quarta-feira, 14 de julho de 2021


Konrad Adenauer

Konrad Adenauer sobre a diferença entre céu e horizonte

Todos vivemos sob o mesmo céu,
mas nem todos temos o mesmo horizonte
"

"Wir leben alle unter dem gleichen Himmel,
aber wir haben nicht alle den gleichen Horizont
"





Afinal, Deus existe mesmo, ou não passa de pura invenção de um ser humano que desespera com a efemeridade da sua existência?

NÃO PERCA uma reflexão lógica, fundamentada, sobre o tema porventura mais elementar e decisivo da vida humana.





A existir um deus, será ele o representado
no teto da Capela Sistina? Jeová? Alá? Manitou?
Ou nenhum destes?

segunda-feira, 12 de julho de 2021


O Costa d'África


Cartaz do Filme O Costa d'África
Imagem: Memoriale*)
Farsa portuguesa de 1954, dirigida por João Mendes e com roteiro de Henrique Santana*), Vasco Santana*) e Francisco Ribeiro*).

Trata-se da penúltima obra cinematográfica com Vasco Santana, provavelmente, a mais bem conseguida produção portuguesa da época, sendo um filme em que a tradicional ingenuidade pobrezinha dá lugar a um trocadilho magistralmente conseguido em torno das peripécias de um rude português, então negociante em África, de visita a um sobrinho na Metrópole.

Merece especial destaque o desempenho de Erico Braga*), no papel de Barão de Espinhosel, sem esquecer a cena da cabina telefónica, com a eterna Teresa Gomes*)em mais um inconfundível papel. Integram, ainda, o elenco principal Laura Alves*)e Ribeirinho.

Algumas passagens serão suscetíveis de causar arrepios a alguns mais radicais autoproclamados defensores das minorias, o que poderá ter levado a que o filme fosse menos divulgado do que outros que o não merecessem tanto. Mas "O Costa d'África" deve ser olhado, não como uma defesa do racismo, antes como uma sátira que visa, bem pelo contrário, ridicularizar a personalidade de pessoas bastante elementares que viviam a explorar economicamente as populações das colónias portuguesas de então.

Não deixe de ver, se lhe faz falta uma boa gargalhada e não é daqueles que, para se darem uma aura intelectualoide, aturam xaropadas indescritíveis em alguns dos chamados filmes de qualidade, e coram de vergonha quando não conseguem evitar o riso com os menos elaborados filmes velhinhos de produção portuguesa.



* *

Gargalhadas à parte, o antirracismo continua a ser, para uns, uma nobre causa que cumpre defender; para outros, um mero palco privilegiado para exibir o oportunismo de quantos procuram, a todo o custo, uma montra, ou uma aparência e militância que permita adiar por mais uns tempos a extinção política.

(continua aqui)

sábado, 10 de julho de 2021


De Mãos Dadas: Défice de Comunicação e Défice de Soberania

"Se se pretende educar uma população
e elevar o nível da sua consciência ética e cívica,
há que fazê-la governar por pessoas competentes
e de reconhecidamente elevada qualidade humana:
não, nunca, por
tugas elementares que,
nada tendo de excelente, devemos tratar por Excelência
apenas por serem amigos de alguém democraticamente eleito
"


          1. A Política e a Vital Importância da Comunicação
          2. A Comunicação Política em Tempo de Pandemia
          3. Do Desempenho do Segundo Mais Alto Magistrado da Nação
          4. O Bombo da Festa                                     
          5. As Contradições de Odemira
          6. Inabilidades Avulsas na Comunicação
          7. O Primeiro Responsável pela Governação
          8. O Estado da Nação

 

Eduardo Cabrita
1. A Política e a Vital Importância da Comunicação

Todos dependemos, em menor ou maior grau, do Estado em que estamos imersos.  Literalmente imersos, em certos casos quase afogados; e tanto maior é o mergulho quanto mais impositivo é o Estado, mormente por via da muito justificada insegurança que lhe incute a incompetência genética grudada a certos órgãos ditos de soberania, em diversas épocas, sedes e áreas do governo ou da administração.

Essa incompetência decorre, essencialmente, da abundância e da proliferação, nos mais diversos lugares, de indivíduos oportunistas, ambiciosos, gente de defeituosa formação profissional e, sobretudo, humana, políticos feitos à pressa, abundância essa que fortemente contrasta com a escassez de pessoas devidamente formadas, educadas e, sobretudo, com aquele verdadeiro espírito de missão que, ingenuamente, alguns de nós ainda acabam por, ingenuamente, associar às coisas da governação.

A insegurança endémica - impossível de erradicar de militantes desnorteados que, uma vez eleitos deputados, certos partidos destacam para altas funções governativas -, leva os partidos aos quais incumbe governar a, cada vez mais, querer estar presentes onde não são chamados, a intrometer-se em aspetos do foro privado ou familiar de cada cidadão, nas decisões mais corriqueiras da vida quotidiana e, no plano público, em tudo quanto lhes parecer suscetível de dar visibilidade e de fazer os governantes e os Partidos que os lá poem parecer indispensáveis e insubstituíveis, na ilusória crença de que essa aleatória e tonta azáfama os ajudará a ganhar cada próxima eleição.

Crença ilusória, porque, da verdade indiscutível de não ser possível governar sem comunicar resulta, inevitavelmente, ser impossível governar bem sem comunicar bem; e resulta, também, que, quando se comunica mal, mesmo que se governe mais ou menos bem, sempre o comum dos mortais ficará com a ideia, certa ou errada, de que se está a governar pior do que, efetivamente, poderá estar a acontecer.

Ocorre, assim, que a comunicação, verbal e não verbal, dos incompetentes e, também, dos competentes que comunicar não sabem, acaba por se tornar, progressivamente, tão insatisfatória que redunda, fatalmente, num efeito desastroso que, seguramente, não explica o peso das intenções de voto que sondagens certamente muito rigorosas e cientificamente elaboradas possam, continuamente, assegurar a partidos aparentemente fadados à eternidade no exercício das suas funções, e aos quais, embora nada tendo contra, cada vez encontremos menos razões para agradecer.

2. A Comunicação Política em Tempo de Pandemia

Em política, não é verdade que o que importa é que falem de nós, mesmo que digam mal de nós.

