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segunda-feira, 30 de maio de 2022


Vila Viçosa

Vila Viçosa - Vila Ducal
Vila Viçosa Hoje

As imagens não deixam dúvida: Vila Viçosa está muito mais arborizada hoje do que nos tempos idos em que a fotografia do postal foi obtida.

Quanto ao mais, quem a visitar encontrará uma vila que, sem prejuízo de uma equilibrada evolução, soube conservar a traça e o ritmo que se esperaria encontrar numa terra de tão grandes tradições, impossível de separar de trechos inesquecíveis da História de Portugal.

Existe, todavia, uma espécie de crendice primária de que enfermam os espíritos de certos autarcas que os leva a procurar compensar eventuais défices de competência técnica e política com tiradas tonitroantes para consumo da comunicação social, levando-os a nem se aperceber, não apenas do porventura irreversível erro de julgamento que a elas subjaz, como da figura triste que acabam por fazer perante quem sobre estes assuntos quiser pensar, a par da indiferença daqueles a quem já parece que nada, além do vício das redes sociais, poderá interessar.

Vai daí, que Vila Viçosa anunciou, recentemente, a intenção de propor à Assembleia da República a sua elevação a cidade *), a fim de garantir "mais valias, quer ao nível do acesso a determinados fundos comunitários locais ou regionais, como ao nível de fundos diretamente em Bruxelas". Nas palavras do recém-eleito Presidente da Câmara, "o ser elevado a cidade é um reconhecimento que da Assembleia da República, que reconhece a evolução de Vila Viçosa, reconhece a sua importante e relevante história, o seu enorme património, e acha que é uma terra com grande relevo para o país. É no fundo, reconhecer a nossa identidade como uma terra que cresceu, que evoluiu, que tem história e que tem relevância".

Entende, assim, o ilustre entrevistado ser necessária a elevação de Vila Viçosa a cidade para que a Assembleia da República reconheça o seu importante passado - o que não passa de um rematado disparate -; e para que lhe reconheça a grande relevância presente, quiçá esquecendo-se ou procurando fazer esquecer que tal relevância terá sido conquistada em sucessivas presidências de câmara do Partido Socialista e do Partido Comunista Português (PCP), já que, consultados os dados oficiais, o Partido Social Democrata a que o atual primeiro autarca pertence não elegia um presidente desde os idos de 1993.

Eis-nos, pois, perante um flagrante caso de aproveitamento político daquilo que, durante décadas, os adversários derrotados vieram fazendo muito antes de nós.

Além do mais, não será despiciendo perguntarmo-nos até que ponto será necessária a elevação a cidade para que uma terra progrida, tendo em conta os casos, entre outras, das vilas de Cascais e de Oeiras, caracterizadas pela teimosia em permanecer vilas sem que tal haja, aparentemente, beliscado, mesmo ao de leve, a sua fulgurante expansão e projeção internacional nas áreas que lhes são de interesse.

Não terá, então, a evolução de uma vila muito mais a ver com a competência e dedicação dos seus autarcas do que com os títulos, com os estatutos a que procura ascender? Sobretudo quando a proposta do PCP de realização de um referendo municipal sobre o assunto foi preterida pela da maioria que impõe que a candidatura a cidade avance, quer a população queira, quer não.

Vamos, assim, ter a Cidade de Vila Viçosa, uma gota de água quando comparada com as cidades de Nova Iorque, de São Paulo, de Tóquio, de Paris e, mesmo, do Porto ou de Lisboa, num país que, de tão ridiculamente pequenino que é - mais nas mentalidades do que no território - até tem cidades com menos de 2000 habitantes, graças à demagogia de certos governos e à necessidade de rapar o tacho dos votos até gastar o teflon.

Auri sacra fames, o que importa é a captação de fundos*) para mais umas rotundas, uns parques infantis, enfim, para aquilo a que as mentes pequeninas chamam desenvolver o que resta das vilas históricas portuguesas, esquecendo-se - ou nem notando... - que, muitas vezes, desenvolver é sinónimo de estragar.

sexta-feira, 13 de maio de 2022


Lisboa a Quarenta à Hora


"O que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar"

"Nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece,
quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação?
"

"Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda,
demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!",
ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar
"


Aliada aos maus tratos verbais recebidos - quer das bancadas das diversas assembleias ditas democráticas, quer de uma imprensa ávida de palavras fortes que vendam publicidade, quer, também, da ululante mole que, em manifestações sediças e rançosas a que já ninguém liga, faz coro com os dichotes cacafónicos expelidos por ferrugentos megafones -, a cada vez menos prestigiante imagem que, por muito boas razões, a generalidade da população tem da política e dos seus mais destacados agentes tem, como efeito imediato e indissociável, o progressivo desinteresse dessas andanças por parte de quem lhes poderia, ainda, emprestar uma réstia de credibilidade, de eficácia e de desinteressada dedicação.

O défice de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana que encontramos nas hordas de filisteus que, cada vez mais, vão ocupando cargos eletivos nas diversas instâncias decisórias dos destinos da Nação amiúde os leva, por sua vez, a acreditar que, se os eleitores não agem da forma cívica como, ingénua ou desesperadamente, os políticos pensam que todos os cidadãos gostariam de se comportar, tal se deve à endémica falta de condições recorrentemente apontada como desculpa já mais do que esfarrapada para quando as coisas correm mal; ou, simplesmente, não correm, como acontece nas mais das ocasiões.

