segunda-feira, 30 de maio de 2022


Vila Viçosa

Vila Viçosa - Vila Ducal
Vila Viçosa Hoje

As imagens não deixam dúvida: Vila Viçosa está muito mais arborizada hoje do que nos tempos idos em que a fotografia do postal foi obtida.

Quanto ao mais, quem a visitar encontrará uma vila que, sem prejuízo de uma equilibrada evolução, soube conservar a traça e o ritmo que se esperaria encontrar numa terra de tão grandes tradições, impossível de separar de trechos inesquecíveis da História de Portugal.

Existe, todavia, uma espécie de crendice primária de que enfermam os espíritos de certos autarcas que os leva a procurar compensar eventuais défices de competência técnica e política com tiradas tonitroantes para consumo da comunicação social, levando-os a nem se aperceber, não apenas do porventura irreversível erro de julgamento que a elas subjaz, como da figura triste que acabam por fazer perante quem sobre estes assuntos quiser pensar, a par da indiferença daqueles a quem já parece que nada, além do vício das redes sociais, poderá interessar.

Vai daí, que Vila Viçosa anunciou, recentemente, a intenção de propor à Assembleia da República a sua elevação a cidade *), a fim de garantir "mais valias, quer ao nível do acesso a determinados fundos comunitários locais ou regionais, como ao nível de fundos diretamente em Bruxelas". Nas palavras do recém-eleito Presidente da Câmara, "o ser elevado a cidade é um reconhecimento que da Assembleia da República, que reconhece a evolução de Vila Viçosa, reconhece a sua importante e relevante história, o seu enorme património, e acha que é uma terra com grande relevo para o país. É no fundo, reconhecer a nossa identidade como uma terra que cresceu, que evoluiu, que tem história e que tem relevância".

Entende, assim, o ilustre entrevistado ser necessária a elevação de Vila Viçosa a cidade para que a Assembleia da República reconheça o seu importante passado - o que não passa de um rematado disparate -; e para que lhe reconheça a grande relevância presente, quiçá esquecendo-se ou procurando fazer esquecer que tal relevância terá sido conquistada em sucessivas presidências de câmara do Partido Socialista e do Partido Comunista Português (PCP), já que, consultados os dados oficiais, o Partido Social Democrata a que o atual primeiro autarca pertence não elegia um presidente desde os idos de 1993.

Eis-nos, pois, perante um flagrante caso de aproveitamento político daquilo que, durante décadas, os adversários derrotados vieram fazendo muito antes de nós.

Além do mais, não será despiciendo perguntarmo-nos até que ponto será necessária a elevação a cidade para que uma terra progrida, tendo em conta os casos, entre outras, das vilas de Cascais e de Oeiras, caracterizadas pela teimosia em permanecer vilas sem que tal haja, aparentemente, beliscado, mesmo ao de leve, a sua fulgurante expansão e projeção internacional nas áreas que lhes são de interesse.

Não terá, então, a evolução de uma vila muito mais a ver com a competência e dedicação dos seus autarcas do que com os títulos, com os estatutos a que procura ascender? Sobretudo quando a proposta do PCP de realização de um referendo municipal sobre o assunto foi preterida pela da maioria que impõe que a candidatura a cidade avance, quer a população queira, quer não.

Vamos, assim, ter a Cidade de Vila Viçosa, uma gota de água quando comparada com as cidades de Nova Iorque, de São Paulo, de Tóquio, de Paris e, mesmo, do Porto ou de Lisboa, num país que, de tão ridiculamente pequenino que é - mais nas mentalidades do que no território - até tem cidades com menos de 2000 habitantes, graças à demagogia de certos governos e à necessidade de rapar o tacho dos votos até gastar o teflon.

Auri sacra fames, o que importa é a captação de fundos*) para mais umas rotundas, uns parques infantis, enfim, para aquilo a que as mentes pequeninas chamam desenvolver o que resta das vilas históricas portuguesas, esquecendo-se - ou nem notando... - que, muitas vezes, desenvolver é sinónimo de estragar.

quinta-feira, 26 de maio de 2022


Rex Stout


"Sempre que possível, é mais sensato confiar na inércia. É a maior força do Mundo"


"It is always wiser, where there is a choice, to trust to inertia. It is the greatest force in the world"

Rex Stout *)
in "Fer-de-Lance"


Trata-se, é verdade, de um pensamento atribuído a uma personagem tão pouco ativa como Nero Wolfe *).

Existe, todavia, uma tendência para nos esquecermos de que, no que à Física diz respeito, inércia é a incapacidade de qualquer corpo alterar, por si só, o seu estado de repouso ou movimento. Não apenas de repouso, portanto.

De outra forma dito, inércia é, ora o fluir tranquilo de uma situação ou de um processo - como a vida, a nacionalidade, a sociedade, a profissão -, ora a pausa indispensável a qualquer atividade. Quer as situações, quer os processos, tendem a evoluir ao seu ritmo natural, sem sobressaltos, em paz, o que não deve, nem pode, ser confundido com estagnação, marasmo. Nem umas, nem outros, se interrompem ou suspendem por si sós: apenas por um impacto exercido sobre eles, um ato de vontade, uma ação exógena, um grão de areia na engrenagem, até.

Esta tendência de crescimento pacífico e natural, quase inerte, apropriado à capacidade de aceleração saudável do ser humano, em todas as vertentes, não se quebra, pois, por si só, mas apenas por algo que venha desestabilizar as pacíficas águas sobre as quais desliza a vida, quantas vezes desnecessária e inutilmente agitadas por nada mais do que a ânsia de conquistar eleitorado, de gerar avultados resultados económicos ou de conseguir narcísico protagonismo.

Assim nascem, por esse Mundo fora, guerras de diversa ordem e de âmbito mais ou menos restrito, desde invasões de estados por outros a meras questiúnculas restritas do quadro empresarial ou familiar.

A vontade de quebrar a inércia em prol dos outros, seja da Humanidade, seja do núcleo restrito que nos rodeia, será sempre de saudar dentro dos limites de uma razoável moderação e de respeito pelo próximo, do que lhe pertence, da maior ou menor capacidade de cada um para acompanhar o nosso entusiasmo.

No entanto, tal como é absolutamente inaceitável a invasão arbitrária de uma nação por outra, também será sempre de condenar a invasão arbitrária e egoísta de um espírito em paz por outro que dele, de alguma forma, pretende aproveitar-se.

Pensemos em política, em publicidade, em qualquer forma de exibicionismo.

Pensemos no que quer que seja suscetível de nos proporcionar protagonismo desejável apenas por nós; e tenhamos a moderação e a temperança essenciais à manutenção dos equilíbrios sem os quais jamais chegaremos, onde quer que seja, de forma sustentada e duradoura, apenas semeando em volta a morte, a dor, a ansiedade, a destruição.

Na Ucrânia, como bem junto a qualquer de nós.