Muito pelo contrário, aplica-se a velha contrariedade atribuível à mulher de César: para se ser, importa parecer, sobretudo quando nem se vislumbra qualidade numa governação da qual todos os dias damos por nós a acreditar em cada vez mais do muito mau que se vai ouvindo dizer.

Graça Fonseca
Um bom exemplo poderá ser o que se passa no país da malograda Seleção das Quinas, no qual a população se sente cada vez menos governada, mais baralhada, menos tranquila e, sobretudo, muito pouco motivada a seguir leis e recomendações, incluindo as de carácter sanitário, que nos convidam a usar sempre máscara, a guardar distanciamento, a não apertar a mão e a aos ajuntamentos dizer “Não!”.

A vontade de nos portarmos bem desvanece-se, nomeadamente, quando, num cenário de emergência sanitária, a comunicação foi, durante longo tempo, assegurada por um sujeito a quem parecia restar apenas uma centelha de vida, como que acabado de arrancar a um sono reparador*), e que, talvez incomodado por lhe ter caído o barrete de dormir, ia soltando palavras entrameladas num arrazoado desconexo e lamuriento*), proferido perante audiências ávidas de estímulo, de segurança, de confiança e de motivação para continuar a acreditar que, contra esta coisa da COVID, valia a pena lutar.

Também não ajuda que uma senhora algo cambaleante, com o ar escanzelado e idoso de uma rígida e implacável mestre-escola de antanho e de palmatória na mão, discorra dias seguidos e horas a fio sobre temas sem novidades que o sejam realmente, procurando, porventura, disfarçar a inutilidade do seu desinteressante e ineficaz esforço comunicacional com um desfilar de toilettes eventualmente apropriado a outras ocasiões*), mas não quando, num tempo já muito sofrido, se trata de transmitir uma imagem de concentração, de seriedade e de rigor no por ela trabalho desenvolvido numa área fundamental.

No meio de muito disparate junto, o que dizer, então, de uma Direção-Geral que, no início de um mês em que se realizava sessenta mil testes diários da COVID-19, afirma que o objetivo é chegar aos cem mil*) para, no fim do mesmo mês e em vez dos tais cem mil, os iniciais e reais sessenta mil terem, ao invés, descido para menos de trinta mil? Claro que, em alguma medida beneficiada por essa efetiva redução de testes, a contagem diária de novos infetados lá acabou por cair para níveis muito convenientes a quem pretendia, à viva força, desconfinar: quanto menos testes se fizer, menos infetados se irá encontrar.

Agora, lançando novamente a confusão, vêm peritos dizer que é necessário reforçar a vacina de toma única da Jansen, ao mesmo tempo que a própria Farmacêutica garante que assim não é.

Que dizer, também de um INFARMED que, numa semana, muda duas vezes de opinião quanto à perigosidade de determinada vacina, ao sabor daquilo que vai ouvindo lá de fora, até parecendo que apenas pela televisão é informado, e mal?

Tudo isto numa área “onde, sem esquisita erudição, é melhor não tocar semelhantes matérias”.

Seria, também, imperdoável não referir aqui o fiasco dos fiascos, que à República terá custado bom dinheiro: quase toda a gente ficou sem saber como funcionaria a Stayaway Covid *) – se funcionasse -, mesmo depois de essa milagrosa e indispensável aplicação muito badalada ter sido nas televisões e nos discursos ministeriais, e de a população se ver ameaçada com a devassa dos telemóveis e com a aplicação de sanções a quem neles a não instalasse.  Da Stayaway Covid, poucos meses decorridos e muitos milhares de euros deitados fora, ninguém sabe o que é, já ninguém ouve falar.

Procurando trazer alguma humanidade à coisa, uma Ministra da Saúde de aspeto jovem e aparentemente cheia de boas intenções – e que agora, ao que parece, apenas sonha com o dia em que se irá embora - dirigia-se às câmaras com a timidez de uma colegial na sua primeira e mal preparada prova oral; e, até falando, por vezes, com as mãos atrás das costas*), dizia, já no início de Março e perante uma audiência ávida de soluções, que ainda era cedo para se perceber o que tinha acontecido… no Natal passado. Isto, quando todos - menos, pelos vistos, a dita Senhora - há muito sabíamos ter sido o facilitismo governativo que nos pôs a circular no Natal por esse País fora, o que o vírus muito agradeceu.

- x -

Eduardo Ferro Rodrigues
Certo é ser obrigação de quem governa pronunciar-se sobre tudo aquilo que sai da normalidade, já que o silêncio indevido deixa sempre a sensação de que se considera estar o anormal dentro da normalidade.

Mas, deixar a esta gente tão mal preparada o cuidado de comunicar o que deveria ser uma mensagem límpida e inequívoca, inspiradora daquela tão necessária dose de confiança nestes dias vitais, apenas lança a confusão e aumenta o descrédito de uma governação já de si trôpega, amadora, deixada à sua sorte por quem tem, claramente, lá pela Europa demasiadas coisas em que pensar, “a bem da Nação” desgovernada que por cá teve de deixar.

3. Do Desempenho do Segundo Mais Alto Magistrado da Nação

Se, como no Partido Socialista há quem pretenda, a Assembleia da República é o coração da democracia*), cumpre, para que se mantenha saudável, livrá-la das gorduras, do colesterol, o que se revela particularmente difícil quando é dirigida por um histórico militante socialista constantemente chamado à atenção – pelos vice-presidentes, pela secretária, e, até, pela dirigente da bancada do partido a que pertence – pelo seu patente desconhecimento, do Regimento, e pelas consequentes irregularidades na condução dos trabalhos do plenário, deixando a ideia de que muitas mais seriam se não fosse o diligente desempenho de quem o assessora em tão altas funções.

Talvez por tudo isto já poucos lhe liguem, no Parlamento, quando, esgotado o tempo, os manda calar...

Além do mais, essa importante figura do Estado arrasta-se, literalmente, nas cerimónias públicas em frente às câmaras de televisão e apresenta, no Parlamento, um ar permanentemente exaurido, por vezes bufando o ar num gesto de enfado que podem alguns confundir com boçalidade e falta de educação, o que não ajudaria no que se refere à eficácia da parlamentar comunicação.

Depois, diz coisas, profere apartes e desabafos que mais valeria guardar para si, como é o caso do último mimo que acabou por fazer com que ficasse apeado em Lisboa, tal como o Presidente da República*), tendo antes um infeliz ministro sido enviado a Sevilha para ficar associado ao desaire da nossa também enfadada Seleção.

