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segunda-feira, 15 de agosto de 2022


Ensinar sem Saber, Governar sem Querer

Continuamos dominados por uma política de facilitismo e de escancarar de portas à confusão entre ensino e educação.

Parecendo ignorar que existe desemprego entre professores, e apesar de garantir que as turmas do próximo ano já têm quase todos os professores atribuídos*), prepara-se o nosso absoluto Governo para, na forma desajeitada que lhe é habitual, reduzir drasticamente o nível de habilitações exigidas para lecionar no ensino secundário*).

Em lugar de se requerer a habilitação própria, passa a considerar-se suficiente a avaliação em função do "percurso formativo dos candidatos", apenas tendo em conta as disciplinas relacionadas com a disciplina a lecionar.

Por outras palavras, tira-se umas cadeiras que já se sabe que irão ter saída, manda-se às malvas o resto do curso e passa-se a, nos termos da lei, poder ser colocado como professor do ensino secundário.

Assim, e à boleia de uma alegada dificuldade pontual em contratar professores licenciados para ministrar aulas de informática, passaremos a poder ter, ao que parece em qualquer disciplina, docentes não licenciados, muito ao jeito daquilo que aconteceu, com os resultados sobejamente conhecidos, pouco depois de 1974, tema que já amplamente desenvolvi a propósito do desempenho dos magistrados judiciais portugueses nos acontecimentos que antecederam a fuga de João Rendeiro.

A manifesta falta de formação, em áreas fulcrais, da trupe de incompetentes tecnocratas que preside aos destinos desta mole de passivos e subservientes eleitores que lhes vai assegurando o pré, não lhe permite compreender que um professor licenciado detém uma cultura mais abrangente, se encontra mais documentado, mais instruído em áreas relacionadas com a dominante na área que escolheu, e não apenas nesta. Encontra-se, assim, mais apto a lecionar, a passar a mensagem por forma a motivar os alunos, não apenas a empinar, mas a investigar, a ampliar, eles mesmos, o leque de conhecimentos, assim se tornando, potencialmente, indivíduos aptos a um desempenho profissional que honre e eleve lá por fora a marca "Portugal", sem o que jamais passaremos da cepa torta, seja no curto, no médio ou no longo prazo.

Tudo isto, teoricamente, já se sabe, uma vez que, eivadas das maleitas causadas pelo destrutivo virus de Bolonha, as licenciaturas de hoje mal afloram o nível de exigência de outrora, antes de mais por pouco haver quem saiba, de facto, ensinar e, sobretudo, educar.

Além do mais, medidas destas, sobretudo com caráter geral, violam frontalmente o princípio de igualdade, na medida em que conferem oportunidades iguais a indivíduos com competências supostamente desiguais. Fazem tábua rasa do esforço suplementar investido, durante anos, por quem se licenciou com o objetivo de ir, um dia, lecionar, o que as torna, também, injustas e desincentivadoras para quem considere licenciar-se.

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Se não existem professores de informática em quantidade suficiente para fazer face às necessidades, houvessem os sucessivos governos tratado de, atempadamente, incentivar inscrições nas licenciaturas nessa área, em lugar de se limitarem a deixar andar e correr, agora, atrás do prejuízo.

A liberdade de escolha é um direito essencial em qualquer democracia, mas não pode ser confundido com o direito dos governos a demitir-se da função de sensibilizar os governados para as atuais e previsíveis necessidades do Estado.


quarta-feira, 13 de julho de 2022


Pois É, São outra Vez os Pirómanos, Coitados...

Neste triste caso, é inútil culpar os juízes.

Com a educação e formação de que beneficiaram, sobre a qual me dispenso de voltar a opinar, vêem à frente um desgraçado de aspeto miserável e ar alucinado, e tendem a aplicar-lhe a pena mínima. Suspensa, claro. Depois, apanha-se à solta e, o mais tardar, no ano seguinte volta ao mesmo, seja doente mental ou não.

Quem roubar, furtar, destruir propriedade alheia ou causar dano físico relevante a terceiro é, por via de regra, encarcerado, e por longos anos, especialmente se do ato resultar a morte.

Como entender, então, que a conduta de um criminoso que ateia um incêndio florestal seja punida com pena de prisão de um a oito anos*), sabendo-se que, tratando-se de réu primário, quase garantidamente será suspensa na sua execução por igual período? Ou seja, que o criminoso será libertado, ficando livre para reincidir, sempre na esperança de não voltar a ser apanhado?

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Um incêndio florestal causa muito mais dano às pessoas e às coisas do que um ato isolado. Causa, sobretudo, dano de uma forma descontrolada, de evolução imprevisível, como imprevisível é antever a dimensão dos estragos.  Mas é, invariavelmente, enorme.

Já que os sucessivos governos são patentemente inaptos para proceder a reformas estruturais - quaisquer que sejam, entre tantas absolutamente necessárias -, ao menos promovam uma minúscula alteração da lei, fixando a pena mínima nuns mais do que razoáveis seis anos, por forma a garantir que, provados os factos, o juiz manda, mesmo, prender, impedido que fica de aplicar pena mais branda, designadamente uma que viabilize a suspensão na execução.

Claro que ninguém pode prever que no ano tal ou tal as condições meteorológicas irão ser estas ou aquelas. Pois se nem os cientistas conseguem, quantas vezes, fazer previsões para o dia seguinte!

Existe, no entanto, uma colossal diferença entre prever uma ocorrência e precaver-se contra a respetiva eventualidade. Precaver é criar condições para evitar a ocorrência ou, na impossibilidade, para minorar os seus efeitos nocivos; e, isso, está muito mais ao alcance dos mortais do que adivinhar que vem aí uma onda de calor ou uma tempestade.

Ainda no campo da prevenção, tratar de tornar as matas públicas espaços seguros com largos aceiros*) a intervalos de alguns quilómetros, assim evitando a propagação dos incêndios, seria, seguramente, muito mais eficaz e menos dispendioso do que, todos os anos, condenar-nos a assistir, impotentes, à destruição de florestas e dos bens que nelas se encontram; à destruição de vidas e à degradação da saúde de bombeiros e de outros profissionais ligados ao combate aos incêndios.

Ora, em vez disso, continua o Estado a preferir manter-se inerte na única vertente em que, falhando tudo o resto, seria muito simples e rápido criar condições para reduzir as ignições dolosas por parte de pessoas perturbadas ou ao serviço de interesses económicos bem conhecidos.

Vamos continuar muito humanistas relativamente a um punhado de doidos ou de autênticos javardos ao serviço de quem lhes paga, permanecendo inaceitavelmente desumanos para com os milhares que, todos os anos, os incêndios espoliam nas suas vidas, saúde e propriedade?

A quantidade de ignições acidentais reduziu-se, de forma muito expressiva, nos últimos anos. Como admitir, então, que o fogo posto continue, em boa parte, a ser responsável por um descalabro destes?

De que serve rasgar aceiros e gastar milhões em meios de combate aos fogos, se os loucos e os criminosos continuam, impunemente, por aí à solta?

Ainda alguém se espanta por o pequeno Portugal ter tantos e tão grandes incêndios?

O comodismo ou a falta de coragem para modificar uma única norma desfasada e obsoleta será, provavelmente, uma das principais, se não a principal razão.


terça-feira, 5 de julho de 2022


Luís Marques Mendes

LMM - Luís Marques Mendes


"A autoridade é um bem que se degrada quando não se usa
"

Luís Marques Mendes*)              
(SIC - Jornal da Noite)          

Veio isto a propósito do lamentável espetáculo oferecido pelo Ministro das Infraestruturas e pelo Primeiro-Ministro na sequência do despacho mandado publicar por um secretário de estado do primeiro decidindo a nova configuração aeroportuária da zona de Lisboa, seguido da quase imediata ordem de revogação*) do mesmo transmitida pelo segundo ao primeiro.

Assim aconteceu, e de outra forma não poderia ter acontecido, já que, a omitir-se o Primeiro-Ministro de usar do poder que detém após uma decisão de tamanha responsabilidade ter sido tomada a solo por um simples ministro - que nem é primeiro e, para cúmulo, mandada formalizar a um ainda mais simples secretário de estado -, poderia alguém começar a questionar-se sobre qual ministro será, efetivamente, o segundo e qual o primeiro.

Bem, deixemos o trocadilho, que não é este o nosso assunto.

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Nos tempos que correm, não admira que alguma comunicação social menos dada a estas coisas parvas do rigor na palavra falada e escrita tenha anunciado a coisa como tendo o Primeiro-Ministro revogado o disparatado despacho, algo que a lei lhe não permite fazer.*)

O erro não admira, já que, imposto pelas audiências essenciais à obtenção das indispensáveis receitas publicitárias, o frenesi de conseguir a pole position na transmissão da novidade conduz, quase invariavelmente, a que as notícias sejam papagueadas sem qualquer análise, crítica ou estudo prévios, desta forma ficando a qualidade e o rigor que as irão caracterizar a depender, apenas, do cada vez mais escasso substrato cultural do redator.