* *

Por falar em inércia, no meio desta confusão toda gerada pela invasão, de todas as acusações ou insinuações de responsabilidade que lhe são feitas, onde pára, agora, Angela Merkel, a chanceler alemã que terá aberto a, Vladimir Putin, as portas da Ucrãnia, ou de qualquer estado da antiga União Soviética que resolvesse invadir?

[continua aqui]


domingo, 22 de maio de 2022


Signos do Zodíaco: Embuste ou Enigma?


"Não será a influência dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o seu Futuro, mas, quando muito,
a influência cósmica sobre a Natureza ou sobre terceiros que, por sua vez, irão determinar aspetos importantes
do que mais proximamente lhe irá acontecer
"

"Sejam quais forem os objetivos servidos pela Criação, até que ponto fará algum sentido que a Humanidade seja gerida por signos,
em duodécimos?
"

"Que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?"

1. Anátema
2. O Joio e o Trigo
3. A Importância dos Astros sobre a Vida
4. Os Outros e Eu
5. Da Viabilidade Estatística
6. A Mão de Deus?
7. Conclusão

1. Anátema

O espetro de pandemias, guerras e outras calamidades paira, permanentemente, sobre nós. No entanto, impotentes que somos para contra elas eficazmente nos precavermos, preferimos, em tempos de relativa paz - e talvez, sabiamente... -, olhar para o lado e continuar a deambular, tranquilamente por aí, optando por nos preocuparmos apenas quando as coisas acontecem e já pouco ou nada podemos fazer para minimizar o inevitável impacto negativo sobre as nossas vidas e sobre as daqueles com quem interagimos.

A previsão de tão infaustas ocorrências não constitui, porém, o propósito principal das visitas com que alguns insistem em continuar a honrar videntes, astrólogos, quiromantes e outros que, como eles, se dizem adivinhadores do Futuro - acreditem eles próprios nisso ou não.

Lá bem no fundo de quem a tais consultas recorre existe uma mais ou menos secreta esperança de voltar com boas notícias, acerca da família, dos amigos, dos colegas, mas, sobretudo, sobre si próprio: se vai morrer já ou não, como vai, até lá, andar de saúde, e se vai pingar ou não o rico dinheirinho que tanta falta lhe faz. Existe, ainda, a crença de quem entende que, por conhecer, de antemão, os infortúnios que lhe irão cair em cima, melhor se poderá preparar para os suportar.

Este hábito, bem típico e sintomático da insegurança endémica que grassa pelo território português, de ir à bruxa, de recorrer a adivinhos como forma de reduzir a ansiedade gerada pelo medo do desconhecido que aí vem ou está, movimenta, na economia paralela, verdadeiras fortunas despendidas no pagamento de serviços que, na maior parte dos casos, para nada servem. As mais das vezes consistem, de facto, em meros e fantasiosos palpites ou intuições de profetas, de feiticeiros e de outros iluminados, palpites esses sem qualquer substrato lógico ou suporte científico, devendo-se a eficácia média das ditas previsões a uma astuta e, de alguma forma, experiente interpretação da comunicação não-verbal e da história de vida posta a nu pelos consulentes, cuja conversa é, magistralmente, manipulada para o assegurar.

Comunicação não-verbal e história de vida constituem, de facto, excelentes bases para a formulação de hipóteses de evolução do destino a curto prazo, o único em que, afinal, importa acertar, tendo em conta que, no médio e no longo, já a lembrança do que foi dito pelo adivinho há muito estará esquecido - ou que, pelo menos, das palavras exatas já o cliente, entretanto, se esqueceu.

Seja como for, na visão fortemente subjetiva do incauto, o adivinho raramente falha, ainda que os factos futuros contradigam a previsão. É que, sendo o bruxo a última esperança dos desesperados, a simples ideia do falhanço corresponde à extinção da última centelha de algo que os faça continuar a acreditar, a viver.

Destas artes mais ou menos trapaceiras, mais ou menos folclóricas, escarnece, compreensivelmente, quem se acha mais esclarecido. Escarnece ou ignora, despreza, banindo-as sumariamente do discurso e da cogitação. Sujeita-se, assim, a que, por um lado, os que insistem na possibilidade de prever o futuro lhe apontem o mesmo vício de falta de fundamentação que inquina a mera adivinhação oportunista; por outro, a que, liminar e impensadamente, esteja a abdicar do que de válido que nestas coisas ditas esotéricas possa existir.

A verdade é que, seja por nada de verdadeiramente substancial a crescente panóplia de áreas e de técnicas de adivinhação em si ter, seja pela impossibilidade de, verdadeiramente, se conhecer algo que, desgarrado da ciência, nenhuma teoria objetiva e validada alguma vez poderá produzir, a crendice de uns grassa incólume a par da ganância de outros cujas fortunas continuam a engordar.

Vivemos, entretanto, à sombra do implacável e cego anátema sobre o tema lançando por uma sociedade que se tem por esclarecida e evoluída, mas que, paradoxalmente, continua alérgica a qualquer afloramento de discussão séria sobre uma matéria que considera indigna de ser levada em conta por gente que se tem por sábia, sensata, educada; e, sobretudo, politicamente correta.


2. O Joio e o Trigo*)

A despeito das considerações que antecedem, nada nos impede de, com a objetividade possível, aqui refletir um pouco sobre o tema.

Comecemos, para tal, por separar o que não passa, claramente, de mera fantasia, daquilo que poderá, apesar de tudo, relacionar-se com factores naturais suscetíveis de, em maior ou menor grau, influenciar os indivíduos num Futuro relativamente próximo. Isto, admitindo que, se  sobre os seus comportamentos operarem de forma regular e consistente tais factores, a observação e subsequente análise dos comportamentos por eles influenciados poderão permitir, com um certo grau de confiança, alguma coisa prever.

Ao primeiro conjunto - o da mera crendice, da mera fantasia - pertencem, necessariamente, coisas tão aleatórias e ocas como a predição de acontecimentos com base na disposição de folhas de chá ou de borras de café coladas à chávena, no estado de entranhas de animais mortos para o efeito, ou, ainda, a técnicas mais elaboradas, como o recurso à cartomancia, ou mais folclóricas, como a utilização de uma bola de cristal.

Tão fiáveis e exatos como o são os vaticínios para ganhar a lotaria, todos estes processos não passam, evidentemente, da montra utilizada pelo dito vidente, que para elas distrai a atenção dos incautos que o procuram, enquanto aproveita a conversa para os avaliar segundo o que de si e dos outros vão contando e o modo como o fazem, assim fornecendo dados preciosos a uma previsão para a qual, como já se disse, são essenciais a história do cliente e a leitura da componente não-verbal da comunicação.

