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segunda-feira, 11 de abril de 2022


Ciganos e PCP: Iguais em Quê?

Dedicado aos jovens ciganos e aos jovens comunistas
que os velhos patriarcas pouco ou nada deixam ser


"São iguais os velhos ciganos e os velhos comunistas no preciso ponto em que
ambos ignoram o pleno significado da palavra das palavras: Liberdade!
A liberdade temperada pelo respeito essencial ao bem-estar de qualquer país, de qualquer partido, de qualquer comunidade
"

"Perante o escancarado féretro que o aguarda, procura o Partido, para prolongar o último e patético alento,
alimentar as urnas com cacofónicas reivindicações de um impossível
que apenas os economicamente analfabetos ainda conseguem considerar possível.
Mas, os analfabetos estão em vias de extinção;
e, com eles, a ignorância, tradicional mas hoje quase inerte substrato do voto comunista em cada eleição
"



1. Motivação
2. Do Respeito pela Lei e pelos Usos Instituídos
3. Da Indiferença e da Tirania da Tradição Cigana
4. Da Indiferença e da Tirania da Prática do PCP
5. Crepúsculo


Colaboradores de restaurante1. Motivação

Para “perplexidade” do advogado de defesa, uma juíza portuguesa considerou, em sentença prolatada há alguns dias, que as agressões levadas a cabo nas pessoas de colaboradores de determinado restaurante “são inadmissíveis e envergonham a etnia cigana*).

A primeira parte da declaração é pacífica, uma vez que, a pronúncia pela inadmissibilidade dos atos, parece que ninguém contestou. Já a segunda, a da suposta vergonha para a etnia cigana, mereceu honras de notícia, quanto mais não fosse por, nos dias que correm, ser in fazer eco do que quer que se escreva ou diga acerca de qualquer minoria. Seja o que for, em abono ou desabono, já se sabe que cola, que vende; e, estando os leitores já saturados das intermináveis, porquanto comoventes e terríveis, histórias e historietas da invasão da Ucrânia, pendurar-se um comentador na suposta e estafada defesa de minorias sempre aparecerá aos menos esclarecidos como uma mais-valia, uma bandeira agitada, um pouco de sal e de pimenta no ror de notícias sem novidade e comentários sem substância que se vê por aí.

Não será, porém, despiciendo recordar àqueles que são capazes de encontrar laivos de racismo até no mais banal comentário de uma juíza com juízo, que quem o proferiu foi a mesma magistrada que, anos atrás, foi acusada de, entre outras decisões mais ou menos polémicas num ou no outro sentido, ter violado direitos constitucionais de arguidos neonazis, simplesmente por haver determinado que, enquanto meio de prova, fossem analisadas por peritos as tatuagens que aqueles ostentavam no corpo*).

Não passará, assim, de nova e mais do que forçada fabricação mediática qualquer insinuação quanto à interferência do preconceito, seja na atuação genérica da decisora, seja nas considerações que, na leitura do acórdão, esta oportunamente teceu.


2. Do Respeito pela Lei e pelos Usos Instituídos

As sábias e pedagógicas considerações proferidas em tribunal, estupidamente consideradas polémicas, trazem à balha a velha questão da existência de dois tipos de ciganos - os bons e os maus, com todos os graus intermédios -, tal como a de dois tipos de negros e a de dois tipos de brancos, verdes, azuis, todos.

A propósito, e antes que meia dúzia de exaltados comece por aí aos gritos, convirá lembrar que, se podemos falar de democratas, de fascistas, de comunistas, de progressistas e de reacionários, de portugueses e de franceses, de africanos e de europeus, razão não haverá para nos caírem em cima quando, por comodidade de expressão e sem que isso traduza menos respeito ou afloramento de discriminação, falamos de ciganos referindo-nos à organização dita social da comunidade cigana, à cultura cigana, a certos aspetos da etnia*): não, necessariamente, à raça*) cigana, o que, naturalmente, seria impróprio sob qualquer ponto de vista que com as ciências ditas exatas não tenha a ver.

Ora, de um modo geral, encontra-se socialmente estabelecido que qualquer ilícito penal, qualquer crime, de qualquer tipo, envergonha os restantes elementos da etnia - enquanto grupo social - que o infrator integra, tal como envergonha os restantes membros de qualquer comunidade a que pertença: país, região, religião, escola, empresa ou outra forma de organização, e seja qual for a cor ou tom da pele, que, decididamente, nunca deveria ser chamado a esta discussão.

Isto, é evidente, sabido e sentido por todos e, como tal, não carece de demonstração.

Em grupos firmemente estabelecidos na comunidade, de raízes sólidas e reputação firmada, cada ovelha ronhosa envergonha as restantes. Os atos condenáveis que pratica chocam pares, parentes, companheiros, correlegionários, que tendem - quando isentos, de boa-fé e socialmente responsáveis e sensíveis - a ser os primeiros a censurar a conduta ilícita ou, mesmo, criminosa. São, também, estes que promovem e exercem, no âmbito social, disciplinar ou criminal, indispensável e expedita ação em claro sinal de repúdio que, além de prevenir a contaminação interna da podridão e a consequente proliferação de ilícitos, transmite, para o exterior da coletividade, o necessário à salvaguarda da respetiva reputação.

Tal não sendo feito, essa reputação sofre ainda mais quando o prevaricador pertence a setores ou grupos minoritários que lutam pelo reconhecimento de legítimos direitos, e cujos elementos, nomeadamente os socialmente saudáveis, se veem - por vezes, com indesejável frequência e dispensável sofrimento, quase sempre, por serem vítimas do aproveitamento político, do egoísmo ou da pura maldade – na contingência de ter de, legitimamente, se manifestar de forma indignada e veemente contra a inaceitável discriminação típica das lastimáveis civilizações que, formalmente os acolhem, mas, substantivamente, os rejeitam.

Neste conceito de socialmente saudável apenas cabem, naturalmente, aqueles que, no respeito pelos valores da liberdade, da democracia e do respeito pelo semelhante, observam as leis e os usos da comunidade em que escolheram viver, abstendo-se de, seja por que razão for, procurar impor-lhe tipos de organização social, modos de vida ou traços culturais que a maioria autóctone não quer para si, não aceita, não admira, ao que, democraticamente, lhe assiste todo o direito.


3.  Da Indiferença e da Tirania da Tradição Cigana

No mesmo conceito de socialmente saudável não existe, evidentemente, lugar para aquela meia dúzia de mofinos aprendizes de sociopata que procura impor as suas regras: para párias que violam a lei, a desrespeitam ou insultam. Em liberdade, cada um tem todo o direito a viver a seu bel-prazer, como foi formatado ou educado, ao seu estilo, mas, jamais, com uma patente e egocêntrica indiferença pelo modo de vida da comunidade que o acolhe, na qual, jamais tencionando integrar-se, se limita a imiscuir-se; e foi essa indiferença que, no que a boa parte diz respeito, muito injustamente granjeou aos ciganos a proverbial aversão que certos setores da sociedade inequívoca e ativamente manifestam, e que outros parecem incapazes de, pelo menos, disfarçar.

Não me refiro, que fique claro, aos ciganos que, respeitando os valores da liberdade e da democracia, se integraram nas sociedades previamente estabelecidas nas terras onde eles escolheram viver. Quanto a esses, qualquer distinção no plano social e humano apenas poderia basear-se na ideia de raça, o que não passaria de um rematado e vazio dislate, de uma inaceitável manifestação do sectarismo primário que é próprio de indivíduos de pobre jaez.

Há, não obstante, que considerar que o impacto fortemente negativo sobre a eficiência rodoviária provocado pelas carroças puxadas por equídeos insalubres e lazarentos em que - habitualmente em contravenção com as mais elementares normas de salubridade e de circulação e segurança na estrada -certos ciganos insistem em continuar a fazer-se deslocar não passa de um aspeto menor e, de algum modo, folclórico de algo bem mais grave que àquele subjaz.

folclóricos não poderão ser considerados não raros julgamentos e condenações por furtos, roubos ou cenas de mais ou menos expressiva violência; ou, até, bodas para as quais a lei proibia, em plena pandemia, serem convidadas centenas de pessoas*), que as autoridades se viram obrigadas a dispersar.

Típica dos déspotas, dos tiranos, dos machistas, dos racistas, a causa profunda e ainda não muito remota destas constantes e persistentes violações da lei e manifestações de desrespeito pelos costumes instituídos terá sido a recusa, décadas a fio e por parte dos mais velhos patriarcas ciganos por muitos ainda respeitados quais anacoretas, em permitir que os jovens que o desejassem se integrassem nas comunidades que os rodeavam. Terá sido a proibição de que as raparigas ciganas casassem com rapazes de outras raças, a proibição de que os jovens se instruíssem e se desenvolvessem intelectual e culturalmente visando tornar-se elementos válidos e produtivos da sociedade.

