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sábado, 11 de dezembro de 2021


Originais à Viva Força

"A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso perante o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a evoluir. Mas, violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e profícuo quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha: nunca quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o lucro fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo"


Ao assistir a certas atitudes e ao ouvir certos comentários, convenço-me de que existe uma quase generalizada incapacidade para separar duas realidades absolutamente distintas: moda e originalidade.

Confusão
A confusão não faz, evidentemente, qualquer sentido, já que os conceitos são, não apenas distintos, mas antagónicos: originalidade é a qualidade daquilo que é diferente, próprio, inovador, enquanto moda*) corresponde ao conceito estatístico daquilo que constitui a tendência dominante, a classe com maior representatividade em determinado universo. Ou, no plano social e para utilizar uma linguagem mais terra-a-terra, a propensão de um conjunto alargado de pessoas para copiar, para adotar uma ideia que crêem original, ou sensacional, ou espampanante a ponto de, de certezinha absoluta, ir embasbacar outros invejosos que se irão maravilhar - ou roer todos por dentro... - ao olhar para nós.

Mesmo que o motivo do encantamento não seja original, mas apenas supostamente original...

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Vem este supostamente a propósito, não da eticamente condenável prática do plágio - mais ou menos bem disfarçada, mas sempre correspondente à admissão íntima, por quem plagia, da incapacidade de se igualar ou, pelo menos, aproximar das capacidades e do mérito do original autor -, mas a propósito da deriva do conceito de original, ou da própria compreensão do significado efetivo do mesmo.

Dos relatos da História e daquilo que, nas últimas décadas presenciámos, extrai-se que jamais se assistiu a tamanho desfilar de criadores, de criativos, de entendidos criativos, de construtores de ideias, de promotores de ateliers de ideias, enfim, de toda a espécie de idiotas que, a par de um punhado dos que são, verdadeiramente, originais, verdadeiramente autores, o marketing atual vai associando a indivíduos que mais não fazem, afinal, do que deteriorar, estragar, adulterar o que de bom outros antes deles realmente criaram.

Podendo, embora, admitir-se que, nas suas mais diversas vertentes, o campo da arte se encontra especialmente sujeito a tais desmandos, dá a ideia de que o virus da falsa originalidade alastrou, em incontáveis e cada vez mais contagiosas variantes, a praticamente todas as áreas de atuação humana onde o principal objeto e valor resida na capacidade de gerar ideias dignas desse nome; ou seja, de ideias com as condições necessárias a, caracterizando-se pela diferença mas respeitando, ao mesmo tempo, a indispensável estabilidade da construção social vigente, resultar numa melhoria das condições materiais ou espirituais de vida do nosso semelhante.

Já nos habituámos a pagar para assistir a espetáculos de onde se sai nauseado com o vazio ou aberrante original que por lá se vê; a contemplar originais obras ditas de arte que não passam de rabiscos e borrões cuspidos numa tela - incompreensíveis a menos que o autor esclareça o que lhe terá perpassado o espírito quando as espirrou -, ou mamarrachos escultóricos que facilmente passariam despercebidos, quais calhaus para ali caídos, se os não tivessem plantado numa galeria de exposições, no meio de uma rotunda ou em lugar de destaque num jardim ou parque qualquer.

Manifestações artísticas
Todavia, a par destas manifestações artísticas, os meios de comunicação social dão destaque a uma cada vez maior quantidade de indivíduos à cata de factos que lhes proporcionem oportunidades de se evidenciar, de aparentemente debater, interminavelmente, os mesmos assuntos em tom pomposo e palrar barroco.

Embasbacam as gentes menos educadas ou cultivadas com janelas de oportunidade, com temas abordados em textos sem qualquer densidade e que, no final do dia, convocam muitas dúvidas sobre icónicas, apelativas e estratosféricas personalidades que aparecem linkadas a temas públicos e notórios que interessam apenas e só aos instagramáveis cuja mundivivência se integra no ADN daquelas pessoas top que publicam posts que se tornam virais e altamente rentáveis, ou comentam desconstruindo raciocínios que geram narrativas talvez pouco rentáveis mas incontornáveis, que rentabilizam delas se demarcando proativamente, ainda que com as mesmas possam concordar.

A empáfia*) desta gente, a incrustada apetência por esvaziados mas economicamente compensadores excursos destinados ao consumo de telespectadores desolados e abúlicos, são evidente epifenómeno da explosiva multiplicação de canais televisivos que, por esse processo, ficaram limitados a noticiar o que os restantes noticiam, a comentar o que os outros comentam, a publicitar os mesmos produtos, a simular mudanças profundas, originalidades não originais que copiam de televisões de outros mundos, de outros canais.

