade e, consequentemente, da riqueza da evolução das espécies.

A esta afirmação opõem-se os que dizem que a revelação do desconhecido relativo a determinado indivíduo apenas é possível mediante recurso a um mapa astral, o que gera, para o respetivo autor, chorudos proventos e um acréscimo de credibilidade para aquilo que afirma, já que, além da proverbial ingenuidade cultivada na crendice popular, os mais simples tendem a acreditar e a confiar em tudo aquilo que vê como complicado e, sobretudo... caro, que só alguns podem pagar.

Como pode, porém, dar-se alguma credibilidade a mapas astrais baseados, simplesmente, no posicionamento relativo de uma ínfima quantidade de corpos celestes no momento do nascimento de um indivíduo, ignorando, completamente, variáveis tão importantes como a genética, a geografia e a inserção social?

Sempre poderá, é verdade, argumentar-se que, tal como cada um de nós foi plantado em diferentes circunstâncias de tempo, de meio e de lugar - cabendo-lhe, independentemente delas e em benefício dos semelhantes, desenvolver as próprias qualidades e combater os inevitáveis defeitos -, também o facto de a data do nascimento se situar neste ou naquele signo implicará uma disparidade dos desafios que, por influência astral, cada qual terá de enfrentar.

No entanto, a assim ser, a questão essencial do propósito da Criação apenas se tornará mais confusa, tudo se complicando à medida que novos parâmetros e critérios cientistas e adivinhos forem sendo capazes de imaginar; e, seja qual for o vaticínio resultante da aplicação dessa complicada teia de influências, sempre a individualidade acabará prejudicada, uma vez que, por pequenas que se tornem as fatias da população abrangida, sempre haverá mais do que uma nascida à mesma hora, do mesmo dia do mesmo ano, e no mesmo lugar.

7. Conclusão

Ao contemplar a imensidão do Cosmos face à ridícula pequenez do planeta que habitamos, não poderemos deixar de nos questionar até que ponto será legítimo e aceitável enunciar a mera hipótese de tudo aquilo nada mais servir do que o exercício de manipulação ou, pelo menos, de influência por parte de quem tudo possa ter criado, por qualquer razão que nos não é dado descortinar.

Assim não sendo, como explicar a existência de um Espaço virtualmente infinito onde, além da que encontramos na Terra, de nenhuma outra vida inteligente sabermos ainda, a não ser as que povoam o nosso imaginário e algumas obras de ficção?

Como poderemos conhecer a razão de ser do Universo, se desconhecemos até a da nossa Criação?

Validar cientificamente uma teoria astrológica, ou similar poderia ser um importante contributo para uma melhor compreensão da vida e da função que nela se espera que desempenhemos. Parecem, no entanto, inultrapassáveis até os mais próximos e elementares obstáculos a tal validação.

Resta assim, aos mais crédulos, na sua desenfreada busca da felicidade que não sabem o que é continuar a ir à bruxa, e a esbanjar rios de dinheiro a procurar debelar a angústia e os mais ou menos dramáticos estados de aflição...

(continua aqui)

sábado, 16 de outubro de 2021


Juíz Negacionista ou Advogado Oportunista?

 
Um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação
da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente,
num Estado que se diz
de direito, mas de cuja Justiça
a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar

Limites Abstratos da Validação
1. Dos Limites Abstratos da Validação
2. Um Caso de Estudo
    2.1. Cronologia
    2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado
    2.3. Algumas Hipóteses
            2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado
            2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista
            2.3.3. Outras Possibilidades
3. (In)Conclusão

1. Dos Limites Abstratos da Validação

De tenebrosos contornos, aterrador enunciado e inimagináveis consequências sociais futuras, certas hipóteses arrepiam no próprio momento de as formular.

Talvez por isso, a uma grande parte dos investigadores – mesmo os mais sensacionalistas – elas nem ocorram, como efeito de um bloqueio natural do espírito e da mente perante a perversidade, a maldade intrínseca, a quase sociopatia associável aos correspondentes atos, e imanente das pessoas dos imaginários autores.

Todavia, apenas poderá, alguma vez, atingir-se um conhecimento razoavelmente pleno da realidade quando, a par do apuramento dos factos e das respetivas circunstâncias - fundado na certeza oferecida por prova positiva fidedigna -, cuidarmos de, procurando com objetividade, com incansável empenho e até ao limite material e humano do possível, prova negativa aceitável das hipóteses menos prováveis, das mais caricatas, das indizivelmente abjetas, das virtualmente impossíveis.

Desta forma, e só desta forma, se estará, mediante a aplicação da dúvida sistemática*), a fazer, efetivamente, tudo quanto é possível para anular qualquer fator de incerteza, por ínfimo que seja, suscetível de inquinar a segurança que sempre se quer presente na validação de uma formulação em qualquer área do conhecimento.

Pois não é, afinal, a dúvida a única certeza da vida?

- x –

Introdução da Dùvida Sistemática
A introdução da dúvida sistemática nos domínios da Justiça revela-se indispensável designadamente no direito penal das nações livres - em que a presunção inicial da inocência é regra -, devendo a culpabilidade que legitima qualquer punição ser demonstrada para além de qualquer dúvida razoável, e sempre fazendo prevalecer o princípio in dubio pro reo*).

Assim, e por mais improvável e ridículo que se nos possa afigurar, o mais ínfimo resquício de incerteza que possa subsistir só poderá ser eliminado se todas, mas mesmo todas, as pistas em presença forem seguidas e rejeitadas, num esforço sério, honesto, empenhado e levado a cabo até aos mais exigentes, porquanto razoáveis, limites.

Isto é válido, não apenas para a Justiça dos estados, como para a validação, por cada cidadão, da opinião que, em cada altura, forma sobre terceiros, seja no âmbito estrito das relações sociais com o núcleo próximo de familiares e amigos, seja na formação de juízos críticos tendo como objeto personalidades que, na maior parte das vezes, pessoalmente não conhece, a elas apenas tendo acesso através das informações até si veiculadas pelos meios de informação.

Deve, assim, ver-se com olhar crítico quanto de bom e de mau nos chega relativamente a cada um, procurando, mediante o complementar da informação disponível e a aplicação à mesma da mais exigente lógica, encarar de frente e com espírito aberto e rigor científico, quer a mais divinal hipótese, quer a mais abjeta.

 

2. Um Caso de Estudo

Sem prejuízo do desfecho de reclamações ou de recursos pendentes sobre a drástica decisão, acaba de ser, pela quarta vez em Portugal*), um juiz de direito (adiante “Visado”) expulso da magistratura, ou seja, afastado compulsiva e definitivamente do digno cargo que lhe fora confiado, bem como das funções a ele inerentes.

Os atos subjacentes à inevitável e há muito esperada decisão foram objeto de ampla cobertura por jornalistas, juristas, pelos mais diversos comentadores.

A Generalidade das Abordagens
Acontece, porém, que a generalidade das abordagens parece ter, deliberada ou, inconscientemente evitando mergulhar nas profundezas da eventual podridão humana, nomeadamente furtando-se a elaborar exaustivamente sobre as motivações possíveis: não através da especulação infundada, difamatória, emotiva, inconsequente e gratuita, mas partindo da sólida base factual não desmentida que nos chega da comunicação social,.

Cumpre, assim, que sobre ela nos debrucemos a fim de procurar afastar qualquer dúvida que, em qualquer plano, possa, ainda, manifestar-se sobre tão triste caso.

 


2.1. Cronologia

Posto que a sequência dos factos parece não ter, ainda, sido objeto de qualquer tentativa de sistematização, aqui fica, a fazer fé no que foi noticiado e no que se refere apenas ao mais relevante, o que quanto nela parece adequado incluir:

i.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa*), inicia o Visado, em 2003 ou 2004 as funções de juiz de direito*), que terá exercido até 2011 (ou, segundo alguns, apenas durante quatro anos).

ii.
Por essa altura, e a seu pedido, passa à situação de licença sem vencimento, para se dedicar à advocacia, tendo, no mesmo ano, rumado ao Brasil, onde permaneceria até 2017.

iii.
De regresso a Portugal, algures durante o Outono de 2020 funda o sítio “Juristas pela Verdade”*), centrado na negação da existência de uma pandemia da doença COVID-19.

iv.
Entre 2011 e Fevereiro de 2021, tem como atividade profissional o exercício da advocacia numa sociedade de advogados presumivelmente sediada no Brasil, mas licenciada para operar também em dois escritórios em Portugal, em Oeiras e em Lisboa.