Não é fácil errar quando se diz, a quem é pobre, que em breve acabará por receber algum dinheiro sem referir quanto, ou uma fortuna, sem referir quando; ou que - se a conversa o indiciar... -, mesmo continuando pobre, será feliz porque as suas escassas poupanças saberá administrar. Ou, a quem tem filhos, que eles lhe irão dar alegrias e problemas; ou que irá ter alguma doença quem todos os dias respira este infetado ar. Ou que a alguém lançou mau olhado uma vizinha com a qual jamais se conseguiu relacionar.

Como estes, cada vez mais meios de absolutamente enganosa adivinhação existem, já que a criatividade de embusteiros e oportunistas que enriquecem à custa da ignorância e da credulidade alheias não pára de inventar.

Poderia, é verdade, no limite do absurdo estudar-se e medir-se relações de causa-efeito com base em informação estatística. Afigura-se, no entanto, que a recolha da amostra sempre resultaria do processamento de dados fornecidos por inquiridos tão incapazes de os facultar com um mínimo de objetividade como o é, seguramente, quem em tais patetices insiste em acreditar.

Já no segundo conjunto, o que aqui interessa, serão de incluir processos que, sem prejuízo de dificilmente serem suscetíveis de fornecer um retorno válido quanto à confirmação, ou não, dos prognósticos do adivinho, acabam por se apresentar como menos aleatórios, uma vez que partem da observação de factos concretos relacionados, quer com sinais do corpo humano, quer com fenómenos naturais confirmados por evidência científica.

Tal é o caso, quanto aos primeiros, da quiromancia e, quanto aos segundos, da astrologia: a primeira, baseada no indesmentível facto de, por razões que inteiramente desconhecemos, termos linhas na palma da mão; a segunda, pela cientificamente comprovada existência também dos fenómenos astronómicos a cuja observação a astrologia se tem vindo a dedicar.



3. A Importância dos Astros sobre a Vida

Tendência para nos desculparmos
Não obstante a proverbial tendência para nos desculparmos, sacudindo para a envolvente natural e humana as causas dos erros que cometemos e a responsabilidade pelo mal que nos acontece, há que reconhecer que, nem a Natureza, nem os outros humanos são, na maior parte dos casos, os principais culpados do nosso por vezes lastimável e danoso desempenho.

Muito mais do que uma ou os outros, somos nós mesmos, esta nossa personalidade edificada sobre inúmeros pilares de entre os quais se destacam a genética e a educação, quem origina, quem provoca os acontecimentos que protagonizamos ou em que participamos e, inevitavelmente, as inerentes consequências. Somos, pois, os causadores da maior parte do mal ou do bem que nos acontece, também o sendo os outros no respeito que lhes diz.

Assim sendo - ou seja, se, não descurando a vital importância dos impactos naturais, a nossa vida é, maioritariamente, influenciada pelo desempenho de outros animais, humanos ou não -, como poderá alguém não considerar a simples possibilidade de prever comportamentos alheios algo de sumamente atraente, interessante, relevante? Importante, até?

Prever, sim, mas apenas se for possível fazê-lo com fundamentos sólidos, preferencialmente científicos.

Sem com isto se pretender, naturalmente, significar que a Ciência permite predizer com exatidão seja o que for, almeje-se, pelo menos, uma antevisão com a probabilidade possível, sempre preferível ao pouco sério recurso à leitura das folhas de chá e a outras tontices que, a velocidades astronómicas, se vão disseminando aqui e ali.

Como vimos, quer a quiromancia, quer a astrologia, se apresentam como suscetíveis de tratamento estatístico, mediante a observação da ocorrência de factos relativamente aos quais poderá existir correlação válida com aspetos da personalidade; e, por via dela, do comportamento de cada ser humano enquanto influenciador do bem-estar ou do mal-estar de um mais ou menos significativo conjunto de terceiros.

A tal correlação existir, estaríamos, na verdade, perante uma provável ação direta - mas não fatal ou de efeitos inevitáveis - da movimentação e consequente disposição dos corpos celestes sobre o comportamento dos humanos; o que, à partida, não se mostra estranho ou, muito menos, choca, se nos lembrarmos da relação bem real entre as fases da Lua e as marés, ou da forma como as estações do ano operam, por exemplo, no desenvolvimento das plantas e na vida sexual das espécies animais.

Duvidar destas relações conhecidas entre os astros e o vai-vem dos mares ou o quotidiano das espécies seria negar o conhecimento obtido de dados empíricos conhecidos desde tempos imemoriais, e de informação entretanto validada deles extraída.

De outra forma dito, negar o papel, firmemente estabelecido, que os astros desempenham sobre alguns aspetos da vida terrena seria lançar no caos toda a teoria científica. 

Por outro lado, admitir esse papel, reconhecê-lo, para alguns aspetos da vida, impede-nos de, objetiva e fundamentadamente, simplesmente o negar cegamente no que se refere a outros.

Resta, pois, dizer que, embora não disponhamos de informação credível que permita confirmar tal hipótese, a possibilidade e, até, a probabilidade de os astros influenciarem múltiplos aspetos do comportamento humano é bem real e, como tal, não deve ser descurada, menosprezada e, muito menos, desprezada, como alguns tendem a fazer.


4. Os Outros e Eu

Desta nebulosa de dúvida, uma quase certeza emerge, porém: a de que, a existir influência cósmica sobre alguma vertente do Futuro, apenas se afigura possível que ela incida, seja, diretamente, sobre o comportamento dos indivíduos, seja sobre eventos da Natureza determinantes do mesmo, como acontece, no primeiro caso, com as ações e reações de outros animais e, no segundo, com as estações do ano. O que, por absoluta inexistência de substrato lógico ou científico, não pode, de modo algum, se tido por credível, é que, arrimando-se no que quer que seja ou se esforce por inventar, alguém venha, algum dia, a prever os números que irão sair no loto do clube da aldeia, no Euromilhões ou na lotaria das variáveis que, sob tantos aspetos, influenciam a vida de cada um de nós.

Continuará, não obstante, ao alcance do vidente prever, com razoável probabilidade, que alguém irá receber uma herança, desde que, na conversa com o cliente, se inteire da existência de um abastado, idoso e doente ascendente, e a integre, depois, numa combinação astral ou imaginariamente maléfica para a saúde do dito infeliz.

Estaremos, no entanto, neste caso em presença, não de uma previsão específica de que se irão encher de ouro os bolsos do descendente, mas de uma previsão de que a vida do autor da herança em breve irá terminar, assim não se relacionando o recebimento da herança com uma previsão diretamente feita ao Futuro do cliente do adivinho - vinda do nada ou de inspiração cósmica ou divina -, mas feita à provável evolução do estado do enfermo, que qualquer um de bom senso poderia fazer.

Se determinada combinação astral for propícia termos hoje um dia chuvoso e tristonho, mais provável se torna que tomemos decisões menos empenhadas, menos lúcidas, logo, menos eficazes, e que, como consequência delas, a nossa vida se complique. Num dia tépido e ensolarado, pelo contrário, tudo parece bem menos complicado, e a vida corre melhor. Mas, isto nada tem a ver com combinações astrais, antes com o privilégio de poder contar com um dia de Sol.