Tudo isto apenas por receio de que a aquisição, pelos vindouros, de competências que os quase analfabetos patriarcas patentemente não detinham e jamais seriam capazes de vir a deter, um belo dia permitisse àqueles destituí-los e ocupar os seus lugares, ciosamente assegurados por uma suposta tradição centenária ou milenar, mas, seguramente, pela força, pelo temor de quem, sem qualquer competência para tal, dirige despoticamente um grupo, porque, na vida, outra coisa não é capaz de fazer.

Importa-lhes, outrossim, impedir quem pensa e estuda de expor a inutilidade prática, a inanidade, a vacuidade do domínio dos patriarcas: a ineficácia, a irracionalidade de posições e de políticas anquilosadas por eles preconizadas e defendidas, há muito desfasadas da realidade do tempo e do lugar. Encaram estes velhos caducos a contestação e a simples evolução como perigosamente conducentes ao inevitável e crescente desrespeito pela monolítica hierarquia por parte de quem já se questiona e, pela própria cabeça, procura pensar. Por parte de quem olham como apóstata porque, simplesmente, não entende como pode quem se diz superior e sábio continuar a defender o indefensável, o insano, o ilógico, apenas para que se mantenha no poder, na ribalta, num palanque de chão podre uma meia dúzia de ignorantes, arbitrários e incompetentes heróis de lutas de outrora que no poder, não tem hoje, evidentemente, qualquer lugar.

Dizem as más línguas que estes tradicionais ciganos apenas sobrevivem à custa de subsídios e de roubar. É possível. Mas, que alternativa resta a quem, desde cedo, se vê impossibilitado de ganhar o sustento pelo trabalho e de, através dele, validamente se integrar na sociedade? A quem tal é negado, não apenas pelo preconceito irracional e abusivo, mas, sobretudo, pela falta de competências decorrente da proibição de estudar, de se valorizar, a não ser no seio de uma comunidade nómada e pouco respeitadora das normas e dos valores estabelecidos e estabilizados?

Como pode, afinal, admitir-se, num supostamente civilizado estado de direito, que uma comunidade  ou família faça depender a entrega de um foragido à justiça portuguesa da decisão, na mais alta instância, do respetivo patriarca cigano?


4. Da Indiferença e da Tirania da Prática do PCP

Terá dito o mais falado ditador português que “muitos dos que se têm sentido oprimidos nos últimos trinta anos já demonstraram em discursos, e jornais e em outros atos públicos, estar em condições de gozar dessas liberdades e com tão grande amplitude que não chegarão para mais ninguém”.

Apenas desvalorizada pela identidade do seu autor, a ironia assenta como uma luva a certos grupos  -tanto sociais, como os ciganos, como políticos, como o Partido Comunista Português (PCP) -, que, em nome e a coberto da propalada defesa de direitos minoritários, galgam, espezinham e desprezam a maioria legítima de que diferem, embora o direito à diferença digam defender.

Apesar de o PCP não ser propriamente conhecido pela diversidade étnica com que recruta os seus deputados e quadros proeminentes*), tem em comum, com a tradicional e anquilosada liderança da fatia retrógrada e reacionária da comunidade cigana, a liderança cediça e retrógrada, que, numa tentativa desesperada de se manter agarrada ao poder, não hesita em continuar, contra toda a sensatez e evidência, a defender o indefensável, a recusar-se a condenar algo tão condenável como a invasão de um estado por outro*), a abrir ao Mundo as suas portas, a olhar em volta, a limpar as suas impenetráveis paredes de vidro, a romper a crosta do secretismo e da indiferença, a abrir as janelas e deixar entrar o ar.

Tal como os agora caducos patriarcas ciganos do antigamente se recusam a sancionar, a condenar quem agride militares da GNR ou burla centenas de utilizadores do Multibanco, ou, das mais variadas formas, viola a lei, também os patriarcas comunistas que o poleiro se recusam a deixar proíbem que se sancione, se condene regimes ditatoriais que, arbitrária e implacavelmente, subjugam populações indefesas e incapazes de se revoltar, em total desrespeito pelos mais elementares direitos humanos; ou quem agride inocentes cidadãos que vivem em paz nas suas casas, que nada têm ou querem ter a ver com a política dos grandes, mas que, sem querer, morrem por eles, pelas suas riquezas, poder, vaidade, exaltação.

Não pode considerar-se socialmente saudável aquele que defende estados e formas de governo alérgicos aos valores da liberdade, da democracia e do respeito pelo semelhante, que impõem leis repressivas, que invadem, que torturam, que matam, que exterminam. Não é socialmente saudável quem nega, por exemplo, Holodomor*) e hesita em condenar os sobejamente documentados massacres na Ucrânia - por muito adulteradas que certas imagens possam ser -, ou se recusa a condenar a invasão de um estado por um outro que não hesita em aniquilar, em, indiscriminadamente, matar civis, em arrasar. Tal como no caso dos ciganos, foi essa indiferença ou estado de negação que, muito injustamente, granjeou aos comunistas a proverbial aversão que certos setores da sociedade inequívoca e ativamente manifestam, e que outros parecem incapazes de, pelo menos, disfarçar.

Esgorjando por poder, recusam-se os dirigentes comunistas, não apenas a sancionar e a condenar o reprovável, como a permitir que os mais jovens militantes sancionem e condenem, impondo-lhes uma férrea e implacável disciplina partidária. Tal como os patriarcas ciganos, ao defender o indefensável, os patriarcas comunistas portugueses envergonham aqueles que, nos tempos da nossa ditadura, abnegadamente a ela se opuseram, com sacrifício pessoal muitas vezes além do imaginável e entregando-se sem reservas à causa da liberdade.

Típica dos déspotas, dos tiranos, dos machistas, dos racistas, a causa profunda e ainda não muito remota da cada vez mais próxima morte política terá sido a insistência, por parte dos velhos patriarcas do PCP, em formatar os jovens, incutindo-lhes convicções que, uma vez por estes alardeadas como suas, os tornam indesejáveis num mercado de trabalho capitalista e democrático, apenas lhes deixando como modo de vida trabalhar para o Partido, ou representá-lo em instituições democráticas, mesmo naquelas que, expressamente, não admiram. Transformam jovens potencialmente válidos em parlamentares e autarcas olhados de esguelha, incapazes de se integrar plenamente na sociedade, profissionalmente inúteis ao mercado de trabalho, em gente que, além de política ou politiquice, para garantir o agasalho nada mais sabe fazer.

Importa-lhes, outrossim, impedir quem pensa e estuda de expor a inutilidade prática, a inanidade, a vacuidade do domínio dos patriarcas: a ineficácia, a irracionalidade de posições e de políticas anquilosadas por eles preconizadas e defendidas, há muito desfasadas da realidade do tempo e do lugar. Encaram estes velhos caducos a contestação e a simples evolução como perigosamente conducentes ao inevitável e crescente desrespeito pela monolítica hierarquia por parte de quem já se questiona e, pela própria cabeça, procura pensar. Por parte de quem olham como apóstata porque, simplesmente, não entende como pode quem se diz superior e sábio continuar a defender o indefensável, o insano, o ilógico, apenas para que se mantenha no poder, na ribalta, num palanque de chão podre uma meia dúzia de ignorantes, arbitrários e incompetentes heróis de lutas de outrora que no poder, não tem hoje, evidentemente, qualquer lugar.


5. Crepúsculo

As duas partes que, neste texto, imediatamente antecedem contêm dois parágrafos iguais, tal como iguais são os velhos ciganos e os velhos comunistas no preciso ponto em que ambos ignoram o pleno significado da palavra das palavras: Liberdade! A liberdade temperada pelo respeito essencial ao bem-estar de qualquer país, de qualquer partido, de qualquer comunidade.

Tal como os ciganos nómadas de antanho têm, no mundo dito civilizado, os dias contados, o PCP não passa, hoje de um doente terminal que ainda não interiorizou que, em breve, vai morrer, apesar de, cada vez mais alto, os eleitores lho gritarem aos ouvidos moucos.

Perante o escancarado féretro que o aguarda, procura o Partido, para prolongar o último e patético alento, alimentar as urnas com cacofónicas reivindicações de um impossível, que apenas os economicamente analfabetos ainda conseguem considerar possível.

Mas, os analfabetos estão em vias de extinção; e, com eles, a ignorância, tradicional mas hoje quase inerte substrato do voto comunista em cada eleição.

* *

Embora em vias de extinção, enquanto ela não acontece vão estes seres oferecendo, pelo exemplo que constituem, uma machadada na causa antirracista, assim potenciando os efeitos bem nefastos que esta já vem sofrendo dos excessos e dos desmandos praticados por alguns daqueles que se arrogam seus principais defensores, embora não passem, muito provavelmente, de pouco escrupulosos oportunistas que olham para a causa, ora como escada de acesso a outros voos.

