quinta-feira, 6 de janeiro de 2022


Negacionistas - Juiz ou Médico: o que É pior?

Definindo de uma forma muito simples, negacionismo é uma forma básica, boçal, rudimentar, elementar de rejeição da mais evidente e clara razão.

Para a condenação de tal teoria e da correspondente prática, releva, assim, da mesma forma a atuação de um magistrado judicial que negue a existência de uma pandemia, como a de uma médica que ensine a manipular testes*) por forma a que produzam resultados negativos em doentes infetados.

A atuação da médica é, no entanto, bem mais grave, roçando a do próprio homicídio com dolo eventual: é que, enquanto o juiz negacionista incitava ao incumprimento da lei, a médica ensinava a falsificar testes cujo resultado manipulado permitirá a indivíduos infetados andar por aí a espalhar o virus, transmitindo-o a eventuais futuras vítimas, designadamente mortais.

Como explicar, então, que o juiz tenha sido expulso da magistratura pelo Conselho Superior - e muito bem! -, enquanto a médica apenas foi condenada, pela Ordem a seis meses de suspensão*), reduzidos a três em sede de recurso?*)

Que matéria de direito terá prevalecido? Que influência?

Que corporativismo desbragado?

* *

O suposto liberalismo dos defensores da abolição da máscara não passa, muitas vezes, de encapotado negacionismo, perante uma realidade bem presente como é a COVID-19.

quarta-feira, 5 de janeiro de 2022


Jerónimo de Sousa

Jerónimo de Sousa


"O capital não só não tem pátria, como não tem sentimentos, é amoral, e a sua lei suprema é o lucro"

Jerónimo de Sousa*)  
(em Comício)                 
             

Diz isto, ao mesmo tempo que, supostamente, defende o apoio do Estado às pequenas e médias empresas, as mais numerosas representantes do famigerado capital - e que, a propósito, dão emprego à esmagadora maioria dos trabalhadores portugueses. Será que já ninguém tem sentido crítico, no Partido Comunista Português (PCP), para lhe dizer "Olhe lá, Camarada, não é bem assim!", ou já só quem tem patine é que por lá ainda pode opinar?

Ninguém há que lhe diga que, por muito espontâneas, comoventes e emotivas que possam ser, as generalizações baratas nem sempre são muito recomendáveis? Que lhe diga que capital é sempre capital, independentemente da dimensão e das intenções e idoneidade dos seus detentores?

Com cantilenas profundamente eleitoralistas e demagógicas como esta, num país que, embora tímida e ineficazmente, lá vai, pelo menos, procurando enriquecer o nível de instrução dos eleitores, como espera esta gente cristalizada na memória do antigamente*) conseguir evitar uma votação cada vez mais humilhante nas sucessivas eleições? Atacando um imenso tecido empresarial que gera emprego, como irá convencer alguém de que defende os interesses dos trabalhadores?

A coisa está tão negra, que os comunistas de hoje já nem têm, como os de antigamente, a lata de, por muito que desçam, continuar a dizer, cada vez que perdem, que acabaram de ganhar...

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Independentemente das razões por que possa tê-lo feito, é impossível negar o contributo essencial que o PCP teve na motivação das ações que culminariam com a queda da ditadura em Portugal. No entanto, isso apenas adensa o mistério, torna mais patética a teimosia, quanto à insistência em continuar, num estado de negação dificilmente compreensível, a defender o indefensável, ainda que à custa de ter de rejeitar a mais clara evidência e a mais lúcida razão.

Aponta-se à Igreja Católica um indesejável alheamento da realidade ao insistir na difusão de aspetos mais anacrónicos da sua doutrina;  aponta-se, e penso que bem, já que todos os princípios, mesmo os mais sagrados, devem ser formulados - e, mais tarde, reformulados - atendendo ao tempo em que irão ser observados. Mas como explicar e legitimar, então, o ainda maior desfasamento, face à sociedade atual, da doutrina do PCP?

