“O respeito pelas mais elementares normas de cortesia e de etiqueta é o garante último de que saberemos comportar-nos e controlar-nos, mesmo quando em tudo diferimos ou divergimos, quando estamos entre amigos ou inimigos, entre parceiros ou adversários. É que o ambiente natural não é o único que importa preservar: existe o ambiente social, que também importa saber enriquecer, cultivar”
Ainda para mais, se o espaço é agradável, o buffet farto, e o serviço
simpático e eficiente.
Anos atrás, estas três expetativas seriam legítimas e naturais, nenhuma menos
agradável havendo a acrescentar, já que, salvo um ou outro episódio esporádico
e menos edificante, para tal grande razão não se iria encontrar.
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Hotel arejado, amplo, tranquilo.
Num canto da sala, sentado pacatamente, um discreto casal nos cinquenta ou sessenta trocava frases em surdina, aqui e ali deslizando pela sala para guarnecer o prato, quase sem se fazer notar. Ambos com a roupa informal, discreta, de pequenas férias numa bonita cidade em Portugal.
O elevador chega. A porta abre-se. Expele três bocas escancaradas e palavrosas nos seus quarentas, fatos de treino num berrante azul e rosa, a gritar alarvidades em suposto português da América enquanto os pés as havaianas fazem falar.
Escolhida a mesa, chinelam para o buffet, atropelando comentários aos assuntos mais diversos que, sem dó nem piedade, impõem ao casal do canto - já que, os ouvidos, quando a gente come à mesa, não tem como tapar.
Minutos depois, o elevador. Tugas boçais, como se tirados de certos cartazes da campanha autárquica, com graça nenhuma.
No carrinho, um infante de tenra idade geme e grita a desdita, ou alguma desconhecida e lancinante dor. O mano, de três ou quatro encantadores aninhos, dá largas à birra de um capricho negado pelos progenitores.
Pára o elevador. Mais gente chegou. Como aqueles dois espécimes que, há muito ido o Verão e num hotel de cidade, se lambuzam de calções de banho e havaianas copiadas das dos outros três. Bonés na cabeça com as palas para trás, como alguns humanoides pensam que é moda, que lhes fica bem, que os faz parecer sabe-se lá quem.
Talvez se sintam importantes influencers, manipuladores ou vendedores de banha da cobra, a mitigar um pouco as frustrações que uma chuva de palavrões projeta no ar matinal de uma outrora tranquila e civilizada sala de refeições.
Outros, mais discretos, sentam-se, hesitantes, ponderando se será prudente por ali ficar ou não.
Entre eles, uma jornalista famosa, desses programas de horário nobre, quase irreconhecível nas enormes olheiras sem a maquilhagem que lhes colam à pele na televisão. Resolve ficar. Cotovelos na mesa, sorve, lânguida e ruidosa, o café com leite, debitando, a espaços, vocábulos esparsos para a farta cabeleira pelos ombros, bigode hirsuto e barba por fazer que em frente come parecendo nem ouvir.
Irremediavelmente comprometida a digestão, o casal do canto precipita o fim da refeição. Levanta-se, ajeita as cadeiras e, desta vez, prefere as escadas, para evitar a confusão.
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A galopante indiferença de uns poucos perante o ambiente que, em cada lugar, a cada um dos outros é legítimo esperar encontrar, surge como uma das notas dominantes de um inovador mas inqualificável conceito que uma parte cada vez maior da população confunde com liberdade: não passa de uma elementar, básica, risível e parola demonstração de completo desrespeito pela tranquilidade alheia; pelas expetativas de quem a um lugar se dirige com determinado propósito, com todo o direito de esperar aí encontrar condições adequadas, como anteriormente sempre encontrava e a cultura (ainda) dominante sugeriria que continuasse a encontrar.
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A forma de trajar é uma das vertentes.
Nada explica e, muito menos, legitima que, em lugar de obedecer ao mais elementar preceito da boa educação que diz “em Roma, sê romano”, se opte por, onde quer que seja, impor à comunidade as regras de meia dúzia - quantas vezes, até, de um só - que queira parecer original, por pouco mais de si lá ter para mostrar. Apenas se torna incómodo, digno de pena, patético, ridículo em toda a imensidão do seu miserável comportamento, como alguém que não sabe estar nem dos outros quer saber.
Cada um tem o direito de se vestir e de agir como bem lhe aprouver; mas apenas
quando está só ou com quem pense e sinta de forma idêntica: que o mesmo vá
buscar onde estiver. Ninguém alguma vez terá um direito legítimo de
impor, a espetadores acidentais ou involuntários, condutas, atitudes ou trajos
inadequados ao tempo, ao lugar e às demais circunstâncias; que lhes não
interessem, que patentemente lhes desagradem ou os violentem nos seus hábitos,
educação ou convicções.
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Será que esta liberdade que insulta a Liberdade considera ofensivo afixar, à
entrada da sala, uma papeleta, um quadrinho, qualquer coisa que informe, em
letras bem visíveis, que não é permitida a entrada, pelo menos, a hóspedes em
chinelas e calções, ou especificando qualquer outra roupagem estapafúrdia que
por lá seja uso encontrar?
Dá mau aspeto o papelinho à porta, dirão. Pois dá. Mas não será bem pior o desfile de manifestações variadas e inacreditáveis de falta de educação com que, de outra forma, cada vez mais nos iremos deparar? É que a forma como trajam sempre diz alguma coisa do modo como as pessoas se irão comportar.
Poderão os estabelecimentos abertos ao público continuar a ignorar os efeitos nocivos da deriva educacional de uma sociedade cada vez mais decadente? Mais do que outros, os estabelecimentos de hoteleria e de restauração, num Portugal em que a captação de turistas estrangeiros é vital para dinamizar a economia?
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As normas de conduta em publico, em sociedade, muito especialmente as que se referem à forma de trajar, nasceram do consenso; e, em quanto não violar as leis do Estado, a sua inobservância ou alteração apenas deve ser permitida ou promovida junto de quem a tal estiver recetivo, e vivida em núcleos que, também consensualmente, comportamentos menos consensuais escolham adotar.
Tudo quanto vá fora disso, não passa de agressão egoísta, oportunista e gratuita de terceiros, visando a subversão de modos de vida estabilizados cuja manutenção é essencial à Humanidade, à paz que viabiliza o progresso moral e espiritual que permite contemplar, pensar, sonhar, criar.
Se cada um se abstiver, antes, de impor ao outro aquilo de que gosta mas ele não, e cuidar de fazer pelo outro aquilo de que não gosta mas ele sim, as relações interpessoais serão muito diferentes e o Mundo será, para todos, um lugar muito mais agradável para se estar, para dar e para usufruir.
Assim, é que não...
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Esta coisa da falta de maneiras é, a par de outras por vezes bem mais sérias, uma das características mais irritantes de entre as que parecem omnipresentes, como se fizessem parte de boa parte da população.
Bela crónica! Já frequentei, algumas vezes, talvez não tantas quanto gostaria, salas-de-pequenos-almoços em hoteís nacionais e estrangeiros. Penso que consegui enquadrar-me algures entre o primeiro casal e a jornalista famosa, porém, nunca de havainas. Há algo de incompatível entre os meus dedos dos pés e aquela tira que se mete, e intromete, entre o dedo grande e o seu companheiro mais próximo.
ResponderEliminarVou levar para o post de hoje o link deste seu belo escrito.
Saio daqui com um largo sorriso. Obrigada por isso! :)
Muito grato fico eu pela sua simpatia; e, uma vez mais, feliz por a ter feito sorrir.
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