Anestesiados que muitos vamos estando pela dor provocada por sucessivos impactos de baixíssimo nível daquilo que, desgraçadamente, nos vai sendo dado ouvir e ler, lá acabamos, quantas vezes, a dar por nós a absorver, ora ideias substantivamente erradas, ora outras formalmente expressas de maneira menos correta, menos elegante - inadequada, até -, seja por arautos do facilitismo linguístico agora tão na moda, seja por pessoas educadas e cultas a quem a pressão mediática do comentário regular falado ou escrito convida, também, a facilitar. Ou, como, para dourar a pílula sói dizer-se, a simplificar.

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A citação que aqui é assunto refere autoridade no sentido de habilitação legal para o exercício do poder, o que é um significado evidentemente admissível, correspondente à capacidade - nem sempre legítima - de alguém se fazer obedecer.

Não obstante, a verdadeira autoridade, bem distinta do bem mais pobre e elementar poder, emana naturalmente de quem a detém: não por lhe haver sido atribuída por outrem, mas por o sujeito a ter adquirido através do competente e credível exercício das funções que lhe tiverem sido cometidas, por tal exercício se tendo tornado merecedor da confiança na qualidade das decisões tomadas, a qual impele os respetivos destinatários à pronta, serena e, mesmo, grata obediência, independentemente de vigorar, ou não, norma que legitime a respetiva imposição.

Num tal e cada vez mais raro cenário, as relações humanas fluem, a educação manifesta-se, a alegria brota, a economia floresce e os políticos exercem, tranquila e complementarmente, o poder formal e efetivo que a Constituição e a lei lhes conferem.

A fazer uso deste poder meramente formal estão, assim, limitados aqueles que o detêm, não por o haverem granjeado por mérito pessoal imediato e direto, mas por aquele lhes haver sido confiado - quantas vezes à falta de melhor candidato... -, seja por nomeação, seja por um mais ou menos democrático ato eleitoral.

Se dúvidas houver, lembremo-nos da expressão "fazendo uso dos poderes conferidos" - seguida da identificação da norma habilitante - presente, a título de legitimação, em praticamente todos os diplomas legais.

Admitamos, enfim, que esse conjunto de poderes possa, também, ser considerado autoridade, desde que não confundamos esta, imposta e formal, com a outra, meritória e substantiva.

Assim, embora sendo preocupante que já nem palavras tão singelas como aquelas que designam as cores estejam livres da polissemia de que as inquina a conotação com certas tendências - "é um verde", "é um vermelho" e por aí fora -, também o termo autoridade pode ser utilizado para designar algo que nada tem a ver com a autoridade nobre, eficaz, verdadeira, mas apenas com a pessoa ou entidade a quem, por algum processo, tenha sido conferido determinado poder..

Tal é o caso da moda recentemente adotada por sucessivos governos para designar certos organismos que o politicamente correto desaconselha designar por polícia, departamento ou outra coisa mais condicente com as atuais atribuições daqueles. Acreditam, quiçá, que a tal confusão entre autoridade e poder acabe por garantir uma acrescida vontade de obedecer, por o termo mais sonante conseguir inspirar maior temor, uma vez que, pela outra autoridade que, habitualmente, os respetivos responsáveis detêm em dose tão fraca como quem os nomeia, é que a bom porto não chegarão.

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Diga-se, por fim, que, embora preferindo, na citação acima reproduzida, poder a autoridade, não fica como deixar de concordar com a ideia nela expressa pelo Exmº Autor, bem como com a forte probabilidade de ter sido a exibição da detenção e do uso do poder a motivação última de um Primeiro-Ministro que passa por andar cada vez mais entretido com a apetecível Europa, e menos com as inadiáveis mas sempre adiadas reformas estruturais e decisões de fundo para as quais, manifestamente, não nomeou competentes ministros.

De muito pouco servirá, na verdade, uma demonstração de poder na situação descrita, bem eloquente quanto ao notório défice de autoridade do primeiro governante - défice esse aliás muitíssimo natural na sequência de uma escolha de governantes que parece ter seguido, quase exclusivamente, o critério da proximidade pessoal e da simpatia política, ou do temor inspirado por uma certa antipatia política, como terá acontecido e continuará a acontecer no caso aqui vertido.

Comprometida que, com incidentes destes, vai ficando, no Partido Socialista, a sucessão do Secretário-Geral, não estará, mesmo, na altura de o Senhor Primeiro-Ministro bater com a mão no peito e, sem mais demoras, proceder à substituição de diversas pessoas que carreou para o Governo?

O nem terá já, no Partido ou fora dele, quem com ele esteja, efetiva e saudavelmente, disposto a colaborar?

* *

Tal como acontece com o termo autoridade, a multiplicação descontrolada de sinónimos desvaloriza a essência dos vocábulos, esboroa o idioma, atirando-o para um pantanoso charco de mal-entendidos, de ambiguidades, de imprecisões.

Aliás, a discutível escolha de palavras, designadamente em algo tão sério como decisões judiciais, não é, infelizmente, coisa nova, já aqui tendo sido objeto de desenvolvida atenção,. Não passa, na verdade, de mais um efeito nocivo da tendência para a desenfreada polissemia, inevitável no reino do Tanto Faz!, da indiferença, da desistência, sob a capa daquilo a que hoje alguns chamam inovação e originalidade.

segunda-feira, 27 de junho de 2022


Marta Temido, António Costa e os Gráficos da SIC

Faz uma certa confusão...

Baseando-se em informação facultada pelo Observatório Português dos Sistemas Saúde, o Comentador do horário nobre da SIC, ao Domingo, apresentou a habitual sequência de gráficos, segundo a qual, entre 2015 e 2022:

  • a quantidade de profissionais - médicos incluídos - afetos ao Serviço Nacional de Saúde (SNS) aumentou significativamente;
  • a produtividade dos profissionais afetos ao SNS diminuiu significativamente;
  • os salários do pessoal médico baixaram, enquanto os da maior parte dos restantes setores - incluindo outros profissionais de saúde - subiram;
  • a quebra de produtividade deve-se, além das saídas por redução do nível salarial, em boa parte à tensão nervosa em que toda aquela gente vive, resultando num crescente absentismo.

Mesmo sem aqui especificar números, evidente se torna ao cidadão menos informado, ao telespectador mais distraído, que tudo decorre, por um lado, de absoluta incapacidade de planeamento e, por outro, de notória incapacidade até para assegurar a gestão corrente; e, antes que alguns comecem a culpar a COVID, será oportuno salientar que a Senhora Ministra da Saúde se encontra em funções desde Outubro de 2018, embora a doença apenas tenha sido promovida a pandemia já em 2020.

Assim, houvesse a indispensável reforma estrutural começado a ser desenhada ano e meio antes, pelo menos duas coisas bem positivas teriam ocorrido:

  1. a situação no SNS estaria, hoje, razoavelmente controlada e estabilizada, não dando azo àquilo a que temos assistido;
  2. teria sido incomparavelmente menos complicado gerir a pandemia.
Perguntemo-nos, pois:

  • o que andou, nesse primeiro ano e meio, a Senhora Ministra a fazer?
  • o que espera o sorridente Senhor dos Nossos Destinos para a substituir?

Faz uma certa confusão...

(leia aqui o desenvolvimento)

quarta-feira, 22 de junho de 2022


Marta Temido: Uma Ministra Sinistra?


"A Senhora Ministra da Saúde não fica aquém da calamitosa média do nível de quem nos vem governando:
não passa de mais um militante da última fornada, de mais um ministro bem exemplificativo daquilo que resta de um Partido Socialista
outrora grandioso e, agora, apenas... grande
"

"O Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) parece um contentor repleto de flores artificiais,
para deslumbre de meia dúzia de tontos e gáudio de quantos dele julgam que alguma coisa irão 
sacar
"

"Haverá, apesar de tudo, quem queira e consiga fazer melhor do que o Partido Socialista
e o seu Secretário-Geral para gerir os destinos da Nação? Assim de repente, talvez... não
"


Dos vícios da direita, muitos falamos à boca cheia, em grande parte devido à ditadura no tempo da "outra senhora" e, mais recentemente, aos desmandos de uma extrema-direita que, em Portugal, se torna cada vez mais difícil saber, exatamente, o que é.

Esquecemo-nos, porém, de que, quando a irracionalidade e o fanatismo a levam ao extremo, também a esquerda (sinistra, em italiano) se torna sinistra (em português). Tal acontece sempre que as opções políticas comprometem, seriamente, o tal serviço à população, que, em princípio, qualquer político deveria ter como primeira meta da governação.

