"Uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade,
arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás.
Saberia levar o "craque" a estar presente, a estar ali, com a família e com os verdadeiros amigos
do malogrado colega, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela morte súbita de um companheiro,
de um suposto amigo. Saberia levar alguém a quem cumpre capitanear a assumir-se e a agir,
se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão"
Este abdicar significava o quê, quando se tem nada numa infância miserável, e são nulas as perspetivas realistas de alguma coisa vir a ter? O que perdiam, afinal, estas crianças de tenra idade condenadas ao degredo social?
Antes de mais, perderam liberdade, claro. Os jogos e brincadeiras ao ar livre com outros miúdos, amigos ou familiares cederam o lugar ao estudo intenso e aturado, à disciplina rígida de sacerdotes que, ao que se diz, quantas vezes os tiranizavam a ponto de explorar a sua incipiente e inocente intimidade.
Enfim, talvez não seja só passado; talvez ainda hoje exista, em tudo isto, alguma correspondência com a realidade.
Feitas as contas, não admira. Muitos dos padres provêm, quiçá na maioria, de inserções sociais fortemente desfavorecidas, sendo esta a motivação parental para a opção de vida que aos rapazes era - ou ainda é - imposta, privando-os, a despeito da falta de vontade e de vocação, da liberdade de escolher, de brincar, de decidir, de escolher, de se relacionar, inclusivamente, de forma saudável, no capítulo sexual.
O desfecho da história é, assim, inevitável: ou acabam a induzir ou, pelo menos, potenciar uma eventual homossexualidade latente nos jovens pupilos que lhes são confiados para formar ou guiar espiritualmente, ou - suprema hipocrisia! - recorrem aos mais ou menos solícitos préstimos das barregãs de clérigos, assim atirando pela janela um dos pressupostos essenciais do ministério católico: a castidade.
Assim, sendo presumivelmente rara a verdadeira castidade, entre a pedofilia e a clerical barreguice se vai penosamente arrastando na lama das notícias o que resta de uma outrora dominante e respeitada Instituição, que, provavelmente, nem as reformas corajosas e as decisões aparentemente intrépidas e firmes de alguns Sumos Pontífices conseguirão salvar.
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Mães e pais que se prezem de o ser desejam o melhor para os seus filhos; e isto de ir para padre, embora, noutros tempos, assegurasse o sustento dos infantes a par do impacto positivo sobre os magros tostões que restavam nos tugúrios mais humildes, já não é, nos nossos dias, coisa que se veja, económica ou socialmente: já não é o "orgulho" dos papás.
Ser padre não é coisa que se mostre, nos dias que correm, na montra social que parece ter-se tornado o principal motor de progenitores ególatras, que não param de, por tudo e por nada, pespegar na Internet, imagens documentando a quantas vezes discutível beleza daqueles que, por alguma razão, geraram e que não são tidos nem achados no consentimento da exploração das suas inocentes imagens.
A par do estigma que a associação a temas como a pedofilia vem lançando sobre a Igreja, o cada vez mais notório pauperismo teórico dos seus ministros, bem patente na pobreza da palavra, levou a que os pais que, outrora, impingiam os filhos ao cuidado e a expensas dos seminários, destes agora fujam ainda mais depressa do que o Diabo da cruz.
Vivemos numa sociedade que passa o tempo a procurar formas eficazes de eviscerar a carteira do vizinho e de evitar que façam o mesmo à dele, e na qual a dimensão axiológica dos objetivos de vida se mostra cada vez mais mirrada. Não espanta, pois, que seja encarada com absoluta naturalidade a expetativa de gratidão por parte dos descendentes por quem os pais tanto fizeram: de uma suculenta derrama parental tributada sobre o resultado económico da atividade profissional daqueles que geraram, criaram e educaram, ou entregaram para educar.
Ora, não será, seguramente, com o magro estipêndio de um sacerdote católico que, para o bolso dos papás, alguma coisa de jeito irá transbordar.
Assim sendo, o que fazer para rentabilizar tanto cuidado e sofrimento?
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Se há algo em que sejam competentes muitos destes miúdos quantas vezes gerados em miseráveis tugúrios por gente que, quantas vezes, se reproduz sem a moção da responsabilidade individual e social do facto, é a dar "toques na bola".
Esta "arte", que nem sempre "induca", é apreciada quase universalmente, pelas mais diversas pessoas, movidas pelas mais distintas motivações: embasbacada e subserviente admiração, fanatismo, tacanhez intelectual, alarve ignorância ou, quando se trata de "craques", de "heróis da Seleção", aparência de proximidade, de intimidade com a vedeta, ou simples oportunismo político rasteiro por parte de gente sem elevação.
Enchem a boca, aos quatro ventos, com a suposta "humildade" dos futebolistas, ainda que não passem alguns de narcísicos egocêntricos, senhores de inenarrável hipocrisia plasmada no sorriso amarelo, fabricado, cínico, com que, nos jogos "grandes", cantam o Hino e entram em campo de mãos dadas com empolgadas criancinhas que neles veem aquilo que querem ser quando forem "grandes". Pobrezinhas...
Acaso será humildade pavonear-se em iates de luxo quando os adeptos penam as mágoas de uma terrível pandemia? Será humildade colecionar e ostentar automóveis milionários, com os quais qualquer "fan" apenas poderá sonhar? Passear, uns amantes, outros companheiras, mais ou menos influenciadoras da moda, enfeitadas com a mais alta joalharia, de gosto a condizer com aquilo que se sabe? Será humildade arrogar-se ares de quem manda em tudo e em todos, desde o "balneário" até aos responsáveis pelo clube ou pela Seleção?
Será, por fim, que todas estas "qualidades" se deixam obnubilar ou subvalorizar perante uma técnica apurada e esforçadamente desenvolvida de, perante a tenaz oposição de adversários, conseguir introduzir uma bola numa rede? Poderá a valia da técnica fazer esquecer uma postura desgraçada?
Pelo que dizem, o Diogo não era assim. O André, não era assim. Necessariamente, a família de ambos não é assim.
Uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade, arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás. Saberia levar o "craque" a estar presente, a estar ali, com os colegas, com a família, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela morte súbita de um companheiro, de um suposto amigo. Saberia levar alguém a quem cumpre capitanear, a assumir-se e a agir, se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão.
Pode, é claro, haver para a falta uma explicação absolutamente atendível e legítima; mas importa, nesse caso, que seja prestada sem demora - embora sempre fique um não sei quê a lembrar uma falta sem justificação.
In memoriam Diogo Jota