sábado, 14 de agosto de 2021


COVID: O Palácio das Araras

"Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos:
é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada,
que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação
"

          1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas
          2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
          3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
          4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão
          5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

 

Importância da Sustentação Científica
1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas

No Estado de Direito, é entendido como do mais elementar bom senso – e a lei prevê – que um decisor que não domine determinada área do conhecimento recorra à opinião de peritos visando o rigor da decisão a prolatar, bem como a clareza de uma exaustiva e clara fundamentação.

Tal recurso à presumível sapiência de terceiros pressupõe, necessariamente, que o laudo produzido por cada perito consultado se sustente em saber estabilizado e adquirido segundo as regras do método científico, sob pena de acabar o decisor enleado numa amálgama de opiniões díspares que, em lugar de contribuir para o desejado esclarecimento, apenas irão a sua ignorância nestas coisas acabar por aumentar.

Ainda assim - ou seja, mesmo quando os diversos pareceres solicitados se baseiam numa mesma ciência antiga e são redigidos de acordo com os procedimentos preconizados -, não é raro chegarem os respetivos autores a conclusões substancialmente distintas, já que, contrariamente ao que às vezes por aí se diz, conta bem menos o volume do conhecimento do que a efetiva capacidade para corretamente o processar, para, daquele que existir, alguma coisa aproveitar.

A situação agrava-se, evidentemente, quando a ciência consultada não é antiga nem conhecimento, verdadeiramente, existe porque o problema é recente e ninguém domina uma matéria que não houve tempo para, serena e exaustivamente, investigar.

Assistimos, então, a espetáculos tristes por parte de desesperados e desabridos gestores ou governantes que ficam sem saber o que decidir e como manter confiante e tranquila uma população tão ignorante como eles nestes assuntos – e muito bem, porque, se cientistas existem de determinada área, é porque tudo de tudo todos não têm de saber -  e ávida de orientações e esclarecimentos coerentes e seguros, ou que, pelo menos, pareçam fidedignos, que estimulem a vontade de os seguir e de à lei obedecer.

Atarantados, não cessam, pelo contrário, os atores sociais e políticos de ainda mais inquietar os espíritos, lançando na comunicação social o debate tipicamente estéril que, de forma inevitável, nasce do costume de espalhar aos quatro ventos todas as palavras alguém diz, seja lá o que for, seja lá quem for, como que procurando transferir para os desgovernados a obrigação de, em cada caso específico, decidir sobre aquilo que não conhecem, e deixando-os sem saber o que fazer nem em quem, afinal, acreditar.

Políticos escondidos no buraco do avestruz
Inversamente, poderá, também, dar-se o caso de outros desesperados gestores ou governantes se acoitarem no buraco do avestruz, na toca estreita da inação, esperando que peritos e ólogos disto e daquilo se matem e esfolem em debates mais ou menos espalhafatosos mas sempre inconsequentes, esquecendo-se de que, para que da discussão nasça a luz, necessário se torna que ela se processe sobre conhecimento validado e objetivo, e não sobre qualquer sandice que saia da pena ou da boca de quem, pouco ou nada sabendo do assunto, da quantidade do que lhe sai da pena ou da boca depende para viver.


2. Vacina-se os Miúdos ou Não?

Enquanto, na imensa praia da insanidade comunicacional típica do Portugal de todos nós o areal vai, a cada dia que passa, ficando cada vez mais poluído, decisões de sentido inverso vão sendo tomadas em regiões distintas do País. Foi o que aconteceu na Madeira, onde, a despeito da recomendação de sentido contrário da Direção-Geral da Saúde – e não de Saúde, como alguns peritos e alguns ólogos, quiçá por soar mais chic gostam de dizer -, se decidiu inocular os menores com idades entre os 12 e os 16 anos*), independentemente da existência ou inexistência de patologias – direito esse que, diga-se de passagem, à Região Autónoma plenamente assiste, nos termos constitucionais.

Não pode, porém, ignorar-se que, se a disparidade de critérios e de fundamentações que grassa Europa fora é, já de si, sintomática do desnorte que por aí reina na ciência destas coisas, torna-se, para a fiabilidade do que cientificamente é dito, simplesmente catastrófico que, para salvaguardar particularidades da economia de determinada Região ou por mera ânsia de protagonismo político, sobre questão são importante e sensível como a vacinação de menores se não entenda uma região autónoma com o poder central - por muito débil que este possa ser mau grado o folclore gerado por cada vez mais frequentes e indisfarçáveis tiques ditatoriais.

Mais grave, porém, será o facto de a Direção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos terem posições diametralmente opostas sobre este tema da vacinação de menores*).