Juiz Negacionista
A página de apresentação dessa Sociedade*), evidencia, além da sua capacidade de advogado, a qualidade de  magistrado judicial em Portugal, em regime de licença”, sendo esta situação de licença omitida no perfil existente no LinkedIn*), onde se apresenta, simultaneamente como “Law Judge (Portugal)/Attorney at law (Brazil and Portugal)

Os serviços da Empresa são apresentados como centrando-se em “Homologação de divórcio”, ”Direitos trabalhistas do estrangeiro ilegal”, “Contumácia: como resolver?” e obtenção da cidadania europeia - embora, na apresentação do escritório português no Linkedin*), se apresente o Visado, de forma bem diferente, como especializada em “Direito Penal e Direito Processual Penal”.

v.
De 19 de Fevereiro de 2021 data a mais recente publicação no sítio “Juristas pela Verdade”.

vi.
Em 01 de Março – não é claro se, automaticamente, no termo da licença sem vencimento, ou na sequência de solicitação do próprio -, retoma o Visado as funções de juiz de direito, tendo sido colocado no tribunal de Odemira.

vii.
Em 02 de Março requer a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados.

viii.
No exercício das funções de magistrado judicial, continua a aparecer como principal rosto da já anteriormente existente página do Facebook ”Habeas Corpus”*), negacionista e, aparentemente, sucessora da “Juristas pela Verdade”.

Cronologia
ix.
Entre 01 e 12 de Março, falta o Visado nove dias úteis consecutivos ao serviço sem apresentar qualquer justificação. Ou seja: demorou nove dias úteis a apresentar-se ao serviço em que, no dia um do mesmo mês, deveria ter iniciado funções.

x. A existência de um inquérito disciplinar*) na sequência da publicação de pequenos filmes manifestando-se contra o estado de emergência é noticiada em 23 de Março.

xi.
A Ordem dos Advogados faz saber, em 25 de Março, que irá proceder disciplinarmente contra o Visado por ter ela tomado conhecimento de atos de competência própria de advogados por ele praticados já com a inscrição suspensa.*)

xii.
No mesmo dia, é o Visado suspenso do exercício de funções*) pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM).

xiii.
Em 29 de Março é noticiado que desafiara, para um combate de artes marciais, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP).*)

xiv.
Em 16 de Junho apresenta defesa no âmbito do processo disciplinar.*)

xv.
Em 29 de Julho, publica no YouTube, um pequeno filme em que classifica como pedófilo o Presidente da Assembleia da República.*)

xvi.
Em 25 de Agosto, apresenta na Procuradoria-Geral da República queixa contra o Presidente da República e o Primeiro-Ministro pela prática de crimes contra a Humanidade.*)

xvii.
Na audição levada a cabo em 07 de Setembro, diz-se o rosto dos injustiçados e reprimidos pelas medidas de combate à pandemia cuja existência nega, tal como nega o facto de haver a doença provocado qualquer morte entre os cidadãos.

Presidente do Supremo Tribunal
Após ter exigido que todos os membros do Conselho retirassem as máscaras, já que "Com as caras tapadas não sei quem são", dirige-se ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)*) dizendo que "O doutor está mais próximo de ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Marrocos ou da Guiné Equatorial. É esse o prestígio que tem. A sua vaidade e o seu narcisismo não lhe valem de nada. E o mesmo se aplica a todos os outros como é óbvio".

xviii. No mesmo dia 07 de Setembro, depois de um graduado lhe garantir que não iria mandar carregar sobre quem quer que fosse, insiste o Visado em destratar agentes da PSP, nos seguintes termos*): "os Senhores não vão carregar sobre as pessoas, porque senão os Senhores é que vão ser detidos, hoje (...) Ai de você que carregue sobre as pessoas, porque há coisas que vão ser sabidas, se você carregar sobre as pessoas. Diga lá aos seus Chefes!". "O Senhor não tem que me dizer que exemplo é que eu dou ou não. Não me toca, hã? Não me toque. Não me toque. 'tá a perceber? Ponha-se no seu lugar! Ponha-se no seu lugar! Eu sou a autoridade judiciária, aqui. E o Senhor também ponha-se no seu lugar. 'tá a perceber? O Senhor vai ser detido, se carregar em alguém (...). Eu ponho-me no meu lugar, e o meu lugar é este: acima de si, acima de si! 'tá a perceber? O Senhor 'tá abaixo de mim. Portanto o Senhor não vai carregar sobre ninguém".

xix.
Em 08 de Setembro a PSP apresenta queixa contra o Visado por haver desrespeitado alguns agentes*) à porta do edifício onde está instalado o CSM.

xx.
Em 07 de Outubro, o plenário do CSM aplica-lhe, por unanimidade, a pena de expulsão da magistratura*) por “Ter nove dias úteis consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas, as quais ocorreram entre o dia 01/03/2021 a 12/03/2021, com prejuízo para o serviço judicial (...)", “Ter proferido despacho, durante uma audiência e julgamento, no dia 24/03/2021, no qual emitiu instruções contrárias ao disposto na lei no que respeita às obrigações de cuidados sanitários no âmbito da pandemia Covid19 (…)” e “Ter publicado uma série de vídeos em várias redes sociais, nos quais, e não deixando de invocar a sua qualidade de Juiz, incentivava à violação da lei e das regras sanitárias, bem como proferia afirmações difamatórias dirigidas a pessoas concretas e a conjuntos de pessoas”.

Embora a condenação seja passível de recurso, este não suspende a eficácia da decisão.*)

xxi.
Na mesma data, a Associação Sindical dos Juízes de Portugal exprime o seu entendimento*) de que a condenação, “que toda a gente esperava e era inevitável”, “coloca uma pedra sobre o assunto”, salientando o “impacto negativo na imagem da justiça” de “um caso isolado e bizarro para aquilo que é o comportamento dos juízes

 

Direito de Não Comparecer ao Trabalho

2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado

Embora raramente comentado, o aspeto das faltas injustificadas assume, no presente caso, uma importância muito especial.

Qualquer trabalhador tem o direito de não comparecer ao trabalho em situações consideradas justificáveis pelas normas aplicáveis, desde que para a falta apresente justificação.

Não sendo tal justificação apresentada, haverá que presumir uma de três coisas: ou justificação válida inexiste e o trabalhador faltou por razões não atendíveis; ou existe justificação válida mas, denotando desrespeito, o interessado optou por nem se dar ao trabalho de a apresentar; ou a omissão é deliberada, procurando assim marcar-se uma posição.

Em qualquer caso, a conduta subjacente denota desrespeito pelos ditames éticos e deontológicos, na medida em que nenhuma organização alguma vez poderá ser eficaz quando sujeita ao capricho e à arbitrariedade daqueles de quem depende para harmoniosamente funcionar, tampouco podendo os que, por sua vez, dela dependem deixar de ser, de alguma forma, prejudicados nos seus legítimos direitos e expetativas, nomeadamente no domínio da Justiça, cuja solenidade e integridade na administração se mostram essenciais ao funcionamento do Estado de Direito.

- x –

Embora todos sejamos criados e educados de maneiras muito diferentes, qualquer representante do assim chamado homem médio, do bonus pater familiae*), entenderá que é pressuposto da admissão de alguém a um posto de trabalho que esse alguém ao mesmo ser irá dedicar de forma diligente, no interesse de quem contrata e daqueles a quem o empregador presta serviço ou com os quais desenvolve uma relação comercial.

Sendo, no caso do sistema judiciário, o Estado o empregador e sendo a generalidade dos cidadãos aqueles a quem presta serviço, não há como ilidir a inevitabilidade da conclusão pelo dever de o juiz agir com irrepreensíveis brio e empenhamento profissional no desempenho das suas funções, até no superior interesse da dignificação da atividade judicial.