Da mesma forma, se outra combinação astral favorecer a vida e a disposição da pessoa a quem mais dedicamos a nossa atenção e carinho, bastará ao adivinho conhecer o respetivo signo para nos dar a boa nova de que seremos "felizes no amor": não porque o nosso signo o diga, mas pelo que, relativamente a outros aspetos da vida, disser o signo da pessoa amada - caso isto dos signos nos afete de alguma maneira.

O que dizer, então, do que nos espera sempre que, supostamente, os astros não forem propícios à disposição de um funcionário de cujo poder discricionário depende a emissão de licença ou autorização do Estado para qualquer ação que queiramos empreender ou obra que pretendamos realizar? Ou de um juiz que os nossos atos ou interesses irá julgar?

Todas estas e outras decisões se fundamentam, idealmente, na estrita aplicação do direito; mas, sendo materialmente impossível que a lei preveja todas as combinações e variantes possíveis para idênticas situações, sempre haverá o decisor de recorrer à hermenêutica e, segundo o seu melhor critério - inevitavelmente influenciável pela disposição no momento... -, colmatar lacunas e os preceitos interpretar.

Eis, pois, a mais importante distinção a reter: não será a influência direta dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o próprio Futuro, mas, quando muito, a influência cósmica sobre a Natureza e sobre a vida dos terceiros que, por sua vez, irão operar em aspetos importantes do que mais proximamente lhe irá acontecer.

5. Da Viabilidade Estatística

Pelo menos dois obstáculos de monta se opõem a um tratamento estatístico minimamente fiável da astrologia: por um lado a impossibilidade prática de classificar, de forma significativa e abrangente, todas as vertentes da vivência humana; por outro, o facto de não haver como, objetivamente, validar os dados recolhidos e a informação colhida do respetivo processamento.

A qualidade desta validação não passaria do nível básico atribuível à de artigos científicos que por aí andam acerca da personalidade de cada um, baseando-se em traços fisionómicos, estruturas corporais ou aspetos comportamentais. Buscam os estudos que redundam em tais artigos extrair conclusões supostamente firmes de respostas naturalmente subjetivas fornecidas por familiares, amigos e conhecidos do objeto do inquérito; e, em certos casos, até de respostas dadas pelo próprio. Pergunta-se a alguém que tem o nariz com este ou aquele formato "Considera-se uma pessoa honesta?", ele responde "Sim" - todos responderão "Sim"... -, e conclui-se que quem tem um nariz de assim ou assado é honesto; e, como ninguém irá admitir que não é honesto, o mesmo acontecendo, necessariamente, com quem tiver qualquer outro tipo de nariz.

No campo da astrologia, as questões seriam, talvez, do género "Nestes últimos dias, tem tido sorte aos amores?" e, se a maioria dos nascidos sob o signo do Carneiro responder "Não", concluir-se-á que, estando a Lua e Vénus em conjugação com isto ou daquilo, os ditos indivíduos terão propensão para ser infelizes no amor... fazendo tábua rasa de coisas tão simples como factos de natureza política, social, ou económica que poderão estar a afetar toda a gente, independentemente do signo em que tiver nascido. Já para não falar, obviamente, dos diferentes e eminentemente subjetivos graus de exigência quanto à felicidade de cada um, da própria noção de felicidade e de um não mais acabar de subjetividades que inviabilizariam qualquer validação científica, por muito rigorosa que a seleção de inquéritos pudesse ser.

A despeito de alguma correlação efetiva que, de facto, possa existir entre os astros e algum aspeto da nossa vida, o facto de ela jamais poder vir a ser conhecida com uma, ainda que mínima, base científica desaconselha que continuemos a falar de astrologia assentes, unicamente, na intuição ou na observação de amostras ínfimas extraídas meramente do conhecimento direto e da experiência de vida de adivinhos de agora ou de tempos há muito idos.

Neste contexto de validação impossível, que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?


6. A Mão de Deus?

Independentemente da possibilidade ou impossibilidade de validação, o exercício da influência dos astros, direta ou indiretamente, sobre os humanos suscitará, inevitavelmente, questões quanto à forma como a Razão Criadora de tudo e de todos, gere o Universo. Isto, claro está, partindo do princípio de que esse Criador ainda existe; e de que, a existir, continua a interferir na evolução da Sua obra, designadamente nos destinos da Humanidade.

De facto, sejam quais forem os objetivos na génese do Mundo - seja ele o que for... -, até que ponto fará algum sentido que seja a nossa vida gerida ou influenciada por signos, em duodécimos, em doze fatias de dimensão presumivelmente idêntica, correspondentes aos nascidos em cada um dos signos do Zodíaco? Ou não passarão os signos de uma fantasia e, no que diz respeito ao que possa ser determinado pelo Cosmos, haverá outras formas de classificar mais consentâneas com a realidade?

Certo é que, enquanto a quiromancia, por exemplo, se foca, inteiramente, no caso específico do indivíduo que detém esta ou aquela combinação - única - de linhas nas palmas das mãos, enquanto a fisiognomonia se centra no conjunto - único - de traços fisionómicos de um indivíduo -, a astrologia parte do pressuposto do exercício da ação benéfica ou maléfica de corpos celestes sobre conjuntos imensos de pessoas formados por um duodécimo da Humanidade, se não determinando o respetivo destino em lotes, pelo menos assim o tornando mais provável em detrimento da individualidade, da originalidade e, consequentemente, da riqueza da evolução das espécies.

A esta afirmação opõem-se os que dizem que a revelação do desconhecido relativo a determinado indivíduo apenas é possível mediante recurso a um mapa astral, o que gera, para o respetivo autor, chorudos proventos e um acréscimo de credibilidade para aquilo que afirma, já que, além da proverbial ingenuidade cultivada na crendice popular, os mais simples tendem a acreditar e a confiar em tudo aquilo que vê como complicado e, sobretudo... caro, que só alguns podem pagar.

Como pode, porém, dar-se alguma credibilidade a mapas astrais baseados, simplesmente, no posicionamento relativo de uma ínfima quantidade de corpos celestes no momento do nascimento de um indivíduo, ignorando, completamente, variáveis tão importantes como a genética, a geografia e a inserção social?

Sempre poderá, é verdade, argumentar-se que, tal como cada um de nós foi plantado em diferentes circunstâncias de tempo, de meio e de lugar - cabendo-lhe, independentemente delas e em benefício dos semelhantes, desenvolver as próprias qualidades e combater os inevitáveis defeitos -, também o facto de a data do nascimento se situar neste ou naquele signo implicará uma disparidade dos desafios que, por influência astral, cada qual terá de enfrentar.