Note-se que se trata de entidades que, desejavelmente, não estão a proferir opiniões de natureza política: em ambas pontificam cientistas das mesmas áreas do conhecimento que estariam, supostamente, a pronunciar-se de forma sensata, ponderada e cientificamente sustentada sobre matérias da sua especialidade, visando, unicamente, proporcionar aos tais mais ou menos desesperados governantes os elementos necessários à tomada de decisões políticas - decisões essas que acabam por quase sempre tardar, por ficarem os governantes à deriva num confuso oceano de contraditórias opiniões.

>A Cereja no Topo do Bolo
A cereja no topo do bolo da descrença popular vem-nos do facto de,
dentro da própria Ordem, os médicos não se entenderem quanto ao que devem recomendar*); e, cereja ainda mais saborosa, que, dias mais tarde e, ao que consta, por atuação direta do Senhor Presidente da República no exercício da magistratura de influência para a qual por todos nós foi mandatado, a Direção-Geral da Saúde lá acabe, a contragosto, por dar o dito por não dito e passe a dizer que, ah!, afinal, as coisas não são assim tão simples e os miúdos sempre são todos para vacinar!

Bonito!

Não obstante, entende o Senhor Primeiro-Ministro que não se trata de ziguezague - como, à manobra, um definhado partido da oposição chamou à cambalhota -, mas sim de "evoluir na decisão"*)... mais propriamente, evoluir precisamente para a decisão contrária, com os mesmos dados disponíveis e, praticamente, uma semana depois.

Fala-se muito de linguagem inclusiva, mas esta é simplesmente exclusiva, na medida em que exclui do seu entendimento os olhos e os ouvidos de pessoas minimamente inteligentes e de boa fé, que apenas procuram entender o que se passa, sem estar preocupadas com votos ou campanhas eleitorais, como, por maioria de razão, a um Governo conviria em tempo de tão graves e sensíveis decisões.


3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social

No século passado, era eu ainda mais miúdo do que os miúdos cuja vacinação tanta celeuma hoje levanta, levava-me a minha Mãe ao Palácio das Araras, no Jardim Zoológico de Lisboa.

Cá de fora, pouco se dava por isso. Mas, uma vez lá dentro, o diálogo entre humanos tornava-se completamente impossível, tal era a chinfrineira saída dos bicos das animadas e tagarelas aves.

O mesmo se passa hoje com a vozearia que, sobre assuntos relacionados com a COVID, por aí vai nos jornais e televisões, resultando numa chinfrineira muda, vazia de mensagem, já que ninguém ouve nem ninguém se faz ouvir, com um mínimo de respeito e de credibilidade, no meio de tanto alarde, de tanta vontade de se pôr em bicos de pés a dizer “eu é que tenho razão!” quando lá se arranja maneira de, uma vez mais e ganhando ou não uns trocos, aparecer na televisão.

Manifestamente, não se baseiam estes discordantes palradores em dados cientificamente recolhidos e validados, uma vez que, em quantidade e com fiabilidade suficientes, os não há: proferem palavras tiradas da mera dedução lógica a partir de algumas notícias e elementos insuficientemente interpretados e testados. Ou seja: deitam-se a divinhar, como, mais coisa, menos coisa, qualquer um de nós seria capaz de fazer.

Missão de Informar De nada vale o brocardo segundo o qual, quando um burro zurra – digamos assim -, os outros baixam as orelhas: todos sabem que ninguém sabe, mas todos fazem por parecer que sabem, porque, para esta gente, é “vergonha” não saber.

Mas a título de quê e com que legitimidade ou direito tanto palra esta gente toda?

Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará, nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão

Estruturalmente, a democracia é um regime político muito fraco, dada a facilidade com que se usa e abusa na interpretação dos direitos, garantias e liberdades constitucionalmente reconhecidos, invocando-os para tudo e mais alguma coisa em proveito exclusivo de um indivíduo ou de um grupo restrito, sem que alguém tenha a coragem de a tal se opor. Se o fizer, o mais certo será deparar-se com acusações de ser fascista, ditador e mais isto e mais aquilo, como sempre acontece quando alguém procura, no exercício de direitos ou de deveres e com a melhor das intenções, moderar o exercício das amplas liberdades da democracia por parte de quem delas abusa e volta a abusar.

Já, a propósito dos festejos da vitória do Sporting na Primeira Liga de futebol, aqui falei sobre a confusão entre, por um lado, o direito de cada um manifestar as suas posições e ideais políticos e, por outro, invocar tal direito para atividades que nada têm com os direitos garantidos na Constituição.