O facto de o Visado ter, nos dezanove dias úteis em que esteve ao serviço, faltado nove – quase metade! - sem apresentar qualquer justificação torna irrazoável não concluir que o regresso do outrora advogado à magistratura judicial se deveu, exclusivamente, a motivação egoísta que, embora de natureza e contornos desconhecidos, nada teve alguma vez a ver com qualquer ideal de missão, de serviço público ou sequer, de aplicado desempenho de qualquer função.

Ganha, assim, esta aparentemente menor questão das faltas injustificadas especial relevância quando se trata de, em vão, procurar afastar qualquer dúvida relativa à falta de bondade da motivação do regresso aos tribunais de quem há muito era o rosto principal de uma sociedade de advogados com o seu nome e, simultaneamente, de uma campanha mediática contrária ao interesse nacional, designadamente na área da saúde pública.

Acresce, naturalmente, o facto de ser humanamente impossível ao Visado desconhecer a inexorável e fatídica sorte a que, dada a sua conduta imprópria, a carreira de magistrado estava, à partida, condenada. Por outras palavras, bem sabia, porque enquanto magistrado não podia deixar de saber, ser impossível não expulsar da magistratura alguém que como ele tivesse agido.

Jamais podendo alguém minimamente lúcido esperar, de facto, poder continuar a ser juiz de direito após tamanhos desmandos públicos amplamente divulgados, seria logicamente aberrante não concluir que sempre o Visado pretendeu que a sua nova passagem pela magistratura fosse efémera e acabasse no meio de retumbante queda, durante um espetáculo cuidadosamente encenado.

Mas com que objetivo? Qual a motivação?

 


2.3. Algumas Hipóteses


2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado

Todos temos presente o caso de um quase desconhecido advogado que, há não muito tempo, esteve na origem da fundação de um sindicato que acabou extinto por decisão judicial devido a irregularidades na sua constituição*), não sem antes ter quase paralisado o País inteiro por privação de combustível que permitisse aos cidadãos assegurar a mais elementar deslocação.

O rosto do mesmo advogado promover-se-ia, mais tarde, em enormes cartazes de um insignificante partido político, nunca mais, desde então, do portador da triste cara se tendo ouvido falar, mas sendo de presumir que a respetiva atividade profissional tenha muito favoravelmente evoluído graças à ampla e generosa divulgação mediática da imagem do indivíduo, independentemente da motivação da atuação.

A primeira hipótese a eliminar quanto ao que verdadeiramente move um alegado negacionista que regressa à magistratura em plena campanha por si alimentada para, menos de uma quinzena depois, faltar ao trabalho nove dias consecutivos sem justificação, enquanto continua a manifestar, com o alarde de sempre, as suas alucinadas posições, exagerando desnecessariamente no protagonismo e tratando de assegurar que dele muito se ouviria falar é, assim, a de estarmos, não diante de um juiz de direito, mas de um advogado oportunista que viu e aproveitou uma oportunidade única para chamar a atenção pública para a sua pessoa como forma de atrair clientes.

Tratar-se-ia, a assim ser, de algo que se estaria a tornar num hábito na profissão de advogado: dada a proibição de publicitar a atividade profissional, optar pela promoção, embora negativa, da imagem pública da pessoa, indiferente ao prejuízo para o Estado e retirando-se da ribalta logo de seguida – ou sendo removido.

Regressaria, então, à advocacia quando já sobejamente conhecido junto de potenciais clientes pouco sensíveis aos prejuízos causados à coletividade, mas muito atentos aos desacatos, ao tom agressivo, à suposta coragem com que o interessado afrontaria os poderes públicos e as autoridades, comportamentos por alguns considerados fortemente promissores de um bom desempenho na barra dos tribunais.

Dar-se-ia, assim, razão ao velho chavão publicitário segundo o qual não importa o que digam de nós: o que importa é que falem de nós.

- x -

A favor desta hipótese milita praticamente toda a sequência cronológica acima resumida em 2.1., sobre a qual, dada a evidente clareza, não valerá muito a pena elaborar.

Contra ela, temos o facto de se tratar de algo tão abjeto, tão vil, tão manipulador, são indiferente aos interesses e aos direitos do próximo que, considerá-la válida seria o reconhecimento último de que muito pouco haverá, já, que esperar de certos representantes da Humanidade. Ou dela toda…

A propósito: terá, quando deixou a profissão, o Visado vendido as quotas na sociedade de advogados, obrigada que esta está a apenas contar, no capital, com participações de advogados inscritos e no exercício da atividade profissional?

Terá a Ordem cuidado de averiguar o que, efetivamente, se passou?


2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista

Outra hipótese que não pode deixar de ser considerada quanto à motivação para o uso e abuso da oportunidade de regresso à magistratura com o fito específico de dela ser rapidamente expulso no meio de enorme alarido será ter o Visado pretendido chamar a atenção, não para a atividade de advogado - que, necessitando de assegurar o sustento, provavelmente irá retomar -, mas para a causa negacionista da pandemia.

Tal possibilidade não pode deixar de nos fazer refletir um pouco também sobre a motivação dos próprios negacionistas: o que ganharão em insistir na tola ideia de que não existe pandemia, de que a evidência científica apresentada não é válida, de que ninguém morreu devido a infeção pelo vírus Sars-Cov-2?*)

O que ganharão elementos da extrema-direita em negar o holocausto nazi*), ou elementos da extrema-esquerda em negar Holodomor?

O que ganhará, afinal, quem quer que seja em, de entre aquilo que se encontra cientificamente demonstrado, negar seja o que for?

No caso da COVID, será assim tão nocivo andar de máscara, ou ser inoculado com uma vacina idêntica a tantas outras? Será que o dano residual a um ou outro vacinado entre largos milhões justificará que milhões se neguem a proteger-se e a proteger os outros?

Não estaremos, antes, diante de pessoas que advogam causas em que não acreditam, que nem chegam a entender bem, às quais aderem apenas pelo ruído mediático que provocam e que, dessa forma, algum protagonismo a um punhado de barulhentos e irracionais frustrados poderá trazer?

Como poderá encarar-se como legítima a posição de um verdadeiro, de um genuíno juiz de direito que, com porventura inconfessáveis ou condenáveis e egocêntricos objetivos, em grupelhos destes se imiscui, advogando posições antissociais e anti o que quer que de saudável e construtivo para o bem de todos queiramos fazer?

Como considerar natural a identificação de um magistrado com gente que é do contra seja no que for, pela notoriedade, pela mera fruição, pelo prazer de o ser?


2.3.3. Outras Possibilidades

Significarão aquelas camisolas pretas, aquele ar agressivo, aquele discurso desconexo e repetitivo, a negação desrazoável, que o juiz apenas estará a advogar, numa toscamente encapotada manobra, práticas extremistas visando a desestabilização e a subversão?

Ou, mais singelamente, não passará de uma personalidade narcísica - característica que se não coibiu de atribuir ao Presidente do STJ quando, durante a audição no CSM, o interrogou?

Estará o pretenso juiz negacionista a agir apenas como advogado oportunista de si mesmo, da própria imagem, consistentemente com as múltiplas fotografias do próprio que povoam a Internet, seja no sítio da Sociedade de Advogados, seja nos sítios das causas que diz defender?

Tratar-se-á, afinal, de uma completa indiferença ao sofrimento que, se atendidas as suas inenarráveis pretensões, estas poderiam causar a todos, desde que o seu estatuto pessoal acabasse elevado por via da defesa exacerbada das mesmas?

Se não, como explicar, a não ser por mero exibicionismo, a insistência em, valendo-se do seu estatuto, proibir uma carga policial sobre quem se manifestava à porta das instalações do CSM, quando já lhe fora, por mais de uma vez, garantido que ela não iria ser ordenada?

Mais a mais, proibiu estando suspenso do exercício de funções, coisa que ninguém se lembrou de lhe recordar…

 

3. (In)conclusão

Se a primeira hipótese for verdadeira, o sujeito rapidamente desaparecerá de cena - e nem terá, provavelmente, chegado a vender as quotas da sociedade comercial.

Se a segunda o for, continuará a manifestar-se como prometido*), pelo menos enquanto a pandemia fizer manchetes - eventualmente mudando depois de bandeira para uma então mais mediática.