No entanto, a assim ser, a questão essencial do propósito da Criação apenas se tornará mais confusa, tudo se complicando à medida que novos parâmetros e critérios cientistas e adivinhos forem sendo capazes de imaginar; e, seja qual for o vaticínio resultante da aplicação dessa complicada teia de influências, sempre a individualidade acabará prejudicada, uma vez que, por pequenas que se tornem as fatias da população abrangida, sempre haverá mais do que uma nascida à mesma hora, do mesmo dia do mesmo ano, e no mesmo lugar.

7. Conclusão

Ao contemplar a imensidão do Cosmos face à ridícula pequenez do planeta que habitamos, não poderemos deixar de nos questionar até que ponto será legítimo e aceitável enunciar a mera hipótese de tudo aquilo nada mais servir do que o exercício de manipulação ou, pelo menos, de influência por parte de quem tudo possa ter criado, por qualquer razão que nos não é dado descortinar.

Assim não sendo, como explicar a existência de um Espaço virtualmente infinito onde, além da que encontramos na Terra, de nenhuma outra vida inteligente sabermos ainda, a não ser as que povoam o nosso imaginário e algumas obras de ficção?

Como poderemos conhecer a razão de ser do Universo, se desconhecemos até a da nossa Criação?

Validar cientificamente uma teoria astrológica, ou similar poderia ser um importante contributo para uma melhor compreensão da vida e da função que nela se espera que desempenhemos. Parecem, no entanto, inultrapassáveis até os mais próximos e elementares obstáculos a tal validação.

Resta assim, aos mais crédulos, na sua desenfreada busca da felicidade que não sabem o que é continuar a ir à bruxa, e a esbanjar rios de dinheiro a procurar debelar a angústia e os mais ou menos dramáticos estados de aflição...

(continua aqui)

sexta-feira, 13 de maio de 2022


Lisboa a Quarenta à Hora


"O que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar"

"Nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece,
quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação?
"

"Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda,
demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!",
ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar
"


Aliada aos maus tratos verbais recebidos - quer das bancadas das diversas assembleias ditas democráticas, quer de uma imprensa ávida de palavras fortes que vendam publicidade, quer, também, da ululante mole que, em manifestações sediças e rançosas a que já ninguém liga, faz coro com os dichotes cacafónicos expelidos por ferrugentos megafones -, a cada vez menos prestigiante imagem que, por muito boas razões, a generalidade da população tem da política e dos seus mais destacados agentes tem, como efeito imediato e indissociável, o progressivo desinteresse dessas andanças por parte de quem lhes poderia, ainda, emprestar uma réstia de credibilidade, de eficácia e de desinteressada dedicação.

O défice de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana que encontramos nas hordas de filisteus que, cada vez mais, vão ocupando cargos eletivos nas diversas instâncias decisórias dos destinos da Nação amiúde os leva, por sua vez, a acreditar que, se os eleitores não agem da forma cívica como, ingénua ou desesperadamente, os políticos pensam que todos os cidadãos gostariam de se comportar, tal se deve à endémica falta de condições recorrentemente apontada como desculpa já mais do que esfarrapada para quando as coisas correm mal; ou, simplesmente, não correm, como acontece nas mais das ocasiões.

Deixaram-se, assim, certos executivos mais recentes da Câmara Municipal de Lisboa convencer, anos atrás, de que a solução para certos males que apoquentam os alfacinhas e os envergonhavam e envergonham lá fora seria uma vistosa sementeira de ciclovias na Cidade das Sete Colinas, elevações estas que poucos ciclistas teriam apetência ou, até, capacidade para subir a pedalar.

No imaginário destas pessoas, de um momento para o outro os automóveis passariam a ficar na garagem, à porta de casa, ou, pelo menos, nos parques dissuasores da periferia; a circulação tornar-se-ia fluída; o estacionamento, acessível por toda a cidade; o ar, cristalino e límpido por toda a parte; e Lisboa tornar-se-ia um paraíso para os habitantes e para os exércitos de turistas que a vêm financiar.

Ora, como o português quer saber é dele mesmo e o carrinho porta-a-porta é requisito indispensável, não só àquilo que considera qualidade de vida, mas, tal como a piscina no relvado da vivenda decorada com águias ou leões, aquilo que lhe dá um status, um mais do que parolo pseudo-estatuto social, o bom resultado foi, já se sabe, o de sempre: nenhum.

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Acontece, porém, que aqueles dos autodenominados políticos que não passam de impreparados e ineptos indivíduos não entendem estas coisas. Embasbacam-se, incrédulos, quando lhes dizem que o problema da boa gente lusitana não é tanto a falta de meios ou de condições, como a imensa e já estrutural falta de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana, a mesmíssima que afeta os ditos decisores que o são apenas por estarem inscritos num ou noutro partido, por outro modo de vida não lhes terem conseguido arranjar.

Vai daí que a solução para povoar as até então ineficazes ciclovias de Lisboa passou a ser - pasme-se! - semear ainda mais algumas destas ineficazes ciclovias de Lisboa, desta vez pondo-lhes mesmo ao lado bicicletas elétricas, a fim de procurar convencer a utilizá-las quem por esses montes e vales se recusava a pedalar.

Começou, por isso, Lisboa a encher-se de ciclistas, e a ver automóveis e motorizadas desaparecer do horizonte visual e olfativo das aflitas e intoxicadas famílias da Capital? Claro que não!

O trânsito continuou caótico, nauseabundo, às zonas de estacionamento verde, amarela e encarnada vieram juntar-se a castanha e a negra - penso que, tal como operação militar especial, o termo negra ninguém irá censurar...*) -, e, tal como dantes, os níveis de poluição não param de aumentar.

Não deixa de ser verdade que, principalmente nas horas de ponta, lá circulam por essas dispendiosas ciclovias uns quantos cidadãos. Circulam, mas de forma não controlada nem fiscalizada. Circulam, mas caótica e irresponsavelmente saindo das ditas vias e pedalando sobre os passeios, ignorando semáforos, atravessando artérias à toa, assim pondo em risco a segurança dos transeuntes, às mãos e aos pés de absolutos ignorantes das disposições do Código da Estrada, que nem exame de código necessitam de fazer, para mais os atrair para cima da miraculosa e impoluta bicicleta. Para facilitar...

Feitas as contas, evidente se tornou, pois, a inutilidade de andar por aí a espalhar mais um ror de ciclovias numa terra cujos habitantes não gostam, nem alguma vez irão gostar, de pedalar.

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Chegado a esta conclusão, o irresistível e inigualável prazer que o Partido da Maioria Absoluta parece experimentar sempre que estende a mão à já irrisória extrema-esquerda portuguesa redundou, uma vez mais, numa demonstração da brilhante e fulgurante demagogia a que o Partido Socialista há muito nos vem a habituar: reduzir em mais dez quilómetros por hora a velocidade máxima de circulação automóvel em Lisboa*).