O abuso da liberdade de expressão em tempo de pandemia é claramente, mais um destes casos.

Na verdade, aquilo a que diariamente assistimos nas televisões não é o exercício do direito de livremente exprimir posições políticas sobre o assunto, posições essas que, efetivamente, todos têm o direito de manifestar e todos têm o direito de conhecer.

O que se escreve nos jornais e passa nas televisões são conclusões meramente técnicas e, quase sempre, não fundamentadas sobre matéria científica que apenas meia dúzia de portugueses se encontra em condições de escutar e interpretar. Para a multidão restante, são coisas sem qualquer interesse prático, sem conteúdo político, apenas destinadas a preencher tempo de antena quando nenhuma catástrofe ou desastre espetacular em Portugal fornece matéria para vender anúncios, e cujo principal efeito é espalhar a confusão, descredibilizar as decisões e convidar, por desconhecimento ou descrédito, à prática de sucessivas infrações.

Direção-Geral da Saúde
Não se trata, neste caso de, ao espalhar por aí palavras a esmo, a Direção-Geral da Saúde, a Ordem dos Médicos, os epidemiologistas, os outros istas, os ólogos, os espertalhões, os jornais e as televisões estarem no exercício de qualquer direito previsto na constituição, designadamente o direito à liberdade de expressão: trata-se, antes e muito evidentemente, de uma clara violação do dever social de contenção, de reserva, sobre temas que não são do interesse da generalidade de uma população que tudo quanto quer é saber o que é para fazer, porque é isso que importa: é isso que, se cumprido, poderá ainda ter alguma eficácia e, da COVID e do seu Exmº Vírus, em alguma medida evitar maior propagação.

Afinal, o que queremos, verdadeiramente, quando vamos ao médico? Simplesmente, que nos passe a receita e instrua quanto à posologia. Às discussões técnicas, que nos poupe e as tenha em local próprio e com os colegas de profissão!

É no INFARMED, e não na praça pública, que deve ter lugar o debate entre cientistas que falem a mesma língua e que, nesse e noutros fora da especialidade, expressem livremente as suas opiniões, procurando chegar ao bom porto de alguma válida e, finalmente, eficaz conclusão, na falta da qual o Governo ficará desobrigado de seguir o resultado da difusa e inaproveitável discussão - mas, mesmo assim, obrigado a decidir com base no bom senso e segundo os mais altos e saudáveis ditames da administração.

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos: é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada, que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação.


5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

Bem, dir-se-á, mas, no INFARMED isso já é feito, os especialistas já debatem estes temas antes e durante as famosas reuniões.

Pois sim, mas o que, aparentemente, acontece, é que, convenientemente, não são convidados cientistas de todas as tendências para essas reuniões, assim restando aos excluídos e ignorados badalar cá por fora as razões pelas quais discordam das conclusões.

A assim não ser, isto é, se existe o cuidado de garantir que participam nas reuniões especialistas com as mais diversas visões do problema, serão os vencidos no debate que, dando mostras de ausência, nos seus espíritos, da mais elementar noção de ética, vêm publicamente - e de forma mais ou menos equívoca – destilar o fel que, da derrota no debate, lhes ficou. Ou, então, os medíocres que querem, à viva força, ser alguém mas nada de útil têm a acrescentar e já ninguém tem paciência para ouvir, sem que por isso se coíbam de bater à porta desta ou daquela estação televisiva onde lá acabam por encontrar alguém que, por sua vez, conhece alguém que, a troco de uns minutos a encher com alardeada erudição uma antena desprovida de interesse, lá arranjam maneira de, no próximo jantar em família, exibir o vídeo de mais aquela vez em que as importantes criaturas foram à televisão.

- x -

Os editores dos jornais e os diretores de informação das televisões prestariam bem mais válido e sério serviço público se, em tempos tão complicados e difíceis, se recusassem a incentivar e a amplificar a chinfrineira destas araras que nos enchem olhos e ouvidos com a sua ignorante confusão; se pensassem um pouco menos em tiragens e em audiências e se abstivessem de dar eco a quem o não merce - ainda que substituindo o interminável rosário de opiniões dos entendidos por cacofónicas crónicas futebolísticas com vocabulário mais ou menos anedótico ou por mais um programas pimba apresentados por gente cada vez mais mal preparada e mais desinteressante.

Agiriam, assim, em defesa do legítimo interesse do público que os sustenta e a quem se dirigem, em lugar de dar palco a quem, falando daquilo que supostamente sabe sem, efetivamente, algo saber, apenas perturba a paz social, desacredita o legislador e as leis que produz, e assim torna ainda mais incerto e confuso o que já tão difícil é entender.