Pouco importando a forma mais ou menos hábil como o disfarçam os programas partidários, a doutrina comunista ortodoxa, propriamente dita, não se limita a sustentar a importância de defender os interesses das classes de trabalhadoras: isso, qualquer partido democrático, inevitavelmente, alardeia, sob pena de nele quase ninguém votar. O que distingue o comunismo puro é a proposta de que se defenda tais interesses pela força das armas, mensagem terrível que, admitamos, será, na sua plenitude, apercebida por muito poucos dos seus mais ingénuos e menos cultos eleitores. Muitos poucos deles quererão andar por aí, de arma em punho, a matar, a fuzilar: votam no Partido por não ver alternativa, por clubismo, ou pelo simples e nada esclarecido hábito de assim votar.

O PCP é, hoje, um partido anódino que tem na cada vez menos eficaz greve a principal forma de luta. Uma vez perdida a paciência ou confrontado com o fim inevitável, deixará, seguramente, de ter como único braço armado uma central sindical: não nos admiremos se a por muitos esquecida ARA (Ação Revolucionária Armada)*), ou alguma descendente mais preparada e sofisticada, vier um dia desestabilizar, ainda mais, este já tão desnorteado Portugal.

(continua aqui)

terça-feira, 4 de janeiro de 2022


Promoveram o Major Alvega!

O Presidente da República Portuguesa, pessoa conhecida e reconhecida pela qualidade do português com que, habitualmente, se exprime, fez publicar, no passado dia 27 de Dezembro, a seguinte frase*):

"É nomeado para o cargo de Chefe do Estado-Maior da Armada (...) o Vice-Almirante (..),
bem como a correspondente promoção ao posto de Almirante (...)
".

Na minha habitual lentidão de raciocínio, entendi, inicialmente, que houvera dois nomeados para o cargo: o Vice-Almirante e a respetiva promoção. Mas... não, pensei depois: se fossem dois, em lugar de "é nomeado", teria escrito "são nomeados", o que não fez; e, seja como for, não se pode nomear uma promoção.

Tendo-se, assim, feito luz, apesar da fraca perspicácia lá acabei por concluir, perplexo por vir de quem vinha, que a construção da frase estava, simplesmente, errada, exprimindo um inegável disparate que em nada prestigia, quer quem o redigiu, quer o jornal oficial que o publicou.

Não me passa, evidentemente, pela cabeça que tenha sido o ilustre Magistrado a lavrar aquela coisa, antes algum apressado e distraído escriba cuja função consista, essencialmente, no chamado copy/paste *), sem, pelos vistos, ter, ao menos, o cuidado de reler as letras que nos minúsculos decretos presidenciais vai deixando ficar.

Nem ele releu, nem o Presidente antes de assinar, nem o fez alguém num Diário da República que, apesar de passar por ser o todo-importante Jornal Oficial, parece não ter a mais pequena responsabilidade ou interferência na qualidade daquilo que publica e outros escrevem - e mal feito seria se tivesse, ou se alguém de lá se atravesse a chamar a atenção a alguém de cá, coisa que jamais este alguém iria perdoar, político ou não.

Mas é triste. É triste porque, tal como, no presente caso, a questão é de somenos, o mesmo poderia ter acontecido - e acontece - em situações bem mais graves, a ponto de, quantas vezes, em orações assim tornadas equívocas se ficar sem saber qual a intenção do legislador, com o inevitável impacto acrescido sobre a carga de trabalho dos tribunais, advogados, notários e solicitadores.

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Dirão, claro, as más línguas que a pressa em remover o Chefe do Estado Maior da Armada*) (CEMA) agora exonerado era tal, que nem houve tempo para grandes preciosismos ou, sequer, cuidados. Terá sido assim? Tirada do caminho a oposição do Presidente da República - que acabou por ceder ingloriamente nesta trama birrenta e desconchavada -, seria assim tanta a pressa em içar ao estrelato o prospetivo salvador de um Partido Socialista*) sem candidato presidencial carismático à vista que o tire, daqui a poucos anos, das garras de um mais ou menos anunciado desaire eleitoral?

De que outra forma interpretar a afirmação de que, para a substituição, era este o momento oportuno*), sem minimamente explicar onde estava essa oportunidade, essa extrema urgência que ninguém vê, e que acabou por gerar uma trapalhada tão maltrapilha que se manifesta, até, em coisas tão simples como... um pequeno e despretensioso parágrafo de nomeação?