Contratam faladores que, ora copiam o que, na véspera, de outros leram ou lhes ouviram, ora buscam, desesperadamente, onde não existem, teorias supostamente originais quanto às causas disto ou daquilo, ora se limitam a seguir a moda das opiniões por muitos outros já expressas sobre os mesmos acontecimentos; em boa verdade, quase sempre algo que, de tão evidente, ao espírito de qualquer um imediatamente ocorre, tornando-se absolutamente dispensável sequer verbalizar.

Nós vemos e ouvimos porque nos habituámos.. àquilo que há.

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Parecem, certas pessoas - falhas de conteúdo mas ávidas de dinheiro, de fama, de protagonismo, daquele poder que nem sabem o que, realmente, é - empenhadas em explorar o inesgotável filão da ignorância e da estupidez alheia para idealizar, não produtos materiais ou espirituais benéficos e propícios ao desenvolvimento do seu semelhante, antes ao que de mais chocante, de mais aberrante, de mais impactante acorrer aos seus pobres espíritos que seja suscetível de causar sobressaltos morais ou intelectuais quase sempre úteis aos interesses do suposto criativo, mas quase nunca aos daqueles a quem ele a dita criação impinge ou impõe.

Experiência própria ou alheia
Há muito tempo sabe toda essa gente, por experiência própria ou alheia, que sempre encontrará mercado fiel e disposto a pagar seja o que for ou quanto for por coisa nenhuma, por qualquer diferença indiferente, por algo tão impossível como uma moda original, na certeza quase absoluta de que irá, mediante tão obnóxio expediente, brilhar no cinzento meio da pobreza espiritual em que evolui e na qual de outra gente como ela se faz rodear.

Esquecem-se essas pessoas, ou fazem por se esquecer, de que, quem é bem sucedido, apenas foge às regras porque teve uma inspiração, uma ideia, um impulso espontâneo, legítimo e bem intencionado.

Esquecem-se de que jamais se consegue ser original - ou criativo, como agora gostam de dizer ser - apenas porque, deliberadamente, sem uma ideia própria válida e com propósitos inconfessáveis, se escolhe fugir às regras: não é essa opção forçada e tomada a qualquer preço e com indiferença perante a qualidade dos efeitos que faz alguém ser bem sucedido. Pelo menos, junto de quem seja verdadeiramente livre, independente, socialmente válido e consciente.

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Em qualquer ambiente em que se respire, de facto, liberdade e civilização, as regras existem por serem, reconhecidamente e dentro daquilo que se sabe e conhece, a forma mais eficiente, mais eficaz e mais segura de obter determinado resultado; e, económico ou não, a obtenção de qualquer resultado positivo, socialmente legítimo e saudável, resulta numa mais-valia com impacto direto no habitat de  quem o produz, e indireto na transmissão que o efeito multiplicador lhe não deixará de imprimir.

A criatividade verdadeira é inviável no quadro estrito do cumprimento das normas legais ou morais estabelecidas. O conformismo total e submisso perante o status quo jamais levou, onde quer que fosse, uma sociedade a evoluir. Mas, violar uma norma, quebrar uma regra, apenas é útil, salutar e profícuo quando o interesse do próximo é a principal razão dessa escolha: nunca quando visa, antes de mais, a exaltação do próprio, a notoriedade, o lucro fácil, o mais elementar, básico, patego e parolo exibicionismo.

Não vale a pena elaborar rebuscadas explicações políticas, científicas, mais ou menos criativas, não faz sentido nem é bonito explorar a ingenuidade, a ignorância ou a credulidade alheias, ou lançar a dúvida, a suspeita, o mistério, o suspense quanto à verdadeira razão, à causa profunda de ter sido encontrada uma maçã caída debaixo da copa de um pinheiro.

Não, não acabámos de descobrir um pinheiro que maçãs.

A maçã estava debaixo do pinheiro porque alguém para lá a atirou, ou a deixou cair. Ou, mais prosaicamente, dela lá se esqueceu.