Em circunstância nenhuma será boa ideia aumentar a depressão e o pânico numa martirizada população e em desnorteados governantes que, manifestamente, não fazem a mais pequena ideia do que ainda poderão fazer, sem meter o pé na argola e sem dar cabo da próxima eleição.

quarta-feira, 11 de agosto de 2021


Oliver Wendell Holmes, Jr

A mente de um fanático é como a pupila do olho


"A mente de um fanático é como a pupila do olho:
quanto mais a iluminamos, mais se contrai
"

"
The mind of a bigot to the pupil of the eye;
the more light you pour on it, the more it contracts
"


O pavor da simples possibilidade de estarmos errados ou de estar errado quem admiramos - e de ter de o admitir... -, faz-nos contrair a mente até ao mais básico estado de negação de algo em que não queremos acreditar, em que não suportamos ter de acreditar.

Ao mesmo tempo, cada vez mais, a falta de ideias originais tende a exacerbar a necessidade de defesa de outras já muito estafadas, em que a discussão social e política gira mais em torno da paixão e do clubismo do que da sobriedade e da racionalidade que deveria, em princípio, distinguir o ser humano dos restantes animais.

Mais propício se torna, assim, esta conjuntura a que a defesa preferida de um fanático seja fechar-se na exaltação dos seus heróis e na repetição ad nauseam dos dogmas que religiosamente segue, naqueles inspirados. Tal ocorre, sobretudo, quando vê atacadas as suas ideias mais ou menos inaceitáveis, mais ou menos loucas, apressando-se a rejeitar à partida quanto se lhes oponha, ainda que baseado em informação mais fidedigna e elaborada a partir dos dados mais objetivos.

Faz lembrar as reações de certos indefectíveis admiradores de alguém recentemente falecido em cuja bondade de intenções e elevação de princípios, apesar de toda a evidência legalmente validada que há muito tempo as negava, escolhem continuar, obstinadamente, a acreditar, um pouco como acontece como, perante um crime ou uma séria ilegalidade cometida por um astro da bola que, apesar de tudo, continuamos a idolatrar.

segunda-feira, 9 de agosto de 2021


Rachmaninoff, por Arthur Rubinstein

Arthur Rubinstein ao piano
Imagem: www.wqxr.org
Nenhuma obra de arte deve ser retalhada, cortada aos bocados, é certo. Mas não é menos certo que é costume, das óperas, cantar apenas uma ou outra área.


Não chocará assim que vos proponha hoje apenas o segundo andamento do Segundo Concerto para piano e orquestra de Sergei Rachmaninoff.

Dificilmente se encontrará um repositório similar de tantos sentimentos, de tantas emoções por vezes contraditórias, que uma interpretação soberba vem salientar.

Chicago Symphony Orchestra*)
                                                                         Fritz Reiner*), Maestro


sábado, 7 de agosto de 2021


Nem mais, nem menos: tal e qual!

Quem, com todo o tempo para refletir, decide, friamente,
pespegar na primeira página uma porcaria destas,
ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa,
ao que efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente,
em futuras capas mostradas nas bancas
não teremos como os olhos deixar de pousar

          1. A “Gaiola Aberta”
          2. Ética? O que É Isso?
          3. A Responsabilidade Mediática Permanente de quem Representa a República
          4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado
          5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes
          6. Quem Não Quer Ser Lobo…

A eterna gaiola aberta da nossa juventude
1. A “Gaiola Aberta”

Existem diversas definições para pasquim. A Infopedia*), por exemplo, adota:

1. escrito afixado em lugar público com expressões injuriosas ao governo ou pessoa constituída em autoridade
2. panfleto difamatório
3. figurado jornal que publica calúnias e artigos difamatórios
4. pejorativo jornal de pouca qualidade

Faz-me isto recordar os meus tempos há muito idos em que por aí circulava um então bem conhecido pasquim, desengraçado, mas supostamente humorístico.

Além de uma ou outra imagem ou trecho em que o Autor lá tinha algum sucesso no seu estranho propósito de fazer gente adulta rir com vontade de coisas com piada nenhuma, aquilo não passava de um desfile de ordinarice da mais rasca, da mais reles, por vezes cruel.

Em nada diferia, diga-se, das ordinarices desoladoramente desengraçadas com que um cada vez maior e mais medíocre rebanho ansioso de protagonismo fácil junto de semelhantes seus vai, ao que me dizem, contaminando certas redes ditas sociais que, afinal e com mais ou menos melaço, muitas vezes não passam, em lugar de redes, de ratoeiras, de eficazes armadilhas destinadas a capturar os espíritos mais simples e às quais, nos nossos dias, não é fácil escapar.