[não perca aqui a sequência!]

quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022


Morgan Freeman


Morgan

"(Como nos livramos do racismo?)
Parem de falar nele!
"


"(How do we get rid of racism?)
Stop talking about it!
"

  (em entrevista)      


Com isto, não quererá, evidentemente, Morgan Freeman dizer que a questão do racismo não deva ser discutida enquanto fenómeno social, designadamente quanto às formas de atenuar os seus efeitos, já que não parece crível que, alguma vez, consigamos vê-lo definitivamente erradicado.

O sentido bem patente na frase reside, antes, na condenação veemente da discriminação positiva exacerbada levada a cabo, de forma sistemática, por ativistas e por partidos desesperados por alguma coisa ter a que se agarrar, excessos e desmandos esses que, como já aqui escrevi, em nada favorecem a causa, antes contribuem fortemente para a desvirtuar e desvalorizar, gerando a indiferença entre quem tem os olhos e os ouvidos cheios, até à náusea, com um tema sem dúvida importante, mas do qual já não se consegue ouvir falar.

Tudo isto se torna especialmente perigoso quando, aproveitando a maré e a incapacidade das oponentes para falar de forma lúcida e fundamentada sobre tão sério assunto, vem, há coisa de uma semana, o ideólogo do Chega! candidamente proferir, numa estação televisiva*), frases que parecem  absolutamente verdadeiras - tais como "é um facto objetivo que há raças e há cores" ou "a nossa cor de origem é branca e a nossa raça é a raça caucasiana" -, mas que, além de cientificamente inexatas, ganham contornos bem vincados quando proferidas por quem ocupa lugar de especial destaque no partido que bem conhecemos pelas posições inabaláveis que assume nesta matéria.

O melhor caminho para desmascarar o que poderá estar por detrás das ditas afirmações não será, seguramente, apenas contrapor alegações vazias, ocas, proferidas em tom exaltado ou indignado, nada mais fazendo do que repetir mais vezes a fio velhas acusações em lugar de, tranquilamente, enquadrar na realidade tais afirmações. Não é útil contrapor a tão perentórias frases chavões como a multiculturalidade, a pluralidade, misturando, até o feminismo, pau para toda a obra e para cavalgar quem quer que se nos oponha até ficar esvaziado de todo o seu significado e valor.

Falhou, assim, redondamente a estação televisiva, se a intenção era arranhar ou abanar, ainda que ao de leve, a couraça do velho guerreiro que convidou. Para tal, além de escolher como moderador alguém menos evidentemente parcial, haveria de ter convidado, como oponente, outro velho guerreiro, igualmente tranquilo, cínico que bastasse e, sobretudo, lúcido, inteligente, capaz de ouvir o outro lado com a paciência indispensável ao planeamento de golpes letais a desferir sobre a argumentação racista, sempre que se proporcionasse ocasião.

A tarefa era hercúlea e o assunto demasiado sério para ter sido deixado ao cuidado de mais ou menos entusiásticos mas mal arrimados atores, que, no que à dialética isenta e ao debate sustentado na mais elementar lógica, mostraram, à saciedade, não passar de incompetentes e ineficazes amadores.

(leia aqui a sequência)



domingo, 6 de fevereiro de 2022


Era Uma Vez... Onze Porquinhos

Penso que foi num livro de Miss Marple, não me lembro em qual, que Agatha Christie definiu planta invasora como uma planta que está onde não devia estar.

Veio-me esta definição à memória quando passei, há dias, por uma dessas localidades portuguesas que, nem meia dúzia de milhares de almas lá tendo, se não coíbem de, garbosamente, ostentar o inútil título de cidade *), apenas para se sentirem os munícipes mais cheios de si, e parecerem eficazes os autarcas que a elevação conseguiram à custa de outrora vigente e inenarravelmente demagógica legislação.

Numa pastelaria engraçada, de bom aspeto exterior e interior, meia dúzia de criaturas indescritíveis, notoriamente sujas, de vestes deliberadamente rasgadas e enxovalhadas, rostos bem vermelhos e inchados, ululavam um insuportável palavreado, para gáudio dos próprios e considerável incómodo de quem, a pouco e pouco, se apressava a pôr-se a andar dali para fora. Estavam os seis sozinhos, em torno de duas mesas onde pontificava dúzia e meia de garrafas de cerveja vazias.

Tudo aquilo me fez lembrar a definição de plantas invasoras, e o velhinho dístico que dantes se via nos locais públicos: "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO".

- x-

Quem por aqui passa regularmente, sabe bem o que penso do partido Chega!, de quem por lá pontifica*) e daquilo que representa. Conhece, também, a minha posição relativamente ao racismo*), o que torna insuspeito o que vou dizer.

Um deputado da nação é, sempre e para todos os efeitos, um deputado da nação, independentemente do partido que representa, bem como da ideia mais ou menos favorável ou simpática que, sobre este, possamos ter. Eleitas em eleições livres, exige o mais elementar respeito pela democracia que estas pessoas sejam tratadas - e nos tratem - com toda a deferência formal que o seu estatuto lhes confere e exige; além do que, evidentemente, mesmo enquanto cidadãos não podem ser gratuita e impunemente insultadas por um patego qualquer.

Independentemente do ensino que lhe tiver sido ministrado e dos títulos académicos que possa deter, bem como da causa que disser defender, entendo que não passa, assim, de um alarve sem um mínimo de formação e de educação, de um apóstata da democracia, quem, na sequência da recente eleição legislativa ousa escrever que "vamos ter 11 suínos na AR, entre eles, um terrorista assassino de extrema-direita. A luta não será na AR, mas na rua! Preparem-se!"*).

Quem assim pensa, diz e age, não é um ativista, nem um político, nem, como diriam os pretensos suínos, um português de bem *): no que me diz respeito, não passa de um arruaceiro histérico, sem crédito, de um danoso passivo no balanço da causa anti-racista, de alguém que, eivado de ódio, agiu com indisfarçável hipocrisia, apenas visando a promoção da própria imagem junto de radicais que a possam apreciar, nem se dando conta de a estar, afinal, a assassinar aos olhos de quantos a Organização pretende sensibilizar.

Além do mais, ou falou antes de tempo, ou anda distraído: são doze, e não onze, os porquinhos do seu conto de encantar.

Integrado numa Organização que promove a luta contra o racismo, quem assim pensa e age faz-me lembrar, precisamente, o discurso desbragado do Presidente do Chega!; faz-me lembrar aquela meia dúzia de arruaceiros de pastelaria na minúscula cidade, as plantas invasoras, alguém que está onde não deveria estar.

Trata-se, apenas, de alguém que deveria ter ficado à porta da Organização que representa, à qual deveria ser "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO", para que gente desta o trabalho dos outros não viesse, recorrentemente*), depreciar.

Por quanto tempo, ainda, irá por lá ficar? Quousque tandem*) teremos de o aturar?

* *

O dano impacto brutal que, vindas de onde vêm, pérolas de sabedoria como esta trazem à nobre causa antirracista é evidente e não necessita de qualquer desenvolvimento, restando manifestar estupefação pelo facto de as organizações em que os autores militem não terem, ainda, cuidado da respetiva expulsão.

Da causa em si, muito há, pelo contrário, a dizer. Não apenas a dizer, mas a arrumar ideias, a estruturar, já que, sem uma inequívoca conceptualização e definição de fundo, dificilmente haverá como a defender.

[continua aqui]

quinta-feira, 27 de janeiro de 2022


Da Orientação Sexual dos Sacerdotes Católicos

Não professando qualquer religião, não tenho particular apetência por escrever sobre o tema, a menos que, como é o caso, algum facto com ele relacionado se me afigure, por exemplo, logicamente inaceitável ou particularmente ridículo.

Foi, há dias, noticiado o anúncio, por parte de mais de uma centena de católicos alemães, não, propriamente, da orientação sexual de cada um, mas do facto de todos eles se incluírem no grupo social designado por LGBTI, ou seja, lésbicas, gays, bissexuais, transgênero e intersexuais - sigla que, numa palavra, poderia resumir-se à palavra homossexuais mas que a humana propensão para considerar que complicar equivale a dignificar acabará, provavelmente, por a alongar a ponto de, um dia, conter a totalidade desordenada das letras do alfabeto. Adiante...

Claro está que, excetuando culturas em que a homossexualidade seja criminalizada, cada pessoa é livre de, relativamente ao próprio, a anunciar ou alardear como bem entender, sem prejuízo de o despropósito e o exagero a que, amiúde, se assiste em manifestações dessa natureza acabar por se tornar contraproducente, levando ao crescente cansaço, à saturação de uma população (ainda) maioritariamente heterossexual e que da existência dessas coisas prefere fingir nem saber.

