O enredo versa sobre a atividade dos operadores de video por conta própria que cruzam a noite e o dia em busca de imagens frescas - e, preferencialmente, sangrentas - de acidentes, de crimes, enfim, de todo e qualquer sinistro ou catástrofe suscetível de gerar audiências sensacionais através da capacidade de, recorrendo à exploração dos sentimentos mais básicos, impressionar os telespetadores mais elementares.
A captação de imagens retratada é fria e implacável por parte destes predadores da desgraça alheia, último elo de cadeias que começam nos acionistas das estações de televisão e naqueles termina, antecedidos por, entre outros, diretores de informação, chefes de redação e outros jornalistas empenhados no processo.
Toda a lógica do negócio parece fundamentar-se, cada vez mais, nesta exploração comezinha dos instintos primários dos consumidores de publicidade, razão de ser quase única de boa parte das estações, tanto quanto dela nos é dado aperceber.
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Por cá, e embora transversal, o fenómeno parece, notavelmente, mais desenvolvido - ou, pelo menos, evidente - no canal noticioso CNN-Portugal, que importa da casa-mãe o estilo americanizado das notícias, baseado, não apenas na espetacularidade real ou induzida, como no abundante caudal de ordens em tempo real transmitidas par ao auricular dos pivots: "repete essa parte", "insiste nesse ponto", "salienta bem o drama" e coisas que tais.
Esta constante ingerência dos responsáveis - ou mentores - sobre o desempenho de quem está a papaguear as novidades explicará, ao que se vê, aqueles momentos em que, de ar perplexo e com um vazio no olhar, quem lê o teletexto das notícias, ficam como que cristalizados ou, quando muito, balbuciando sílabas à toa, enquanto os cérebros estão dedicados a ouvir, atentos e obrigados, o realizador ou o superior hierárquico pisar com mais força o acelerador da emoção.
Menos sofisticado, mais popular, mas seguindo idêntica cartilha, se perfila, também, a CMTV nos desfile de horrores, baseados na crueza da imagem, indiferente ao sofrimento de quem preferiria, de longe, o recato da dor; e, quiçá, na outra vertente abominável que o filme retrata: a obstrução da atividade de investigação levada a cabo pela polícia criminal.
Claro que outros canais noticiam os mesmos factos, e necessitam, tanto ou mais, do financiamento que lhes chega por via da publicidade. Mas não deixa de ficar no ar a ideia de uma certa correlação entre a formação e a educação de quem põe e despõe em cada empresa e o maior ou menor ou menor peso da vertente ética que transparece do resultado exibido.
Quando aos nightcrawlers, não contam, claro. Não passam de alguém que procura safar-se ou aprimorar-se numa atividade que, como a veem, não passa de mais uma, entre tantas, de ganhar a vida.
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Voltando ao filme, Nightcrawler tem ritmo, sendo, também de destacar a fotografia e o desempenho de Jake Gyllenhaal, que nos proporciona uma visão que poderá bem corresponder ao que de mais baixo e vil poderá existir, não só na dita profissão, como naqueles que os seus piores elementos fomentam, estimulam e, de alguma forma, deles dependem para, no horário nobre, nos fazer entrar em casa imagens suscetíveis de estragar o apetite do mais saboroso jantar.
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