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Da fraca resiliência - como agora gostam de dizer - da Senhora Ministra da Saúde já aqui escrevi, a esta me tendo, também, referido a propósito das consequências do manifesto défice de comunicação do Governo. Ambas as questões se tornam, porém, menores quando comparadas com a verdadeiramente sinistra opção da Governante pelo suposto afastamento tendencial e tendencioso da iniciativa privada da área da prestação de cuidados de saúde.

Só a própria o saberá se esse manifesto afastamento se deve a uma básica, elementar, obstinada, extremada opção por políticas de esquerda, a uma preocupação infantil ou oportunista por fazer parecer que é de esquerda, ou, mais simplesmente, a mero folclore destinado a obnubilar uma mais ou menos absoluta falta de rumo e de convicções

Certo é que, como, de alguma forma, todos deduzimos daquilo que vemos e lemos, Portugal não tem - e, pelo menos no curto e no médio prazo, não terá - capacidade financeira para assegurar, a todos os atuais potenciais doentes mais ou menos graves, um Serviço Nacional de Saúde (SNS) que, mesmo de longe, corresponda às mais modestas e legítimas aspirações de quantos para ele obrigatória ou voluntariamente contribuem, das mais diversas formas e nos mais diversos graus.

Embora intuído por todos, isto deveria ser dito claramente aos eleitores - mas, por razões muito claras e precisas, não pode ser, já que aquele inconveniente dos votos teima em continuar pegado que nem uma lapa à qualidade dos cuidados de saúde; e, votos, ninguém quer perder...

Da irresponsável insistência da Ministra - e de quem a convidou e, declaradamente ou não, sanciona as suas decisões - na aparente exclusão, muito além do limite do razoável, da iniciativa privada, outro desenlace não pode esperar-se além do que temos diante dos olhos: forte insatisfação dos operadores do SNS e dos utentes que servem, em muitos casos conduzindo, por parte dos primeiros, àquele baixar de braços a que leva a desesperança no resultado do desempenho de quem manda, e a consequente, inevitável e patente desmotivação.

Este afastamento dos privados é apenas aparente, já que não passa, note-se, de um gigantesco equívoco, ou de uma operação de cosmética para, pelas tais razões que lá saberá quais são, a Senhora Ministra se mostrar como de esquerda: por um lado, porque a desastrosa política salarial apenas serve para empurrar os melhores profissionais para o setor privado, que, à sua maneira, agradece à esquerda o tiro no pé; por outro, porque as empresas de trabalho temporário são, evidentemente, privadas e, simultaneamente, porventura as maiores fornecedoras de mão de obra para as urgências dos hospitais públicos.

Ninguém duvida de que a saúde é a área que movimenta mais milhões. Será por isso que a respetiva Ministra não gosta de parcerias público-privadas (PPP)? Não admira:.independentemente de quem as promova e mantenha, a história recente imediatamente lhes associa o labéu do oportunismo e da corrupção.

No entanto, o problema não reside no instituto das PPR enquanto tal, antes na fraca qualidade de algumas pessoas que por lá passaram e, ao que se diz, dessa passagem bem terão sabido aproveitar-se. Se o problema são as pessoas, não se rejeite ou suprima, simplesmente, as PPP: crie-se, antes, eficazes mecanismos de supervisão.

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A fazer fé no rosário de erros e de trapalhadas que a comunicação social nos traz, a atual titular da pasta da saúde não tem, nunca teve, qualquer capacidade para gerir o que quer que fosse na área da saúde, apenas tendo tido a ventura de, no tempo da pandemia, contar com o apoio e a assessoria de gestores e técnicos competentes, cujo contributo lhe terá permitido manter uma ténue aura de suposta eficácia e competência que o sorriso tímido - e, agora, cada vez mais forçado e amarelo - sempre ajuda a iluminar..

Hoje, pandemia ultrapassada - ou, pelo menos, irresponsavelmente desvalorizada -, apenas fica, quiçá, o fanatismo, a gestão do que lhe resta de uma imagem entretanto cada vez mais esbatida pela notória propensão para a birra caprichosa - ou, se quisermos ser simpáticos, para a teimosia política, que outro político teimoso tem vindo a sancionar.

Reduzida a tão puídos pergaminhos, pouca, muito pouca, capacidade de efetiva atuação se reconhece, já, à Governante em situações de crise; e, sobretudo, no vital e sempre adiado planeamento, na estruturação de fundo de uma área que, antes de muitas outras, do Governo deveria merecer mais generosa e empenhada atenção.

Leva isto, inevitavelmente, a pensar em quem alcandorou a Senhora Ministra onde está e lá a mantém; em quem a terá convencido a, repentinamente, tornar-se militante do omnipresente Partido Socialista; e entrando logo pela porta grande, que é como quem diz, com eventual acesso quase direto ao lugar de Secretária-Geral.

A Senhora Ministra fala, agora, de planos de contingência; e muito bem, já que ficar inerte na atual situação seria, a todos os títulos, um desastre. Há, pelo menos, que dar a ideia de que alguma coisa está a ser feita, embora, do que importa e como estamos cansados de saber, nada o esteja, de facto. É que, ao cabo de meia dúzia de anos do Senhor Primeiro-Ministro à frente do Governo, Educação, a Justiça e Saúde - os três principais pilares do funcionamento do Estado - conservam todo o seu desolador aspeto: magros, escanzelados, doentes, atabalhoados, pouco mais do que inertes relativamente à gigantesca dimensão das necessidades.

A que chamará o Partido Socialista "reforma estrutural"? A tapar buracos financeiros com uma coisa chamada Plano de Recuperação e Resiliência (PRR), que pouco mais não parece do que um contentor repleto de flores artificiais, para deslumbre de meia dúzia de tontos e gáudio de quantos dele julgam que alguma coisa irão sacar? Ou estará convencido de que uma reestruturação, uma reforma de fundo mais não é do que uma pontual simplificação administrativa, como a recente automatização da atribuição do abono de família?*)

A suposta estrutura dos edifícios que integram as mais importantes áreas da governação não passa, em Portugal, de uma instável amálgama de massas fracas, com o empreiteiro sempre em sobressalto perante a iminência de uma derrocada, nestas circunstâncias mais do que natural.

Se não era previsível a conjuntura específica em que o problema agora emergente, relacionado com o pessoal médico, se iria manifestar, inegável era a forte probabilidade da ocorrência de uma muito semelhante, da ocorrência de um quadro fortemente adverso, pelo que a sempre adiada reforma do sistema deveria ter-se processado tranquilamente. Há muito tempo. Naquele tempo em que não existia qualquer calamidade.

Da forma como as coisas vão, e no que à saúde se refere, a única reforma previsível será a da Ministra , se volta a ter de ser chamada à pedra pelo Primeiro-Ministro por, no meio do pandemónio, preferir continuar a gozar uns diazitos de férias, em lugar de vir até à Capital dar a cara quando o castelo de cartas do SNS começa a ruir*).

Desta vez, a ruir talvez mais a sério do que vem sendo habitual...

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Se há problemas estruturais na saúde*), a Ministra que os resolva agora no papel, e o Governo que valide e implemente a solução. Não foi para isso que se candidataram? Não é para isso que estão lá? Ou pensarão  basta, quando muito, assegurar a gestão corrente da quase desesperada situação?

Anuncia-se uma comissão de acompanhamento. Mas não terão as comissões de acompanhamento sido pensadas para prevenir, para evitar, e não para limpar o caldo entornado? Parece que não...

O estado de graça - merecido ou não - da pandemia há muito que já lá vai, e a desculpa com a queda do anterior Governo só faz sorrir, atendendo a que as verdadeiras reformas do Estado são desenvolvidas por técnicos que pouco têm de políticos e que, como tal, pouco sensíveis são às idas e vindas dos governantes e à cor política dos mesmos, continuando aqueles o seu trabalho mesmo no meio das maiores tribulações.

Entre 2015 e 2019 não havia pandemia, o Governo não tinha sido derrubado. Nesses quatro anos, que reformas estruturais fez? Quantas lançou? Em quantas, pelo menos, seriamente pensou?

Os males que afetam a Saúde são, essencialmente, os mesmos que inquinam a Justiça e a Educação, não valendo a pena descarregar a culpa nas Finanças que, independentemente da opinião que possa ter-se do respetivo Ministro, a verdade é que ninguém lhe ensinou como fazer germinar papel-moeda semeado no chão.

Aliás, no espantoso dizer do Governante, a Saúde não padece de falta de dinheiro (Aqui entre nós, estará a mal preparada pessoa apenas a procurar sacudir a água do capote, ou bem ciente do que está a dizer? E das consequências? Alguém, no Partido, lhas faça entender...)

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A Senhora Ministra da Saúde não fica, apesar de tudo, aquém da calamitosa média do nível de quem há anos nos vem governando: não passa de mais um militante da última fornada, de mais um ministro bem exemplificativo daquilo que resta de um Partido Socialista outrora grandioso e, agora, apenas... grande.