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sábado, 20 de novembro de 2021


Na Sala de Pequenos-Almoços

 

O respeito pelas mais elementares normas de cortesia e de etiqueta é o garante último de que saberemos comportar-nos e controlar-nos, mesmo quando em tudo diferimos ou divergimos, quando estamos entre amigos ou inimigos, entre parceiros ou adversários. É que o ambiente natural não é o único que importa preservar: existe o ambiente social, que também importa saber enriquecer, cultivar


Aos Primeiros Alvores do Dia
Aos primeiros alvores, quando tudo em nós resiste à inevitável mudança da horizontal para a vertical, do escuro para a luz do Sol, do conforto do hotel para o bulício da rua, em trabalho ou em gozo de férias, a sala de pequenos-almoços é o entreposto ideal para atenuar os efeitos da dolorosa transição.

Ainda para mais, se o espaço é agradável, o buffet farto, e o serviço simpático e eficiente.

Anos atrás, estas três expetativas seriam legítimas e naturais, nenhuma menos agradável havendo a acrescentar, já que, salvo um ou outro episódio esporádico e menos edificante, para tal grande razão não se iria encontrar.

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Hotel arejado, amplo, tranquilo.

Num canto da sala, sentado pacatamente, um discreto casal nos cinquenta ou sessenta trocava frases em surdina, aqui e ali deslizando pela sala para guarnecer o prato, quase sem se fazer notar. Ambos com a roupa informal, discreta, de pequenas férias numa bonita cidade em Portugal.

O elevador chega. A porta abre-se. Expele três bocas escancaradas e palavrosas nos seus quarentas, fatos de treino num berrante azul e rosa, a gritar alarvidades em suposto português da América enquanto os pés as havaianas fazem falar.

Escolhida a mesa, chinelam para o buffet, atropelando comentários aos assuntos mais diversos que, sem dó nem piedade, impõem ao casal do canto - já que, os ouvidos, quando a gente come à mesa, não tem como tapar.

Minutos depois, o elevador. Tugas boçais, como se tirados de certos cartazes da campanha autárquica, com graça nenhuma.

No carrinho, um infante de tenra idade geme e grita a desdita, ou alguma desconhecida e lancinante dor. O mano, de três ou quatro encantadores aninhos, dá largas à birra de um capricho negado pelos progenitores.

Pais Indiferentes aos Filhos
Imunizados da choradeira, a mamã e o papá, indiferentes, olham placidamente em redor. Buscam, deleitados, a mesa com melhor vista, omitindo o mais débil esforço para suster as lágrimas dos mimados – ou ignorados – futuros doutores.

Pára o elevador. Mais gente chegou. Como aqueles dois espécimes que, há muito ido o Verão e num hotel de cidade, se lambuzam de calções de banho e havaianas copiadas das dos outros três. Bonés na cabeça com as palas para trás, como alguns humanoides pensam que é moda, que lhes fica bem, que os faz parecer sabe-se lá quem. 

Talvez se sintam importantes influencers, manipuladores ou vendedores de banha da cobra, a mitigar um pouco as frustrações que uma chuva de palavrões projeta no ar matinal de uma outrora tranquila e civilizada sala de refeições.

Outros, mais discretos, sentam-se, hesitantes, ponderando se será prudente por ali ficar ou não.

Entre eles, uma jornalista famosa, desses programas de horário nobre, quase irreconhecível nas enormes olheiras sem a maquilhagem que lhes colam à pele na televisão. Resolve ficar. Cotovelos na mesa, sorve, lânguida e ruidosa, o café com leite, debitando, a espaços, vocábulos esparsos para a farta cabeleira pelos ombros, bigode hirsuto e barba por fazer que em frente come parecendo nem ouvir.

Irremediavelmente comprometida a digestão, o casal do canto precipita o fim da refeição. Levanta-se, ajeita as cadeiras e, desta vez, prefere as escadas, para evitar a confusão.

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Respeito pelas Normas de Cortesia e Etiqueta
A sala de pequenos-almoços de um hotel português de três ou quatro estrelas é um microcosmo do Mundo em que vivemos hoje em dia. Ou, pelo menos, do Portugal que habitamos e aos vindouros vamos deixar: bisonho, fechado, enfadonho, atarantado, humanamente pobre e feio. Faz pensar nas imensas mágoas e tensões latentes na mente e no espírito daquela atarantada gente, bem como no dia em que, com estrondo, fatalmente irão estoirar.

A galopante indiferença de uns poucos perante o ambiente que, em cada lugar, a cada um dos outros é legítimo esperar encontrar, surge como uma das notas dominantes de um inovador mas inqualificável conceito que uma parte cada vez maior da população confunde com liberdade: não passa de uma elementar, básica, risível e parola demonstração de completo desrespeito pela tranquilidade alheia; pelas expetativas de quem a um lugar se dirige com determinado propósito, com todo o direito de esperar aí encontrar condições adequadas, como anteriormente sempre encontrava e a cultura (ainda) dominante sugeriria que continuasse a encontrar.

