"A matéria-prima da liberdade é a educação"
"Longe de ser perfeita, a democracia não é segura, mas é a menos perigosa;
não é pura,
mas é a menos impura. Em países como o nosso peca, no
entanto, por ser sustentada por um eleitorado
cujo efetivo nível
académico e cultural não passa de uma miragem construída por políticos
para parecerem bem na fotografia"
"A democracia só funciona quando conta, maioritariamente, com eleitores
razoavelmente ensinados, educados
e politicamente empenhados e esclarecidos. Nunca, quando assenta numa turba
desinteressante, desinteressada e
preferencialmente dedicada às notícias da mais recente competição
desportiva, de preferência com muitos cartões de diversas cores,
insultos e pancadaria, para financiar os eternos comentadores, para animar
a coisa"
Combinado ou não com lavagem de dinheiro, a ser verdade o que a comunicação
social vem noticiando
sobre o assunto*) – na linha, aliás, de desabafos, não desenvolvidos e eficazmente
desencorajados, que, anos atrás, na
imprensa*) e na
blogosfera*) se podia ler -, um alto dirigente de um dos principais clubes
desportivos portugueses recorre, regularmente, aos
serviços de
bruxos, para prever ou influenciar resultados da equipa de futebol.
A credibilidade destas notícias é, já se sabe, a habitual nos nossos dias. Não
deixa, no entanto, de ser relevante o facto de o diz-que-disse se arrastar ao
longo de vários anos e de, agora, os factos aparecerem divulgados no âmbito de
averiguações oficiais, necessariamente mais credíveis, que
poderão, por uma ou outra rzaão, levar a ações penais*).
Acresce que uma leitura perfunctória dessas peças noticiosas poderá, com toda
a naturalidade, levar-nos a, rapidamente, nos desinteressarmos do aliás
desinteressante assunto, quando muito com a conclusão elementar de que, de
verdadeiramente desportiva, a postura da pessoa muito pouco poderá ter
(hipoteticamente, que diferença haverá, de facto, entre procurar falsear um
resultado subornando um árbitro e fazê-lo recorrendo à bruxaria, quando
é certo que, no espírito dos prevaricadores, sempre se estará a visar mais uma
trafulhice entre tantas outras de que ouvimos falar, relacionadas com um
desporto que alguns bem intencionados ainda gostariam de ver límpido e
impoluto?)
O pior de tudo isto, é que, se quisermos complementar, com uma breve consulta
à
Wikipedia *), a leitura dessas notícias, ficaremos a saber que o ilustre suposto cliente
dos bruxos é, além de personalidade proeminente na sociedade
portuguesa, um menino bem nascido, ensinado em
bons colégios particulares. Mesmo sem a Wikipedia, basta atentar
na forma como a dita personalidade se exprime em pontuais aparições em
entrevistas e afins para podermos concluir tratar-se de uma pessoa informada,
esclarecida, de nível cultural muito acima da média, educada, civilizada… que
nem por isso deixará de ir à bruxa com a mesma facilidade com que vai a
Fátima pedir ajuda a alguém que muitos parecem considerar a padroeira dos
clubes de futebol.
Perante esta possibilidade, veio-me ao espírito a inevitável pergunta:
quantos mais destes cidadãos supostamente esclarecidos e evoluídos por aí
haverá, como ele, e mais educados e ensinados do que ele, até?
- x -
Não deixa de ser verdade que o dirigente do nosso exemplo não detém um grau
académico de nível superior; mas não é menos verdade que, no que à educação e
à cultura diz respeito, merece lugar de destaque, muito acima da mais grossa
fatia dos licenciados que vemos por aí.