Garantiam a sobrevivência do tal pasquim idiotas como o idiota que aqui escreve e também, de longe a longe, a lia. Na recém-libertada mocidade de então, acabávamos por comprar aquilo porque a "Gaiola Aberta" – assim se chamava a publicação - era, quiçá, o mais evidente sinal da libertação do jugo da censura que, por tantos e tantos anos, o anterior regime ditatorial impôs a quem apenas pretendia livremente escrever e ler, falar e ouvir: nesse tempo, seria impensável abrir a gaiola - ou sair do armário -, fosse quem fosse que lá não quisesse estar.

Era, até, impensável deixar sair as ideias de quem apenas pretendia sorrir, sonhar.

Assumidamente, a Gaiola era um periódico sem qualquer conteúdo jornalístico: era um pasquim! Apenas um pasquim.

Nem mais, nem menos: tal e qual!

2. Ética? O que É Isso?

Ética: o que é?
Numa altura em que os números da COVID já enjoam, em que
o Governo foi de férias e na falta de catástrofes e de escândalos suficientemente rentáveis para que deles valha a pena falar, resta, para assegurar o ganha-pão dos órgãos de comunicação, a luta política de segunda linha, contaminada pela eterna e incurável ânsia de cada um ver os ídolos do seu partido ganhar - sentimento muito próprio da população que temos, maioritariamente hipnotizada pela futilidade das redes sociais e do futebol, e em grande parte tão vazia de intelecto e de espiritualidade como uma dessas pobres bolas que os ricos futebolistas não cessam de martirizar.

No futebol, chuta-se impiedosamente a bola com o intuito principal – ou único, nos dias que correm - de ganhar dinheiro, muito dinheiro mesmo, desvalorizando-se, para que a coisa renda, os tão nocivos efeitos sociais colaterais dessa cada vez mais induzida ânsia de sucesso a todo o custo, efeitos esses bem patentes aos olhos de quem os quiser ver, como o de só pensar na vitória desportiva, profissional, política ou social, a qualquer preço, e por quaisquer meios necessários a atingir tão glorioso fim: ser, na ordem social, Alguém; com maiúscula, claro!

Por outras palavras: pavonear-se.

Desta forma, aquilo a que outrora se chamava a virilidade do futebol rapidamente degenerou numa crescente profusão de faltas ad hominem no campo e fora dele, que nem os cartões encarnados, os jogos de suspensão, os processos de inquérito e as prisões domiciliárias ou preventivas conseguem, já, eficazmente travar; e aquilo a que nos referíamos como combate político leal - frente a frente, olhos nos olhos -, do carril da ética acabou, inexorável e irremediavelmente, por descarrilar.

- x -

A divulgação, nas redes sociais, de um pequeno filme em que aparece, fortemente etilizado, como que a abanar ao vento em plena rua, um destacado representante de Portugal no mais alto órgãolegislativo da Comunidade Europeia*), talvez não seja, contrariamente ao que por aí se entende e o próprio diz, uma violação da vida privada desse cidadão: a inoportuna manifestação dos vapores do álcool aconteceu na via pública e por ação do próprio, que nesse estado nela se mostrou a quem o quisesse ver, razão pela qual nenhuma prévia expetativa de privacidade, nessas circunstâncias, poderia ter.

Foi sem querer
Há quem contraponha que a exposição não foi voluntária, antes devida a um estado de alguma inconsciência decorrente de um acidentalmente abusivo consumo de bebidas alcoólicas. Porém, aos olhos da lei e do mais elementar senso comum tal argumento não colhe, dado que, ao que se sabe, ninguém o obrigou a beber.

Se qualquer condutor pudesse defender-se dizendo “foi sem querer”, ninguém iria para a cadeia por conduzir com um grão na asa; ou, neste caso… com um melão.

Por outro lado, atento o direito que qualquer um tem de ponderar, no momento de votar, se o faz, ou não, num eleito que foi visto no estado que sabemos, é difícil entender como pode alguém pensar que a divulgação das imagens não é de interesse público*); e pouco importa quantos assistiram à cena ao vivo e a cores, já que, mesmo sem filme, estas coisas andam de ouvido em ouvido com tanta facilidade como as pombinhas da Catrina andam de mão em mão.