Se é válida uma destas duas ou qualquer outra igualmente desprezível, cada um por si o julgará. Jamais poderá, no entanto, uma das hipóteses ser plenamente validada: por um lado, porque só o Visado saberá o que, efetivamente, o moveu; por outro, porque, mesmo que o admita, perante as características que a pessoa tem vindo a manifestar, de muito escassa credibilidade se iria tal admissão afigurar.

Causa cognoscitur ab effectu, mas nem sempre…

- x -

Independentemente de qual a hipótese verdadeira - se alguma -, certo é que todas sempre acabarão por beneficiar, ainda que acessoriamente, da atuação destemperada e imprópria de quem, se um verdadeiro magistrado fosse, também de todas elas deveria ter tido o cuidado de se distanciar.

De facto, quer a imagem enquanto advogado, quer a causa negacionista, quer, eventualmente, as causas de quem milita com camisolas pretas, quer, por fim, a imagem pessoal do Visado acabarão, inevitavelmente, promovidas, se não pelas melhores razões e junto do mais recomendável auditório, pelo menos de quem aprecie o género de pessoa de quem as pessoas certas se não esquecerão.

Tudo isto à custa de irreparável dano para a ideia que cada um tem do sistema judiciário, da magistratura judicial, daquilo que ambos representam, da Justiça que, supostamente, administram e da qual, a assim continuar, pouco mais esperarão os cidadãos.

Estamos perante um então juiz de direito que, enquanto tal, se não coibiu de achincalhar, de humilhar, que se sentiu acima de outros que entendia que deveriam pôr-se no respetivo lugar, em posição de subserviência perante tão distinta e iluminada criatura.

Mais ou menos tenebrosa e arrepiante, cada uma destas quatro hipóteses e qualquer outra que, além delas, possa formular-se, terá estado na origem daquele se apresenta como um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente, num Estado que se diz de direito, mas de cuja Justiça a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar.

* *

Negacionista por negacionista, o que será pior? Juiz, ou Médico?

(continua aqui)

sábado, 9 de outubro de 2021


Matusalém - A Relíquia Comunista Portuguesa

 "Não há no resultado em Lisboa qualquer mérito para o Partido Comunista
ou para o seu eterno Candidato, nem tal prenuncia qualquer surpresa agradável
para uma eleição posterior: simplesmente, aconteceu
"

Não se entende como há, no Partido Comunista Português,tantos ateus que, ao mesmo tempo,
dizem ser tão crentes 
e fiéis seguidores de tamanhos dislates

Não é livre nem defensável um estado de onde as pessoas não podem sair
para outro que seja povoado por quem livremente escolheu lá ficar


  
Plano do Ensaio

   1. Capitalismo e Socialismo
   2. Comunismo
   3. Engodo
   4. Delírio
   5. O Enigma Português
   6. O Partido de Hoje
   7. O Futuro sem Partido

1. Capitalismo e Socialismo

Já se sabe que uma boa parte dos portugueses anda para aí insolvente, falida, endividada até mais não poder ser. Alguns, devido a percalços familiares ou sanitários que não há como antever ou evitar, mas, porventura, a maior parte porque gastou mais do que podia e devia, pressionada por uma premente necessidade de embasbacar a vizinhança com a viagem à inevitável República Dominicana, ou com o carrito novinho em folha “mais potente e maior que o teu, que até já tem uma matrícula do mês passado”.

Dá, até, ideia de que estes lusitanos que tão bem cuidam da própria imagem não são minimamente inteligentes ou detentores de uma instrução básica, requisitos mais do que suficientes para se saber muitíssimo bem que, primeiro, se cria riqueza e, só depois, se distribui o que se amealhou; que primeiro se ganha e só depois se gasta, sob pena de, talvez por uma vida inteira, ficarmos reféns do crédito e, connosco, quem connosco vive e quem em nós confiou.

Isto, qualquer pessoa minimamente formada e com dois dedos de testa é capaz de entender; e nisto se baseiam, dito de forma muito simples, os sistemas capitalistas que, privilegiando a racionalidade na governação, se opõem aos regimes socialistas que pretendem, a qualquer preço, distribuir pelos trabalhadores a riqueza antes de a ter. Falo, naturalmente, dos regimes socialistas puros, e não daquela alaranjada coisa portuguesa que, além do punho fechado e da desafinada cantilena “Portuguesas e Portugueses”, de socialista só o nome ainda tem.

Esquerda Mais à Esquerda
Por isso mesmo, nunca chegam os estados governados por estes regimes da esquerda mais à esquerda a acumular o pecúlio mínimo necessário à viável, prudente e relativamente segura gestão económica das populações, já que, tal como os portugueses que compram com o dinheiro dos outros mais tarde ficam a saber, rapidamente tais regimes se afogam em dívida soberana que nunca irão pagar, diariamente engordada por juros que não param de se acumular, assim absorvendo qualquer valor acrescentado que pudesse, um dia, contribuir para a prometida, desejável e saudável riqueza popular.

- x -

Como também toda a gente sabe, o grande problema do capitalismo está em, sabendo ele – e se sabe! - criar riqueza, muitas vezes se esquecer de, ainda que por via dos salários ou dos impostos, parte dela distribuir por aqueles graças a cujo esforço é amealhado aquilo que o bem sucedido capitalista acumulou.

Alguns, não distribuem porque se esquecem, ou porque nem tal coisa lhes passa pela cabeça. Outros, porque a instrução primária e a educação em casa não foram grande coisa, e na escola do capitalismo não se ensina a distribuir. Em qualquer caso, torna-se, por causa desse recorrente lapso, essencial que quem trabalha se organize em partidos políticos ou em grupos de pressão contra o tendencial domínio de um capitalismo cada vez mais predador.

Como escreveu um conhecido e polémico sacerdote português do séc.XVII, "entre todas as injustiças, nenhumas clamam tanto ao Céu, como as que tiram a liberdade aos que nasceram livres, e as que não pagam o suor aos que trabalham"*)

Sucede, porém, que, tal como há capitalismo bom e capitalismo pior do que mau, também há socialismo bom e socialismo pior do que mau. Quanto a isto, não tenhamos ilusões.

O capitalismo bom e o socialismo bom são, afinal, uma e a mesma coisa, tal como tudo o que é verdadeiramente bom, aquilo que habita em qualquer de nós que seja sensível ao estado de necessidade em que vive a maior parte da população mundial e se disponibilize, pobre ou rico, a partilhar aquilo que tem.

Não se trata, aqui, de sistemas de organização social, mas daquela bondade, pura e simples, que, se fosse universal, dispensaria a existência de capitalismos e de socialismos, de esquerdas e de direitas, de fações e dessas coisas todas com que diariamente os meios de comunicação social, para vender publicidade, nos enchem os há muito saturados ouvidos nas rebuscadas mas vazias palavras de politólogos e de outros sabichões, muitas vezes contratados apenas para preencher tempo de antena nas televisões.

A verdade é que, se não fosse o facto sem remédio de cada um se preocupar apenas com o seu umbigo, bastaria uma organização elementar e consensual do Estado para que todos vivessem com a comodidade e o conforto necessários ao desempenho voluntário e empenhado de tarefas socialmente relevantes, bem como ao lazer e à produção lúdica e artística, essenciais àquela pausa que a cada vez mais martirizada mente sempre requer.

Utopia do Partido
Não passando isto de utopia, resta a eterna querela entre o capitalismo*) mau e o socialismo*) mau, o segundo exigindo do primeiro aquilo que este não quer distribuir; e cuja posse, muitas vezes, nem detém, seja porque o capitalista individual não tem como aumentar regalias e salários, seja porque o capitalista Estado que não tem como… fazer o mesmo, um e outro, simplesmente porque ainda não amealharam o suficiente, ou porque tiveram de despender mais do que o esperado.

Para o socialismo mau, no entanto, isto são pormenores, como se sabe, já que reivindica incessantemente tudo, como se nada tivesse um custo, atirando, depois, a responsabilidade pelos inevitáveis desequilíbrios causados pelos seus desmandos para os ombros dos governantes que tiverem acabado por ceder à ameaça de sucessivas greves e à infernal gritaria de braço esticado e punho erguido.

A diferença reside, afinal, na opção quanto ao momento de gastar: loucamente, antes de ter, ou sensatamente depois, quando já se tem.