Sendo a pessoa bem conhecida e tudo isto há muito sabido – além do facto de se estar a, digamos, marimbar para o segredo de justiça*) e com este, quem sabe, para outros pilares do funcionamento da democracia e do Estado -, não poderemos deixar de nos questionar sobre as verdadeiras razões na base da eleição do dito militante para um segundo mandato, depois de um primeiro que, com a qualidade do seguinte, dificilmente poderia ter permitido, sequer,sonhar.

- x -

Que qualquer um possa candidatar-se a Presidente da República, assim se correndo o risco de o mesmo qualquer um, ainda que iletrado, pouco educado e intelectualmente pouco dotado, vir a ser eleito, é um mal da Constituição para o qual já aqui chamei a atenção*).

Mas, sendo a segunda figura do Estado Português – teoricamente, pelo menos, já que, por vezes, chega a parecer que é um certo ostensivamente abastado e arrogante jogador de futebol -, o Presidente do Parlamento é eleito pelos seus pares, supostamente mais letrados, educados e dotados do que a generalidade de uma população para a qual saber dar uns toques na bola parece importar bem mais do que estar apto a dirigir eficazmente o principal órgão legislativo da Nação.


4. O Bombo da Festa

Escravatura em Odemira

Não param os partidos, a imprensa, toda a gente de bater no monolítico Ministro da Administração Interna, exemplo ímpar de fidelidade canina ao seu amigo Primeiro-Ministro.

Nada empático, de ar sempre zangado e façanhudo, um dos governantes mais essenciais à manutenção da ordem pública comunica pior que mal, movimenta-se atabalhoadamente e aos arranques como um robot; tem, globalmente, uma linguagem corporal que afasta, quase causa alergia e gera, seguramente, estupefação. 

Em situações para ele incómodas, responde de forma enviesada ou assobia para o lado, como perante os inaceitáveis excessos a que assistimos nas comemorações da vitória do Sporting na chamada Liga NOS; ou no caso do crime de ofensas corporais extremamente graves cometido por elementos afetos a órgãos sob sua administração e que levaram à morte de um cidadão estrangeiro, procurando, neste caso, como em outros, justificar o injustificável com chavões proferidos de punhos fechados e em tom mais adequado a um militante perorando num comício perante a multidão, do que a um alto quadro do Estado desculpando-se pelas suas imperfeições. Tempos depois, como o Serviço de Estrangeiros e Fronteiras o tinha deixado ficar mal, manda eliminá-lo, integrá-lo, o que a ato tão ditatorial quanto irracional quisermos chamar.

A completa falta de aparência da mais ténue humanidade no caso do atropelamento mortal de um funcionário da BRISA pela viatura oficial em que o Ministro seguia, e a contradição entre versão oficial do Ministério da Administração Interna (MAI) e a da Concessionária da autoestrada em que o sinistro ocorreu, não podem deixar de suscitar as maiores dúvidas quanto à eficácia política da obstinação do Primeiro-Ministro em manter em funções tal personagem*). A menos, naturalmente, que mais ninguém de confiança  aceite ocupar o difícil lugar, de má memória no que aos mais recentes titulares diz respeito*).

A viatura acidentada imobilizou-se a escassos metros da vítima, que ficou mesmo ali ao pé, e não houve um momento da mais elementar humanidade que impulsionasse o Ministro e sua companhia a precipitar-se para junto do sinistrado.

O homem não só nem saiu do carro para ver o que se tinha passado – e não será fácil imaginar qual teria sido a reação espontânea, em idênticas circunstâncias, do Presidente da República… -, como não se interessou, mais tarde, pela família da vítima. Até emitiu um comunicado sugerindo que seria do próprio trabalhador vitimado toda a responsabilidade pelo sucedido; e, mesmo quando convidado pelo Presidente a dizer alguma coisa que fosse, apenas respondeu, perante as câmaras da televisão, com um seco: “Não! Não!

A cereja no topo do bolo terá, porém, sido a afirmação da Guarda Nacional Republicana (GNR) quanto ao facto de ter sido impedida, por ordem superior, de efetuar, na viatura sinistrada, todas as diligências de prova que entendeu necessária*) . Ora, sabendo-se quem é o superior hierárquico máximo da Guarda – o MAI -, não será difícil adivinhar de onde terá vindo a ordem superior.

Que um político proeminente, atolado até aos ouvidos em suspeitas de nepotismo*) - e que, provavelmente por isso mesmo, tenha sido convidado a não se recandidatar a deputado – venha a terreno falar de imoralidade para defender o dito ministro*), não será, talvez, a melhor forma de lhe limpar a imagem, também…

Graça Freitas
Se se pretende educar uma população e elevar o nível da sua consciência ética e cívica, há que fazê-la governar por pessoas competentes e de reconhecidamente elevada qualidade humana: não, nunca, por tugas elementares que, nada tendo de excelente, devemos tratar por Excelência
apenas por serem amigos de alguém democraticamente eleito.

Num outro episódio mediático, as conclusões, porventura precipitadas, a que a generalidade da população parece ter chegado quanto à nomeação do cônjuge do dito Ministro para um alto cargo de controlo e supervisão também não ajuda a formar a tal imagem de isenção e idoneidade em que o exercício da soberania deverá, desejavelmente, assentar. Mas, enfim, dado que, por tanto terem as más-línguas falado de nepotismo, o cônjuge, outrora Ministra teve de abdicar do lugar, é considerado normal e saudável nesta nossa infeliz e manipulada democracia que, de alguma forma, o Partido o houvesse de compensar*).

O que mais espanta é que, em plena audição parlamentar, o dito cônjuge, questionado quanto a alguma entidade reguladora europeia ter como administrador “um familiar direto de um ministro” – não uma mulher” –, se tenha manifestado ofendido enquanto mulher e vítima de “tentativa de menorização” por “machismo e misoginia”, apenas tendo sido timidamente chamada a sua atenção para o desfasamento da resposta relativamente à pergunta formulada.

Trata-se de mais um episódio de exploração notoriamente abusiva da estafada lengalenga feminista para justificar o injustificável*), e para alguém se insurgir, como que por automatismo, contra um tema com que não tinha sido confrontado.