3. A Responsabilidade Mediática Permanente de Quem Representa a República

Ninguém é obrigado a ocupar lugares em órgãos legislativos ou da governação. Se o faz, há que saber comportar-se com a dignidade esperada por quem o elegeu para a função; e estar ciente de que, embora não trabalhe vinte e quatro horas por dia, é, durante as vinte e quatro horas do dia, o português investido nessa obrigação, assim estando vinculado a cuidar de uma reputação que, por ser ele quem é, inevitavelmente repercute os impactos por ela eventualmente sofridos em toda a população.

Mesmo não ocupando qualquer cargo, todos devemos ter em conta que, como alguém já escreveu, “a vida consiste em vários fatores importantes e fundamentais, entre os quais se encontra o decente e inteligente domínio dos apetites que partilhamos com os cães. O homem não uiva do alto de um outeiro, de manhã à noite, nem tritura com voracidade os alimentos que lhe atiram. Come alimentos bem confecionados, quando os pode obter, e satisfaz os seus anseios consoante lhe indica a prudência”.

Pode, pois, sem exagero, dizer-se que o pequeno filme transmite um espetáculo degradante, uma tenebrosa imagem do País veiculada por alguém que, mais do que muitos, foi mandatado, contratado e é principescamente pago para a dignificar.

- x -

Joalharia dos famosos e poderosos
Não obstante, trata-se, também de uma situação na qual, em tese, nesta desolada sociedade qualquer ser humano está sujeito a cair: até aqueles imaculados que passam, na Internet e não só por lá, o seu miserável tempo a maldizer tudo e todos relativamente a coisas que também eles fazem, tendo, embora, artes de evitar que se saiba - ou, no caso dos ditos famosos ou poderosos, de, mais ou menos rapidamente, fazer esquecer ou abafar, caso algum prestimoso assessor de imagem disponibilize essa solução.

Mas o que talvez mais choque da parte de quem pôs o triste filme a circular é a premeditação da decisão de o conservar anos a fio, à espera da oportunidade perfeita para, causando o maior dano possível às aspirações políticas do visado, o divulgar.

Tamanha frieza, tão implacável premeditação, apenas se entende no quadro de uma luta pelo poder hoje travada sem quartel sem ética, sem grande coisa além do fedor a lixo que habitualmente a caracteriza.

 

4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado

Mudando completamente de assunto… há que dizer que, por muito fraca que possa ser a qualidade de determinada publicação, por muito execrável que possam ser os propósitos ou as ideias que impulsionam a divulgação deste ou daquele conteúdo, a pretensão de um pasquim se considerar parte da imprensa escrita de modo nenhum belisca a dignidade e o prestígio da profissão jornalística.

Afinal, a prensa da tipografia imprimia no papel qualquer escrito com que lá se o quisesse esborratar, da mesma forma que a impressora dos nossos dias não apenas reproduz as letras que um jornalista digno desse título produz, não se negando, também, a dar corpo a títulos e capas mais ou menos tonitruantes que qualquer alarve para lá queira mandar.

Qualquer um tem, pois, direito a imprimir o que bem lhe aprouver, desde não torne público o que não deve, como notícias ou declarações falsas ou ofensivas da dignidade de outrem, sobretudo, neste último caso, quando, tal como em certas faltas do futebol, a divulgação apenas visa atingir o indivíduo, sem qualquer interesse ou finalidade digna do ponto de vista social.

Não digam mal de nós
Para que o esforço de um desses alarves da imprensa lhe sirva para alguma coisa, não basta recitar a cantilena estafada de que “não importa o que digam de nós, importa é que falem de nós”: quando o espírito de missão definha e se escarnece do impacto social, o que verdadeiramente resta é garantir que o resultado do desmando tenha, pelo menos, qualidade suficiente para lhe assegurar receitas; e isso torna-se difícil em tentativas de ressuscitação de mamutes há muito enterrados, apenas visando, aparentemente, a glorificação narcísica e saudosística de quem bem menos danos à sociedade causaria se ficasse a saborear a reforma e a ver o tempo passar.

Tudo isto, sem falar no pequeno problema de a decisão de voltar a dar vida a um representante da imprensa escrita há muito amortalhado ser tarefa à partida economicamente inviável - um mamute não tem graça -, que nem valerá muito a pena tentar. Sobretudo no Verão, em que a cabeça dos editores parece que, de tanto procurar notícias de que valha a pena falar, mais cedo ou mais tarde acabará por estourar.

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Ressurgiu, há semanas, na imprensa portuguesa, uma publicação em papel que, logo no primeiro número, até quem lá escreve afirma ser estranha e que pretenderia, ao que parece, dinamizar a imprensa escrita em Portugal.