Do ponto de vista da despesa, a ideia é genial, já que o custo é praticamente nulo, além de uma ou outra campanha na comunicação social. Fora isso, poucos são os sinais de trânsito que terão de ser alterados, já que se trata de uma medida de aplicação genérica, e não pontual. Assim, quando se constatar que foi mais uma ideia abstrusa que fracassou perante a monolítica falta de educação e de consciência social dos destinatários, pelo menos ninguém poderá assacar à insignificante força política proponente denominada "Livre" qualquer responsabilidade pelo custo; ou, se alguém o fizer, ela facilmente a descartará.

Mas, por que é, afinal, que a medida vai falhar?

Muito simplesmente porque, como qualquer um entende, a maior parte da poluição saída do tubo de escape não ocorre quando um veículo circula a uma velocidade estabilizada, como acontece em horas de baixa densidade de tráfego, seja essa velocidade de quarenta, de cinquenta ou, até, de oitenta quilómetros por hora: o que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar.

Quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece? Nessas horas em que o ar se pinta de partículas castanhas e cinzentas enquanto os motores queimam, inutilmente, preciosas toneladas de combustível perante a impotência e incompetência camarárias para fazer face ao comodismo e à falta de educação de quem, tendo alternativa, por aí anda a circular?

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Por falar em alternativa, a alternativa disponível ao Estado e à Autarquia para por termo a este lastimável estado de coisas seria, como todos sabemos, dotar a Cidade de uma rede de transportes públicos digna desse nome. Uma rede atrativa, económica, confortável, eficiente e digna de todos os encómios que cada um de nós gostaria de lhe poder associar.

Em vez disso, e porque estas coisas são caras, levam tempo, Roma e Pavia não se fizeram num dia e toda a lista de argumentos à disposição do mamute socialista de cuja cultura é característica essencial o bem típico hábito indígena de procrastinar, temos uma rede de autocarros lenta, aborrecida, atrasada, entediada, onde abanam ao sabor das curvas milhares de portugueses que nem um carrito hiper-usado têm dinheiro para comprar, porque, se tivessem, seria nele que se iriam deslocar; e uma rede de metropolitano que, comparada com outras europeias mais parece a de um comboio de brincar. Da rede de amarelos da Carris que ficam horas parados na calçada para não arrancar o farolim de trás de um selvagem mal estacionado, nem vale a pena falar.

Os táxis, os ubers e quejandos estão pela hora da morte e poluem tanto como qualquer outro automóvel, pelo que nenhum bem a este quadro negro vêm acrescentar.

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O partido extremista que propôs e, sabe-se lá como, fez o pusilânime Partido da Maioria Absoluta aprovar a ridícula e aberrante medida de reduzir ainda mais a velocidade em Lisboa, tem a liberdade no nome, mas não no coração. Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda, demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!", ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar.

Qual partido de extrema-direita, não hesitou o suposto "Livre" em fazer limitar, ainda mais, aos lisboetas a liberdade e a fluidez de circulação nas horas menos complicadas, unicamente a troco da fútil esperança num protagonismo desbragado que redundasse num magro punhado de votos numa próxima eleição, e em nada contribuindo para melhorar a situação nas horas de ponta em que os trabalhadores deixam as suas casas e a elas regressam depois, com as paciências esgotadas e ansiosos por, finalmente, repousar.

A moda, tida por politicamente correta por quem apenas a sua paróquia governa, de aproveitar o mais ínfimo pretexto para, por medo da crítica ou por mais ou menos inconfessável interesse, impor, aos veículos motorizados, reduções drásticas na velocidade de circulação conduz, por vezes, a aplicações tão excessivas e descabidas que acabam por tornar o politicamente correto em eleitoralmente perigoso, dada a desrazoabilidade ou mera inutilidade das decisões tomadas, bem como o manifesto desequilíbrio entre os interesses em presença.

A bárbara redução do limite de velocidade nas cidades não é, seguramente, o caminho adequado à resolução dos prementes problemas da circulação automóvel, do estacionamento e da poluição atmosférica.

Para os eleitores, a resposta está em encontrar quem saiba, queira e tenha a coragem necessária a implementar uma eficaz, eficiente, económica e confortável rede de transportes públicos que, efetivamente, incentive a imobilização do parque automóvel por parte dos habituais utilizadores.

Como tão providencial criatura parece inexistir no qualitativamente muito limitado recheio das forças políticas atuais, inevitável se torna que despropositados cuidados paliativos como este se tornem irresistíveis para os mais incompetentes daqueles que se dedicam à governação.

Para os lisboetas, para os portugueses, os problemas do trânsito nas cidades continuarão, assim, sem solução.

Tal como o problema da poluição...

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terça-feira, 10 de maio de 2022


Cascais: Praia da Ribeira


Irreconhecível, claro.

Nem um edifício daqueles que o postal mostra se encontra, hoje, de pé.

Também lá não existia, dominando a baía, o Palacete Seixas*), da autoria de Norte Júnior, edificado em 1920,
e no qual se encontra atualmente instalada a Capitania do Porto de Cascais*),
o que situa, em data anterior, a fotografia reproduzida neste postal,
no qual é possível apreciar a combinação da atividade piscatória com a prática balnear.

domingo, 8 de maio de 2022


Nightcrawler - Repórter da Noite

O enredo versa sobre a atividade dos operadores de video por conta própria que cruzam a noite e o dia em busca de imagens frescas - e, preferencialmente, sangrentas - de acidentes, de crimes, enfim, de todo e qualquer sinistro ou catástrofe suscetível de gerar audiências sensacionais através da capacidade de, recorrendo à exploração dos sentimentos mais básicos, impressionar os telespetadores mais elementares.

A captação de imagens retratada é fria e implacável por parte destes predadores da desgraça alheia, último elo de cadeias que começam nos acionistas das estações de televisão e naqueles termina, antecedidos por, entre outros, diretores de informação, chefes de redação e outros jornalistas empenhados no processo.

Toda a lógica do negócio parece fundamentar-se, cada vez mais, nesta exploração comezinha dos instintos primários dos consumidores de publicidade, razão de ser quase única de boa parte das estações, tanto quanto dela nos é dado aperceber.

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Por cá, e embora transversal, o fenómeno parece, notavelmente, mais desenvolvido - ou, pelo menos, evidente - no canal noticioso CNN-Portugal, que importa da casa-mãe o estilo americanizado das notícias, baseado, não apenas na espetacularidade real ou induzida, como no abundante caudal de ordens em tempo real transmitidas par ao auricular dos pivots: "repete essa parte", "insiste nesse ponto", "salienta bem o drama" e coisas que tais.