O que, a cada dia que passa, se torna mais evidente é a incapacidade de o Partido mobilizar alguns quadros sabedores, competentes e sábios que ainda possa ter; e de, fora das suas hostes, recrutar cidadãos de igual qualidade que as lacunas possam, eficaz e credivelmente, preencher.

Como é típico das ditaduras - e das  maiorias absolutas... - falta a coragem política, a mera vontade de negociar, a mais simples demonstração de respeito pelo brutal investimento feito por médicos que são colocados em centros de saúde do tão querido SNS a ganhar pouco mais de mil euros, depois de uma vida de estudante das mais exigentes e extenuantes que há.

Quando irão eles recuperar o investimento, os anos a mais de estudo que tiveram enquanto outros saíam mais rapidamente das faculdades e mais cedo começavam a progredir nas respetivas carreiras?

Tudo isto é demasiadamente radical, fanático, irracional e irresponsavelmente esquerdo... sinistro. Pronto a servir, para a venturosa extrema-direita aproveitar.

Na sua irritante insegurança e desconfiança, o Senhor Primeiro-Ministro parece continuar a contratar governantes pelo critério da proximidade pessoal ou política, não querendo - ou não conseguindo... - congregar esforços de quem tenha alguma capacidade efetiva de levar a bom porto a jangada que qualquer ministério do nosso minúsculo Retângulo é, quando comparado com ministério de países bem maiores. Londres, que tem, praticamente, a mesma população que a totalidade do território lusitano, é, entre as cidades do Mundo, apenas a trigésima sétima maior.

Somos um país pobre? Pois somos. Mas, até por maioria de  necessidade e de razão, a competência e a organização são exemplares em muitos lares das camadas mais pobres da população. Não há, assim sendo, como desculpar, com a falta de fundos, a incompetência e a desorganização na governação.

Além de pequenino, comezinho, ridículo, muito do que tem vindo a acontecer é, realmente, sinistro, inexplicável, a começar pelo facto de o voto útil continuar a manter no poder quem pouco ou nada lá saberá fazer. Talvez porque, muito convenientemente, do lado de cá, do lado de quem vota, se de economia e de finanças quase ninguém entende patavina, na Educação, na Saúde e na Justiça, já ninguém, mesmo ninguém, acredita com a mais leve convicção..

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A cada vez mais desengraçada e politicamente desgraçada Ministra da Saúde deveria, sensatamente, arranjar outra ocupação e ceder o lugar.

Mas, quanto ao mais, haverá, apesar de tudo, quem queira e consiga fazer melhor do que o Partido Socialista e o seu Secretário-Geral para gerir os destinos da Nação?

Assim de repente, talvez... não.

sábado, 11 de junho de 2022


Milhazes, Galamba e... o Cesto da Gávea


"Mandar alguém para o cesto da gávea tornou-se uma forma de exprimir desejo de distanciamento do autor
face ao destinatário da expressão, tendo a expressão "vai p'ró cesto da gávea" evoluído, na forma sintética,
para a expressão genérica de desagrado que se conhece, utilizada a torto e a direito por pessoas de pouco esmerada educação
"

"Não colhe aqui a estafada cantilena da origem humilde, da infância infeliz, da subida a pulso e todas as outras atenuantes
que possa invocar-se para procurar minorar o impacto desastroso provocado por quem solta, em direto e sem 
piiiii
, um palavrão daqueles"

"Noutro tempo, e independentemente da opinião que se tiver do Primeiro-Ministro de então, um membro do Gabinete
foi sumariamente convidado a afastar-se do governo por ter simulado um par de chifres na direção de um deputado da oposição
"

Vem este texto a propósito da indesejável propensão para, em nome daquilo a que, benevolamente, agora fica bem chamar genuinidade e frontalidade, não apenas se tolerar mas, até, aplaudir, em intervenções de figuras públicas, aquilo que jamais permitiríamos a um filho nosso - partindo, naturalmente, do pressuposto de que alguma atenção os progenitores ainda dedicam à nobre tarefa de educar.

Essencial ao progresso e à paz social, a verdade manifesta é que a hercúlea missão dos familiares com responsabilidades educativas não vem conseguindo evitar a propagação descontrolada do hábito ordinário e facilmente constatável sobretudo nas camadas mais jovens da população, de, a torto e a direito, proferir palavrões dos mais pesados como se se tratasse de inócuas interjeições; ou de mandar para aqui e para acolá aqueles cuja presença ou discurso em algum momento lhes esteja a desagradar.

Independentemente do sexo e da inserção social, parecem estes poetas do calão acreditar que o facto de assim se exprimirem lhes confere uma áurea de independência, de maturidade, de liberdade, de originalidade, até. Puro engano, claro, já que se limitam, afinal, a seguir uma desgraçada moda que, como qualquer moda, os torna iguais a quantos outros a seguem, e prisioneiros da obrigação de a adotar, sob pena de virem a ser marginalizados como retrógrados, démodés, pelos seus pouco educados pares.

Sendo consensualmente aceite que o exemplo vem de cima, catalizador nefasto desta tendência não deixará de ser o facto de, aqui e ali, se depararem os ditos jovens - e não só... - com a utilização dos mesmos palavrões na escrita e na fala de jornalistas e de governantes.

Lastimável, de facto. Sobretudo quando, de uns e de outros, seria de esperar que estivessem bem cientes do impacto mediático dos respetivos desempenhos sobre o processo educativo e formativo daqueles que, apesar de muita coisa que aqui não vale a pena esmiuçar, ainda contemplam aquilo que representam com algum respeito e admiração.

Fala-se aos quatro ventos dos direitos da criança, e da imperiosa necessidade de os assegurar e observar. Não terão as crianças direito à educação? Direito a, dos outros, dos crescidos, também esperar educação?

Talvez não menos do que dos direitos da criança nos enchem os ouvidos com a herança histórica e cultural disto e daquilo, com capitais europeias não sei de que mais, com património da Humanidade, com uma extensa lista de slogans destinados a salientar, e bem, o legado dos nossos antepassados.

Mas será que o património histórico e cultural exclui a elegância e a civilidade? Ou de tão escanzeladas que estão, delas já nem vale a pena falar?

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Um jornalista licenciado em História da Rússia, profundamente conhecedor do idioma, da política e da sociedade desse país, com acesso a fontes locais privilegiadas, que, por alguma razão, ganhe inusitado protagonismo noticioso terá, seguramente, direito a um lugar de destaque numa redação; mas, se não consegue disfarçar a manifesta dificuldade comunicacional ao vivo, dificilmente deverá ser convidado a participar em serviços informativos no horário nobre, quando toda a gente está de olhos postos na televisão.

Não colhe aqui a estafada cantilena da origem humilde, da infância infeliz, da subida a pulso e todas as outras atenuantes que possa invocar-se para procurar minorar o impacto desastroso provocado por quem solta, em direto e sem piiiii, um palavrão daqueles: se qualquer pessoa menos favorecida e com uma sofrida vida passada pudesse, impunemente, soltar imprecações na televisão perante centenas de milhar de espetadores, tal corresponderia, aos ouvidos de quem assistisse, à institucionalização da ordinarice, à legitimação da deselegância no léxico e na vivência quotidiana.

Que a boçalidade e a insensibilidade nada têm a ver com a origem social bem o demonstram conhecidos empresários portugueses e presidentes de organizações patronais cujo trato fino e fala apurada são eloquentes quanto ao facto de o seu passado operário não ser, de modo algum, obstáculo a que se saiba estar como se deve estar, onde se deve estar e sem os ouvidos alheios ofender. Mesmo sem formação académica de nível superior, em História da Rússia ou seja no que for...

Também não se pode justificar a ordinarice com o propósito de traduzir à letra - absolutamente dispensável em tais circunstâncias -, já que existem muitas maneiras de dizer a mesma coisa evitando a deselegância na expressão. "Vai para aquilo que a gente sabe" seria uma delas, e ninguém se queixaria, por certo, da ligeira ambiguidade da opção.

Tampouco são admissíveis recorrentes referências depreciativas ao Secretário-Geral do Partido Comunista Português - como "aqui vemos o Jerónimo de Sousa lá do sítio a tirar macacos do nariz" -, por maioria de razão quando este, que também foi operário, não vocifera, não hostiliza acintosamente, não fala mal ou é indelicado com quem quer que seja.

Independentemente das atenuantes, qualquer profissional da comunicação que não entenda a responsabilidade de uma intervenção em direto deve ser mais bem aproveitado em oportunidades adequadas às suas capacidades e formação.

Uma pessoa que, para cúmulo, tem um discurso nada fluído, muito entrecortado e, em desespero de causa, bastas vezes complementado pelo pivot e por outro comentador, não tem, seguramente, lugar em diretos na televisão.