A ser verdade o que se diz e escreve sobre o tema, teremos, pois, um bom
exemplo da enorme
falácia, de consequências facilmente adivinháveis, que consiste na
crença de que quase obrigar todos os jovens a estudar até mais não poder
é essencial para assegurar o funcionamento em pleno da democracia, designadamente em Portugal. Mesmo sabendo que a oferta de emprego
condigno é muito escassa e é menos que diminuta a probabilidade de se
concretizar a carreira profissional com que sonharam, encorajam estes jovens
pouco informados e pouco esclarecidos a continuar os estudos até ao ensino
superior,
nomeadamente no pressuposto falso e enganador de que a aprendizagem de
nível superior tem, como efeito imediato e indissociável, o
esclarecimento dos estudantes eleitores, designadamente quanto à
capacidade de adquirir a maturidade política suficiente para garantir o
voto em liberdade, em consciência e de forma razoavelmente informada e
esclarecida.
Independentemente do nível de estudos e do grau de erudição, por parte da mole
humana, de proporções pouco divulgadas, que despende rios de dinheiro com os
mais do que discutíveis mas principescamente pagos préstimos dos ditos
videntes, o exercício do direito de voto em eleições democráticas parece, antes,
caracterizar-se pela escolha de quem legisla e irá governar segundo os mesmos
critérios básicos, elementares, idiotas, apavorados, adotados nas decisões de
consultar estes magos. Vivemos, na verdade, no meio de uma população
fortemente permeável à manipulação pelo marketing - seja ele
comercial, feiticeiro ou partidário - e, claro, ao espetáculo mediático
que técnicos altamente especializados na arte do engodo encenam para os atores
políticos poderem mostrar o que, maioritariamente, não são, e que se encontram
em patamares de excelência e de competência a que jamais conseguirão
chegar.
Encenam estes técnicos, magistralmente, campanhas eleitorais que nada
esclarecem quanto às ideias e aos princípios, antes se tornando
progressivamente mais focadas na capacidade de se exibir, na tendência para o
estardalhaço por parte de quem os partidos escolhem para por eles dar a cara
como candidato em sucessivas eleições. Isto, porque qualquer político muito
bem sabe que são mínimas as probabilidades de sucesso nas urnas sem o
espetáculo pimba, sem as provocações gratuitas dirigidas aos
adversários, sem os acalorados debates denegrindo a qualidade dos
opositores... e com pouco ou nada sobre linhas programáticas que, ao fim e ao
cabo, a poucos interessam, que quase ninguém entenderia, e que fazem muita
gente mudar de canal quando a conversa envereda por aí, levando a que boa
parte dos telespectadores deixe de conseguir descodificar e, muito menos,
assimilar o que nela é dito.
A ditadura é em mais calma, que remédio. Mas terá de ser tão pateticamente
animada e extremada a democracia?
Nas recentes eleições autárquicas, o espetáculo triste foi o que se viu. Nas
legislativas que se avizinham, a coisa deverá ser mais subtil, é verdade; mais
controlada, já que, afinal, estamos a falar de futuros deputados da Nação, que
em muito alta conta costumam ter-se - mesmo aqueles que, quando eleitos, muito
pouco ou nada irão fazer nas suas intrinsecamente importantes funções.
- x -
Em abstrato, a ditadura em si mesma nada tem de mal, desde que o ditador seja
movido por bons propósitos - o que se tem demonstrado uma impossibilidade
prática, bem sei - e, também, competente. Inversamente, a democracia pode
revelar-se bem nociva, caso os eleitos apresentem inversas características.
A vantagem inegável e indispensável da democracia, em relação à ditadura,
reside, essencialmente, na possibilidade de ser a ação legislativa e
governativa sujeita a escrutínio através do voto popular, sempre estando na
mão de quem vota pôr fim a eventuais arbitrariedades e desmandos mediante a
entrega do poder a outro partido… que, a curto ou médio prazo, os eleitores
irão também remover do poder a fim de pôr fim às respetivas arbitrariedades e
desmandos; e assim sucessivamente, até que um dia, desgastada pelo uso e abuso
de uma alternância exageradamente competitiva que em nada contribui para
sedimentar a República e serenar os ânimos, a democracia acabe por soçobrar.