 

2. Comunismo

Um pouco além do socialismo, temos o comunismo*) a procurar impor, se necessário pela força, a distribuição igualitária dos bens e dos rendimentos, num mundo - para os seus defensores, ideal - em que cada um colabora em função das respetivas capacidades, mas recebe unicamente de acordo com as suas necessidades.

Por outras palavras, para os comunistas, cada um é obrigado a dar tudo o que pode e, se puder mais, acaba por receber tanto ou menos do que os outros; o que, olhando para dentro de nós mesmos e para a cara de cada um com que na rua nos cruzamos, se vê logo que não é, de facto, o sistema político e social mais adequado para quem quer ser feliz

Exemplificando, seria esse um mundo idílico em que, designadamente, os milionários que ganham a vida a dar pontapés numa minúscula bola para a enfiar naquelas gigantescas balizas lá teriam de trocar o magnífico Porsche do último modelo por um carrito do povo, como o Volkswagen carocha do meu tempo. Mais ou menos isto…

Claro que há burros em todas as ideologias, da mais à esquerda à mais à direita. Todavia, como só alguns comunistas é que são burros, a grande maior parte está cansada de saber que tamanho disparate é de concretização impossível, e que, mesmo no imaginário, só há mais de cem anos atrás poderia ter feito algum sentido, quando não havia redes sociais, nem ao menos informática de uso doméstico, e o futebol era coisa para verdadeiros desportistas e da qual apenas começava a ouvir-se falar.

Sabedoria
Sabendo, como sabem, tudo isto, os que se dizem comunistas, conhecem minimamente a natureza humana e não são burros só podem estar na política de má-fé, a enganar.

- x –

O facto de ser, evidentemente, tolo o ideário comunista não obsta, porém, a que, como já se disse, para fazer face aos desmandos capitalistas reste, a quem trabalha, organizar-se em partidos políticos, em sindicatos, em outros grupos de pressão.

A solução não passa, porém, pela existência de um partido único de esquerda, muito menos um partido cuja cartilha considere normal a liquidação de quem com ele se não identifique ou lhe não obedeça, liquidação essa por vezes até física, como é inevitável em quem advoga a tomada do poder pela força.

Tal é a ideia muito sua que os verdadeiros comunistas têm de liberdade e de democracia, de progresso, de abertura de espírito, daquilo a que alguns chamam democracia avançada, entre outras coisas que não podem deixar de nos trazer à lembrança a prática dos talibãs - que também já se dizem avançados e modernos*).

Tampouco pode a dignificação do trabalho e de quem o executa – ou seja, o reconhecimento de que a mão de obra não equivale à mera instrumentalização por uns da pessoa humana de outros - ser promovida à custa do esbulho de património alheio legitimamente detido e, muito menos, da liberdade ou da vida dos respetivos detentores, os maiores dos direitos fundamentais de qualquer membro da chamada Humanidade, como atualmente (ainda) julgamos conhecê-la.

Não pode, também, a solução ser imposta à bruta, como durante décadas o foi – e ainda o é… -sobretudo em lugares lá mais para o Oriente, mantendo-se os seus supostos promotores entrincheirados atrás de um muro constitucional e legal de privação de direitos, e de outros muros bem reais, de rede ou de betão, impiedosamente apartando famílias pela força, pelo terror de apanhar uma bala; famílias, note-se bem, maioritariamente dos mesmos trabalhadores que os regimes comunistas deveriam proteger, de Leste ou de Oeste ou, na sua maior parte, de lado nenhum.

Não é livre nem defensável um estado de onde as pessoas não podem sair para outro que seja povoado por quem livremente escolheu lá ficar.

 

3. Engodo

Goradas todas as tentativas viáveis de negociação com as ditaduras à margem das quais os ideais socialistas floresceram, descredibilizada a ação política tradicional e pacífica de uma oposição de esquerda, como levar as massas ignorantes a aderir à luta que alguém por elas se proponha travar? Só mesmo acenando com o poder das armas contra a ditadura opressora.

Força bruta como meio
O argumento da força bruta como meio eficaz de subjugar o adversário sempre será convincente e apetecível junto das massas incultas, pelo menos junto de quem pensa que, para ganhar contra uma equipa que joga melhor à bola nada como inutilizar o adversário com uma mais ou menos subtil pisadela com os pitons da bota bem cravados nos tendões e nos músculos da perna do infeliz futebolista, por forma a enviar para as boxes o craque principal, impedindo-o de continuar em jogo.

A mensagem da tomada do poder pela força bruta aceitava-se há uns cinquenta e tal anos, quando ainda escassos sessenta tinham passado sobre a Revolução Russa.  Hoje, apenas serve a nostalgia de uns poucos que se lembram desses tempos, e para inflamar os ânimos de uns quantos, bem mais jovens, que também têm, da função social do desporto, uma leitura inqualificável.

Quanto ao resto, a cada vez mais mirrada quantidade de votos mostra bem que, por todo o Mundo, em democracia são incomensuravelmente mais os chamados pela causa da liberdade do que os escolhidos pelos ideologicamente desnorteados eleitores que se dizem comunistas até que, desiludidos, começam a votar em partidos… da extrema direita em que também não acreditam.

- x -

Talvez os promotores dos muros – a Leste e, agora, também a Oeste, na fronteira com o México*) - não comam criancinhas ao pequeno-almoço, mas não deixa de ser verdade que sempre souberam e continuam a saber muito eficazmente tratar da saúde das suas mamãs e papás...

Além das sucessivas violações dos mais elementares direitos, liberdades e garantias dos cidadãos, todas as experiências ditas comunistas que foram tentadas em qualquer parte do Mundo redundaram em retumbantes fracassos sociais e económicos, quer ainda se arrastem graças aos bons ofícios do carrasco, quer tenham soçobrado e sido os partidos que as promoveram extintos ou reduzidos à mais simbólica expressão.

Dificilmente assim não aconteceria com regimes que, longe de efetivamente defender trabalhadores e pensionistas, a coberto da doutrina marxista-leninista acenavam com essa suposta defesa a indivíduos maioritariamente pouco instruídos e muito relativamente dotados do ponto de vista intelectual; regimes em que, uma vez tomado o poder, rapidamente passavam os seus detentores a oprimir e a reprimir também os mesmíssimos trabalhadores e pensionistas que neles votaram, a par dos tais capitalistas que constituíam o seu principal alvo – e, alegadamente, o único.

A tentação é grande
A verdade é que a tentação é grande, e diz a História que o poder e o dinheiro transformam igualmente o comportamento e a atitude perante a vida de capitalistas, de socialistas e de comunistas, apesar da já tão gasta desvalorizada e risível promessa de que, elegendo verdadeiros socialistas ou comunistas, as benesses e o dinheiro irão todos para os operários e para os trabalhadores.

Onde, de facto, alguma vez terá existido semelhante paraíso na Terra? Pois…

Defender as classes trabalhadoras dos excessos do capitalismo sustentando-se ideologicamente - e contra a mais elementar lógica - na irracionalidade e na negação da evidência para além dos limites da mais pobre lucidez, parece, não apenas incompetência e loucura, como despudorada má-fé para com os tais menos esclarecidos e instruídos seguidores, que vão sendo mantidos na mirífica ilusão de uma vida melhor, aparentemente com o fito único de politicamente sustentar o poder ilegítimo de quem enganosamente nas suas mãos ávidas o tomou.

 

4. Delírio

Os recentes acontecimentos em Cuba*) não passam de mais uma demonstração, entre tantas outras, de que, de tanto andar por aí nu, o rei comunista morreu, porque a pneumonia demagógica há muito o fez soçobrar.

Certo é que a situação da economia cubana foi fortemente penalizada pela quebra de uma atividade turística da qual quase exclusivamente depende e que, em tempos de pandemia, praticamente desapareceu; mas não é menos certo que de igual dependência do turismo padece este Portugal onde, apesar de tudo, um regime (ainda) não comunista parece ter evitado um descalabro económico comparável ou, sequer, parecido.

Não nos esqueçamos, porém, de que, em qualquer parte do Mundo e seja qual for o sistema político vigente, a defesa dos interesses dos mais pobres e desfavorecidos é, em si mesma, causa de dignidade tamanha que não necessita de suporte, ideológico ou não, além da insofismável evidência daquilo que o coração nos diz.

