sábado, 4 de dezembro de 2021


Motorista de Cabrita: Negligência ou Dolo Eventual?


   "Do ponto de vista ético, pessoal e da solidariedade que o Governante deveria,
pelo menos, aparentar para com quem, na altura, o conduzia, a coisa parece deplorável,
feia, inqualificável. Demitiu-se do cargo, e muito bem, que outra coisa não haveria a fazer.
Só pecou por tardar e por, na declaração da saída, tergiversar
"


Cabrita
Deixando à margem os comentários inflamados e subjetivos que por aí andam sobre a atitude do Ministro da Administração interna ao declarar-se um mero passageiro na viatura que, há meses, atropelou um trabalhador da Brisa, vamos lá tentar, em abstrato, arrumar as ideias e por um pouco de ordem nisto tudo.

Faz toda a diferença cometer um crime por negligência ou com dolo eventual.

Quando um condutor amador como a maior parte de nós circula, a 166 km/h, numa auto-estrada em zona não sinalizada como nela decorrendo trabalhos de manutenção, e acaba por, inadvertidamente, colher e matar um peão, estamos perante um crime por negligência, com mera culpa. Ou seja: o condutor distraiu-se, ia a pensar que não tinha dado de comer ao gato antes de sair de casa, ou vinha aborrecido com alguma coisa, acelerou e não viu que um maluco qualquer ia a atravessar a faixa de rodagem numa zona onde ninguém deveria estar.

Neste caso, a culpa do condutor não reside no facto de ter atropelado quem, inopinadamente, apareceu a caminhar na auto-estrada, o que ninguém poderia prever.  A culpa estaria no facto de não ter podido parar a tempo por circular com um excesso de velocidade de 46 km/h relativamente aos 120 km/h permitidos. Apenas isto; e, por se tratar apenas disto, estaríamos perante um homicídio por negligência, como tantos outros que, por essas estradas, acontecem e continuarão a acontecer.

Bem diferente é a situação de um motorista profissional que conduz na auto-estrada a 166 km/h e, sem abrandar, irrompe por uma zona de trabalhos devidamente assinalada, caso em que a velocidade máxima sinalizada seria, possivelmente, de 80 km/h. O excesso já não seria de 46 km/h, mas de 86 km/h, o que faz uma diferença muito grande. Mas, mais diferença faz ainda o facto de, ao contrário do primeiro exemplo, em que a presença do peão seria absolutamente inesperada, numa zona de trabalhos ser natural e expetável encontrar pessoas!

Quanto mais não fosse, apenas por isto, não se trataria, neste caso, de uma excesso de velocidade meramente negligente que teria tido como efeito dificultar o controlo do automóvel, mas de uma vontade de prevaricar estando plenamente consciente da fortíssima probabilidade de encontrar pessoas cujas vidas seriam postas em sério risco.

De outra forma dito, o motorista ter-se-ia conformado com o resultado mais do que previsível: causar danos irreparáveis à integridade física de terceiros ou, mesmo, tirar-lhes a vida.

Avenida Almirante Reis - Lisboa
Esta evidente conformação com o resultado nefasto previsível define a existência de dolo eventual, que, aos olhos da lei, transforma um homicídio por negligência, punível com uma pena máxima de três anos de prisão nos termos do art.137º do Código Penal, num homicídio simples, ao qual corresponde uma pena máxima de dezasseis anos de prisão, conforme dispõe o art.131º do mesmo Código. Falta dizer que, enquanto no primeiro caso a pena pode ser suspensa nos termos do art.50º e seguintes, no segundo o condenado vai ter mesmo de a cumprir.

"Quando a realização de um facto que preenche um tipo de crime for representada
como consequência possível da conduta,
há dolo se o agente actuar conformando-se com aquela realização
"

Código Penal Português, art.14º n.º 3 (Dolo Eventual)

Se me der para conduzir a cem à hora em Lisboa, na Almirante Reis, não tenho a certeza de ir atropelar alguém, mas é muitíssimo provável que tal aconteça. Se, sabendo-o, insistir na ideia, me puser para ali a acelerar e acabar por atropelar alguém, terei agido com dolo eventual, pensado talvez não aconteça, mas pode muito bem acontecer. Paciência. Tanto pior para quem ao meu caminho aparecer.

Lá fora, existe a expressão depraved indiference. Indiferença depravada diz, de facto, muito mais da monstruosa dimensão da atitude assumida por estes criminosos perante o próximo que, aos seus objetivos, não hesitam em sacrificar.

Mesmo em marcha de urgência, uma ambulância abranda ao aproximar-se de uma zona de obras.
Ao que parece, o motorista do Ministro não abrandou!

- x -

Daqui de longe, a única razão plausível para que, no caso do motorista profissional do Ministro da Administração Interna, agora acusado de homicídio por negligência, este tipo de crime tivesse sido escolhido pelo Ministério Público em lugar do de homicídio simples - com dolo eventual - seria a eventualidade de os trabalhos não terem sido devidamente sinalizados pela equipa que os executava*), o que a concessionária da auto-estrada prontamente desmentiu*).

Terá a omissão acontecido? Será isto plausível? Ou possível, até?