Como se o que transparece do desempenho do Ministro não bastasse, por si só, para lhe retirar toda a legitimidade substantiva para se manter no lugar, faltava, para piorar as coisas, esta nova vertente familiar.

5. As Contradições de Odemira

Igualmente danoso para a imagem da governação não deixa de ser o facto de o mesmo Ministro da Administração Interna se achar no direito de ordenar a forças de segurança que irrompam à bruta, com armas e canídeos, por uma propriedade privada a fim de dela o Estado tomar posse, numa desesperada, incompetente e autoritária tentativa de resolver uma situação de emergência sanitária nascida de outra situação, porventura bem mais grave, de aparente exploração de trabalho quase escravo de imigrantes amontoados em contentores apinhados de beliches arrendados a preço do ouro por pessoas indignas de ser chamadas empresários.

Também não terá ajudado o facto de uma ministra procurar justificar a anterior inércia governativa sobre este tema da quase escravatura com o facto de os empresários cumpridores não haverem denunciado às autoridades o que se passava noutras empresas, assim demonstrando a Ministra que, ao mais alto nível do Estado, ainda se confunde a atividade empresarial com a de informador, outrora essencial ao funcionamento da polícia política em tempos que até custa recordar. Isto, tratando-se de uma situação de exploração de humanos cuja existência era, patentemente, impossível o Governo ignorar.

Escravatura em Odemira

No rescaldo, não pode haver grandes dúvidas quanto ao facto de, com o seu estilo cáustico e ar façanhudo, o desajeitado e ensimesmado Ministro da Administração Interna se ter convencido – vá lá saber-se como ou porquê - de que os proprietários de segundas habitações de férias não hesitariam em disponibilizar as suas casas para acolher imigrantes confinados: é que um dos piores vícios da maior parte dos ditadores de pacotilha consiste em, à força de tanto pensar que todos devemos pensar como eles, acabarem por se convencer de que, efetivamente, assim pensamos. O que é um erro crasso, claro está.

A jovem Ministra da Presidência justificava, entretanto, a entrada de rompante de forças de segurança, às quatro da manhã, numa propriedade privada em Odemira, com alegadas dificuldades em assegurar adequada tradução aos trabalhadores migrantes; mas, mesmo às quatro da manhã e, supostamente, contando eles já com a tal tradução tão difícil de assegurar, os embasbacados realojados à força – alguns dos quais falavam inglês e poderiam, facilmente, servir de intérpretes junto dos outros - não faziam a mais pequena ideia do que se estava a passar.

Desconheciam, nomeadamente, a razão pela qual estavam os miseráveis tugúrios que habitavam a ser invadidos e eles de lá removidos contra vontade, como se se tratasse de coisas ou de animais.

Já para a GNR, o facto de haverem os trabalhadores sido desalojados a desoras deveu-se a não especificadas “razões de segurança”. Para o Presidente da Câmara Municipal de Odemira, terá sido, antes, por causa da necessidade de articular, com representantes da massa insolvente – que, mais do que provavelmente, dormiam a sono solto nessas horas impróprias -, tão precipitada e achaboucada intervenção.

Ah, como seria bom para a tranquilidade de todos nós que certas pessoas não contornassem tanto a verdade, e o Estado falasse todo a uma só voz!

Toda esta exploração humana se refere, ainda para mais, a uma zona onde a sempre atenta Secretária de Estado da Integração e das Migrações considera viver-se um notável exemplo de integração de migrantes que para cá vêm trabalhar*).

Assim sendo, quantas mais “desconhecidas” e exemplares Odemiras como esta por esse Portugal iremos, ainda, encontrar?

- x -

A tarefa de qualquer Governo minimamente civilizado e cívico não se resume a cuidar dos interesses daqueles que pagam impostos: cabe-lhe, também - e principalmente - zelar por aqueles para quem, por nunca terem tido o direito de viver plenamente, o dia mais importante da vida é, porventura, o da morte, já que, da vida, pouco ou nada de bom terão para recordar.

Odemira foi, é, apenas mais uma etapa do processo de declínio e entropia de um Governo de um só homem, por este temporariamente deixado à sorte e por conta de cada um dos desarticulados elementos de uma heterogénea amálgama que não merece o nome de equipa, que só não é remodelada porque, se estes são maus, o Primeiro-Ministro bem sabe que outros que viessem de fora do seu círculo bem piores poderiam ser ainda.

Em equipa que ganha, não se mexe.

Mas esta não ganha, só (nos) empata, e bem mereceria uma boa mexida, para se manter na competição. Perdão, na suposta governação.

Inabilidades Avulsas na Comunicação
6. Inabilidades Avulsas na Comunicação

Noutro tempo e lugar, a Ministra da Justiça mostrou-se notoriamente incapaz de entender que, perante a opinião pública, se não é corrupto ou aldrabão, é incompetente quem aparece como procurando, em benefício de mais uma daquelas tão cobiçadas candidaturas europeias, encobrir erros curriculares básicos*) que alguns não deixarão de aproveitar para denegrir a imagem de todo um país, muito especial se esta nebulosa sobre a área da Justiça pairar.

Calar demasiado, fugindo, simultaneamente, à questão formulada e às mais elementares normas da cortesia, também não será o mais adequado a uma Ministra da Cultura que, questionada sobre a pressão social e económica sentida pelos profissionais do setor que tutela, se limitaria a sugerir que se reunissem para uma bebida ao fim da tarde*);  ou quando o apagado ministro da tutela e a exuberante deputada orientadora - ex-Ministra da Administração Interna nomeada pelo mesmo Partido  Socialista - ficam, meses a fio, mudos e quedos perante uma alegada semelhança de quarenta e seis por cento, por plágio, na dissertação de mestrado apresentada numa universidade privada portuguesa por um recém-empossado magistrado do Supremo Tribunal de um país irmão*).

Tampouco ajudará, entre tantos outros episódios, que uma jovem governante diga, em determinado dia, que sobre determinado assunto nem valerá a pena falar para, apenas dois dias decorridos, se não coibir de, discursando perante outros jovens do mesmo partido que ela, adiantar pormenores sobre o mesmo determinado assunto do qual, na antevéspera, nem queria ouvir falar, talvez ignorando que, como terá dito um presbítero português do século XVII, “consiste a virtude do silêncio não em cessar o ofício de falar, mas em calar e falar a seu tempo”; ou que a mesma jovem venha, agora, anunciar, com horas de antecedência e o ar hesitante e comprometido de quem sabe estar a fazer asneira e à espera de que não lhe ralhem muito, medidas de utilidade duvidosa e de formulação confusa tendo como alvo setores vitais para a economia nacional, designadamente a restauração e a hotelaria*).