O respeito pelas mais elementares normas de cortesia e de etiqueta é o garante último de que saberemos comportar-nos e controlar-nos, mesmo quando em tudo diferimos ou divergimos, quando estamos entre amigos ou inimigos, entre parceiros ou adversários. É que o ambiente natural não é o único que importa preservar: existe o ambiente social, que também importa saber enriquecer, cultivar.

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A forma de trajar é uma das vertentes.

Nada explica e, muito menos, legitima que, em lugar de obedecer ao mais elementar preceito da boa educação que diz “em Roma, sê romano”, se opte por, onde quer que seja, impor à comunidade as regras de meia dúzia - quantas vezes, até, de um só - que queira parecer original, por pouco mais de si lá ter para mostrar. Apenas se torna incómodo, digno de pena, patético, ridículo em toda a imensidão do seu miserável comportamento, como alguém que não sabe estar nem dos outros quer saber.

Cada um tem o direito de se vestir e de agir como bem lhe aprouver; mas apenas quando está só ou com quem pense e sinta de forma idêntica: que o mesmo vá buscar onde estiver. Ninguém alguma vez  terá um direito legítimo de impor, a espetadores acidentais ou involuntários, condutas, atitudes ou trajos inadequados ao tempo, ao lugar e às demais circunstâncias; que lhes não interessem, que patentemente lhes desagradem ou os violentem nos seus hábitos, educação ou convicções.

Quem assim agir, terá sido educado como as duas criancinhas que, no hotel, a plenos pulmões berravam as suas mágoas ali mesmo ao lado de pais sem educação ou carinho para lhes dar, virados para o próprio umbigo, insensíveis à perturbação causada a quem tinha pagado para, com todo o direito, ali saborear uma tranquila e pacata primeira refeição.

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Será que esta liberdade que insulta a Liberdade considera ofensivo afixar, à entrada da sala, uma papeleta, um quadrinho, qualquer coisa que informe, em letras bem visíveis, que não é permitida a entrada, pelo menos, a hóspedes em chinelas e calções, ou especificando qualquer outra roupagem estapafúrdia que por lá seja uso encontrar?

Dá mau aspeto o papelinho à porta, dirão. Pois dá. Mas não será bem pior o desfile de manifestações variadas e inacreditáveis de falta de educação com que, de outra forma, cada vez mais nos iremos deparar? É que a forma como trajam sempre diz alguma coisa do modo como as pessoas se irão comportar.

Poderão os estabelecimentos abertos ao público continuar a ignorar os efeitos nocivos da deriva educacional de uma sociedade cada vez mais decadente? Mais do que outros, os estabelecimentos de hoteleria e de restauração, num Portugal em que a captação de turistas estrangeiros é vital para dinamizar a economia?

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As normas de conduta em publico, em sociedade, muito especialmente as que se referem à forma de trajar, nasceram do consenso; e, em quanto não violar as leis do Estado, a sua inobservância ou alteração apenas deve ser permitida ou promovida junto de quem a tal estiver recetivo, e vivida em núcleos que, também consensualmente, comportamentos menos consensuais escolham adotar.

Tudo quanto vá fora disso, não passa de agressão egoísta, oportunista e gratuita de terceiros, visando a subversão de modos de vida estabilizados cuja manutenção é essencial à Humanidade, à paz que viabiliza o progresso moral e espiritual que permite contemplar, pensar, sonhar, criar.

Enquanto continuarmos a digladiar-nos para sobressair ao nível comezinho do usufruto imediato e dos comportamentos a ele inerentes, não sobrará espaço nem tempo para investir, ainda que levemente, no crescimento e aprimoramento intelectuais ou espirituais. Os únicos desenvolvimentos que sairão de um combate deste tipo serão os habituais arranhões e equimoses, muitas vezes até corporais.

Se cada um se abstiver, antes, de impor ao outro aquilo de que gosta mas ele não, e cuidar de fazer pelo outro aquilo de que não gosta mas ele sim, as relações interpessoais serão muito diferentes e o Mundo será, para todos, um lugar muito mais agradável para se estar, para dar e para usufruir.

Assim, é que não...

* *

Esta coisa da falta de maneiras é, a par de outras por vezes bem mais sérias, uma das características mais irritantes de entre as que parecem omnipresentes, como se fizessem parte de boa parte da população.

(leia aqui a sequência)