O problema neste anúncio reside, assim, não na orientação sexual declarada, mas no facto de algumas destas pessoas serem sacerdotes católicos, e isto por duas razões principais:

  • Segunda (propositadamente antes da primeira): para a Igreja Católica a homossexualidade é condenável, assim se encontrando todos esses sacerdotes deliberadamente "em pecado", o que os torna, implicitamente, inaptos para, como dizem, perdoar os pecados dos outros - da mesma forma que um juiz assumidamente criminoso perde a idoneidade necessária a, pela prática de crimes, condenar os seus concidadãos.

  • Primeira: antes de tudo, porque, tanto quanto julgo saber, não apenas o celibato é imposto aos sacerdotes católicos, como até toda e qualquer atividade sexual lhes é negada; e esta razão parece-me a mais importante simplesmente porque carece, absolutamente, de interesse conhecer a orientação sexual de quem nenhuma atividade sexual tem ou pode ter.

Ou terá? Ou alguém acreditará, ainda, que não tem? Ou, tal como muitas vezes acontece na política, tudo isto não passará de uma fabulosa construção para inglês ver?

Juntando este anúncio aos dos abusos sexuais que há muito vêm sendo denunciados, não estará na altura de uma reflexão séria sobre o tema, mesmo que, com ela, os sacerdotes acabem por perder aquela espécie de aura de superiores querubins e serafins, semelhança que as notícias vindas a lume cada vez mais afastam do ideário até dos mais ingénuos crentes?

* *

O papel da mulher na sociedade e no casamento é outro tema candente da Igreja Católica, que continua a parecer alheada à evolução, à mudança das mentalidades ao longo dos séculos.

(continua aqui)





A linguagem inclusiva, neutra ou o que lhe queiram chamar, está indelevelmente associada ao ideal da igualdade de género, e nele teve origem.

Além de gramaticalmente inadmissível, até que ponto não estará este linguajar a prejudicar a causa que se propõe promover?






quinta-feira, 23 de dezembro de 2021


Gente que Morre antes de Começar a Viver


A tortura é abominável seja qual for o tempo, o local, o quadro, a pretensa explicação, a impossível justificação. Inegável e grave ofensa à integridade e à dignidade da pessoa humana, é punível criminalmente, independentemente da identidade e da qualidade da vítima e do agressor.

Tudo isto é pacífico, inevitável e estruturante de qualquer sistema jurídico de qualquer sociedade que se preze de o ser. Das outras, por certas forças políticas defendidas muito além do limite do absurdo*), nem vale a pena falar, já que não passam de aberrações, de produtos da ganância individual, da por vezes ingénua credulidade ou de timorata subserviência de um punhado de sequazes que mantem a população subjugada pela ação obediente das forças militares e militarizadas.

- x -

O que dizer, então, quando, num país supostamente civilizado e à beira-mar plantado, que se diz evoluído e atento aos direitos humanos e aos das minorias, que exporta talentos, que promete segurança a imigrantes e a magotes de turistas vitais para a sobrevivência da economia, são agentes das próprias forças militarizadas ou de segurança que, impiedosamente, sadicamente, psicológica e fisicamente torturam quem esse país demanda em busca de condições minimamente dignas para viver?

Às mãos de agentes da autoridade, nesse país alguns migrantes sofrem humilhações, bofetadas, murros na cabeça, ameaças de espingarda encostada ao rosto, sequestro, reguadas nas mãos, inalação de gás pimenta e negação do desesperado pedido de socorro. Uma acusação com trinta e três crimes*) praticados perante gargalhadas de outros operacionais, nenhum dos quais terá mexido uma palha para pôr cobro a tais desmandos, três vezes repetidos ao longo de seis meses - e, se não fossem os agressores desmascarados, sabe-se lá durante quantos mais meses e por quantas vezes mais.

Como admitir que apenas dois militares suspeitos se encontrem suspensos, enquanto outros aguardam a conclusão de um moroso inquérito? Quantas mais vítimas irão estes homens fardados torturar?

Abyssus abyssum invocat *). Tudo isto não passou, na verdade, da repetição, agora talvez com maior requinte daquilo que, meses antes, se passara no mesmo posto da Guarda Nacional Republicana (GNR), em Odemira, e culminou na condenação dos autores a penas de prisão*).

Duas vezes no mesmo posto? Que controlo e que autoridade disciplinar tem, então, a GNR sobre os seus homens? Como garantir então, desta vez, que, num futuro mais ou menos próximo, outras bestas fardadas tais atos não praticarão?

Qual, também, o nível de arbitrariedade de bestialidade, de boçalidade daqueles que, não se contentando com o sofrimento infligido, se deleitaram a filmar*), para perverso gozo próprio e de espetadores a eles em tudo equiparáveis, cenas escabrosas de atropelo dos direitos humanos dos mesmos cidadãos? Cenas que, afinal, mais não exprimem do que o que de mais lamentável e degradante em si tem quem apenas se sente superior, realizado, importante ao subjugar e espezinhar quem, com o coração cheio de esperança, já vem fugido ao jugo de outro alguém*)? Gente que morre antes de começar a viver, e que nunca sabe onde o dia seguinte irá passar.

- x -

Esquece-se, até, a estúpida e patega gentinha que os usa e agride de que as gravações e a respetiva partilha, voluntária ou não, se têm revelado bastante eficazes na investigação de crimes e posterior detenção dos criminosos. Esquece-se disto, apesar de, dada a função que desempenha na manutenção da ordem, melhor do que ninguém o devesse saber. Ou não se esquecerá, antes cedendo à prosápia da ignomínia, à inconsciência da maldade, ao que de mais baixo um ser humano em si traz, indiferente à vergonha e ao sofrimento a que a própria família estará a condenar?

Ao caso do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) e da morte de Ihor Homeniuk seguiu-se a decisão, agora adiada*), de extinguir o SEF - não, pasme-se, sem antes o condecorar*). Ao caso de que aqui falo, da GNR de Vila Nova de Milfontes e dos imigrantes de Odemira, o que se seguirá? A extinção da Guarda... não sem antes o Estado Português a condecorar?

Dir-se-á que as corporações são muito maiores do que a meia dúzia de energúmenos que avilta o seu bom nome e contamina a imagem e a confiança nos restantes elementos.

Talvez. Mas não pode deixar de nos ocorrer ao espírito a velha ideia da ponta do iceberg. Nem da ínfima percentagem de condutores apanhada nas malhas dos radares, face às largas dezenas de milhar que, diariamente, excedem a velocidade máxima permitida. Entre aqueles, quem aqui escreve e, aqui e ali, até o prezado Leitor.

Quantos não detetados operacionais da Guarda, do SEF, seja de que força for se deliciarão com estes prazeres perversos? Quantos acabará a justiça por apanhar?

Até lá, quantos mais migrantes recordarão as suas terras ao viver, em Portugal, a reedição do horror?

* *

Todos sabemos, porém, que, a par dos dramas humanos intensos relacionados com imigrantes e, sobretudo, com refugiados, nos chegam histórias bem diferentes de refugiados algo... diferentes, também.

[encontrará aqui a sequência deste texto]

quinta-feira, 9 de dezembro de 2021


Joacina Katar Moreira e o Elogio da Oligofrenia

"Razões fortes, compromissos claros".

Esta mensagem num cartaz do Bloco de Esquerda terá provocado na rede social Twiter, a mensagem "A dicotomia claro/escuro no discurso político já mudava*).

Salvo o devido respeito, a imbecilidade da coisa apenas é comparável à manifesta ignorância vocabular de quem a produziu, bem como à pobreza gramatical evidenciada pela construção frásica pseudo-moderna e pseudo-progressista do  seguido do pretérito imperfeito do indicativo pretendendo significar que já se poderia isto ou aquilo (neste caso, já mudava, em lugar da expressão correta já se poderia mudar. Ou, na forma popular, já se podia mudar).

Claro, significando evidente, preciso nada tem, em sentido estrito, a ver com claro, no sentido de luminoso, pouco escuro. O adjetivo é o mesmo, mas a utilização que dele é feita num e noutro caso quase as torna palavras homónimas, apenas o não sendo na medida em que a classificação gramatical é a mesma.

Não há, assim, como considerar que se trata de um ataque aos ideais anti-racistas, mais a mais vindo de quem vem. Não passa de uma patetice, de uma alarvidade, da tentativa desesperada de quem politicamente se arrisca a desaparecer para manter um protagonismo que não merece, se é que alguma vez mereceu.