Além do Primeiro-Ministro e, quando muito, do Ministro dos Negócios Estrangeiros, quem tem autoridade, entre toda esta gente, como nunca tanta foi?

Sem autoridade, não há soberania. É como se o Governo não existisse: alguém faz coisas, muitas delas disparatadas, mas a ninguém pode ser associada uma governação efetiva. E os ministros e secretários de estado são tantos, tantos...

As contradições entre mensagens no Governo e na Administração são já encaradas com naturalidade por uma população convenientemente anestesiada pela desconexa ação de quem, excetuando os quase sobrepostos faits divers do originados no Ministro da Administração Interna, parece limitar a sua ação visível à gestão de uma pandemia que parecia ter entrado em velocidade de cruzeiro, mas que as comemorações da vitória do Sporting Club de Portugal na Primeira Liga de Futebol, viabilizadas pela Câmara Municipal de Lisboa*), vieram, agora nas camadas mais jovens, fazer acelerar.

Na primeira Primavera da COVID, era ouvi-los elogiar, uma vez mais, o tal civismo do povo português que ainda bem pouca gente alguma vez terá tido o privilégio de, ao menos, vislumbrar. Vê-se, agora, o impacto negativo da comunicação hipócrita e inábil de quem os males estruturais da sociedade portuguesa teve, então, medo de salientar e de, contra os seus perigos, a restante população alertar.

Além da gestão da pandemia, nada mais parece interessar, atualmente, à política que não seja garantir que, desta vez, não se deixa de aproveitar até ao tutano os fundos europeus que aí estarão para chegar*), e até darão para fazer, daqui a cinco anos, uma festa de arromba para comemorar os cinquenta anos de uma democracia que ainda ninguém chegou a entender no que irá dar, enchendo, entretanto, os bolsos de um coordenador e de uma data de penduricalhos que, pelas benesses da romaria a que, provavelmente, uma escassa meia dúzia irá acorrer, nem se lembrarão de qualquer agradecimento expressar.

Perante o prolongado mutismo do Primeiro-Ministro sobre o assunto, a nomeação unilateral – sem consultar os outros partidos ou, até, o primeiro Presidente da República eleito em democracia - do principescamente remunerado comissário executivo das comemorações do quinquagésimo aniversário da revolução de 25 de Abril de 1974 chocou o País inteiro*). O País inteiro, menos o Partido Socialista, que parece julgar-se o dono das comemorações, tal como a Associação 25 de Abril se julgou dona do aniversário comemorado em 2021*).

Tiques ditatoriais de um Partido que se julga “o dono disto tudo”; e com alguma razão, já que os nada parecem entender, mesmo em casa própria, de política ou do ofício de governar.

O Primeiro Responsável pela Governação
7. O Primeiro Responsável pela Governação

A anarquia está em toda a parte, quando a responsabilidade não está em parte alguma*), e a verdade é que, nestes primeiros seis meses de 2021, enquanto o Primeiro-Ministro andou – e muito bem - a larear a Presidência Portuguesa por essa Europa fora, ficou o País à mercê de um punhado de desarticulados governantes, manifestamente incapazes de, sem o treinador, dar conta do recado.

Num tal cenário, não pode deixar de vir ao espírito o desnorte e o quase silêncio da Administração da Benfica SAD quando há poucos dias, abruptamente deixou se poder contar com os bons ofícios de um presidente com um estilo de governação também monolítico e centralizador.

Aparentemente, ninguém capaz havia para deixar a governar cá na terrinha, onde a irresponsabilidade reinava e os lobos iam tomando conta de um povoado guardado por gente com ar inseguro, como a Ministra da Presidência nas suas comunicações hesitantes, tíbias e desconexas, em que já ninguém entende quem entender se não faz.

É verdade que, no que à popularidade diz respeito, o sorriso, ainda que tenso e fechado, de um primeiro-ministro pode valer milhares de votos contra desiludidos, perdidos, estafados e sisudos oponentes; tal como para assegurar uma certa boa-vontade dos contribuintes pode servir, de vez em quando, o permanente sorriso de um Ministro das Finanças, por muito malquista que a sua atuação possa ser.

O que a maior parte dos políticos não entende, porém, é que o sorriso – mas um sorriso franco, aberto – e um discurso coerente e firme são componentes essenciais da comunicação.

Ora, o Primeiro Ministro já deu sinais de irascibilidade*) e, pelos vistos, aprecia, entre os seus amigos, o estilo, começando pelo eterno Ministro da Administração Interna que, teimosamente, o primeiro se obstina, não apenas em, contra tudo e contra todos, manter em funções, como até em elogiar na sua atuação.

Vale também, quanto a irascibilidade, a pena lembrar o Secretário de Estado Adjunto e da Energia que, referindo-se ao programa da RTP Sexta às Nove, disse, com todas as letras, que "estrume, só mesmo essa coisa asquerosa que quer ser considerada um programa de televisão"*).

Chegam as eleições autárquicas e, apesar de amigos, Primeiro-Ministro e Ministro da Administração Interna andam de candeias às avessas*), defendendo cada um deles o seu modelo de votação, enquanto o primeiro e o Ministro das Infraestruturas e da Habitação – como eles gostam de nomes compridos… - se envolvem numa sempre negada mas evidente peleja*), a que agora se junta, para ajudar à festa, a normalmente apagada chefe da bancada parlamentar do Partido Socialista.

A agir assim, não será de admirar que o cidadão comum acabe, progressivamente, por comparar quem o governa a egocêntricos indivíduos sem rei nem roque, sem rumo, incapazes de, primeiro, planear e, depois, resolver eficazmente os imprevistos, mais não lhes restando do que o recurso a tiques ditatoriais de quem parece sempre preferir entrar à força, através de requisições civis e outras medidas extremas. Falam o menos possível, como quem tem culpas no cartório ou não está inteiramente à vontade com a sua consciência – ou, mais simplesmente, não faz a mínima ideia de como atuar -, em lugar de convidar, não apenas à negociação, mas à própria colaboração de pessoas eventualmente habilitadas a encontrar formas alternativas de resolução.