Ademais, que justificação paupérrima e insultuosa é essa, de que a oportunidade do momento decorria da recente aprovação da Lei Orgânica de Bases da Organização das Forças Armadas?*) Vão correr com o Chefe do Estado Maior General? Com os chefes militares dos outros ramos, também?

Já agora: o decreto vai ficar assim?

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Nos meus tempos de estudante liceal, quase todos comprávamos O Falcão, revista de banda desenhada a preto e branco, da qual uma das mais conhecidas personagens era o Major Jaime Eduardo de Cook e Alvega - nome que o meteorologista Anthímio de Azevedo traduzira de Battler Britton, o nome original 

Acontecia assim, e acontece, porque os miúdos portugueses sempre gostaram de fardas, fosse há muitos anos n'O Falcão, seja agora nos jogos de computadores e consolas: e, depois de crescidos, continuam a achar que, quem quer que vista uma farda, é um herói pelo simples facto de aparecer assim vestido. Todo limpinho e arranjadinho, com a roupa bonita e passadinha a ferro, julgam logo que é competente, e a pessoa indicada para o lugar, seja ele qual for. Isto, os partidos políticos sabem muito bem...

Enquanto Vice-almirante, o agora Almirante CEMA soube tirar o devido partido do seu uniforme de combate*) - sempre serviu para alguma coisa... - para aparecer, com aspeto dinâmico e despretensioso, quando, ao comando da task-force, era apanhado pelas câmaras, em flagrante contraste com a desalinhada fatiota que levou aos Globos de Ouro*), na qual não estava, evidentemente, confortável. Tirou, também, partido das imagens em que aparecia de uniforme de gala*), qual Capitão Iglo, dos douradinhos da dita marca.

Agora, nomeado e promovido à pressa, quase no limite de idade e para assegurar a terceira faixa nos punhos, lá apareceu com uma enorme faixa verde*) a evidenciar, sobretudo, a habitual foleirada latente ou submersa na maior parte dos nossos políticos, que no Almirante parece estar agora a vir à superfície.

Ou não tivesse o homem andado tanto tempo nos submarinos...

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Talvez por jamais ter sido promovido, nunca vi o Major Alvega engalanado com uma faixa... O Major Alvega era o que era, sem necessitar de faixas.

Afinal, a que corresponderia aquela faixa verde?

Para o ego do Almirante, o que significaria?

Para o novo cargo, que vantagem?

segunda-feira, 3 de janeiro de 2022


Camané - Que Flor Se Abre no Peito



Às vezes apetece parar tudo, fazer silêncio, e ouvir um fado sentido e bem cantado.

Uma música, entre tantas, de Camané*), que é uma música, entre tantas, de Pedro Abrunhosa*).

Mas, não sei porquê, acho-lhe alguma coisa de diferente, de especial...

Pode ouvir aqui.


Imagem: Blog Ferreira Dias e Noites

domingo, 2 de janeiro de 2022


60.000 Candidatos a Operador de "Call-center"


"Sessenta mil candidatos a bolsas de estudo receberam o pagamento relativo ao mês de Dezembro", ouvi há dias já não sei em que estação de televisão. Não sei se terão, também, noticiado os pagamentos relativos aos meses anteriores, nem se irão massacrar-nos com outras notícias igualmente desinteressantes nos meses que se seguem.

Não é novidade a figura ridícula de quem não tem notícias com interesse para dar, nem reportagens prontas para entrar no ar quando escasseia a matéria-prima das picardias políticas, dos fora de jogo que não eram, dos que eram e não chegaram a ser e das catástrofes que, felizmente parece que só acontecem por esse mundo fora. Mas mais ridícula tal figura se torna ainda por anunciar, como se de grande coisa se tratasse, algo que não passa de chamariz para o embuste em que continuam a cair os infelizes estudantes que, ou saem da universidade com notas altas - mesmo muito altas - e lá acabam por se orientar lá por fora, ou, com uma muito maior frequência e probabilidade, irão parar a um call-center, tábua de salvação para os que, simplesmente, tiveram aquelas notas que, não sendo excecionais, revelam, pelo menos, que andaram na escola a fazer o que se esperava que andassem a fazer.