Não há, aliás, programa político que, de boa ou de má-fé, a não alardeie, ainda que apenas por estar bem ciente de que, caso o não fizesse, nenhuma esperança de sucesso um partido poderia ter numa democrática eleição, por serem os pobres muito mais do que os ricos.

A fim de assegurar a pluralidade e evitar qualquer possibilidade de domínio ilegítimo, importa, no entanto, garantir um quadro democrático e pluralista no qual, em lugar de um partido comunista único, marxista-leninista, existam partidos que pugnem por que esses sentimentos elevados sejam plasmados, não apenas em programas eleitorais, mas na prática social quotidiana e na governação.

Pai Natal
Não faz, porém, qualquer sentido que, comunistas ou não, partidos de uma certa esquerda demagógica, indiferentes à sobejamente conhecida inexistência de capital suficiente nas empresas ou no Estado para satisfazer as suas desvairadas reivindicações, nestas teimem, adotando a atitude pueril de quem quer muito defender os méritos do seu brinquedo escangalhado, ou de quem, sabendo impossível vir a ter um novo, continua a pedi-lo ao Pai Natal.

Agem tais partidos num estado de delírio, de negação idêntico ao que poderia levar um cientista a continuar a insistir em algo que, há décadas produzisse resultados negativos, não se vislumbrando a mais remota possibilidade de chegar a outro resultado, ou a mais remota racionalidade económica em continuar a experimentação.

Perante a esmagadora evidência do clamoroso desastre das muitas populações já condenadas à miséria pelos seguidores da doutrina socialista e da prática comunista, já nem o conhecimento aprofundado da teoria tem qualquer interesse prático: apenas interesse histórico, este, bem relevante, para evitar que alguém volte a cair em tão alucinadas loas.

Mesmo assim, insidiosamente e contra a mais elementar razão, continuam os partidos comunistas a impingi-las aos menos afortunados, aos espoliados, aos explorados, a toda essa panóplia de adjetivos artificiosos e coloridos com que, à falta de melhor, procuram, em vão, apimentar um discurso cada vez mais anquilosado e sediço, que já ninguém de juízo é capaz de suportar.

Numa civilização ocidental que se diz cada vez mais instruída, os poucos alvos que restam para a besta comunista são, convenientemente, os representantes menos educados e menos informados da população, suficientemente néscios e ingénuos para acreditar que, uma vez atingido o poder, pelo voto ou pela força, eles mesmos, os iludidos desafortunados, o poderão exercer; que os outros os deixarão, efetivamente, mandar e que se lá chegarem, acabarão por copiosos frutos tirar das aberrantes reformas então implementadas e da sua impreparada e incompetente gestão.

- x –

Não é, naturalmente, de excluir por completo a possibilidade de existir gente ingénua ou mal informada, mas genuinamente revoltada com a injustiça e o sofrimento de outros, que se filia em organizações ditas comunistas pensando que nelas se poderá entregar com denodo à causa do bem-fazer. Mas também não pode deixar de se suscitar as maiores dúvidas quanto à eficácia e à qualidade da governação de um país num dia em que essas abnegadas mas ingénuas ou mal informadas almas que facilmente se deixam embalar pela irracional e desrazoável cantilena socialista – a pura e dura, não a lusitanamente travestida – ocuparem funções de destaque na gestão da coisa pública de qualquer natal torrão.

5. O Enigma Português

Da ineficácia prática dos propósitos comunistas tivemos, por cá, um belo exemplo na Reforma Agrária do final dos anos setenta do século passado*), bandeira fortemente agitada pelo então pujante Partido Comunista Português (PCP).

De então para cá, a inexistência de vocação capitalista do Estado tem vindo, por sua vez, a ser cabalmente demonstrada no retumbante fracasso económico da generalidade das empresas públicas, inevitavelmente condenadas à bancarrota a menos que passem a vida a tomar gigantescas injeções de adrenalina vindas do supostamente inesgotável dispensário do centro de saúde do Tesouro, alarvemente alimentado pelos nossos impostos.

No PCP de outrora, a evidente capacidade maior do Secretário-Geral então reinante granjeava-lhe o temor e o respeito de quem, para primeiro dirigente, não via alternativa minimamente credível àquela diferenciada pessoa que tanto se preocupava com o caminho capitalista que entendia estar a sociedade dele coeva a tomar.

Tinha, também, o Partido, comparativamente aos comunistas de hoje, a superior vantagem de, ao tempo do seu período áureo, termos estado bem mais próximos do que agora da data da Revolução, pelo que muita fé havia ainda nas monocórdicas promessas interminavelmente projetadas pela cassete nos megafones aparafusados nos tejadilhos dos automóveis dos solícitos e prestáveis camaradas.

Se não houvesse fé, havia, pelo menos o benefício da dúvida relativamente a pressupostos e a teorias que, aos menos atentos ou esclarecidos, não ocorria serem, já então, velhinhas de quase três quartos de século, e provirem de uma cultura substancialmente diferente da portuguesa, desenvolvida em condições e em conjunturas que evoluíram a largos milhares de quilómetros de distância e que com as nossas gentes nada tinham a ver; condições essas que, nesta sociedade de brandos costumes, muito a Oeste, com outro clima cultural, político e, até, atmosférico seria impossível estabelecer. Quanto mais agora, tanto tempo depois, em que a cultura do facilitismo, da anestesia política, dos influencers e das cada vez mais pategas redes sociais, todo o entusiasmo pela defesa de quaisquer verdadeiros valores vertiginosamente faz esmorecer.

O Secretário-Geral de antanho sabia-o bem, porque, inteligente como poucos, não podia deixar de o saber; e, sabendo-o, sabia também que a via da conquista do poder pelas armas já então era uma impossibilidade quase material, nem sequer o crédito de uma utopia podendo merecer.

Entendimento
Como, então,  entender que este homem superior, esta alma aparentemente boa, artística e estruturalmente honesta, tenha assumido e aceitado manter durante tanto tempo a liderança de uma força política que agora cumpre cem anos a lutar contra a ditadura... enquanto, dissimuladamente, não desiste de procurar implementar uma outra?

Um ser humano bondoso e dotado de superior inteligência jamais acreditaria na eficácia do chorrilho de disparates que o aranzel marxista-leninista indubitavelmente é. Terá, então, a capa comunista do Secretário-Geral sido meramente instrumental na sua luta pela liberdade e pela  igualdade?

Dá que pensar…

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Astérix*) lutava contra o invasor. O irredutível PCP lutou e luta para nos impor legisladores e governantes ideologicamente imbuídos de uma fé cega e ácida em postulados anquilosados e ruinosos, que o trato do tempo arrasou, mostrando, na prática, a inevitabilidade do desastre social e económico a que levaria a tresloucada e alienada insistência na sua imposição – como em Cuba e em outros malogrados países levou.

Tão impossível é explicar pela lógica quem é Deus, como os fundamentos da defesa comunista de regimes como os da Coreia do Norte e de Cuba ou da Venezuela. Não se entende, pois, como há, no Partido Comunista Português, tantos ateus que, ao mesmo tempo, dizem ser tão crentes e fiéis seguidores de tamanhos dislates.

Não pode, todavia, acusar-se o outrora Secretário-Geral de desonestidade intelectual, dada a inequívoca bondade das suas intenções. Como explicar o que propunha, então?

Que mistérios da história íntima do PCP ocultará a cortina opaca que forra as tão propaladas paredes de vidro do hermético e compacto partido que, mais do que qualquer outro, mereceria o nome de bloco?

 

6. O Partido de Hoje

Forçado a aderir a um tipo de marketing que com ele nada tem ou alguma vez terá a ver, o Partido Comunista Português já encomenda cartazes num dominante azul bandeira, relegando para enésimo plano a foice e o martelo, e estando, por vezes, o vermelho quase ou totalmente desaparecido.

Festa do Avante
Outro disfarce - outra demonstração de modernidade, perdão… - vem do festival anual*) com que lá vai financiando a estrutura partidária e onde a música no palco alterna com palavras lidas que a ninguém interessam, que já ninguém ouve, tiradas do repertório fantasma de quem, porque já cá não está, já ninguém vê. Quem, de fora, ouvir, for lúcido e intelectualmente honesto, nem fará ideia do que estão a falar.