Também em nada beneficia a credibilidade do Primeiro-Ministro o silêncio – ou o falar tardio - em questões sensíveis, como a da passagem de informações aos russos pela Câmara Municipal de Lisboa. “Não devemos juntar à demência do real a tolice de uma explicação*), mas há limites para aquilo que o CEO do País pode calar; e dentro desses limites não se inclui, seguramente, o silêncio quanto à detenção e às acusações que impendem sobre o recandidato à presidência da dita Nação Benfiquista a cuja comissão eleitoral de honra o dito CEO teve a imprudência de se associar*).

Danos reputacionais na Europa
Não pode, sobretudo, manter o silêncio sobre estes e outros casos, relativamente aos quais são, para Portugal, gravosos e evidentes os danos reputacionais na Europa por onde andou, durante seis longos meses, a deambular.

Depois, quando a falta de coordenação política permite que a autonomia ministerial vá longe demais, alguns ajustes têm de ser feitos, como a desautorização do Ministro da tutela no caso da nomeação do presidente do conselho de administração da TAP*), com todo o impacto mediático negativo que consigo acarretou.

Ora, voltando à mulher de César – o romano, não o açoriano -, a soberania, para ser efetiva, depende muito da aparência de qualidade e de consistência no seu exercício, que atitudes pouco ou nada edificantes por parte de quem tem obrigação maior de saber estar não contribuem para dignificar. Isto acontece especialmente quando lugares de topo de um ministério ou de uma câmara municipal forem ocupados por militantes diletos do Secretário-Geral do Partido que, esquecendo-se de que quem começa como figurante raramente chega a astro, nem tentam disfarçar as suas candidaturas a uma mais ou menos rápida sucessão de quem poderá ter-se esquecido de que, em política, é insensato dar força a alguém sem, ao mesmo tempo, nos prepararmos para mais tarde poder vencê-lo.

Será distanciamento, ou uma já muito expressiva debilidade política do Primeiro-Ministro no seio do próprio Partido Socialista? O recente incidente com a Concelhia do Porto dá que pensar*) tal como não pode deixar de fazer pensar a indigitação, para presidir ao novíssimo Banco de Fomento, de um putativo conselheiro financeiro de um certo empresário recentemente detido para interrogatório e de cuja comissão de honra, na recandidatura à presidência da Nação Benfiquista, o mesmo Primeiro-Ministro fez parte *). E, tanto tempo depois, ainda falam da mulher de César, coitada...  

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O Governo tem lepra.

Está a cair aos bocados, com ministros a precisar de ser removidos*), e outros a querer ir, recatadamente, tratar das suas vidinhas*), em lugar de, independentemente do eventual mérito de um ou outro, estar a deixar desgastar a imagem pela incontrolável e justificada irrisão que o ridículo de que se reveste, em Portugal, o exercício da soberania, suscita em milhões de desgovernados que por aqui andam a penar.


8. O Estado da Nação

O défice de soberania que inquina uma qualquer estrutura governativa e parlamentar eivada de impreparados arrivistas - alguns dos quais pouco mais terão feito na vida do que arrastar-se pelo pantanal dos órgãos partidários e afins e, outros, lambuzar-se com as benesses e proventos proporcionados pelos mesmos – decorre da perda de legitimidade para governar e legislar por parte de quem, em lugar de refletir sobre as questões de fundo e planear estrategicamente grandes opções de acordo com uma linha coerente e bem definida, mais parece preocupar-se em cuidar de, sob o ponto de vista da popularidade fácil, maximizar o aproveitamento mediático de emergências com as quais, patentemente, está impreparado para lidar e satisfatoriamente resolver.

Recorre-se, assim, à velha tática de pintar o quadro mais tenebroso em que os governados sejam capazes de acreditar para, em seguida, aparecer como o obreiro de… coisa nenhuma.

Num tal quadro, o facto de, no topo da pirâmide, poder estar alguém que pareça carregar às costas um aeroporto móvel que ora vai ser construído aqui, como sem dúvida alguma ali, como desta vez é que é mesmo acolá e, quando enervado ou irritado, come metade das palavras que pensa, não agravará muito, talvez, o enorme dano causado pelos seus seguidores mediante uma comunicação institucional tão pobre como a que estas linhas procuraram caracterizar.

No mesmo cenário, não será de admirar que na população se instale a convicção crescente de que a democracia poderá não passar de uma excelente ideia com um péssimo resultado, pelo qual ninguém parece querer responsabilizar-se.

Défice de Soberania
Que pessoas habitarão um país em que, para algumas das mais altas funções do Estado, os partidos não conseguem arregimentar gente menos incompetente e mais adequada do que esta? Será que, afinal, o mal não é exclusivo do tal Partido de que já nem se consegue ouvir falar, e cujas pessoas e valores de antigamente apenas conseguimos, com nostalgia, recordar?

Não estamos em presença de um simples e pontual défice de autoridade, mas já de um inilidível défice de soberania, desde há meses agravado, e de que maneira, pelo défice de escrutínio democrático decorrente da redução drástica da quantidade de debates parlamentares, redução essa da responsabilidade, em conluio, do Partido Socialista e do Partido Social Democrata, contra toda a restante oposição e perante um primeiro veto presidencial, cuja verdadeira mensagem nem houve o cuidado de respeitar*).

Portugal continua, assim, em imparável deriva para o paraíso de oportunistas e de incompetentes em que meia dúzia quer transformá-lo, como acontece em qualquer pseudodemocracia que, a tais abusos e desmandos, verdadeira e eficaz oposição não saiba concertar.

Já as sondagens – com cujos indicadores tantos se admiram – são bem fáceis de explicar: mal ou bem, lá vão estes socialistas formados à pressa levando o barco, ora a um porto, ora a outro, às apalpadelas, cedendo aqui, cedendo acolá, sem rumo definido, enquanto as tripulações alternativas que governar se propõem, além de claramente incapazes, nem têm, ao menos, quem as saiba comandar.

Em quem mais iriam os Portugueses, num tal cenário, votar?