Para estes, todos sabemos que, ao nível dos conhecimentos adquiridos, não existe emprego compatível para todos, ou, sequer, para a maior parte; muito menos, na respetiva área de formação. Mas, como é preciso mostrar números lá para fora, ninguém lhes diz que vão ficar atrasados na vida profissional indiferenciada em que outros começam a singrar e a ganhar o sustento antes deles: eles que correm desesperadamente pelo canudo que permitirá, um dia, aos babados e mais ou menos parolos mamãs e papás, convidar os vizinhos, parentes e amigos para uma grande festa, com um enorme bolo que diz: "Temos Doutor!".

Será esse, para muitos, o ponto alto da carreira académica. O derradeiro, também...

Em Portugal, "Licenciado", quer dizer "igual a todos os outros que se arrastam pelos call-centers", sonhando com a maravilhosa vida há muito imaginada... que jamais chegarão a ter.

sábado, 1 de janeiro de 2022


A Falácia da Democracia Portuguesa

"A matéria-prima da liberdade é a educação"

"Longe de ser perfeita, a democracia não é segura, mas é a menos perigosa; não é pura,
mas é a menos impura. Em países como o nosso peca, no entanto, por ser sustentada por um eleitorado
cujo efetivo nível académico e cultural não passa de uma miragem construída por políticos para parecerem bem na fotografia
"

"A democracia só funciona quando conta, maioritariamente, com eleitores razoavelmente ensinados, educados
e politicamente empenhados e esclarecidos. Nunca, quando assenta numa turba desinteressante, desinteressada e
preferencialmente dedicada às notícias da mais recente competição desportiva, de preferência com muitos cartões de diversas cores,
insultos e pancadaria, para financiar os eternos comentadores, para animar a coisa"


Combinado ou não com lavagem de dinheiro, a ser verdade o que a comunicação social vem noticiando sobre o assunto*) – na linha, aliás, de desabafos, não desenvolvidos e eficazmente desencorajados, que, anos atrás, na imprensa*) e  na blogosfera*) se podia ler -, um alto dirigente de um dos principais clubes desportivos portugueses recorre, regularmente, aos serviços de bruxos, para prever ou influenciar resultados da equipa de futebol.

A credibilidade destas notícias é, já se sabe, a habitual nos nossos dias. Não deixa, no entanto, de ser relevante o facto de o diz-que-disse se arrastar ao longo de vários anos e de, agora, os factos aparecerem divulgados no âmbito de averiguações oficiais, necessariamente mais credíveis, que poderão, por uma ou outra rzaão, levar a ações penais*).

Acresce que uma leitura perfunctória dessas peças noticiosas poderá, com toda a naturalidade, levar-nos a, rapidamente, nos desinteressarmos do aliás desinteressante assunto, quando muito com a conclusão elementar de que, de verdadeiramente desportiva, a postura da pessoa muito pouco poderá ter (hipoteticamente, que diferença haverá, de facto, entre procurar falsear um resultado subornando um árbitro e fazê-lo recorrendo à bruxaria, quando é certo que, no espírito dos prevaricadores, sempre se estará a visar mais uma trafulhice entre tantas outras de que ouvimos falar, relacionadas com um desporto que alguns bem intencionados ainda gostariam de ver límpido e impoluto?)

O pior de tudo isto, é que, se quisermos complementar, com uma breve consulta à Wikipedia *), a leitura dessas notícias, ficaremos a saber que o ilustre suposto cliente dos bruxos é, além de personalidade proeminente na sociedade portuguesa, um menino bem nascido, ensinado em bons colégios particulares. Mesmo sem a Wikipedia, basta atentar na forma como a dita personalidade se exprime em pontuais aparições em entrevistas e afins para podermos concluir tratar-se de uma pessoa informada, esclarecida, de nível cultural muito acima da média, educada, civilizada… que nem por isso deixará de ir à bruxa com a mesma facilidade com que vai a Fátima pedir ajuda a alguém que muitos parecem considerar a padroeira dos clubes de futebol.

Perante esta possibilidade, veio-me ao espírito a inevitável pergunta: quantos mais destes cidadãos supostamente esclarecidos e evoluídos por aí haverá, como ele, e mais educados e ensinados do que ele, até?