Esta constante ingerência dos responsáveis - ou mentores - sobre o desempenho de quem está a papaguear as novidades explicará, ao que se vê, aqueles momentos em que, de ar perplexo e com um vazio no olhar, quem lê o teletexto das notícias, ficam como que cristalizados ou, quando muito, balbuciando sílabas à toa, enquanto os cérebros estão dedicados a ouvir, atentos e obrigados, o realizador ou o superior hierárquico pisar com mais força o acelerador da emoção.

Menos sofisticado, mais popular, mas seguindo idêntica cartilha, se perfila, também, a CMTV nos desfile de horrores, baseados na crueza da imagem, indiferente ao sofrimento de quem preferiria, de longe, o recato da dor; e, quiçá, na outra vertente abominável que o filme retrata: a obstrução da atividade de investigação levada a cabo pela polícia criminal.

Claro que outros canais noticiam os mesmos factos, e necessitam, tanto ou mais, do financiamento que lhes chega por via da publicidade. Mas não deixa de ficar no ar a ideia de uma certa correlação entre a formação e a educação de quem põe e despõe em cada empresa e o maior ou menor ou menor peso da vertente ética que transparece do resultado exibido.

Quando aos nightcrawlers, não contam, claro. Não passam de alguém que procura safar-se ou aprimorar-se numa atividade que, como a veem, não passa de mais uma, entre tantas, de ganhar a vida.

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Voltando ao filme, Nightcrawler tem ritmo, sendo, também de destacar a fotografia e o desempenho de Jake Gyllenhaal, que nos proporciona uma visão que poderá bem corresponder ao que de mais baixo e vil poderá existir, não só na dita profissão, como naqueles que os seus piores elementos fomentam, estimulam e, de alguma forma, deles dependem para, no horário nobre, nos fazer entrar em casa imagens suscetíveis de estragar o apetite do mais saboroso jantar.


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quinta-feira, 5 de maio de 2022


A Inenarrável Conferência das Laranjas


"Seja qual for o ponto de vista de onde olhemos a questão, mostra-se desrazoável classificar
como "excelente" o desempenho da maior fatia dos docentes - ou de quaisquer outros trabalhadores"

"Pensará a dita personagem que os professores dignos de ser assim chamados encaixarão, de ânimo leve,
o insulto à respetiva lucidez e capacidade de análise, por parte de quem a eles acaba por, indelevelmente,
colar a imagem de um discurso primário como este, sem qualquer base científica em que se arrimar?
"

~Exemplo de Demagogia
Quando nos pedem um exemplo de demagogia, acabamos, quase invariavelmente, por falar do discurso deste ou daquele dirigente partidário, de qualquer quadrante político, que, com o intuito de impressionar o auditório - leia-se, "o eleitorado"... - ilustra a parlenga com supostos casos práticos de substância nenhuma, mas de forma suficientemente barroca e prenhe de aspetos mais ou menos folclóricos para fazer emergir sentimentos, sejam eles de aquiescência ou de aplauso, de mágoa ou de indignação.

Nesta arte, atrás dos dirigentes políticos não ficam, seguramente, os sindicais, do que é exemplo recente o Coordenador do Sindicato dos Professores da Região Centro, Conselheiro Nacional e Secretário-Geral da Federação Nacional dos Professores (como esta gente gosta de títulos compridos e pomposos!...), Dirigente da Frente Comum de Sindicatos da Administração Pública e Membro do Conselho Nacional e da Comissão Executiva da CGTP-Intersindical Nacional.

Talvez para fazer crer aos mais distraídos que alguma chama ainda arte no cada vez mais enfezado Partido Comunista Português (PCP) - que, todas estas importantes e representativas estruturas, agora na quase clandestinidade lá vai continuando a manipular -, decidiu o pugnaz e pertinaz dirigente proceder, em conferência de imprensa, a uma chaboqueira demonstração das limitações e da ineficácia do Sistema Integrado de Avaliação de Desempenho da Administração Pública (SIADAP) e do pauperismo a que, do seu ponto de  vista, ela condena os profissionais representados pela Federação que dirige, demonstração essa que, antes de continuar a leitura, recomendo ao caro Leitor que aqui não deixe de apreciar.

Além de ter decidido enveredar, na apresentação, por ações tão violentas como o partir pratos em público - atitude surpreendente vinda de alguém afeto a uma estrutura tão pacifista como o PCP... -, recorreu o distinto conferencista a uma indescritível demonstração baseada em três pratos de laranjas pelos quais espalhou uma amostra de quinze delas.

Atribuiu-as desta forma: ao primeiro prato, sete peças de fruta; ao segundo, "por exemplo, sei lá", cinco; e, ao terceiro, "vamos admitir" três. Tudo muito cândido e descontraído, como se do mais natural do Mundo se tratasse.

O senão desta aparentemente improvisada e ingénua distribuição reside, todavia, no facto de, ao primeiro prato, ter feito corresponder a quantidade de docentes que, na amostra, seria classificada com excelente (sete); ao segundo prato, a que obteria muito bom (cinco); e, ao terceiro, quem teria obtido, apenas, bom.

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Dois vícios lógicos e objetivos logo saltam à vista, por dizerem bem do descoco com que estas demonstrações são feitas, e da irremediável fragilidade de uma argumentação eivada, quer de insanável erro no pressupostos de facto, quer de notório e despudorado viés.

O primeiro vício consiste na patente falta de correspondência, com a realidade, dos pesos atribuídos a cada classe, já que, seja qual for o ponto de vista de onde olhemos a questão, se mostra desrazoável classificar como "excelente" o desempenho da maior fatia dos docentes - ou de quaisquer outros trabalhadores, o que, entre outros males, desde logo desvirtuaria o próprio conceito de excelência.

Excelència é a qualidade daquele que se destaca dos restantes, do quase perfeito, do virtualmente inigualável, definição universalmente aceite e que, inquestionavelmente, pulveriza qualquer tentativa de vulgarização em que se procure confundir tão raro e sublime nível de desempenho com outro de mera normalidade.

Por muito bom se designa, por sua vez, aquele que se não limita a demarcar-se, em algum grau, do normal - como acontece com o simplesmente bom -, mas que, embora sem atingir um patamar de excelência, o faz de forma suficientemente expressiva para merecer que o adjetivo qualificativo seja elevado a um grau superlativo - o que também pressupõe uma escassez assinalável, na medida em que se aproxima do topo da escala.

Por si só, este escalonamento tornaria evidente que, a menos que passemos a atribuir, a excelente e a muito bom, os significados quase opostos dos atuais, a distribuição proposta na conferência de imprensa é, meramente, anedótica e pensada para consumo de pessoas suficientemente elementares para, com tamanha parvoíce, não ficarem incomodadas; não, seguramente, para docentes dotados do sentido crítico indispensável a quem trabalha para um ministério que se propõe educar.