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Da mesma forma, jamais deveria ter sido convidado para novo mandato no governo um mal amado secretário de estado com sobejas demonstrações acumuladas de quase genética falta de educação, desde o chamar estrume a um programa de um órgão de comunicação social a insultar interlocutores em redes sociais com os piores dos palavrões*), passando por, devido a divergências de caráter técnico, apodar um professor jubilado do Instituto Superior Técnico de "aldrabão e um mentiroso do pior"*).

Que lugar tem este indivíduo na governação de uma democracia, de um país que se pretende livre e plural?

Que peso político avassalador não deverá tal indivíduo ter no aparelho do, pelo menos outrora, tão respeitável Partido Socialista para, a despeito da lastimável e notória incapacidade de relacionamento pessoal com os seus governados*), ser recorrentemente convidado a integrar a equipa do atual Primeiro-Ministro? Ou que habilidade ou competência muito especial e não aparente lhe será reconhecida para justificar a escolha?

Noutro tempo, e independentemente da opinião que se tiver do Primeiro-Ministro de então, um membro do Gabinete foi sumariamente convidado a afastar-se do governo por ter simulado um par de chifres na direção de um deputado da oposição*).

Também in illo tempore um ministro da cultura se demitiu do governo*) por ter, metaforicamente, ameaçado com um par de bofetadas outros cidadãos.

O que mudou, então, em Portugal, para melhor ou para pior, desde então?

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À falta de melhores razões, o jornalista e o governante deram, recentemente, brado na comunicação social. O primeiro, por ter traduzido à letra o que, contra a guerra, bramavam, em russo, os espetadores de um festival*). O segundo, por se ter passado numa rede social com um interlocutor a quem mandou para o... cesto da gávea *).

Cesto da gávea é um termo náutico muito português utilizado para designar aquela espécie de cesta profunda fixada junto ao topo dos mastros das antigas embarcações, onde um vigia varria, com o olhar e um óculo, o horizonte visando detetar a proximidade de outros navios ou de "terra à vista!".

Na generalidade das línguas europeias ocidentais, o referido cesto é designado por ninho do corvo: nido de cuervo, nid de corbeau, nido de corvo, crow's nestKrähennest, e não consta que, excetuando o alemão, em qualquer delas, exista, com o mesmo significado, um termo, digamos, simplificado.

Sempre inventivo, original e amante da simplificação, lá inventou o português uma palavra só para substituir a mais longa expressão cesto da gávea; e a palavra é, nem mais, nem menos, do que a proferida, em diferentes contextos, pelos já referidos jornalista e governante dos destinos da Nação.

Ora, o cesto da gávea era, indubitavelmente, um lugar inóspito e de difícil acesso. Instável, sujeito à inclemência das intempéries, tornou-se, por excelência, o local de castigo dos marinheiros considerados culpados de faltas menores. A distância a que se encontrava do convés superior servia, ainda, para garantir que o assim punido não teria como incomodar o resto da tripulação.

Mandar alguém para o cesto da gávea tornou-se, assim, uma forma de exprimir desejo de distanciamento do autor face ao destinatário da expressão, tendo, dadas as características do local, a expressão "vai p'ró cesto da gávea" evoluído, na forma sintética, para a expressão genérica de desagrado, utilizada a torto e a direito por pessoas de pouco esmerada educação.

Atualmente, utiliza-se, ainda, como expressão de desagrado - "é feio com'ó cesto da gávea" - e, degenerando e invertendo completamente o sentido, de admiração - "é linda com'ó cesto da gávea".

Nada de mal, como vemos, até começar a ser a mesma palavra utilizada para designar o órgão sexual masculino, na forma de ordinarice, de palavrão.

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Foi nesse sentido e com esse intuito manifesto, o de dizer um palavrão, que cesto da gávea foi utilizado pelos espetadores do festival musical na Rússia condenando a abominável invasão e destruição parcial da Ucrânia. Foi nesse sentido e com esse intuito manifesto que o senhor Secretário de Estado o terá utilizado numa rede social dirigindo-se alguém por ele governado, a um concidadão.

Se é duvidoso que a intenção de dizer um palavrão, de ser ordinário, estivesse no espírito do jornalista que fez a tradução, não deixa de ser certo que a palavra, nas circunstâncias em que foi proferida, deveria ter sido, pelo menos, objeto de comentário e de reprovação pelos responsáveis pela estação, em clara demarcação.

Da mesma forma, deveria o Governo - ou, pelo menos, o Partido Socialista - ter, publicamente, repudiado a atitude do governante e militante, banindo-o do Governo, a exemplo do que aconteceu no caso dos chifres em direção de um bancada da oposição.

A menos que o Governo e o Partido se sintam confortáveis com este tipo de atuação e que, a despeito dos merecidos e respeitados pergaminhos, a SIC e a SIC Notícias queiram começar a parecer-se com certos outros canais de televisão.


Por falar em falta de educação:
lembra-se do Herman Enciclopédia?

NÃO PERCA a sátira,
protagonizada por José Pedro Gomes
às maneiras desastrosas dos portugueses à mesa...
e não só.


Veja AQUI, no Mosaicos em Português





   

segunda-feira, 18 de abril de 2022


ALAIN (Émile-Auguste Chartier)


 
"Nada é mais perigoso do que uma ideia,
quando se tem uma única ideia


"Rien n’est plus dangereux qu’une idée,
quand on n’a qu’une idée
"

Atribuída a Alain*)           


Tal como na citação de Oliver Wendell Holmes, Jr que aqui já referi, também esta nos fala, essencialmente, do fanatismo na defesa de causas - quase sempre perdidas e de legitimidade discutível... - por parte de políticos incapazes de discernir a falta de interesse da generalidade das populações em, séria e exaustivamente, considerar tais mudanças ou, mesmo, em discutir tais assuntos.

Entre todas, a mais abjeta, condenável, hipócrita e mesquinha das causas, será, porém, a do enriquecimento da imagem e da bolsa de autodenominados políticos que nada mais são, na verdade, do que empresários, agentes de negócios, penduras, seres enfatuados, vazios de outros sentimentos e emoções que não sejam, ora a glorificação dos insignificantes feitos e das desgraças alheias que estes causam, ora a mortificação pela triste sorte e pelo invejado sucesso dos opositores - e, quantas vezes, de correlegionários e parceiros.

Tal é, por exemplo, o caso do caricato deputado Alípio Abranhos, senhor daquele sobranceiro, ourado e implacável olhar sobre o próximo que caracteriza os oportunistas, os incompetentes, os seres vazios daquela riqueza de substância, daquela nobreza de caráter que deveriam ser apanágio de quem as mais altas funções do Estado se propõe desempenhar.

Esse é, também, o caso de quantos presumidos ascendem de indiferenciados militantes a garbosos e enfatuados protagonistas, antes de o crime os precipitar no fosso da prisão e do anátema, de onde, graças a amigos como eles, alguns saem para nova eleição ou nomeação que lhes permita os mesmos ou idênticos ilícitos voltar a praticar.

Com uns e outros se identificam, por fim, os patetas que admiram  - quando não idolatram... - quem deles necessita para voos próprios, convencendo-os de uma inteligência, de uma capacidade política e governativa que, manifestamente, não detém.

Tal como nas relações sociais mais corriqueiras quase sempre acontece, impera a ideia fixa do incomensurável euDentro de nós, e em cada lugar ou esquina que a nossa presença vá, supostamente, "iluminar"...

* *

No caso dos "operários e camponeses" é o Partido Comunista Português quem se arroga o exclusivo da defesa dos respetivos interesses, escamoteando, no entanto, os verdadeiros propósitos da sua (ainda) existência e dos princípios que sempre o regeram.

(leia aqui a sequência)

domingo, 10 de abril de 2022


Eça de Queiroz: Conde d'Abranhos

A classificação da maior ou menor qualidade de qualquer produção é, sempre, subjetiva, como bem o demonstra a disparidade habitualmente encontrada na crítica cinematográfica.

Com esta ressalva bem presente, atrevo-me a considerar "Conde d'Abranhos", não apenas como uma das melhores séries portuguesas a que alguma vez tive o gosto de assistir, como capaz de ombrear com muito do melhor que lá de fora nos é trazido, em brasileiro, em inglês, francês ou outra língua.

Composta por treze episódios transmitidos, pela primeira vez, no ano 2000, a série inspirou-se no romance póstumo "O Conde de Abranhos - Notas Biográficas por Z. Zagalo", de Eça de Queiroz, do qual é frequentemente citada a passagem “Este governo não há de cair - porque não é um edifício. Tem de sair com benzina - porque é uma nódoa!”, aplicável, segundo uns ou segundo outros, a todos os governos dos quais alguma vez dependeram os destinos das respetivas nações.