Vá lá saber-se porquê, acabou por nascer às portas do Verão, a tal altura em que, no defeso da bola, sobre outros assuntos só mesmo um grande alarido consegue tirar os Portugueses da água ou levá-los a, entreabrindo primeiro um olho, depois ou outro, interromper a sestazinha na esplanada enquanto destilam uma bem acompanhada caneca ou imperial.

Talvez por isso mesmo, ainda o renascido mamute andava de cueiros, logo uma capa absolutamente despropositada e jornalisticamente arrepiante veio, a troco de uns trocos nas tabacarias e de mais uma ou outra tão necessária quanto modesta fatura de publicidade, irreversivelmente minar quaisquer pretensões de qualidade e imparcialidade de quem foi uma publicação pioneira no género e outrora respeitada, até pela distinção que então se reconhecia a fundadores e colaboradores – alguns dos quais ainda por lá andam, o que não deixa de tornar ainda mais surpreendente tão tenebrosa evolução.

A badalada capa alardeava, nem mais, nem menos, do que a existência do tal pequeno filme sobre o andar periclitante do tal deputado europeu, obtido nas circunstâncias que se conhece, o que, por si só, sugere grande dificuldade em encontrar temas interessantes, bem como fontes fidedignas que com o dito jornal ainda aceitem colaborar.

Gente que sai do armário
Vai, todavia, mais longe, o jornaleco: a pretexto – assaz conveniente e oportuno, aliás - de guerras de sucessão e quase de secessão no partido do visado, afirma que os seus adversários políticos internos querem vê-lo “a sair do armário”, num claro e despropositado aproveitamento da lastimável exibição por ele protagonizada para gritar aos quatro ventos uma sua eventual homossexualidade.

A não ser do vil metal, a troco de quê? Seguindo que critério jornalístico?

Com que ganho social?

Além de todos os epítetos que a decisão de publicar tal capa me merece, a associação torpe e indesculpável de um momentâneo, porquanto condenável, passo em falso à orientação sexual do embriagado é, além de tirada a ferros, também desinteressante, ilógica, inexistente: não passa de uma manobra rasteira com objetivos que não será difícil descortinar, além de ser, esta sim, uma inaceitável intrusão no mais íntimo da vida privada de alguém que sobre ela tem sabido manter a reserva e o decoro – mérito que a alguns dos seus maiores críticos se não poderá, talvez, associar.


5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes

Nos tempos do anterior regime, não se falava porque não se podia falar. Agora, fala-se demais porque o Estado diz não ter como controlar.

Claro que a censura prévia é uma perversão do jornalismo e, possivelmente, a negação maior da democracia. Mas tal não legitima que alguém se distraia do dever de, independentemente da existência ou não de ilícito criminal, depois da publicação de uma capa como esta os seus autores e editores responsabilizar.

Não basta, contudo, que outros políticos venham, supostamente consternados e solidários, alardear veementescondenações de demonstrações de vileza deste jaez*): a sociedade civil tem a obrigação de, em termos efetivos, condenar e procurar neutralizar comportamentos como este – embora não necessariamente perdendo as estribeiras e formulando apreciações injuriosas acerca das mães dos palermas que aparecem aqui a dizer que até não gostam muito dele mas não gostam do vídeo”, e especificando, com todas as letras onde o apoio dispensado devem enfiar*), o que sugere que, qual infeção por vírus, esta coisa dos descontrolos tende a alastrar.

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Quem não quer ser lobo, não lhe veste a pele
Ora, por razões sobejamente conhecidas e relacionadas com uns quantos pategos que por aí circulam com cauções penduradas à cinta e ar de quem sabe que, judicialmente falando, nada de mal lhes irá acontecer, fala-se cada vez mais da distinção entre empresários bons e empresários maus; fala-se, como sempre se gostou de falar, do papel social dos empresários que são bons e daqueles que, vendo bem, talvez não sejam assim tão maus.

Acontece, todavia, que, parafraseando alguém, não é possível viver em dois mundos diferentes: para se viver legalmente é necessário aceitar os códigos e a ética. Se quisermos viver numa selva caótica, teremos de pagar caro pela escolha. Depende de nós.

Assim sendo, quem, em presença de capas destas, optar por continuar a dar dinheiro a troco de anúncios a quem no-las impinge sujeita-se a ser desses que terão de pagar caro pela escolha, uma vez que se torna solidariamente responsável pelo que mais dali vier, já que, ao contratar publicidade, está a assegurar a viabilidade comercial de quem, sem tais receitas, não teria como continuar para aí a dizer mal.