A propósito de financiamentos do Partido, diga-se, entre parênteses, que não parece intelectualmente honesto afirmar que, na Grécia, o grande erro do governo de extrema-esquerda foi não querer sair do euro*), enquanto o eurocético PCP mantém, no Parlamento Europeu, deputados que, de alguma forma, também financiam o Partido com os chorudos ordenados que, mês a mês, lhes não perdoa.

Não obstante o PCP insistir em continuar representado no Parlamento de uma Comunidade Europeia sobre a qual lançou o anátema, a efetiva sede de assumir a governação nacional é, praticamente, nula, já que, nas hostes, ninguém acredita na cada vez mais remota possibilidade de lá chegar, pela força ou pelo voto; por outro lado, dada a patente incapacidade governativa mínima por parte de velhos e cristalizados ou jovens mas cada vez mais desiludidos militantes; por fim, por bem se saber que, uma vez no poder, nenhuma das prometidas medidas poderiam implementar, sob pena de um inevitável fracasso que representaria, para o Partido, o golpe de misericórdia que vem conseguindo adiar.

Reduz-se, assim, à expressão mais simples a utilidade e eficácia do PCP como partido político, limitada a algumas intervenções interessantes dos deputados mais jovens em comissões parlamentares - um dos quais, batizado com o pseudónimo do Mestre*), já tinha regressado à sua geologia profissional e agora procura fazer esquecer um pouco a decrépita cúpula, regressando à cena com o seu ar entediado e arrogante para ajudar a salvar o que resta, ou para com o barco se afundar.

Continuarão, pois, esses jovens elementos a ser os apaniguados de um Mestre que já não têm e alguns nem chegaram a conhecer pessoalmente, o qual, com o seu perfil único, convencia uns e outros da suposta bondade de ideais que talvez nunca tenham chegado a ser os dele, mas apenas o meio que lhe terá parecido mais promissor para uma mente superior e um espírito sensível pugnarem pelos mais desfavorecidos, pelos quais abdicou da liberdade com coragem nobre e exemplar.

Nova gente com chama que, iludida, lá pelo Partido agora apareça, esbarrará inevitavelmente na intransponível barreira da mensagem caduca, pequenina, ridícula ao ponto de considerar uma ofensa à democracia a supressão, da toponímia, de nomes de gente cuja memória apenas perdura na nostálgica lembrança dos indefetíveis e só a eles poderá interessar*).

Defende o Partido o indefensável porque, para sobreviver politicamente, importa desesperadamente mostrar uma bandeira, um ideal, ainda que o mesmo se limite a uma visão maníaca e alienada, do Mundo, acompanhada de uma incurável mesquinhez quotidiana e de uma visão retrógrada do que, aqui e nos nossos dias, Portugal deve ser.

Anquilosados Legionários e Votantes
Para ter alguma coisa com que acenar à última meia dúzia de legionários e votantes, manifesta-se o Partido contra medidas sanitárias de comprovada eficácia e de alternativa inviável ou, mesmo, impossível*); e a população responde vacinando-se quase toda e confinando-se, na maior parte, dessa forma demonstrando à meia dúzia de duros sobreviventes do PCP que, com sucessivos tiros no pé, este fica cada vez mais manco e se arrisca a, em breve, ficar mesmo... orgulhosamente só.

Disse o atual Secretário-Geral que a alternativa não poderia ser o confinamento agressivo, mas o reforço do Serviço Nacional de Saúde, “o reforço dos profissionais com reconhecimento pelo seu trabalho”. Como sempre e como seria de esperar, ficou por explicar onde arranjaria meios humanos e técnicos para o conseguir num curto espaço de tempo, e onde iria buscar o dinheiro para tudo isso.

Claro que isso de arranjar dinheiro não interessa, já que os inimigos do capital dele nunca falam quando devem, apenas se lhe referindo depreciativamente comportando-se como se o que exigem não tivesse qualquer custo e só a má vontade de quem governa o impedisse a sua obtenção. Assim demonstram, para lá de qualquer dúvida, a total incapacidade para legislar, para governar, para gerir, logo, a inutilidade de como partido político continuar.

Por que não, nesse caso, deixar-se absorver pelo seu satélite Confederação Geral dos Trabalhadores Portugueses – INTERSINDICAL, já que, aqui, parece ser o planeta principal que orbita o satélite, e não o contrário, como manda a ordem universal?

A INTERSINDICAL, essa sim, é eficaz enquanto grupo de pressão, natureza a que, afinal, o ineficaz, politicamente inane e condenado Partido Comunista Português acaba por estar reduzido, perdido que anda no reino da mera ilusão.

 

7. O Futuro Sem Partido

O PCP fala de futuro com a convicção de um velho habitante de uma abandonada aldeola do interior que, sabendo que futuro já pouco tem, diz ao neto que estuda em Lisboa que quando eu morrer “esta vai ser a tua casinha” - casinha essa que, de tão pobre e humilde, faz morrer de vergonha o dito neto tuga, já todo garboso e importante assessor na autarquia de onde sonha que, um dia, a secretário-geral ou presidente de alguma coisa o ádem catapultar, ou todo embevecido no seu lugar subalterno numa multinacional qualquer de onde sai à hora do almoço para pavonear a camisola sete na ciclovia, ao volante da bicicleta a motor.

Passado e Presente
Associados a um partido comunista, pregões com a palavra futuro, como “O Futuro Tem Partido”, despertam tanta confiança e simpatia como a birra da criança que quer muito uma coisa e, a ver se pega, não para de falar nela e de choramingar. Não passam, em boa verdade, do estertor da morte de uma estrutura que, por falta de razão para existir, no pântano eleitoral cada vez mais se está a afundar.

Para funções de relevo no tal imaginário Futuro, o PCP conta com um candidato que, apesar do seu ar algo parado, apagado, inseguro e deprimido, é aparentemente o pau para toda a obra, o único ainda disponível: é deputado europeu, candidato à presidência da República, candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, e vira o disco, e toca o mesmo até ao porto de destino como secretário-geral, de ar, se não muito fresco, pelo menos renovado.

Na campanha para as eleições presidenciais de 2021, limitou-se o Candidato a acenar com a Constituição da República como se do seu programa político se tratasse. Ao mesmo tempo, concorria contra quem a cumpre, assim demonstrando que, bem vistas as coisas, não tem o Partido quaisquer propostas novas, diferentes dos ditames do Texto Fundamental; e que, ao atual estado das coisas, nada de especial tem a acrescentar ou a modificar.

Nesse caso, para quê nele votar?

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Se o PCP chegou a ter algum peso nas autarquias, não terá sido por nele terem votado umas dezenas de milhar de combatentes armados até aos dentes, prontos a tomar o poder em nome da classe operária - tal como não foram quinhentos mil fascistas portugueses que, em 2021, na eleição presidencial votaram no candidato apoiado pelo Chega!.

Ora, mesmo esse peso autárquico – que apenas confirma que as ideias nada valem, mas apenas o conhecimento de proximidade de alguns candidatos - diluiu-se e continua a diluir-se num processo entrópico já impossível de reverter.


Fonte: Wikipedia

Os resultados eleitorais*) são, assim, catastróficos e continuarão a sê-lo, já que muitos dos eleitores não sabem nem querem saber no que estão a votar, nem estão aptos a, do comunismo, absorver o que quer que seja além das ritmadas cacofonias e ladainhas, e do tom inflamado dos discursos, do punho no ar.

Resultados Eleitorais do PCP
O que é certo e sabido é que o estribilho constante e recorrente de teorias retrógradas e apoucadas queimam, aos olhos dos eleitores, excelentes autarcas que, noutras forças políticas, muito melhor contributo talvez podessem dar.

Das vinte e quatro presidências de câmara apesar de tudo ainda conseguidas nas eleições de 2017 – menos dez do que em 2013 - , passou o PCP, em 2021, para apenas dezanove, ou seja, pouco mais de metade das trinta e quatro que há apenas cinco anos ainda eram suas.