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O aproveitamento abusivo de tudo quanto cai ao alcance dos nossos olhos para o distorcer, para o enviesar à medida da conveniência de uma causa ou argumentação a ele completamente alheia apenas tem como resultado imediato a evidenciação do vazio daquilo que se defende e da fundamentação de suporte que temos para lhe oferecer. No presente incidente, apenas serve para menorizar a nobre causa do racismo, que, é caso para dizer, bem melhores defensores poderia merecer.

Alguém me dizia, há tempos, que para se obter um grau de mestre ou de doutor é mais necessária capacidade de trabalho do que inteligência. Dir-se-ia que alguns parecem profundamente empenhados em o demonstrar...

Se certos doutorados que por aí há trabalharam ou não, jamais saberei. Mas da oligofrenia que caracteriza algumas das suas afirmações não será difícil convencer.

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sábado, 6 de novembro de 2021


Desventurosa Retratação!

 

Mesmo tendo a retratação pública sido imposta, não bastaria dizer que,
afinal, a família injuriada não era composta por bandidos,
impondo-se que o Presidente do Chega! perentória e expressamente reconhecesse o erro moral,
a censurabilidade social da conduta e do pensamento e da ideologia a ela subjacentes


A inevitável subjetividade inerente ao modo como a retratação pública é realizada apenas é comparável à subjetividade da avaliação da eficácia da mesma por aqueles a quem ela compete, designadamente no que se refere à proteção do bem jurídico da honra do ofendido, sem esquecer o valor que a ampla divulgação da execução da sentença deverá representar para a prevenção da proliferação de condutas do mesmo tipo.

Maior ou Menor Carga Subjetiva
A despeito da maior ou menor carga subjetiva que comporte, o cumprimento de qualquer obrigação deve ser pautado pelo princípio da idoneidade, da adequação ao bem jurídico e social prosseguido, não sendo, pois, admissíveis, quer a retratação equívoca ou incompleta, quer a que se revista de falsidade ou hipocrisia.

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Para que seja plenamente eficaz, bastará a uma retratação equívoca ou incompleta ser clarificada ou complementada com os elementos indispensáveis à perfeita compreensão, não apenas do sentido, mas também da sinceridade da intenção.

Já uma retratação falsa, hipócrita, expressamente manifestada como mero cumprimento da obrigação imposta e acompanhada do esclarecimento de que se está a proferir palavras meramente formais, sem qualquer substância - naquilo que, numa visão desfocada e distorcida do direito e do conceito de reparação, o ofensor considera o estrito mas eficaz cumprimento da sentença condenatória - não resulta, de facto, no menor desagravo da ofensa feita ao merecimento social do ofendido, tampouco em nada desculpando as injúrias proferidas, antes as agravando na medida em que afasta qualquer resquício de dúvida que, quanto à firmeza da intenção de ofender, pudesse ainda persistir nos mais benevolentes espíritos.

Constitui, além do mais, intolerável ofensa aos tribunais e aos demais agentes judiciários intervenientes no processo, escarnecendo, não apenas das doutas decisões proferidas, mas também do frágil significado e do débil conteúdo intrínseco aparentemente subjacentes à execução deste tipo de penas e, por via deles, ao muito relativo impacto social da própria condenação.

No topo da desfaçatez estará, necessariamente, uma eventual e acintosa menção ao facto de que as ocas palavras de retratação apenas terão sido proferidas ou escritas a fim de evitar a ruína económica do condenado, decorrente da hemorragia de multas que diariamente seriam devidas por força do aresto condenatório, sanção pecuniária que apenas poderia considerar-se objetivamente cumprida uma vez material e liquidadas aquelas.

Se é verdade que, ao concluir pelo carácter equívoco de uma retratação, estaremos mais próximos de uma ponderação subjetiva da proporcionalidade, a retratação falsa ou hipócrita é facilmente identificável e objetiva, na medida em corresponde à inversão do sentido, da própria razão de ser da decisão, uma vez que o condenado, não só a não cumpre de forma efetiva, como  acaba por fazer exatamente o contrário daquilo que, espontaneamente, deveria ter feito ou lhe fora determinado.

Não há, por outro lado, como considerar que, quer a falsidade, quer a hipocrisia, não excluem a presença da componente fundamental de qualquer retratação: o arrependimento. Se é verdade que a mera reparação material e objetiva - mediante a execução de penas de prisão ou de multa, por exemplo – o dispensa, o mesmo não se aplica à retratação, da qual ele deverá, afinal, constituir a própria essência.

Dar por Encerrado o Processo
O mesmo é dizer que a retratação inexiste sem claro e manifesto arrependimento, o que é incompatível com uma eventual declaração, no momento em que é proferida ou escrita ou em data próxima posterior, de que os pressupostos da injúria se mantêm intactos, apenas se retratando o ofensor a fim de, para si, evitar males maiores.

Jamais se poderá, num tal caso, dar por encerrado o processo ou considerar extinta a punibilidade do crime, antes se tornando evidente ao menos juridicamente instruído dos homens médios que uma sentença executada num tal contexto continuará por cumprir, com todas as legais consequências, entre as quais a acumulação da multa diária alternativa eventualmente imposta.

- x –

Por “ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem” nas pessoas de membros de uma família residente no Seixal*), foi o presidente do partido Chega! sentenciado, em Maio de 2021, a delas se retratar publicamente, tal como o Partido*).

Porém, à semelhança do que recentemente aconteceu com uma retratação pública imposta ao Presidente da República Federativa do Brasil*), o alegado cumprimento da sentença consistiu em pouco mais do que uma firme declaração de manutenção dos pressupostos das ofensas pelas quais fora condenado.

Não pode, é verdade, legitimamente esperar-se que, acontecendo a retratação na sequência da prolação de sentença judicial, alguma vez possa ela corresponder a um impulso genuíno e espontâneo do ofensor. Mas não pode ela também, mesmo nessas circunstâncias, ser despudoradamente desvalorizada e ridicularizada, sobretudo na imediata sequência do próprio ato em que se materializa a suposta execução do decidido pelo tribunal*).

De facto, e embora possa não ser, neste caso, de afastar completamente a presença de hipocrisia, encontramo-nos, sobretudo, perante uma retratação confessadamente vazia, falsa, como não pode deixar de se extrair de um texto em que é dito que, com ela, apenas pretende o Réu, por receio de um inevitável impacto económico negativo, dar cumprimento formal ao que foi exigido, mantendo-se, não obstante, a essência das ofensivas declarações.

Especificando, mesmo tendo a retratação pública sido imposta, não bastaria dizer que, afinal, a família injuriada não era composta por bandidos, impondo-se que o Presidente do Chega! perentória e expressamente reconhecesse o erro moral, a censurabilidade social da conduta e do pensamento e da ideologia a ela subjacentes.

A situação parece, assim, corresponder a um cumprimento aberrante e, até, pernicioso da medida imposta*), atendendo a que, a não ser a retratação dada como inexistente e sancionado o Réu por desrespeito, se estará, provavelmente, a criar condições muito favoráveis à futura invocação do episódio como precedente, arriscando-se a completa desvalorização da figura da retratação pública, que passará a ser contemplada como mera retórica ineficaz, que, afinal, nada reverte e nada resolve, ganhando as futuras decisões que a outros a imponham o estatuto de atos meramente decorativos.

Será, em conclusão, de esperar que o Tribunal declare inexistente o cumprimento da obrigação pelo Presidente do Chega! e mande contabilizar as multas diárias vencidas e vincendas até que aconteça uma efetiva retratação.

Não podemos, além do mais, deixar de, com toda a legitimidade, nos questionar da validade do discurso de alguém que, sem aparentes constrangimento ou pudor, afirme que falou por falar, inexistindo qualquer correspondência, entre as palavras que proferiu e aquilo que, efetivamente, entende.

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Não está aqui em causa qualquer característica intrínseca da pessoa ou da organização condenadas, já que apenas a Deus é dado avaliar objetivamente as pessoas por aquilo que são, cabendo aos tribunais julgá-las, unicamente, por aquilo que fazem. Também, já que nem queixa houve, tampouco será legítimo afirmar que um crime foi cometido, como por essa blogosfera há quem sustente..

No entanto, e independentemente do que venha a acontecer à decisão – ainda não transitada em julgado -, bem poderá a Justiça considerar-se ofendida pela forma como àquela foi, alegadamente, dado cumprimento, forma que em nada dignifica, quer os ofendidos, quer a sociedade, de um modo geral.

Não podem, pois, aqueles a quem compete fiscalizar a execução das sentenças ficar indiferentes a estes factos, já que, como alguém disse, “o padrão de uma sociedade civilizada é a qualidade da sua justiça”.

Ou não?

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quarta-feira, 3 de novembro de 2021


O Caos Seria a Alternativa...