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Não deixa de ser verdade que o dirigente do nosso exemplo não detém um grau académico de nível superior; mas não é menos verdade que, no que à educação e à cultura diz respeito, merece lugar de destaque, muito acima da mais grossa fatia dos licenciados que vemos por aí.

Se for verdade
A ser verdade o que se diz e escreve sobre o tema, teremos, pois, um bom exemplo da enorme falácia, de consequências facilmente adivinháveis, que consiste na crença de que quase obrigar todos os jovens a estudar até mais não poder é essencial para assegurar o funcionamento em pleno da democracia, designadamente em Portugal. Mesmo sabendo que a oferta de emprego condigno é muito escassa e é menos que diminuta a probabilidade de se concretizar a carreira profissional com que sonharam, encorajam estes jovens pouco informados e pouco esclarecidos a continuar os estudos até ao ensino superior, nomeadamente no pressuposto falso e enganador de que a aprendizagem de nível superior tem, como efeito imediato e indissociável, o esclarecimento dos estudantes eleitores, designadamente quanto à capacidade de adquirir a maturidade política suficiente para garantir o voto em liberdade, em consciência e de forma razoavelmente informada e esclarecida.

Independentemente do nível de estudos e do grau de erudição, por parte da mole humana, de proporções pouco divulgadas, que despende rios de dinheiro com os mais do que discutíveis mas principescamente pagos préstimos dos ditos videntes, o exercício do direito de voto em eleições democráticas parece, antes, caracterizar-se pela escolha de quem legisla e irá governar segundo os mesmos critérios básicos, elementares, idiotas, apavorados, adotados nas decisões de consultar estes magos. Vivemos, na verdade, no meio de uma população fortemente permeável à manipulação pelo marketing - seja ele comercial, feiticeiro ou partidário - e, claro, ao espetáculo mediático que técnicos altamente especializados na arte do engodo encenam para os atores políticos poderem mostrar o que, maioritariamente, não são, e que se encontram em patamares de excelência e de competência a que jamais conseguirão chegar.

Encenam estes técnicos, magistralmente, campanhas eleitorais que nada esclarecem quanto às ideias e aos princípios, antes se tornando progressivamente mais focadas na capacidade de se exibir, na tendência para o estardalhaço por parte de quem os partidos escolhem para por eles dar a cara como candidato em sucessivas eleições. Isto, porque qualquer político muito bem sabe que são mínimas as probabilidades de sucesso nas urnas sem o espetáculo pimba, sem as provocações gratuitas dirigidas aos adversários, sem os acalorados debates denegrindo a qualidade dos opositores... e com pouco ou nada sobre linhas programáticas que, ao fim e ao cabo, a poucos interessam, que quase ninguém entenderia, e que fazem muita gente mudar de canal quando a conversa envereda por aí, levando a que boa parte dos telespectadores deixe de conseguir descodificar e, muito menos, assimilar o que nela é dito.

A ditadura é em mais calma, que remédio. Mas terá de ser tão pateticamente animada e extremada a democracia?

Eleições autárquicas
Nas recentes eleições autárquicas, o espetáculo triste foi o que se viu. Nas legislativas que se avizinham, a coisa deverá ser mais subtil, é verdade; mais controlada, já que, afinal, estamos a falar de futuros deputados da Nação, que em muito alta conta costumam ter-se - mesmo aqueles que, quando eleitos, muito pouco ou nada irão fazer nas suas intrinsecamente importantes funções.

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Em abstrato, a ditadura em si mesma nada tem de mal, desde que o ditador seja movido por bons propósitos - o que se tem demonstrado uma impossibilidade prática, bem sei - e, também, competente. Inversamente, a democracia pode revelar-se bem nociva, caso os eleitos apresentem inversas características.