Não se alegue, pois, que nada se pode fazer por não haver censura prévia: a censura do mercado, seja do lado das empresas anunciantes, seja do lado do público comprador dos jornais, é, sempre será, o maior garante da qualidade, do rigor e da moralidade do que lemos e ouvimos nos meios de comunicação, bem como um forte incentivo à hombridade e idoneidade de quem com estes colabora em funções jornalísticas, editoriais ou de direção.

6. Quem Não Quer Ser Lobo…

A divulgação, por uma criatura maldosa, do filme na Internet pode, no limite dos limites, entender-se – mas, nunca, aceitar-se – dada a proximidade das eleições internas no partido político do visado às quais, presumivelmente ele irá candidatar-se.

Mas a que propósito sai do prelo - e do nada - a publicação de uma tal capa? Que utilidade para a generalidade dos leitores em férias terá uma aparição tal?

Não deixa de ser verdade que uma publicação não pode ser avaliada, e muito menos julgada, por uma simples capa. Mas não é menos verdade que, sobre o que se publica ou não, há muito tempo antes para pensar; e que, quem, com todo o tempo para refletir, deliberadamente pespega na primeira página uma porcaria destas, ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa, ao que efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente, em futuras capas mostradas nas bancas não teremos como os olhos deixar de pousar.

O que vai dentro do jornal e na última página, só lê quem quer.

A mensagem na capa, em letras garrafais, não temos a liberdade de ignorar, por, simplesmente, não termos como para ela deixar de olhar.

Porque está em parangonas. Porque está lá para impressionar.

- x -

Esclareça-se que, do que dela conheço, a pessoa visada me não merece particular simpatia, uma vez que admiro a vivacidade no debate televisivo apenas quando não resvala, recorrentemente, para um protagonismo exagerado ou para a emotividade excessiva e esganiçada, que sempre acabam por se revelar formas de apresentar ideias seriamente comprometedoras da correta perceção do conteúdo.

Assim, ao condenar a perseguição discriminatória e estupidamente abusiva de que foi vítima, não estou a insurgir-me contra o ataque a este ou àquele, antes contra o aproveitamento abjeto de situações sem interesse jornalístico, promovido por gente que, a meus olhos, de jornalista demonstra ter muito pouco, antes se me afigura ambiciosa, oportunista e vaidosa, desprovida de ideal.

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Honra lhe seja feita, a “Gaiola Aberta” sempre foi um pasquim, e nunca quis passar por outra coisa.

Nem mais, nem menos: tal e qual!

quarta-feira, 4 de agosto de 2021


José Hermano Saraiva

O Tejo a Correr para o Mar

"Continuará a haver noites de luar,
Serra de Sintra
e o Tejo a correr para o mar
"


Será que estamos a preocupar-nos com aquilo que, de facto, importa?

Ou estaremos antes, por via da inevitável insatisfação sentida por não podermos vir a ter coisas de que muito desejaríamos poder desfrutar, reféns de estereótipos de criação mediática, de antevisões quase fantasmagóricas de um Futuro cuja felicidade e tranquilidade nós mesmos acabamos por condicionar?

Coisas que, ainda por cima, de bem pouco servem ao enriquecimento espiritual dos seres superiores em cuja definição tanto gostamos de nos mirar...

Numa das suas últimas entrevistas televisivas, em novembro de 2011 ao programa ´Alta Definição´*), da SIC, apresentado pelo jornalista Daniel Oliveira*), o historiador José Hermano Saraiva*) falou sobre vários aspetos da sua vida profissional e pessoal e, também, sobre o País real.

A certa altura, questionado sobre qual poderá ser o futuro de Portugal, respondeu, simplesmente: ''Olhe, qualquer que seja, continuará a haver noites de luar, Serra de Sintra*) e o Tejo a correr para o mar'

Dá que pensar...

ª ª
Acontece questionarmo-nos sobre o que estará aí para vir, no caso de a guerra na Ucrânia alastrar ou se tornar mais séria. Sobre o que acontecerá quanto, apesar de tudo, o Tejo continuar a correr para o mar...


segunda-feira, 2 de agosto de 2021


Wende Snijders: Hey!

Há letras emocionantes, músicas magníficas, interpretações fantásticas.

Wende Snijders cantando Hey
Imagem: i.ytimg.com

São, no entanto, realidades que não parecem conviver harmoniosamente: encontramos uma, outra, talvez duas delas, mas raramente moram juntas.

Aqui, a letra e a música dispensam comentários, e a espetacularidade da interpretação está na simplicidade.

No intervalo de leituras mais sérias, deixemo-nos comover por estes escassos três minutos.