Não há como não nos sensibilizarmos perante a angústia de pais que, apenas por quererem educar os seus filhos de acordo com as suas convicções, tenham acabado por provocar a reprovação dos mesmos na sua vida académica, como aconteceu no caso bem conhecido daquela família de Vila Nova de Famalicão.*) Nem perante os anos de prejuízo que a sua vontade de combater ideologias absolutamente espúrias à mais elementar ideia de democracia aos jovens estudantes não deixarão de provocar.

No entanto, mesmo sem conhecer o processo, não me ocorre como poderia um tribunal vinculado a decidir no estrito cumprimento da lei, deixar de indeferir o pedido de providência cautelar, da mesma forma que não vejo como poderá outro tribunal deixar de prolatar uma decisão definitiva em desfavor da pretensão da família, pretensão essa moralmente legítima mas legalmente inadmissível.

Como alguém, que anteriormente citei, recentemente disse, "um juiz, quando vesta a toga, tem de despir as suas convicções".*)

Não é, pois, o sistema judiciário que deve ser responsabilizado, mas sim um Governo que, focado em garantir a sua permanência no poder durante esta meia dúzia de anos que agora finda, sempre tendeu a ceder, com a maior das facilidades, a sucessivas exigências de uma extrema-esquerda radical, também ela preocupada com a sobrevivência política de ideias completamente desfasadas da realidade e da prossecução do bem-estar e da estabilidade das populações.

Não obstante insistir em declarar-se democrática, essa esquerda radical continua a agir sem qualquer contemplação pela vontade e pelos valores defendidos pela maioria, a procurar impor ideologias e originalidades sem qualquer justificação, substância ou conteúdo, à partida condenadas a permanecer tanto tempo na memória dos vindouros quanto qualquer irrelevante banda de garagem alguma vez permaneceu no top de vendas apenas porque resolveu que, pelo simples facto de existir, tanto mérito merecia quanto os The Beatles, os Bee Gees ou outros de igual valor.

Por muito que nos revolte a situação daí resultante, podemos, naturalmente, insurgir-nos e indignar-nos quando confrontados com ela, mas haverá que considerar que sempre será preferível a um Estado levado à anarquia pela eventual capacidade de qualquer cidadão discordante das opções políticas de quem governa poder, por um simples ato de vontade, ignorá-las e agir como muito bem entendesse, lançando no caos social e económico o que, a breve trecho, deixaria de ser um país, para se tornar, ainda mais do que agora, numa monstruosa amálgama de interesses.

Em democracia, a vontade popular manifesta-se através de canais próprios e há muito consagrados, designadamente por via do voto sempre que são convocadas eleições.


Outros temas que poderão interessar-lhe no Mosaicos em Português:
- A injusta e evitável desproporcionalidade na fixação do valor de coimas e multas' Leia AQUI
- Pensamento sobre a imparcialidade dos tribunais Leia AQUI


sábado, 16 de outubro de 2021


Juíz Negacionista ou Advogado Oportunista?

 
Um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação
da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente,
num Estado que se diz
de direito, mas de cuja Justiça
a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar

Limites Abstratos da Validação
1. Dos Limites Abstratos da Validação
2. Um Caso de Estudo
    2.1. Cronologia
    2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado
    2.3. Algumas Hipóteses
            2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado
            2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista
            2.3.3. Outras Possibilidades
3. (In)Conclusão

1. Dos Limites Abstratos da Validação

De tenebrosos contornos, aterrador enunciado e inimagináveis consequências sociais futuras, certas hipóteses arrepiam no próprio momento de as formular.

Talvez por isso, a uma grande parte dos investigadores – mesmo os mais sensacionalistas – elas nem ocorram, como efeito de um bloqueio natural do espírito e da mente perante a perversidade, a maldade intrínseca, a quase sociopatia associável aos correspondentes atos, e imanente das pessoas dos imaginários autores.

Todavia, apenas poderá, alguma vez, atingir-se um conhecimento razoavelmente pleno da realidade quando, a par do apuramento dos factos e das respetivas circunstâncias - fundado na certeza oferecida por prova positiva fidedigna -, cuidarmos de, procurando com objetividade, com incansável empenho e até ao limite material e humano do possível, prova negativa aceitável das hipóteses menos prováveis, das mais caricatas, das indizivelmente abjetas, das virtualmente impossíveis.

Desta forma, e só desta forma, se estará, mediante a aplicação da dúvida sistemática*), a fazer, efetivamente, tudo quanto é possível para anular qualquer fator de incerteza, por ínfimo que seja, suscetível de inquinar a segurança que sempre se quer presente na validação de uma formulação em qualquer área do conhecimento.

Pois não é, afinal, a dúvida a única certeza da vida?

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Introdução da Dùvida Sistemática
A introdução da dúvida sistemática nos domínios da Justiça revela-se indispensável designadamente no direito penal das nações livres - em que a presunção inicial da inocência é regra -, devendo a culpabilidade que legitima qualquer punição ser demonstrada para além de qualquer dúvida razoável, e sempre fazendo prevalecer o princípio in dubio pro reo*).

Assim, e por mais improvável e ridículo que se nos possa afigurar, o mais ínfimo resquício de incerteza que possa subsistir só poderá ser eliminado se todas, mas mesmo todas, as pistas em presença forem seguidas e rejeitadas, num esforço sério, honesto, empenhado e levado a cabo até aos mais exigentes, porquanto razoáveis, limites.

Isto é válido, não apenas para a Justiça dos estados, como para a validação, por cada cidadão, da opinião que, em cada altura, forma sobre terceiros, seja no âmbito estrito das relações sociais com o núcleo próximo de familiares e amigos, seja na formação de juízos críticos tendo como objeto personalidades que, na maior parte das vezes, pessoalmente não conhece, a elas apenas tendo acesso através das informações até si veiculadas pelos meios de informação.

Deve, assim, ver-se com olhar crítico quanto de bom e de mau nos chega relativamente a cada um, procurando, mediante o complementar da informação disponível e a aplicação à mesma da mais exigente lógica, encarar de frente e com espírito aberto e rigor científico, quer a mais divinal hipótese, quer a mais abjeta.

 

2. Um Caso de Estudo

Sem prejuízo do desfecho de reclamações ou de recursos pendentes sobre a drástica decisão, acaba de ser, pela quarta vez em Portugal*), um juiz de direito (adiante “Visado”) expulso da magistratura, ou seja, afastado compulsiva e definitivamente do digno cargo que lhe fora confiado, bem como das funções a ele inerentes.

Os atos subjacentes à inevitável e há muito esperada decisão foram objeto de ampla cobertura por jornalistas, juristas, pelos mais diversos comentadores.

A Generalidade das Abordagens
Acontece, porém, que a generalidade das abordagens parece ter, deliberada ou, inconscientemente evitando mergulhar nas profundezas da eventual podridão humana, nomeadamente furtando-se a elaborar exaustivamente sobre as motivações possíveis: não através da especulação infundada, difamatória, emotiva, inconsequente e gratuita, mas partindo da sólida base factual não desmentida que nos chega da comunicação social,.

Cumpre, assim, que sobre ela nos debrucemos a fim de procurar afastar qualquer dúvida que, em qualquer plano, possa, ainda, manifestar-se sobre tão triste caso.

 


2.1. Cronologia

Posto que a sequência dos factos parece não ter, ainda, sido objeto de qualquer tentativa de sistematização, aqui fica, a fazer fé no que foi noticiado e no que se refere apenas ao mais relevante, o que quanto nela parece adequado incluir:

i.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa*), inicia o Visado, em 2003 ou 2004 as funções de juiz de direito*), que terá exercido até 2011 (ou, segundo alguns, apenas durante quatro anos).

ii.
Por essa altura, e a seu pedido, passa à situação de licença sem vencimento, para se dedicar à advocacia, tendo, no mesmo ano, rumado ao Brasil, onde permaneceria até 2017.

iii.
De regresso a Portugal, algures durante o Outono de 2020 funda o sítio “Juristas pela Verdade”*), centrado na negação da existência de uma pandemia da doença COVID-19.

iv.
Entre 2011 e Fevereiro de 2021, tem como atividade profissional o exercício da advocacia numa sociedade de advogados presumivelmente sediada no Brasil, mas licenciada para operar também em dois escritórios em Portugal, em Oeiras e em Lisboa.