No sétimo episódio da série - integralmente disponível no arquivo RTP - ouvimos, nas palavras que o guião pôs na boca de Zagalo: "Um país vazio, que anuncia um país ainda mais vazio. Como se fosse o deserto de tudo. Tão deserto e tão seco, que não há lugar para uma única ideia que seja. Só palavras, palavras. Nada mais que palavras (...). Um país ridículo e analfabeto", imagem que, no tempo de Eça como agora, parece descrever, na perfeição a indisfarçável decadência de valores e de costumes em que as gentes deste nosso ocidental retângulo vêm caindo.

Esta crítica social e política é o mote, e uma constante ao longo da obra e da série, desta sendo justo destacar, além do texto de Francisco Moita Flores e da realização de António Moura Mattos*), as interpretações de Paulo Matos*) (Alípio Abranhos), João d'Ávila*) (Zagalo), Carmen Santos*) (Laura Amado), Filomena Gonçalves*) (Casimira) e Rui Luís*) (Justiniano Amado).

Imagens: arquivo.rtp.pt

Pode ler a obra completa aqui,
ou assistir a toda a série televisiva aqui.

quarta-feira, 6 de abril de 2022


Luís de Camões


"Um rei fraco
faz fraca a forte gente
"

Luís de Camões*)              
(Lusíadas, III 138)                       


Referia-se o Poeta a Dom Fernando I*), no tempo em que o poder executivo se encontrava nas mãos do monarca, e não nas do chefe do governo.

Naquele tempo, não existiam eleições; tampouco partidos políticos aos quais, na sequência de indesejáveis resultados daquelas, o rei tivesse de se coligar, ficando refém de cedências desmesuradas e fortemente lesivas do interesse nacional.

Naquele tempo, também havia, por toda a parte, escaramuças, guerras e invasões; mas, dominada pelo soberano, a população que aguentasse os impactos bélicos, políticos, sociais e económicos, já que outro remédio não tinha, e a vida  fácil não passava de uma ilusão.

Naquele tempo, existiam ainda mais pestes e pragas sanitárias; mas o incipiente estágio da medicina pouco ou nada permitia fazer para as controlar, pelo que, sob esse aspeto, pouco importava se o rei era forte ou fraco, competente ou não, já que impotente seria, certamente, para resolver problemas de tamanha dimensão.

Naquele tempo, não havia, liberdade, direitos humanos, e eram muito elementares a justiça, a educação e os outros pilares de uma democracia então inconcebível, e da qual, hoje, muita gente não tem a mais ínfima noção.

Hoje, sabe-se que todas estas novidades existem; e que, mesmo em detrimento da ordem pública e da paz social, muito tuga que por aí anda delas chorudos proventos procurará extrair, em lugar de pensar como poderá assegurar o respetivo gozo aos concidadãos.

Hoje, depois dos brutais impactos recentemente sofridos, há fundos europeus generosamente distribuídos em volume suficiente para, não apenas procurar minorar os efeitos daqueles, como para proporcionar oportunidades únicas de suster o nosso já proverbial trambolhão económico, seja absoluto, seja relativo face aos parceiros da União.

Hoje, mais do que nunca, tornou-se de suma importância, para o Estado, ter ao leme um primeiro-ministro que seja, não apenas popular, habilidoso e flexível, mas, pelo menos, um gestor convincente, recrutador eficaz, estratega competente, administrador incorruptível, educador culto e informado, legislador experiente.

Hoje, como naquele tempo, um governo chefiado por alguém ideologicamente débil, politicamente elástico, gestor inseguro, justiceiro complacente, comunicador fechado, planeador disperso, andarilho ausente, apenas faria ainda mais fraca a nossa cada vez mais fraca gente.

quarta-feira, 23 de março de 2022


Paulo Portas

Paulo Portas

"
Quando se pretende ser tudo e o contrário de tudo,
não se acredita em nada.
É essa falta de fé no mais pequeno valor
que faz a miséria moral de muitas democracias modernas
"

Paulo Portas*)              
(O Independente)                  


A crescente tendência para navegar sem carta, sem bússola, sem planear, ao sabor do vento, das conveniências, da popularidade, da notoriedade e do desenfreado culto do eu conduziu a Humanidade ao beco sem saída à vista em que todos nos encontramos, situação em que a maior parte continua a preferir não pensar ou, em estado de negação, rejeita encarar com a coragem necessária a procurar reverter.

Os governos e os políticos que os integram limitam-se a fugir para a frente, para um destino desconhecido*), ou adivinhado e temido, que pouco ou nada fazem para evitar ou para dele nos defender. Cada vez mais, vamos ficando nas mãos de meros e anódinos administradores do inevitável, do que tem de ser, que pelos corredores do poder deambulam ao ritmo das aparições na televisão e dos posts nas redes sociais, promovendo-se o melhor que podem para que, pelo menos, quando saem desta mirabolante confusão algo de seu ou para contar ainda possam vir a ter.

Por seu turno, o iludido, manipulado, pouco instruído e mal educado eleitor lá vai votando*), a esmo, em quem lhe parece mais espetacular, quem faz mais barulho, mais promessas, na esperança de que quem hoje vota delas amanhã se irá esquecer.

O cenário está montado para que emerja desta amálgama, deste caos, mais um ditador de pantomina, ávido de riqueza pessoal e de poder, envolto numa aura de respeitabilidade e de resplandecente fulgor que, de início, os pacóvios que somos irá deslumbrar, para, mais tarde e como sempre, amargar num regime autocrático de sofrimento, de pobreza, de tirania, de insuperável torpor, de excruciante dor.

* *

As portas para a entrada da ditadura estão escancaradas, dados o desnorte e a inabilidade política por parte da maior parte dos partidos que nos deveriam representar.

(leia aqui o desenvolvimento)



sábado, 19 de março de 2022


O Ímpeto Reformador do Pentavirato Socialista


"Para crescer em votos, um partido necessita de bons políticos; para ser eficaz, um governo necessita de bons gestores"

"A confiança na ação governativa assenta na suposta competência técnica, e a falta desta não é suprível, nem com um milhão de filhos, sobrinhos, compadres e outros potencialmente incompetentes assessores que, a expensas nossas, os governantes aproveitem para contratar"

"Ao nível da governação, Portugal não pode continuar nas mãos de amadores mais ou menos bem-intencionados,
mas escandalosamente impreparados para ocupar tais lugares
"

"Parecem apenas cinco indiferenciados portugueses que andam, há décadas, a brincar aos políticos e que, ainda por cima, cedo acabarão a esgadanhar-se mutuamente numa acesa luta pela ascensão à liderança do Partido"


Maioria absoluta assegurada nas urnas, seria de esperar um governo realmente novo para Portugal, livre da carga política associada à necessidade de agradar a gregos e a troianos que caracterizou o lastimável período da chamada geringonça - a qual, em boa verdade, nem aos dois agora insignificantes penduricalhos de extrema-esquerda serviram, no médio prazo, para o que quer que fosse, como bem o demonstrou o recente descalabro eleitoral.

Outrora tido por descobridor, por empreendedor, Portugal é, há muito tempo, um mero seguidor dos mais crescidos que bajula e admira, refastelado no Sol e na gastronomia, salvo um ou outro rebento que lá vai frutificando na área empresarial, logo pressurosamente louvado e alardeado por governantes sem substância que se veja, e por meios de comunicação muito felizes por, além das já muito gastas imagens da guerra e das balbuciadas opiniões de também mais ou menos gastos comentadores, lá irem tendo alguma notícia positiva, ainda que minúscula, para dar.

Certo parece, porém, que gestão económica, pouco ou nada tem a ver com socialismo, como bem demonstram inúmeras experiências falhadas, aqui e noutras paragens, mau grado o persistente estado de negação de certas forças partidárias que continuam a admirá-las. Apesar, claro, de o Partido dito Socialista, de socialista já pouco ou nada ter, limitando-se, no que à dita doutrina diz respeito, a acolher alguns elementos que melhor fariam em aconchegar-se em partidos mais à esquerda; e são estes, bem conhecidos mas não assumidos elementos extremistas, que mais preocupam quando os vemos guindados a postos ministeriais, a par de outros que apenas se parecem com a esquerda quando mais lhes convém.

A verdade é que, em seis anos perdidos num oceano de demagogia, sem uma carta náutica claramente traçada, sem rumo definido para um navio amolecido, apodrecido e minado de gente que apenas quer ser alguém na vida, praticamente se limitou o Governo a navegar à vista, numa cabotagem incapaz de desenvolver um trajeto de longo curso que, de alguma forma, contribuísse para nos tirar da cauda da Europa. Uma Europa cujas palmadinhas nas costas, beijos e abraços não passam, ao fim e ao cabo, de estafadas demonstrações de enfadada condescendência para com um paupérrimo país cuja improdutiva economia não passa de uma desengraçada anedota, e que, décadas a fio, sempre tem demonstrado que pouco ou nada mais do que isso quer continuar a ser.