Não se estranhe, assim, quando alguém pretende que “a democracia ainda é a pior forma de governo que existe, se excetuarmos
todas as outras”.
Longe de ser perfeita, a democracia não é segura, mas é a menos perigosa; não
é pura, mas é a menos impura. Em países como o nosso peca, no entanto, por ser
sustentada por um eleitorado cujo efetivo nível académico e cultural não passa
de uma miragem construída por políticos para parecerem bem na fotografia, e
para assegurar a empregabilidade e o lucro nas universidades, institutos e
quejandos que vão criando cursos vazios, de interesse escasso ou nenhum mas
que, como qualquer outro, dão direito ao almejado mas insignificante diploma
cada vez mais desvalorizado pelos maus tratos que o ensino tem, há largas
décadas, sofrido e continua a sofrer em Portugal.
Uma educação efetiva, sólida, encorpada por um ensino estável, responsável,
com visão estratégica, ministrado por quem sabe e não por quem se supõe que
deva saber, numa sociedade com valores éticos que se sobreponham aos
chamamentos da fachada, da ganância e dos mais desprezíveis aspetos de um
desejavelmente saudável mercado é requisito indispensável a qualquer
verdadeira democracia.
Poderemos não estar, felizmente, a passar pelos horrores de uma ditadura. Mas,
tampouco vivemos em verdadeira liberdade numa saudável democracia, antes em
algo que cada mais se assemelha a uma anarquia imparável, com contornos de
oligarquia - dominada por uma certa elite partidária aparentemente mal
formada, corrupta com tiques ditatoriais cada vez mais difíceis de escamotear
- e alimentada pela ignorância cívica e pelo desinteresse puro e simples pela
ética por parte da uma crescente percentagem da população, adepta fervorosa da
abstenção, da demissão da responsabilidade política que, num país democrático,
é indissociável da própria condição de cidadão.
- x -
Quando a maturidade, política ou não, de boa parte dos habitantes, mesmo dos
mais educados e ensinados, ainda reside nos conselhos da bruxa, quando,
se os deixassem, às vacinas prefeririam as mezinhas e, aos medicamentos, as
poções; quando pensam pela boca e pela pena dos outros, abdicando do direito
sagrado que a democracia lhes confere - pelo qual tantos tanto lutaram e
sofreram… - de cada um pensar pela própria cabeça e, esclarecidamente, agir e
votar por vontade própria, ninguém poderá insurgir-se contra a ideia de que
eleitor é o “indivíduo que goza do privilégio sagrado de votar na pessoa escolhida por
outro indivíduo”.
A democracia só funciona quando conta, maioritariamente, com eleitores
razoavelmente ensinados, educados e politicamente empenhados e esclarecidos.
Nunca, quando assenta numa turba desinteressante, desinteressada e dedicada,
antes de mais, às notícias da mais recente competição desportiva, de
preferência com muitos cartões de diversas cores, insultos e pancadaria para
animar a coisa, e assim garantir a publicidade, impiedosamente impingida aos
basbaques, que irá financiar, nas televisões, as horas arrastadas dos eternos
comentadores.
Sabia-o muito bem o Presidente do Conselho que, notavelmente, sintetizou a
ideia na que se tornou, provavelmente, na mais conhecida frase por ele
proferida: "O que nós queremos, é futebol! *)". Foi essa apetência desmedida das massas pelo supérfluo como elemento
estruturante da sociedade que lhe deu pulso livre para, juntamente com os seus
sequazes, durante décadas privar da liberdade toda uma população que então não
sabia e hoje não sabe que
a matéria-prima da liberdade é a educação.
A simples ideia de eleições supostamente livres num regime democrático feito
de gente civicamente pouco educada e pouco habituada a pensar mais não é do
que uma perigosa falácia, de efeitos tão previsíveis quanto indesejáveis. “Como é bom para os governantes que as pessoas não pensem!”*)... como um dia disse aquele que foi, porventura, o mais pérfido dos
ditadores...
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