Juiz Negacionista
A página de apresentação dessa Sociedade*), evidencia, além da sua capacidade de advogado, a qualidade de  magistrado judicial em Portugal, em regime de licença”, sendo esta situação de licença omitida no perfil existente no LinkedIn*), onde se apresenta, simultaneamente como “Law Judge (Portugal)/Attorney at law (Brazil and Portugal)

Os serviços da Empresa são apresentados como centrando-se em “Homologação de divórcio”, ”Direitos trabalhistas do estrangeiro ilegal”, “Contumácia: como resolver?” e obtenção da cidadania europeia - embora, na apresentação do escritório português no Linkedin*), se apresente o Visado, de forma bem diferente, como especializada em “Direito Penal e Direito Processual Penal”.

v.
De 19 de Fevereiro de 2021 data a mais recente publicação no sítio “Juristas pela Verdade”.

vi.
Em 01 de Março – não é claro se, automaticamente, no termo da licença sem vencimento, ou na sequência de solicitação do próprio -, retoma o Visado as funções de juiz de direito, tendo sido colocado no tribunal de Odemira.

vii.
Em 02 de Março requer a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados.

viii.
No exercício das funções de magistrado judicial, continua a aparecer como principal rosto da já anteriormente existente página do Facebook ”Habeas Corpus”*), negacionista e, aparentemente, sucessora da “Juristas pela Verdade”.

Cronologia
ix.
Entre 01 e 12 de Março, falta o Visado nove dias úteis consecutivos ao serviço sem apresentar qualquer justificação. Ou seja: demorou nove dias úteis a apresentar-se ao serviço em que, no dia um do mesmo mês, deveria ter iniciado funções.

x. A existência de um inquérito disciplinar*) na sequência da publicação de pequenos filmes manifestando-se contra o estado de emergência é noticiada em 23 de Março.

xi.
A Ordem dos Advogados faz saber, em 25 de Março, que irá proceder disciplinarmente contra o Visado por ter ela tomado conhecimento de atos de competência própria de advogados por ele praticados já com a inscrição suspensa.*)

xii.
No mesmo dia, é o Visado suspenso do exercício de funções*) pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM).

xiii.
Em 29 de Março é noticiado que desafiara, para um combate de artes marciais, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP).*)

xiv.
Em 16 de Junho apresenta defesa no âmbito do processo disciplinar.*)

xv.
Em 29 de Julho, publica no YouTube, um pequeno filme em que classifica como pedófilo o Presidente da Assembleia da República.*)

xvi.
Em 25 de Agosto, apresenta na Procuradoria-Geral da República queixa contra o Presidente da República e o Primeiro-Ministro pela prática de crimes contra a Humanidade.*)

xvii.
Na audição levada a cabo em 07 de Setembro, diz-se o rosto dos injustiçados e reprimidos pelas medidas de combate à pandemia cuja existência nega, tal como nega o facto de haver a doença provocado qualquer morte entre os cidadãos.

Presidente do Supremo Tribunal
Após ter exigido que todos os membros do Conselho retirassem as máscaras, já que "Com as caras tapadas não sei quem são", dirige-se ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)*) dizendo que "O doutor está mais próximo de ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Marrocos ou da Guiné Equatorial. É esse o prestígio que tem. A sua vaidade e o seu narcisismo não lhe valem de nada. E o mesmo se aplica a todos os outros como é óbvio".

xviii. No mesmo dia 07 de Setembro, depois de um graduado lhe garantir que não iria mandar carregar sobre quem quer que fosse, insiste o Visado em destratar agentes da PSP, nos seguintes termos*): "os Senhores não vão carregar sobre as pessoas, porque senão os Senhores é que vão ser detidos, hoje (...) Ai de você que carregue sobre as pessoas, porque há coisas que vão ser sabidas, se você carregar sobre as pessoas. Diga lá aos seus Chefes!". "O Senhor não tem que me dizer que exemplo é que eu dou ou não. Não me toca, hã? Não me toque. Não me toque. 'tá a perceber? Ponha-se no seu lugar! Ponha-se no seu lugar! Eu sou a autoridade judiciária, aqui. E o Senhor também ponha-se no seu lugar. 'tá a perceber? O Senhor vai ser detido, se carregar em alguém (...). Eu ponho-me no meu lugar, e o meu lugar é este: acima de si, acima de si! 'tá a perceber? O Senhor 'tá abaixo de mim. Portanto o Senhor não vai carregar sobre ninguém".

xix.
Em 08 de Setembro a PSP apresenta queixa contra o Visado por haver desrespeitado alguns agentes*) à porta do edifício onde está instalado o CSM.

xx.
Em 07 de Outubro, o plenário do CSM aplica-lhe, por unanimidade, a pena de expulsão da magistratura*) por “Ter nove dias úteis consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas, as quais ocorreram entre o dia 01/03/2021 a 12/03/2021, com prejuízo para o serviço judicial (...)", “Ter proferido despacho, durante uma audiência e julgamento, no dia 24/03/2021, no qual emitiu instruções contrárias ao disposto na lei no que respeita às obrigações de cuidados sanitários no âmbito da pandemia Covid19 (…)” e “Ter publicado uma série de vídeos em várias redes sociais, nos quais, e não deixando de invocar a sua qualidade de Juiz, incentivava à violação da lei e das regras sanitárias, bem como proferia afirmações difamatórias dirigidas a pessoas concretas e a conjuntos de pessoas”.

Embora a condenação seja passível de recurso, este não suspende a eficácia da decisão.*)

xxi.
Na mesma data, a Associação Sindical dos Juízes de Portugal exprime o seu entendimento*) de que a condenação, “que toda a gente esperava e era inevitável”, “coloca uma pedra sobre o assunto”, salientando o “impacto negativo na imagem da justiça” de “um caso isolado e bizarro para aquilo que é o comportamento dos juízes

 

Direito de Não Comparecer ao Trabalho

2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado

Embora raramente comentado, o aspeto das faltas injustificadas assume, no presente caso, uma importância muito especial.

Qualquer trabalhador tem o direito de não comparecer ao trabalho em situações consideradas justificáveis pelas normas aplicáveis, desde que para a falta apresente justificação.

Não sendo tal justificação apresentada, haverá que presumir uma de três coisas: ou justificação válida inexiste e o trabalhador faltou por razões não atendíveis; ou existe justificação válida mas, denotando desrespeito, o interessado optou por nem se dar ao trabalho de a apresentar; ou a omissão é deliberada, procurando assim marcar-se uma posição.

Em qualquer caso, a conduta subjacente denota desrespeito pelos ditames éticos e deontológicos, na medida em que nenhuma organização alguma vez poderá ser eficaz quando sujeita ao capricho e à arbitrariedade daqueles de quem depende para harmoniosamente funcionar, tampouco podendo os que, por sua vez, dela dependem deixar de ser, de alguma forma, prejudicados nos seus legítimos direitos e expetativas, nomeadamente no domínio da Justiça, cuja solenidade e integridade na administração se mostram essenciais ao funcionamento do Estado de Direito.

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Embora todos sejamos criados e educados de maneiras muito diferentes, qualquer representante do assim chamado homem médio, do bonus pater familiae*), entenderá que é pressuposto da admissão de alguém a um posto de trabalho que esse alguém ao mesmo ser irá dedicar de forma diligente, no interesse de quem contrata e daqueles a quem o empregador presta serviço ou com os quais desenvolve uma relação comercial.

Sendo, no caso do sistema judiciário, o Estado o empregador e sendo a generalidade dos cidadãos aqueles a quem presta serviço, não há como ilidir a inevitabilidade da conclusão pelo dever de o juiz agir com irrepreensíveis brio e empenhamento profissional no desempenho das suas funções, até no superior interesse da dignificação da atividade judicial.

O facto de o Visado ter, nos dezanove dias úteis em que esteve ao serviço, faltado nove – quase metade! - sem apresentar qualquer justificação torna irrazoável não concluir que o regresso do outrora advogado à magistratura judicial se deveu, exclusivamente, a motivação egoísta que, embora de natureza e contornos desconhecidos, nada teve alguma vez a ver com qualquer ideal de missão, de serviço público ou sequer, de aplicado desempenho de qualquer função.

Ganha, assim, esta aparentemente menor questão das faltas injustificadas especial relevância quando se trata de, em vão, procurar afastar qualquer dúvida relativa à falta de bondade da motivação do regresso aos tribunais de quem há muito era o rosto principal de uma sociedade de advogados com o seu nome e, simultaneamente, de uma campanha mediática contrária ao interesse nacional, designadamente na área da saúde pública.

Acresce, naturalmente, o facto de ser humanamente impossível ao Visado desconhecer a inexorável e fatídica sorte a que, dada a sua conduta imprópria, a carreira de magistrado estava, à partida, condenada. Por outras palavras, bem sabia, porque enquanto magistrado não podia deixar de saber, ser impossível não expulsar da magistratura alguém que como ele tivesse agido.

Jamais podendo alguém minimamente lúcido esperar, de facto, poder continuar a ser juiz de direito após tamanhos desmandos públicos amplamente divulgados, seria logicamente aberrante não concluir que sempre o Visado pretendeu que a sua nova passagem pela magistratura fosse efémera e acabasse no meio de retumbante queda, durante um espetáculo cuidadosamente encenado.