Perdida que parece, para sempre, a desculpa do espartilho dos sócios extremistas da geringonça, poderão alguns crentes ter esperado vir, num cenário de maioria absoluta, a contar com um governo, não só mais compacto e eficiente, mas realmente eficaz, dinâmico, renovado, competente. Esqueceram-se esses ingénuos da fragilidade, da insegurança e, até, de uma certa incompetência que a simples habilidade não disfarça, as quais fazem, sempre fizeram, com que o Primeiro-Ministro não abra mão de ter, a seu lado, o conforto dos seus mais fiéis de entre os que se não cobriram de ridículo a ponto de terem mesmo de ser afastados à pressa, ainda que a seu pedido, antes das eleições.

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O Estado não é, afinal, mais do que uma enorme organização sem fins lucrativos - pelo menos, para ela própria... - que, como convém a qualquer organização, deve fazer pela vida, sob pena de a passar a depender de mecenas e daqueles que, como mais ou menos arte e engenho, lá por fora conseguir  continuar a cravar.

Todavia, no espíritos dos políticos eleitos, uma grande confusão sempre existe entre quem apenas seve para fazer política e quem é, de facto, necessário e competente para governar. Para crescer em votos, um partido necessita de bons políticos; para ser eficaz, um governo necessita de bons gestores. Quanto a isto, não há que duvidar.

Ora, a qualquer eleitor é legítimo esperar que o partido vencedor defina as opções políticas em consonância com as promessas eleitorais, e entregue a execução daquelas a ministros que, antes de mais, sejam verdadeiros, encartados e experientes gestores profissionais. É que a confiança na ação governativa assenta na suposta competência técnica, e a falta desta não é suprível, nem com um milhão de filhos, sobrinhos, compadres e outros potencialmente incompetentes assessores que, a expensas nossas, os governantes aproveitem para contratar.

A oportunidade única agora proporcionada pelos fundos que, da Europa, começam a jorrar - embora não seja claro onde estão a ir parar... >- não pode ficar comprometida às mãos de uma gestão casuística dos impactos daqui e dali, como eram as frequentes exigências dos parceiros da geringonça; nem pode ser essa gestão assegurada, antes de mais, por fiéis satélites de um manifestamente exaurido e saturado Primeiro-Ministro, porventura acolitados localmente por aqueles elementos de distritais ou de concelhias do Partido que, por terem acesso privilegiado ao dito governante, embandeiravam em arco na campanha eleitoral autárquica.

Não se entende, assim, como, a fazer fé no que por aí se diz, poderá o núcleo duro do novo Governo ser constituído pelos zelotas do costume, políticos de profissão e com poucas ou nenhumas competências na área da gestão, seja do Estado, seja empresarial, exceção feita ao recentemente derrotado candidato à presidência da Câmara Municipal de Lisboa, agora talvez arvorado a ministro das finanças, após uma brevíssima e mal notada passagem por uma prateleira do anterior emprego, à espera de nova oportunidade na política - que, felizmente (para ele), não tardou a chegar.

Será verdade que os frequentes e ridículos casos ocorridos durante o mandato autárquico não terão tido a gravidade de alguns do entretanto arredado ministro do interior; mas o desnorte na governação camarária, a pusilanimidade e a muito falada submissão ao então vereador dominante - que agora se encontra a contas com a justiça, tal como outros da sua bem temperada família... - dificultam bastante a já de si árdua tarefa de encontrar mérito que justifique uma possível nomeação para o tão falado novo lugar.

O mesmo se diga do outrora número dois na Câmara, altivo e sisudo, cujos préstimos como arquitecto da maioria absoluta conseguida agora serão, provavelmente, recompensados. Mas que competência demonstrou, até agora, a dita pessoa para gerir o que quer que fosse, além da Juventude Socialista, de uma secretaria de estado eminentemente política e da máquina do Partido em campanha eleitoral? Será, mesmo, verdade que lhe irá ser dada uma pasta ministerial?

Idêntica objeção se aplica a outro provavelmente indigitado e já ministro, oriundo da Juventude do Partido, a quem outros méritos não são conhecidos além de uma voz algo tonitroante e uma razoável eficácia em negociações, sem que, no entanto, lhe subjaza qualquer brilhantismo e subsequente capacidade de planeamento, atributos indispensáveis para um ministro em tempos de crescimento do País - ou, pelo menos, de recuperação.

Não será, por certo, a tímida e desnorteada apresentadora das conferências de imprensa da Diretora-Geral da Saúde que, possivelmente em nova pasta ministerial, irá trazer grandes rasgos de genialidade à gestão da coisa pública. Ela que, apesar da genealogia partidária, profissionalmente não terá, como experiência profissional ou política, passado de adjunta de um secretário de estado também adjunto, até lhe ter sido dado um ministério também eminentemente político. Além da confiança pessoal e de ser filha de quem é, que mais-valia efetiva pensará o Primeiro-Ministro que uma tal pessoa poderá trazer à gestão do Estado?

Fala-se, também, da eterna deputada desde tenra idade, outrora chefe da Concelhia de Almada do Partido, outrora chefe da Federação Distrital de Setúbal do Partido, outrora secretária-geral adjunta do Partido, outrora líder parlamentar, a quem nenhuma aptidão é conhecida para gerir ou coordenar o que quer que seja além, talvez, do aparelho partidário, e cujas débeis e muito forçadas e parciais intervenções num programa de debate televisivo - que, a ir para o Governo, agora terá de deixar - nada de bom quando a um possível desempenho governativo nos permitem augurar.

Vá lá, livramo-nos, ao que parece, do desajeitado e malquisto Secretário de Estado do Lítio, que apenas impopularidade ao Governo haveria de acrescentar.

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Todos apreciamos e queremos a liberdade, e muitos lutaram e sofreram para que a ela pudéssemos almejar. Mas, jamais teremos essa liberdade, enquanto não estiverem razoavelmente seguros do que fazem aqueles que nos governam, enquanto a coisa pública não puder contar com uma gestão transparente, minimamente sensata e eficaz.

O mal de Portugal não é a política. Essa, não nos falta, e até temos para dar. O nosso mal é, sempre foi, uma economia, que não vai lá com habilidades e golpes de rins: ao nível da governação, Portugal não pode continuar nas mãos de amadores mais ou menos bem-intencionados, mas escandalosamente impreparados para ocupar tais lugares.

A serem mantidos ou chamados como por aí se diz, o que farão, no Governo, estas cinco mais ou menos jovens pessoas? Que capacidade efetiva tem qualquer um deles para planear, para organizar e, sobretudo, para liderar?

Parecem, apenas, cinco indiferenciados portugueses que andam, há décadas, a brincar aos políticos e que, ainda por cima, cedo acabarão a esgadanhar-se mutuamente numa acesa luta pela ascensão à liderança do Partido.

Será que, ao menos, a economia da própria casa sabem gerir? A confirmar-se a inclusão no novo governo, uma tal task force governamental será, uma vez mais, eminentemente tática, eivada dos vícios próprios de uma luta intestina partidária permanente e aguerrida, sem aptidão relevante para gerir, e que facilmente confundirá fazer coisas com... governar, estrategicamente, um país.

Numa conjuntura internacional tão crítica, perante uma oportunidade única na vida de uma nação, o que poderemos deles esperar? No momento em que resolver escolhê-los, em que estará o Primeiro-Ministro indigitado a pensar?

O resto do governo não passará, provavelmente, de subserviente paisagem, como costuma acontecer: além do Primeiro-Ministro, será, unicamente, neste preocupante e pouco qualificado pentavirato *) - este, de mulheres e homens - que residirá toda a nossa talvez última e vã esperança de sacudir a tão pesada e pegajosa poeira nacional...

Que ímpeto reformador dele poderemos esperar? Como irá a sua ação beneficiar uma administração pública há tanto e tão necessitada de uma verdadeira e exaustiva reestruturação?

- x -

Uma vez o primeiro-ministro derrotado nas urnas, ninguém na Europa o quereria, a não ser para contar as caixas de sardinhas pescadas na zona exclusiva.

Agora, ser-lhe-á fácil guindar-se, em breve, a um lugar de grande prestígio internacional.

Nessa altura, qual dos cinco satélites ficará a fingir que governa Portugal?

* *
Perante o calamitoso desempenho recente - ou falta dele... -, a dúvida quanto a um deles parece estar prestes a deixar de existir.

terça-feira, 15 de março de 2022


Tempos Novos, Mentiras Velhas


"Como não entende o Presidente da Ucrânia que a definição de uma zona de exclusão aérea significaria,
ao primeiro sobrevoo por uma aeronave russa, o imediato desencadear das hostilidades
entre a Aliança Atlântica e o implacável e tirânico agressor?

Por outras palavras, a inevitável eclosão da III Guerra Mundial, num banho generalizado de sangue e de terror?"