- x -

Quando, algures, aos primeiros raios de Sol do último Sábado de Fevereiro e fazendo vista grossa ao dever geral de confinamento, mais de quarenta por cento dos habitantes saem de casa para, pelo paredão da praia, ir caminhar; quando, por parte de quem supostamente governa, é flagrante a pusilanimidade perante a oligarquia do futebol, a ponto de, com os novos casos de COVID a triplicar, termos ficado sem as romarias dos Santos e as inerentes receitas comerciais, por causa das imprudentes e ilegais comemorações de uma final estrangeira da Champions e da muito tuga vitória do Sporting na Liga NOS*), algo está a funcionar mesmo muito mal, quer ao nível da soberania, quer ao da indispensável e subjacente necessidade de comunicar.

Como escreveu um autor irlandês da atualidade, num trecho bem ilustrativo da comunicação política que por aí vai:

Vivemos numa cultura de advocacia extrema, de confronto, de julgamento e de veredicto.
A discussão cedeu lugar ao debate. Comunicar transformou-se numa competição de vontades. O discurso público tornou-se obnóxio e insincero. Porquê?
Talvez seja porque, no fundo, debaixo de todo este palavreado,
tenhamos chegado a um ponto em que sabemos que sabemos... nada.
Mas ninguém está disposto a dizê-lo
”.

Sic transit gloria mundi


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quarta-feira, 7 de julho de 2021


Pedro Ferraz da Costa

Pedro Ferraz da Costa sobre reformar a administração


"Reformar é a tarefa mais ingrata que existe,
porque todos os que se vão sentir incomodados estão contra
e não tem ninguém a favor,
porque só percebem o quanto foi bom quando tiver acontecido"

(em entrevista ao jornal ECO*))

Se, em política, existe coisa bem fácil e promissora de uma melhoria nas sondagens e nas eleições, é demonstrar vigor, vitalidade política, proatividade, como gostam de lhe chamar agora, anunciando reformas que jamais irão acontecer, em boa parte por abrangerem áreas tuteladas por incompetentes ou por políticos atentos às suas carreiras e pouco mais.

segunda-feira, 5 de julho de 2021


Scriabin, por Vladimir Horowitz

Vladimir Horowitz toca estudo de Scriabin


Interpretação ímpar, ao vivo, do Estudo op.8 n.º 12*) de Alexander Scriabin*).

A expressão do rosto, o voo das mãos, tudo transmite uma ideia de arte, por muito que não saibamos o que a palavra quer dizer.

Mesmo que a música dita clássica não seja a sua favorita, não deixe de vibrar com a intensidade da obra e o carácter sublime da leitura que dela faz Horowitz*).

Pode assistir aqui

sábado, 3 de julho de 2021


Afinal, Deus Existe?


"Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade,
existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo,
do espaço e do que parece ser material.
Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;
e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar
"

 

         1. As Leis Não Nascem do Nada
         2. O Legislador da Natureza
         3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

                                                                                                                                                

As Leis Não Nascem do Nada
1. As Leis Não Nascem do Nada

Vivemos, ao que me dizem, num estado de Direito que faz parte de um Mundo todo ele feito de estados de Direito. Ou quase todo. Ou que parece ser todo.

Ora, num estado de Direito, em qualquer estado de Direito digno dessa designação, vive-se o primado da lei, sendo esta coletivamente considerada como o sistema de normas destinado a regular as relações sociais para evitar que nos trucidemos uns aos outros apenas para ter acesso a comida, ou por nos terem roubado o ou a mais que tudo; ou por cobiça, por vício, por mera diversão ou por qualquer outra mais ou menos estúpida razão.

No entanto, as leis não aparecem espontaneamente por aí, sem haver quem as faça; e, como interessa pouco quem foi que, de facto, redigiu ou fez vigorar esta ou aquela lei, é costume dizer que a lei – toda e qualquer lei – é da autoria de uma pessoa a quem convencionámos chamar legislador. Isto é axiomático, definitivo, é assim, porque não pode ser de outra forma: não existe lei para a qual não tenha, em algum lugar e em algum tempo, havido um legislador. Depois, para interpretar essas leis, os técnicos que a essas coisas se dedicam passam a vida a procurar adivinhar, para certas normas, qual a intenção do respetivo legislador.

Sabemos, também, que nem todas as leis, se inserem no âmbito do Direito positivo – aquele dos códigos e do Diário da República -, o mesmo podendo dizer-se dos princípios que subjazem à conceção e elaboração dessas mesmas leis. De facto, todos nós, os mais comuns dos mortais, numa ou noutra circunstância do quotidiano invocamos, da Natureza, esta ou aquela lei. Para parecermos sabedores, ou por sermos conformistas ou porque assim o sentimos, é, até, frequente comentar esta ou aquela graça ou desgraça que acontece dizendo algo como: “Pois é, são as leis da Natureza”. Quase sempre, quando acontece aos outros algo de mau…

 

2. O Legislador da Natureza

O Legislador da Natureza
Admitamos, agora, que, como pretendem alguns, do caos, pode nascer ordem, ou seja, que a ele pode a Natureza ir buscar ordem. Significará isto que, do caos total sobrevindo de um eventual big bang ou evento parecido terá podido nascer a ordem quase total como hoje a conhecemos? Que do caos total nasceu, por coincidência tão espantosa como improvável, uma ordem universal tão perfeita que permite, por exemplo, que eu esteja para aqui sentado a escrever estas coisas sem receio de que uma parte da incrível quantidade de átomos que forma o teto que me cobre decida fartar-se de ali estar, aparentemente parada, e resolva seguir outro caminho, assim fazendo desabar a restante parte do teto e pondo fim aos meus já longos dias?

Certamente que não.

Se o teto está e continuará a estar ali em cima até que alguém decida removê-lo ou alguma causa externa e independente da vontade dos átomos que o compõem o faça desabar, é porque, não uma, mas múltiplas leis da Natureza - aplicáveis, por exemplo, aos materiais e ao ambiente em que eles se encontram - determinam que continuem aqueles a desempenhar a função que lhes foi destinada e a assegurar, tal como uma incalculável quantidade de outros como eles, a relativa estabilidade que é essencial à vida tal como a percecionamos e julgamos conhecer.

Ora, tendo mais acima estabelecido que qualquer lei é elaborada por um legislador, forçoso se torna concluir que o apreciável acervo de leis naturais que conhecemos e a imensidão das que desconhecemos vieram, também elas, não do caos, mas da mente de um legislador.