Mas com que objetivo? Qual a motivação?

 


2.3. Algumas Hipóteses


2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado

Todos temos presente o caso de um quase desconhecido advogado que, há não muito tempo, esteve na origem da fundação de um sindicato que acabou extinto por decisão judicial devido a irregularidades na sua constituição*), não sem antes ter quase paralisado o País inteiro por privação de combustível que permitisse aos cidadãos assegurar a mais elementar deslocação.

O rosto do mesmo advogado promover-se-ia, mais tarde, em enormes cartazes de um insignificante partido político, nunca mais, desde então, do portador da triste cara se tendo ouvido falar, mas sendo de presumir que a respetiva atividade profissional tenha muito favoravelmente evoluído graças à ampla e generosa divulgação mediática da imagem do indivíduo, independentemente da motivação da atuação.

A primeira hipótese a eliminar quanto ao que verdadeiramente move um alegado negacionista que regressa à magistratura em plena campanha por si alimentada para, menos de uma quinzena depois, faltar ao trabalho nove dias consecutivos sem justificação, enquanto continua a manifestar, com o alarde de sempre, as suas alucinadas posições, exagerando desnecessariamente no protagonismo e tratando de assegurar que dele muito se ouviria falar é, assim, a de estarmos, não diante de um juiz de direito, mas de um advogado oportunista que viu e aproveitou uma oportunidade única para chamar a atenção pública para a sua pessoa como forma de atrair clientes.

Tratar-se-ia, a assim ser, de algo que se estaria a tornar num hábito na profissão de advogado: dada a proibição de publicitar a atividade profissional, optar pela promoção, embora negativa, da imagem pública da pessoa, indiferente ao prejuízo para o Estado e retirando-se da ribalta logo de seguida – ou sendo removido.

Regressaria, então, à advocacia quando já sobejamente conhecido junto de potenciais clientes pouco sensíveis aos prejuízos causados à coletividade, mas muito atentos aos desacatos, ao tom agressivo, à suposta coragem com que o interessado afrontaria os poderes públicos e as autoridades, comportamentos por alguns considerados fortemente promissores de um bom desempenho na barra dos tribunais.

Dar-se-ia, assim, razão ao velho chavão publicitário segundo o qual não importa o que digam de nós: o que importa é que falem de nós.

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A favor desta hipótese milita praticamente toda a sequência cronológica acima resumida em 2.1., sobre a qual, dada a evidente clareza, não valerá muito a pena elaborar.

Contra ela, temos o facto de se tratar de algo tão abjeto, tão vil, tão manipulador, são indiferente aos interesses e aos direitos do próximo que, considerá-la válida seria o reconhecimento último de que muito pouco haverá, já, que esperar de certos representantes da Humanidade. Ou dela toda…

A propósito: terá, quando deixou a profissão, o Visado vendido as quotas na sociedade de advogados, obrigada que esta está a apenas contar, no capital, com participações de advogados inscritos e no exercício da atividade profissional?

Terá a Ordem cuidado de averiguar o que, efetivamente, se passou?


2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista

Outra hipótese que não pode deixar de ser considerada quanto à motivação para o uso e abuso da oportunidade de regresso à magistratura com o fito específico de dela ser rapidamente expulso no meio de enorme alarido será ter o Visado pretendido chamar a atenção, não para a atividade de advogado - que, necessitando de assegurar o sustento, provavelmente irá retomar -, mas para a causa negacionista da pandemia.

Tal possibilidade não pode deixar de nos fazer refletir um pouco também sobre a motivação dos próprios negacionistas: o que ganharão em insistir na tola ideia de que não existe pandemia, de que a evidência científica apresentada não é válida, de que ninguém morreu devido a infeção pelo vírus Sars-Cov-2?*)

O que ganharão elementos da extrema-direita em negar o holocausto nazi*), ou elementos da extrema-esquerda em negar Holodomor?

O que ganhará, afinal, quem quer que seja em, de entre aquilo que se encontra cientificamente demonstrado, negar seja o que for?

No caso da COVID, será assim tão nocivo andar de máscara, ou ser inoculado com uma vacina idêntica a tantas outras? Será que o dano residual a um ou outro vacinado entre largos milhões justificará que milhões se neguem a proteger-se e a proteger os outros?

Não estaremos, antes, diante de pessoas que advogam causas em que não acreditam, que nem chegam a entender bem, às quais aderem apenas pelo ruído mediático que provocam e que, dessa forma, algum protagonismo a um punhado de barulhentos e irracionais frustrados poderá trazer?

Como poderá encarar-se como legítima a posição de um verdadeiro, de um genuíno juiz de direito que, com porventura inconfessáveis ou condenáveis e egocêntricos objetivos, em grupelhos destes se imiscui, advogando posições antissociais e anti o que quer que de saudável e construtivo para o bem de todos queiramos fazer?

Como considerar natural a identificação de um magistrado com gente que é do contra seja no que for, pela notoriedade, pela mera fruição, pelo prazer de o ser?


2.3.3. Outras Possibilidades

Significarão aquelas camisolas pretas, aquele ar agressivo, aquele discurso desconexo e repetitivo, a negação desrazoável, que o juiz apenas estará a advogar, numa toscamente encapotada manobra, práticas extremistas visando a desestabilização e a subversão?

Ou, mais singelamente, não passará de uma personalidade narcísica - característica que se não coibiu de atribuir ao Presidente do STJ quando, durante a audição no CSM, o interrogou?

Estará o pretenso juiz negacionista a agir apenas como advogado oportunista de si mesmo, da própria imagem, consistentemente com as múltiplas fotografias do próprio que povoam a Internet, seja no sítio da Sociedade de Advogados, seja nos sítios das causas que diz defender?

Tratar-se-á, afinal, de uma completa indiferença ao sofrimento que, se atendidas as suas inenarráveis pretensões, estas poderiam causar a todos, desde que o seu estatuto pessoal acabasse elevado por via da defesa exacerbada das mesmas?

Se não, como explicar, a não ser por mero exibicionismo, a insistência em, valendo-se do seu estatuto, proibir uma carga policial sobre quem se manifestava à porta das instalações do CSM, quando já lhe fora, por mais de uma vez, garantido que ela não iria ser ordenada?

Mais a mais, proibiu estando suspenso do exercício de funções, coisa que ninguém se lembrou de lhe recordar…

 

3. (In)conclusão

Se a primeira hipótese for verdadeira, o sujeito rapidamente desaparecerá de cena - e nem terá, provavelmente, chegado a vender as quotas da sociedade comercial.

Se a segunda o for, continuará a manifestar-se como prometido*), pelo menos enquanto a pandemia fizer manchetes - eventualmente mudando depois de bandeira para uma então mais mediática.

Se é válida uma destas duas ou qualquer outra igualmente desprezível, cada um por si o julgará. Jamais poderá, no entanto, uma das hipóteses ser plenamente validada: por um lado, porque só o Visado saberá o que, efetivamente, o moveu; por outro, porque, mesmo que o admita, perante as características que a pessoa tem vindo a manifestar, de muito escassa credibilidade se iria tal admissão afigurar.

Causa cognoscitur ab effectu, mas nem sempre…

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Independentemente de qual a hipótese verdadeira - se alguma -, certo é que todas sempre acabarão por beneficiar, ainda que acessoriamente, da atuação destemperada e imprópria de quem, se um verdadeiro magistrado fosse, também de todas elas deveria ter tido o cuidado de se distanciar.

De facto, quer a imagem enquanto advogado, quer a causa negacionista, quer, eventualmente, as causas de quem milita com camisolas pretas, quer, por fim, a imagem pessoal do Visado acabarão, inevitavelmente, promovidas, se não pelas melhores razões e junto do mais recomendável auditório, pelo menos de quem aprecie o género de pessoa de quem as pessoas certas se não esquecerão.

Tudo isto à custa de irreparável dano para a ideia que cada um tem do sistema judiciário, da magistratura judicial, daquilo que ambos representam, da Justiça que, supostamente, administram e da qual, a assim continuar, pouco mais esperarão os cidadãos.

Estamos perante um então juiz de direito que, enquanto tal, se não coibiu de achincalhar, de humilhar, que se sentiu acima de outros que entendia que deveriam pôr-se no respetivo lugar, em posição de subserviência perante tão distinta e iluminada criatura.

Mais ou menos tenebrosa e arrepiante, cada uma destas quatro hipóteses e qualquer outra que, além delas, possa formular-se, terá estado na origem daquele se apresenta como um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente, num Estado que se diz de direito, mas de cuja Justiça a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar.

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Negacionista por negacionista, o que será pior? Juiz, ou Médico?

(continua aqui)