"Por cá, apenas 100.000€ do PRR terão chegado a contas bancárias de empresas.
Será que os oligarcas tugas já boa parte dos fundos do PRR andam a arrecadar?
"


"Depois disto, nada será como dantes", não nos cansamos de ouvir dizer.

Se nos esforçarmos, porém, por olhar com alguma objetividade e lucidez para esta questão da operação militar especial russa, seremos levados a acreditar que não será exatamente assim: a mentira e a hipocrisia, designadamente políticas, continuam e, quase seguramente, continuarão a ser as mesmas, e nada nos permite esperar que algo de substantivo mude nessas desgraçadas práticas que, em última análise, poderão estar a alimentar uma guerra da qual poderemos estar a experimentar apenas o início.

Poderão, até, estar essas mentiras e hipocrisias a aproximá-la, perigosamente, do irreversível e irracional extremo que ninguém quer nomear.

Vejamos...

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Independentemente da maior ou menor perversidade e desumanidade das suas verdadeiras e por todos nós desconhecidas intenções, ninguém livra, já, o Presidente da Federação Russa*) do labéu de aldrabão.

As reiteradas garantias iniciais de que todo aquele aparato militar na fronteira não passaria de uma movimentação legítima de tropas em exercícios - no que, diga-se de passagem, só alguém muito, mas mesmo muito, ingénuo conseguiria acreditar... -, desvalorizaram qualquer verdade que as suas subsequentes afirmações e protestos possam conter, nomeadamente naquilo que se refere à questão vital de estar ele com pretensões expansionistas ou, muito mais simplesmente, apenas a querer arrasar, na Ucrânia, toda e qualquer instalação militar.

O que, em qualquer caso, parece certo, é que, seja devido a chã incompetência, seja por também por lá andarem habilidosos como os que por cá temos ou tivemos no Arsenal do Alfeite*) - e, talvez, uns quantos outros dos quais não se fala ou deixou de se falar... -, as forças militares russas estão bem longe dos níveis de eficácia que se lhes atribuía, em boa parte devido à obsolescência e à fraca qualidade do seu equipamento militar, cuja substituição por outro mais moderno jamais terá sido concretizada devido a possíveis desvios de verbas destinadas à instituição militar.

Que grossa fatia das fabulosas fortunas dos oligarcas não terá escorrido, diretamente, dessas supostas aquisições de armamento? Quantos salões dos luxuosos iates não terá o povo russo pagado através de impostos destinados ao esforço de guerra ou patacoada similar?

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Por muito que não possam deixar de nos comover a destruição maciça do edificado e, sobretudo, a quantidade considerável de inocentes vítimas cujas vidas se perderam ou ficaram, para sempre, despedaçadas, tampouco é transparente e cristalina a intenção do mediático Presidente da República Popular da Ucrânia*) - não sei porquê, causa-me sempre arrepios, esta designação república popular.

Não deixando de ser verdade que o homem é um político amador, um ator de profissão, de olhos duros e desapaixonados, não pode, de modo algum, admitir-se que alguém que ocupa tão proeminente posição na hierarquia de um estado se não haja rodeado de assessores que, oportunamente, lhe chamem a atenção para as graves e, até, terríveis consequências daquilo que propõe ou pede, caso seja posto em prática.

Certo é que, por cá, também temos uma atriz de profissão, também ela de olhos duros e desapaixonados, que, em lugar de conversar ou discursar normalmente, declama monocórdicas e circulares diatribes, supostamente em defesa de causas de que o Movimento que, supostamente, coordena se apropriou como desejáveis - mas cada vez menos eficazes - tábuas de salvação de uma organização mortalmente ferida pela mais recente manifestação da mesma vontade popular que diz proclamar.

Mas, contrariamente ao que sucede com a lusitana e pouco relevante atriz e com a débil mas bem conhecida força política em que ainda milita, o Presidente da Ucrânia representa, de facto, que ideologia? Quem, na sua retaguarda, cavalgará, incógnito, a oportunidade única proporcionada por uma guerra que, admitamos, talvez ele não tenha provocado, mas a cuja génese poderá não ser totalmente alheio, apesar das suas enfáticas e ásperas palavras que a televisão nos traz a casa e que seria politicamente incorreto não apoiar?

Além das manifestamente abusivas pretensões iniciais de imediata admissão à NATO e à União Europeia, as quais pediu, exigiu, até se cansar, como não entende o Presidente da Ucrânia que a definição de uma zona de exclusão aérea significaria, ao primeiro sobrevoo por uma aeronave russa, o imediato desencadear das hostilidades entre a Aliança Atlântica e o implacável e tirânico agressor?

Por outras palavras, a inevitável eclosão da III Guerra Mundial, num banho generalizado de sangue e de terror?

Num tal cenário, potencialmente dantesco dado o risco da confrontação com armas nucleares, o foco da atenção do aparentemente depauperado exército russo seria, inevitavelmente, desviado para outras paragens, assim atenuando, ou desistindo, de uma possível intenção de invadir a Ucrânia. Mas, a que custo incomensurável para todo o Mundo e, por arrasto, também para a própria Ucrânia?

O que anda este homem a pedir? O que anda o Presidente da Ucrânia, efetivamente, a fazer?

A defender a Europa, como apregoa? Certamente não. O quê, então?

Ou será de dar razão a quem pensa que tudo isto não passa de uma disputa entre dois frios, ambiciosos e intransigentes Vladimiros, que não hesitam em, um pela força, outro pela sedução, pela persuasão, tudo e todos sacrificar aos respetivos desígnios de notoriedade e glorificação?

A História tirará a sua conclusão...

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Por cá, vamos assistindo a uma sucessão de iniciativas solidárias promovidas pelas autarquias ou por elas patrocinadas, consistindo, mormente, no envio de camiões e mais camiões repletos sabe-se lá de que roupas velhas e consumíveis em fim de prazo, além, naturalmente, de dádivas genuínas de uns quantos bem-intencionados e daquele punhado que continua a pensar que será esta uma boa forma de eliminar umas quantas teias de aranha das mais ou menos pesadas consciências.

Mas, digam-me lá? Será necessário todo este aparato televisivo?

Se o que se pretende é, efetivamente, dar, ajudar, não seria bem mais eficiente, económico, mais civilizado, mais discreto, mais genuíno, centralizar a recolha e encaminhamento das dádivas, em lugar de agir como se de rasteira propaganda autárquica se tratasse, alimentada, já se sabe, por aquele patego clubismo de poder dizer que aquele camião cheio de tralha foi enviado pela gente cá da terra?

A menos, claro, que legitimamente desconfiem da bondade dessa centralização, e do mais do que provável descaminho de bens em que, em menor ou maior escala, ela redundasse. O que pensar, porém, da intervenção de autarquias no processo, órgãos quantas vezes já eivados de beneméritos processados e, até, condenados por corrupção e desvios de fundos relacionados com catástrofes para nós tão relevantes como, por exemplo, os fogos de Pedrógão, em toda a sua força devastadora?

Será por isso que alguns dos próprios promotores genuinamente empenhados dessas iniciativas se sentam ao volante dos camiões e os donativos lá vão, diretamente, entregar? Para terem a certeza de que lá irão chegar?

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Ainda por cá, mas lá mais acima, também tudo na mesma, a fazer fé nos dados supostamente fidedignos que nos trouxe o comentador social-democrata de telejornal de Domingo num canal generalista - e que no próprio Partido lá vai espetando uma ou outra farpa, quanto mais não seja para disfarçar.

Ao que parece, de cerca de 16.600.000.000€ que o Plano de Recuperação e Resiliência*) ao nosso Torrão Natal terá atribuído, apenas 4.600.000.000€ foram, até agora, aprovados e, destes, apenas 400.000.000€ (reparem na redução de zeros...) terão sido destinados a particulares e empresas portuguesas, tendo a fatia do Obélix cabido, como seria de esperar, ao faminto Estado.

Será que os oligarcas tugas já boa parte dos fundos andam a arrecadar?

O caso poderá ser particularmente gritante, se acreditarmos ser verdade que, dos tais 400.000.000€, apenas 100.000€ do PRR (outra vez esta coisa dos zeros...) terão chegado a contas bancárias de empresas: as mesmas empresas às quais continuadamente o Governo apela para que assegurem a recuperação e a dinamização da nossa rastejante economia, para que, com o sucesso delas - das empresas - possam, ufanos, os nossos políticos lá por fora acenar.

A guerra, a cruel e desnecessária, guerra, muita coisa, é certo, irá mudar.

Mas, com a mentira, com a dissimulação, com a hipocrisia, não irá, seguramente, acabar.

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O assunto da eventual possibilidade de adesão da Ucrânia à Comunidade Europeia é cada vez mais polémico. Traz, entretanto, à balha questões estruturais da União que importa, antes de mais, abertamente discutir e resolver.

Tal é o caso, por exemplo, da obsoleta e contraproducente exigência da unanimidade nas mais importantes decisões.

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