Como se não bastasse a pouco invejável fase que a nobre profissão atravessa - com uma carreira que se afigura pouco motivadora para aqueles que, com qualidade, brio e dedicação a exercem -, pensará a dita personagem que os professores dignos de ser assim chamados encaixarão, de ânimo leve, o insulto à respetiva lucidez e capacidade de análise, por parte de quem a eles acaba por, indelevelmente, colar a imagem de um discurso primário como este, sem qualquer base científica em que se arrimar?

Ter-se-á, outrossim, o improvisado comediante esquecido de incluir os pratos de laranjas correspondentes às restantes três classes do SIADAP: suficiente, medíocre e mau? Ou será que a qualidade dramaticamente elementar da aprendizagem manifestada pelo ror de alunos que acaba, quase analfabeto, o ensino secundário permitirá, paradoxalmente, concluir que não existem, em Portugal, professores com desempenhos suficientes, medíocres e, muito menos, maus?

Considerará a dita pessoa ter, com tão triste espetáculo, prestado um serviço útil e digno aos seus representados, cuja inteligência, afinal, ali apenas foi, de alguma forma, insultar? Ou serão os argumentos disponíveis tão escassos e débeis que se torne necessário atirar para a frente com o folclore para, em desespero de causa, tentar impressionar? É, pelo menos, a ideia com que se fica, queiramos ou não...

Ou tratar-se-á, mais simplesmente, do reconhecimento da completa incapacidade para, de forma minimamente elaborada, sobre esses argumentos discursar?

Tendo presente que "a qualidade da expressão verbal consiste em ser claro sem cair na banalidade", a ser a última a razão, a situação reveste-se de singular gravidade, dado que tal incapacidade comunicacional residirá em alguém que, não nos esqueçamos, além da tal lista de pomposos cargos é, também, professor. Ou foi? Ou já se esqueceu de que foi?

Que exemplo dá aos alunos um docente que se vê forçado a recorrer a um espetáculo destes, que muitos eles não deixarão de ver, para fazer passar uma mera reivindicação salarial?

Que classificação ser+a de atribuir ao desempenho de um comunicador destes, que prefere refugiar-se na vulgaridade de quem entende que o gesto é tudo, a primar por alinhar devidamente as ideias e, de forma articulada e minimamente elegante, com elas saber impressionar?

Suficientemedíocre ou... mau?

* *
Bem, mas isto é nada, quando comparado com a epidemia de palavrões - ou de um certo palavrão - que por aí grassa graças a um desajeitado comentador da guerra, que não sabe quando deve ficar calado.

segunda-feira, 2 de maio de 2022


O Estranho Caso dos Copinhos de Feijão

Não, não é o título de um romance policial. Não passa de um pequeno e indignado texto acerca de uma descarada aldrabice na área da doçaria, impunemente repetida por, pelo menos, um pequeno fabricante, com a complacência de grandes superfícies de retalho.

Poderá ser ingenuidade, excesso de confiança ou, até, mania. Mas, quando passo pela loja de uma marca de supermercados na qual confio, parto do princípio de que os produtos vendidos correspondem, dentro do razoavelmente expetável, ao que é anunciado na embalagem, supostamente para permitir ao potencial consumidor uma informação esclarecida.

Claro que tudo isto é bastante relativo, sobretudo numa sociedade que, ao mesmo tempo que impõe normas e controlos cada vez mais apertados e rígidos à produção e comercialização de tudo e mais alguma coisa, continua - e muito bem, diga-se - a permitir, em feiras e mercados, a venda a granel de produtos das mais diversas naturezas e origens, obtidos segundo processos de cultivo, colheita e processamento maioritariamente artesanais e sem controlo sanitário visível.

Não obstante, em ambientes estritamente controlados pela fiscalização económica - seja a da famigerada ASAE, seja outra entidade qualquer -, torna-se caricato encontrar, num hipermercado do século XXI, uma embalagem que revela, no rótulo, conter um produto composto por açúcar, ovos pasteurizados, água, coco, farinha de trigo, amido de milho, óleo de girassol, sal, lecitina de soja, levedante E500, açúcar em pó com amido de milho, conservantes E200 e E202...  e 0,5% de feijão, chamando à mistela "Copinhos de Feijão".

Ora, segundo a Wikipedia*), "o pastel de feijão é um doce típico de Portugal, confeccionado em Torres Vedras desde os finais do século XIX. Embora a receita varie um pouco consoante o fabricante, tem como ingredientes base a amêndoa e o feijão branco cozido".

Não se tratando, como é evidente, de pasteis propriamente ditos, poderá, mesmo assim, alguém considerar legítimo que se entenda que uma percentagem de 0,5% de feijão basta para que se anuncie que determinado produto como de feijão, quando, em boa verdade, não passa de uma mistela com resquícios de feijão? É que é óbvio e indesmentível que uma percentagem tão ínfima como 0,5%, de feijão ou do que quer que não seja um aromatizante, nada acrescenta ao sabor ou a qualquer outra caraterística do produto final.

De outra forma dito, a admitir-se que algo tão ridículo como 0,5% é suficiente para determinar ou influenciar a designação, os anunciados "Copinhos de Feijão" facilmente se transformariam, com minúsculas alterações ao processo de fabrico, em "Copinhos de Maçã", ou "Copinhos de Kiwi", ou "Copinhos de Cenoura" ou do que quer que fosse, na certeza de que, no que à percepção pelo consumidor diz respeito, o sabor e a consistência se manteriam completamente inalterados.

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Conduzindo a discussão a outro patamar, ocorre, inevitavelmente, a necessidade premente de o legislador se interessar sobre esta temática, designadamente definindo qual a percentagem mínima necessária para que determinado produto possa designar-se como sendo feito de alguma coisa - e não com alguma coisa... -, no sentido de que isso corresponderá à inclusão de determinada componente em quantidade suficiente para alterar as características relevantes para quem o irá adquirir.

Diversos problemas emergem desta questão, como a natureza do produto em causa e a subjetividade inerente à variação da sensibilidade entre uma infinidade de consumidores.

Quanto à natureza, será oportuno referir, num extremo, a obrigatoriedade de quase exclusividade de determinada casta*) na composição de um vinho para que aquela possa constar da designação da variante (como "Touriga Nacional", "Aragonês", "Alvarinho", "Cabernet Sauvignon") dentro da marca.

Claro está que, transposta para o produto aqui tratado, tal imposição tornaria materialmente impossível a fabricação de um pastel com cem 100% de feijão. Mas, haverá, seguramente, medidas intermédias que poderão ser fixadas como mínimos aceitáveis para viabilizar o processo de fabrico garantido, simultaneamente, a diferenciação.

Quanto às diferentes sensibilidades entre consumidores, não será, seguramente, impossível, através de estudos adequados, determinar os mesmos pesos mínimos de forma a assegurar que não daremos connosco a ingerir a mesma mistela, levados ao engano por uma mais ou menos criativa e fantasiosa designação.

Eis, pois, um caso claro de publicidade enganosa decorrente, simplesmente, da incorreta utilização de uma preposição.