Bem tenta o Secretário-Geral escamotear o desaire enaltecendo o resultado positivo, em Lisboa, do eterno Candidato. Parece ignorar que a tíbia vitória do novo Presidente – que, por muito sério, competente e honesto que possa ser, nenhum carisma ou traquejo político tem para ganhar o que quer que seja – se deveu a pouco mais do que à hemorragia de votos em que, por razões sobejamente conhecidas, se esvaiu o seu antecessor, votos esses que, à esquerda, fluíram, em boa parte, para o PCP, como expetável e inevitavelmente sempre haveria de acontecer.

Não há, pois, no resultado em Lisboa qualquer mérito para o Partido Comunista ou para o seu eterno Candidato, nem tal prenuncia qualquer surpresa agradável para uma eleição posterior: simplesmente, aconteceu.

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O que está na base do descalabro eleitoral?

Em eleições presidenciais, o PCP fica sempre de rastos por total inexistência de personalidades empáticas e persuasivas. Nas restantes, o desastre deve-se a inoperância e a falta de resultados práticos da ação política do Partido: os trabalhadores portugueses melhoram de vida por razões que, patentemente, nada têm a ver com o comunismo ou com quem o defende, apercebem-se da inutilidade da coisa, mudam de interesses, e segue-se a imparável descida nas sondagens e nas urnas, até ao há muito anunciado fim.

Tirando a mainça de indefetíveis que, a fumar um desolado cigarrito, lá vai aparecendo junto aos eternos portões fechados das fábricas, os supostamente muito conscientes e politizados milhares de trabalhadores envolvidos nos dias de greve já ignoram alegremente apelos à luta e passam os ditos dias em casa, a beberricar uma jola enquanto, desalentados, veem a bola na televisão.

Tivesse, agora, o PCP a tresloucada mas coerente e corajosa ideia de incitar à luta armada que o seu programa preconiza, e os resultados eleitorais rapidamente cairiam para o quase subsolo próprio de quem continua a fazê-lo noutras paragens.  Mas não: não se atrevem a alardear, abertamente, os ideais de luta armada associados ao nome que ostentam, porque bem sabem que, em Portugal, isso significaria o descalabro, o nunca mais, a precipitação do anunciado e inevitável fim.

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Serviço às classes trabalhadoras
Embora unanimemente reconhecido como honrado nos compromissos que assume com os seus adversários, sob a capa enganadora de salvador da pátria, está o Partido Comunista Português a prestar um péssimo serviço às classes trabalhadoras, pretendendo, unicamente para assegurar uma ténue aparência de sobrevivência política de umas quantas relíquias mumificadas nas suas magras reformas, captar outros tantos distraídos que, por não terem mais quem, a nível nacional, pareça defendê-los, até dão de barato essa coisa da via revolucionária, que consideram uma mera palermice, coisa de velhos.

Está, porém este penoso arrastar de si mesmo do velho Partido apenas a atrasar, irrecuperavelmente, a formação de um sensato, razoável, esclarecido e novo e por criar partido de esquerda, combativo, com gente fresca e renovados ideais sustentados num saudável conceito de democracia: algo muito mais dinâmico, vibrante e empenhado do que a aparentemente corrupta amálgama de interesses que, alegadamente, hoje nos impõe um governo de faz-de-conta, incoerente e sem que qualquer estratégia ou substrato ideológico a sua atuação permita identificar.

O grande problema é que, para isso seria imperioso que cometessem suicídio político os velhos do Restelo que, no interior das paredes de vidro*), ainda impõem uma disciplina férrea, macambúzios, falhos de adrenalina, enfadados, contrariados, bruscos, agressivos, nada atraentes, cujo orgulho comunista os impede até de aceitar, vinda de fora, a mais tímida sugestão.

Alternativamente, para que o Partido Comunista Português se renovasse, haveria que ver todas essas múmias - embora valorosos combatentes antifascistas de outrora - sair definitivamente de cena, juntamente com as suas teimosias genuinamente socialistas, pensadas por gente que vivia as tais realidades necessariamente bem diferentes, em paragens bem longínquas e mais de cem anos atrás.

Uma alternativa seria mudar de nome. Mas o PCP não pode mudar de nome porque quem vota nele são fervorosos defensores de um comunismo que não fazem ideia do que seja: tal como o Benfica, perderia os associados quase todos se o fizesse. Além do mais, estaria a seguir o exemplo de um rebatizado partido de extrema-direita que procura, desesperadamente, erguer-se*).

No entanto, claro está que o Partido Comunista Português nada tem a ver com ditaduras. Pelo menos, de direita, não obstante negar o Holodomor*) com descoco igual àquele com que a dita extrema-direita teima em negar a existência do holocausto nazi.

De um modo geral, o Partido nega aquilo que a logica lhe proíbe explicar.

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Génese de um movimento ou partido
A génese de um movimento ou partido pode radicar no sentimento e na emoção, mas é da realidade e da razão que devem emanar a gestão e a atuação.

Isto, é inconciliável com o facto de, em entrevista recente a um canal de televisão, termos, de novo e sem qualquer pudor, ouvido o atual Secretário-Geral referir-se à eterna “democracia avançada” da qual ainda vai, sabe-se lá onde, buscar ânimo para continuar a falar; e de um “movimento sindical unitário” cuja simples designação nos leva, rapidamente, a associá-lo a um também único e indesejável partido.

Na verdade, é preciso alguém ser mesmo muito desmiolado para se dignar dar ouvidos durante escassos segundos que sejam a quem, cego e surdo ao que se passa à sua volta e sem deixar qualquer dúvida quanto aos verdadeiros propósitos, continua a advogar, como solução para os dramas da Humanidade, a “superação revolucionária do capitalismo*), ou seja, a tomada do poder à bordoada.

Na sociedade consumista e cada vez mais indiferente em que vivemos, é caso para dizer que, se é com bombas e espingardas que esperam suster o trambolhão nas urnas, mais valeria procurar pescar um ou outro voto num asilo de alienados, nele centrando a campanha eleitoral.

A atual militância mais não é, afinal, do que o reflexo do estado de negação  de quem passou toda uma vida a defender algo em que já não consegue acreditar, mas nada mais tem a que, emocionalmente, se agarrar.

Enquanto os patéticos desvarios comunistas e os seus ferrenhos e patéticos defensores estiverem na base das linhas programáticas do partido dos trabalhadores, estarão os ditos trabalhadores condenados a continuar sem defesa efetiva contra as políticas de direita, como tanto gostam de chamar àquilo que faz quem não navega na esteira do ainda PCP.

Não é que não haja elementos jovens e válidos para levar a luta dos trabalhadores avante, por aquilo que de essencial ela sempre representará. Não é que não haja, nas atuais cúpulas do Partido, elementos capazes de o manter a esbracejar à tona de água por mais uns anos. Mas, o muro inamovível que a desoladora ineficácia económica de todas as experiências de implementação de ideais comunistas lhe põe à frente impede a progressão, a evolução, o desenvolvimento de ideias que, por condenarem as economias a uma inevitável falência, estão hoje condenadas à condescendente irrisão.

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Os trabalhadores portugueses necessitam, urgentemente, de um partido novo, moderno, nascido na sociedade dos tempos atuais, pragmático, virado, não para a disseminação de uma estafada cartilha ideológica, mas para a resolução de problemas concretos das classes representadas.

Necessitam de um partido credível, bem definido, e também não daquela amálgama algo estranha, ainda mais à esquerda, que entendeu tudo isto rapidamente e, para namorar os votos dos tontinhos mais à direita, agora se travestiu, em bloco, com a pele de cordeiro social-democrata*).

Mergulhado num intenso processo entrópico, manifestamente irreversível, cada vez se torna mais evidente a inutilidade atual de um Partido Comunista Português reduzido a, no limite, servir como muleta dileta do Partido do Governo.

Contrariamente ao que rezam uns cartazes há tempos espalhados por aí, o Futuro não tem Partido.

Pelo menos, este.

* *

A ditadura dos patriarcas não é, como alguns poderão pensar, um exclusivo de uma organização comunista em vias de extinção, como o PCP. Coexiste, em Portugal, pelo menos um outro modelo de subjugação, ainda efetiva, das camadas jovens à tirania de velhos incompetentes e completamente ultrapassados, mas agarrados como lapas ao poder.

[leia aqui a sequência]