A vantagem inegável e indispensável da democracia, em relação à ditadura, reside, essencialmente, na possibilidade de ser a ação legislativa e governativa sujeita a escrutínio através do voto popular, sempre estando na mão de quem vota pôr fim a eventuais arbitrariedades e desmandos mediante a entrega do poder a outro partido… que, a curto ou médio prazo, os eleitores irão também remover do poder a fim de pôr fim às respetivas arbitrariedades e desmandos; e assim sucessivamente, até que um dia, desgastada pelo uso e abuso de uma alternância exageradamente competitiva que em nada contribui para sedimentar a República e serenar os ânimos, a democracia acabe por soçobrar.

Não se estranhe, assim, quando alguém pretende que “a democracia ainda é a pior forma de governo que existe, se excetuarmos todas as outras”.

Longe de ser perfeita, a democracia não é segura, mas é a menos perigosa; não é pura, mas é a menos impura. Em países como o nosso peca, no entanto, por ser sustentada por um eleitorado cujo efetivo nível académico e cultural não passa de uma miragem construída por políticos para parecerem bem na fotografia, e para assegurar a empregabilidade e o lucro nas universidades, institutos e quejandos que vão criando cursos vazios, de interesse escasso ou nenhum mas que, como qualquer outro, dão direito ao almejado mas insignificante diploma cada vez mais desvalorizado pelos maus tratos que o ensino tem, há largas décadas, sofrido e continua a sofrer em Portugal.

Uma educação efetiva, sólida, encorpada por um ensino estável, responsável, com visão estratégica, ministrado por quem sabe e não por quem se supõe que deva saber, numa sociedade com valores éticos que se sobreponham aos chamamentos da fachada, da ganância e dos mais desprezíveis aspetos de um desejavelmente saudável mercado é requisito indispensável a qualquer verdadeira democracia.

Poderemos não estar, felizmente, a passar pelos horrores de uma ditadura. Mas, tampouco vivemos em verdadeira liberdade numa saudável democracia, antes em algo que cada mais se assemelha a uma anarquia imparável, com contornos de oligarquia - dominada por uma certa elite partidária aparentemente mal formada, corrupta com tiques ditatoriais cada vez mais difíceis de escamotear - e alimentada pela ignorância cívica e pelo desinteresse puro e simples pela ética por parte da uma crescente percentagem da população, adepta fervorosa da abstenção, da demissão da responsabilidade política que, num país democrático, é indissociável da própria condição de cidadão.

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Quando a maturidade, política ou não, de boa parte dos habitantes, mesmo dos mais educados e ensinados, ainda reside nos conselhos da bruxa, quando, se os deixassem, às vacinas prefeririam as mezinhas e, aos medicamentos, as poções; quando pensam pela boca e pela pena dos outros, abdicando do direito sagrado que a democracia lhes confere - pelo qual tantos tanto lutaram e sofreram… - de cada um pensar pela própria cabeça e, esclarecidamente, agir e votar por vontade própria, ninguém poderá insurgir-se contra a ideia de que eleitor é o “indivíduo que goza do privilégio sagrado de votar na pessoa escolhida por outro indivíduo”.

A democracia só funciona quando conta, maioritariamente, com eleitores razoavelmente ensinados, educados e politicamente empenhados e esclarecidos. Nunca, quando assenta numa turba desinteressante, desinteressada e dedicada, antes de mais, às notícias da mais recente competição desportiva, de preferência com muitos cartões de diversas cores, insultos e pancadaria para animar a coisa, e assim garantir a publicidade, impiedosamente impingida aos basbaques, que irá financiar, nas televisões, as horas arrastadas dos eternos comentadores.

Sabia-o muito bem o Presidente do Conselho que, notavelmente, sintetizou a ideia na que se tornou, provavelmente, na mais conhecida frase por ele proferida: "O que nós queremos, é futebol! *)". Foi essa apetência desmedida das massas pelo supérfluo como elemento estruturante da sociedade que lhe deu pulso livre para, juntamente com os seus sequazes, durante décadas privar da liberdade toda uma população que então não sabia e hoje não sabe que a matéria-prima da liberdade é a educação.

A simples ideia de eleições supostamente livres num regime democrático feito de gente civicamente pouco educada e pouco habituada a pensar mais não é do que uma perigosa falácia, de efeitos tão previsíveis quanto indesejáveis. “Como é bom para os governantes que as pessoas não pensem!*)... como um dia disse aquele que foi, porventura, o mais pérfido dos ditadores...


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