Sabemos, outrossim, que é sempre privilégio do legislador alterar, derrogar ou revogar as leis que elabora, o que frequentemente acontece com os diversos diplomas legais, códigos, qualquer elemento constituinte de um edifício jurídico.

A Diferença Fundamental
Qual é, então, a diferença fundamental e absoluta entre as leis do Homem e as que a Natureza lhe impõe sem que ele ao cumprimento delas se possa furtar - já que, aquilo que conhecemos como leis da Natureza, não há força humana que seja capaz de alterar?

Como, na verdade, poderemos alterar ou revogar a lei de Newton, o teorema de Pitágoras, os princípios de Arquimedes, de Pascal? Impossível, e a razão é evidente a qualquer um: não foram estes ilustres cientistas os respetivos legisladores, não foram eles que elaboraram estas e todas as outras leis naturais – as poucas já conhecidas e aquelas quase infinitas cuja existência nem sequer nos foi, ainda, dado conhecer -, as quais, por comodidade na referenciação e em exaltação do resultado que convida a seguir o exemplo, apenas vão sendo batizadas como o nome de quem, na Natureza, as identifica.

A existência de qualquer lei da Natureza não é suscetível de ser provocada pelo Homem, sendo meramente constatável através de uma observação inicial a validar através daquilo a que chamamos investigação científica - cientes embora de que os ínfimos passos que a Ciência vai dando não passam de mosaicos, de pequenas partículas de uma construção infinita e por nós inalcançável, arquitetada por um legislador supremo que não conhecemos nem sequer vislumbramos porque se não deu, se não dá e, desolado com o que por cá poderá estar a ver, cada vez menos razões terá para se dar a conhecer.

Por uma questão de comodidade e para acompanhar a nomenclatura generalizada, a esse legislador supremo chamarei Deus.

 

3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação
A palavra Deus ora anda, por tudo e por nada, nas bocas do Mundo, ora a muita gente causa arrepios, constrangimento, escárnio, vergonha e uma imprevisível e desordenada mescla de outros sentimentos e reações, vá lá saber-se porquê, se é verdade que a necessidade de um conhecimento fundado da existência antecede, inevitavelmente, a decisão de professar qualquer fá religiosa:  sem Deus, para qualquer religião jamais haverá objeto de adoração.

Não professando eu já qualquer religião, não estou, naturalmente, a referir-me ao Bom Manitu, a Júpiter, a Alá, a Jeová ou ao deus representado no teto da Capela Sistina.  Chamo Deus à razão sobrenatural que criou a ordem universal em que todos estamos imersos, à qual estamos irremediavelmente vinculados e da qual nenhum de nós alguma vez poderá escapar, tal como acontece com os pequeninos átomos do teto aqui por cima. Pode haver quem diga que sim, mas ainda ninguém me explicou como ou para quê.

Cada um desses pequenos átomos está sujeito a uma virtualmente infindável quantidade de leis divinas que, no seu conjunto, asseguram a ordem natural, tal como as leis dos homens formam o Direito.

Nas cidades, não nos apercebemos tão facilmente das maravilhas da Criação. Por cá, praticamente tudo quanto se nos apresenta aos sentidos é produto da criação humana, de um engenho cada vez mais desenvolvido, e servido por uma base de conhecimento cada vez mais vasta. Mas no campo, quem resistirá a maravilhar-se olhando para uma minúscula bolinha castanha e para o enorme pé de couve que uma bolinha semelhante gerou? Ou olhando para uma bolota caída no caminho e, sobre ela, para o gigantesco e centenário sobreiro que de outra bolota nasceu? Serão o engenho e a razão humana alguma vez capazes de produzir algo tão maravilhoso como aquilo que, há milénios para nós infinitos, a Razão sobrenatural programou? 

Esta Razão sobrenatural surge-nos como a primeira causa, a causa das causas, um deus que, assim definido, inegavelmente existe, dotado de conhecimento e de poder infinitos ou perto disso e nos permite por cá levar a vida usufruindo dos recursos que quis pôr à nossa disposição:  o tempo, o espaço, a matéria; as leis que os regem, deterioram e regeneram; os outros seres; o nosso corpo de primatas e a mente e o espírito que dele se servem na prossecução de um objetivo último que, paradoxalmente, nos não é dado conhecer.

Para um ser pensante, deve ser esta a angústia maior da vida, a que suscita a questão primeira, à qual ninguém sabe responder: o que quer de nós este desconhecido deus, esta Razão universal? Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade – provavelmente, imaterial -, existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo, do espaço e do que parece ser material. Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;  e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar.

Compreender o Impossível
Alguém escreveu que “a inteligência que quer compreender a Criação quer compreender o impossível”.  Esse esforço seria uma perda de tempo, não só por tudo indicar que levará a lugar nenhum, como porque havemos de entender que, quisesse tão poderoso Legislador dar-se a conhecer, haveria de já o ter feito; ou virá a fazê-lo quando muito bem entender, para tal não ficando dependente de um eventual resultado positivo da nossa humana incompetência, quando um dia decidíssemos bisbilhotar.

Assim, investigar Deus mais não é do que desafiar os Seus desígnios, e uma perda de tempo colossal. Um pensamento atribuído a um físico alemão do século XX, tido como o pai da física quântica, diz que “a Ciência não pode resolver o mistério final da Natureza. E isto porque, em última análise, somos parte do mistério que tentamos resolver”.

Se aceitarmos esta afirmação, restar-nos-á refletir sobre a nossa missão enquanto Humanidade, sobre a motivação que poderá ter estado na origem da vida, sobre o que terá motivado a criação de tudo isto a que nos habituámos a chamar Universo, cuja dimensão ignoramos e sempre ignoraremos, da mesma forma que a primeira coisa que nos confunde acerca de Deus é a sua dimensão: por muito inteligentes que nos julguemos, escapará sempre, ao nosso entendimento, a qualquer veleidade de compreensão.

Com maior utilidade para todos, caberá, antes de tudo, refletir sobre a missão individual de cada um e sobre as razões da diferença marcante do animal que somos relativamente a todas as outras espécies, questões estas que, porque mais próximas nos são, nos permitirão a verdade com menos insucesso procurar.

* *
Como explicar as calamidades que constantemente se abatem sobre a Humanidade?
Se Deus existe ou, pelo menos, alguma vez existiu, como será que gere o Universo?