É que não estamos a falar daqueles empreiteiros de beira de estrada com raquetas encarnadas de um lado e verdes do outro, que quanto utilizam semáforos nem sincronizá-los devidamente sabem; que deixam os sinais de máxima trinta na berma da estrada durante todo o fim de semana sem que lá estejam máquinas ou quem quer que seja a trabalhar, ou os mantêm em vigor ao longo de uns bons cinco ou dez quilómetros para andarem por ali a aparar umas ervinhas enquanto, quilómetros atrás ou à frente, por vontade deles uma interminável fila de automóveis andaria, inutilmente, a pastelar.

Não. Estamos a falar de uma grande empresa, concessionária da maior parte das auto-estradas nacionais e com códigos de conduta e manuais de procedimentos estritos e completos, e com rotinas executadas por diversos elementos e controladas por diversos outros, todos eles com exigentes qualificações profissionais.

Mais simplesmente: alguma vez o Leitor passou por obras ou trabalhos numa auto-estrada portuguesa que não estivessem devidamente sinalizados largas centenas de metros atrás?

Eu, não.

- x -

Muito se diz e escreve, hoje, por aí sobre a atitude do Ministro ao declarar que era um mero passageiro *).

Sim. Do ponto de vista ético, pessoal e da solidariedade que o Governante deveria, pelo menos, aparentar para com quem, na altura, o conduzia, a coisa parece deplorável, feia, inqualificável. Demitiu-se do cargo*), e muito bem, que outra coisa não haveria a fazer. Só pecou por tardar e por, na declaração da saída, tergiversar.

Mas, por muito que nos doa, legalmente, o Ministro tem razão: era, de facto, um mero passageiro, cabendo ao motorista toda a responsabilidade pela condução do automóvel, como acontece, por exemplo, quando viajamos de avião. No avião, há o comandante, e nós todos, os outros: bloggers, políticos, governantes, sejamos quem formos, não passamos de passageiros nem mandamos o que quer que seja na pilotagem (e ainda bem...).

O mesmo acontecia no carro do Ministro, com a condução. A menos que... ele tenha sugerido ao motorista que estava com pressa, que fizesse o favor de se despachar, caso em que poderia ser acusado de cumplicidade ou de incitamento - coisa que, em qualquer caso, sem uma improvável confissão seria sempre difícil de provar.

- x -

Seja o que for que tenha, de facto, acontecido, cabe agora aos tribunais averiguar.

Mas fica sempre aquele cheirinho a poder - perdão, a podre, que ser escreve de maneira quase igual.

Fica aquela suspeitazinha no ar...

Como quase sempre, em Portugal

"Age com dolo directo quem prevê e pretende intencionalmente a realização do facto criminoso.

Existe dolo necessário quando o agente sabe que, como consequência de uma conduta que resolve empreender, realizará um facto que preenche um tipo legal de crime, não se abstendo, apesar disso, de empreender tal conduta.

No dolo eventual cabem os casos em que o agente previu o resultado como consequência possível da sua conduta e, apesar disso, leva a cabo tal conduta, conformando-se com o respectivo resultado*)

Acórdão de 12.03.2009 (Processo 08P3781)
do Supremo Tribunal de Justiça

sexta-feira, 3 de dezembro de 2021


Barcelos: Ponte sobre o Rio Cávado

 

Barcelos: Ponte sobre o Rio Cávado

Além de tudo quanto há para ver na Cidade*), uma das maiores e melhores feiras do Norte de Portugal*)
Todas as Quintas-feiras.
Não perca!

quarta-feira, 1 de dezembro de 2021


Alphonse Allais

Alphonse Allais e a Ilusão
"
Um homem que sabe ser feliz com uma simples ilusão é infinitamente mais esperto do que aquele que desespera com a realidade"


   "Un homme qui sait se rendre heureux avec une simple illusion est infiniment plus malin que celui qui se désespère avec la réalité."     



Será, sem dúvida, algo para se pensar, numa época em que parece que tudo quanto alguém almeja é "ser feliz", seja lá o que for a ideia que cada um tem de tal idílico estado.

O que pensar, então, dos que nada têm, e sabem que jamais de seu algo terão? Como, senão através do sonho, poderão ter acesso à imagem de uma felicidade que, como a de qualquer de nós, não passará, afinal, de uma efémera ilusão?

Não deverá isso fazer-nos refletir sobre a sorte que, de facto temos, passando a contentarmo-nos com uma ou outra ilusão, em lugar de nos endividarmos sem freio ou contenção na ânsia de, cada dia que passa, alguma coisa de novo termos para mostrar a outros que, tal como nós, apenas deles querem saber e, do que de novo em nós vêm, são incapazes de tirar satisfação, antes lhes causando dolorosa inveja e insuportável irritação?

Que tal, em vez de sofrer por não poder ter, por não poder comprar, nos irmos, aqui e ali, contentando com alguma... ilusão?

segunda-feira, 29 de novembro de 2021


Caldas da Rainha: Lago e Pavilhões do Quartel

Caldas da Rainha - O estado lastimoso dos pavilhões do quartel

Em pleno parque municipal, nas margens do lago, outrora imponentes e grandiosos, o pavilhões do quartel*) das Caldas da Rainha*) encontram-se, hoje, abandonados e em adiantado estado de degradação.

Fala-se de um projeto de reconversão em hotel, conservando a traça original.

Será verdade? Para quando?

Ou estar-se-á à espera de que caia de vez, e não seja, então, necessário gastar dinheiro na recuperação?