Deixaram-se, assim, certos executivos mais recentes da Câmara Municipal de Lisboa convencer, anos atrás, de que a solução para certos males que apoquentam os alfacinhas e os envergonhavam e envergonham lá fora seria uma vistosa sementeira de ciclovias na Cidade das Sete Colinas, elevações estas que poucos ciclistas teriam apetência ou, até, capacidade para subir a pedalar.

No imaginário destas pessoas, de um momento para o outro os automóveis passariam a ficar na garagem, à porta de casa, ou, pelo menos, nos parques dissuasores da periferia; a circulação tornar-se-ia fluída; o estacionamento, acessível por toda a cidade; o ar, cristalino e límpido por toda a parte; e Lisboa tornar-se-ia um paraíso para os habitantes e para os exércitos de turistas que a vêm financiar.

Ora, como o português quer saber é dele mesmo e o carrinho porta-a-porta é requisito indispensável, não só àquilo que considera qualidade de vida, mas, tal como a piscina no relvado da vivenda decorada com águias ou leões, aquilo que lhe dá um status, um mais do que parolo pseudo-estatuto social, o bom resultado foi, já se sabe, o de sempre: nenhum.

- x -

Acontece, porém, que aqueles dos autodenominados políticos que não passam de impreparados e ineptos indivíduos não entendem estas coisas. Embasbacam-se, incrédulos, quando lhes dizem que o problema da boa gente lusitana não é tanto a falta de meios ou de condições, como a imensa e já estrutural falta de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana, a mesmíssima que afeta os ditos decisores que o são apenas por estarem inscritos num ou noutro partido, por outro modo de vida não lhes terem conseguido arranjar.

Vai daí que a solução para povoar as até então ineficazes ciclovias de Lisboa passou a ser - pasme-se! - semear ainda mais algumas destas ineficazes ciclovias de Lisboa, desta vez pondo-lhes mesmo ao lado bicicletas elétricas, a fim de procurar convencer a utilizá-las quem por esses montes e vales se recusava a pedalar.

Começou, por isso, Lisboa a encher-se de ciclistas, e a ver automóveis e motorizadas desaparecer do horizonte visual e olfativo das aflitas e intoxicadas famílias da Capital? Claro que não!

O trânsito continuou caótico, nauseabundo, às zonas de estacionamento verde, amarela e encarnada vieram juntar-se a castanha e a negra - penso que, tal como operação militar especial, o termo negra ninguém irá censurar...*) -, e, tal como dantes, os níveis de poluição não param de aumentar.

Não deixa de ser verdade que, principalmente nas horas de ponta, lá circulam por essas dispendiosas ciclovias uns quantos cidadãos. Circulam, mas de forma não controlada nem fiscalizada. Circulam, mas caótica e irresponsavelmente saindo das ditas vias e pedalando sobre os passeios, ignorando semáforos, atravessando artérias à toa, assim pondo em risco a segurança dos transeuntes, às mãos e aos pés de absolutos ignorantes das disposições do Código da Estrada, que nem exame de código necessitam de fazer, para mais os atrair para cima da miraculosa e impoluta bicicleta. Para facilitar...

Feitas as contas, evidente se tornou, pois, a inutilidade de andar por aí a espalhar mais um ror de ciclovias numa terra cujos habitantes não gostam, nem alguma vez irão gostar, de pedalar.

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Chegado a esta conclusão, o irresistível e inigualável prazer que o Partido da Maioria Absoluta parece experimentar sempre que estende a mão à já irrisória extrema-esquerda portuguesa redundou, uma vez mais, numa demonstração da brilhante e fulgurante demagogia a que o Partido Socialista há muito nos vem a habituar: reduzir em mais dez quilómetros por hora a velocidade máxima de circulação automóvel em Lisboa*).

Do ponto de vista da despesa, a ideia é genial, já que o custo é praticamente nulo, além de uma ou outra campanha na comunicação social. Fora isso, poucos são os sinais de trânsito que terão de ser alterados, já que se trata de uma medida de aplicação genérica, e não pontual. Assim, quando se constatar que foi mais uma ideia abstrusa que fracassou perante a monolítica falta de educação e de consciência social dos destinatários, pelo menos ninguém poderá assacar à insignificante força política proponente denominada "Livre" qualquer responsabilidade pelo custo; ou, se alguém o fizer, ela facilmente a descartará.

Mas, por que é, afinal, que a medida vai falhar?

Muito simplesmente porque, como qualquer um entende, a maior parte da poluição saída do tubo de escape não ocorre quando um veículo circula a uma velocidade estabilizada, como acontece em horas de baixa densidade de tráfego, seja essa velocidade de quarenta, de cinquenta ou, até, de oitenta quilómetros por hora: o que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar.

Quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece? Nessas horas em que o ar se pinta de partículas castanhas e cinzentas enquanto os motores queimam, inutilmente, preciosas toneladas de combustível perante a impotência e incompetência camarárias para fazer face ao comodismo e à falta de educação de quem, tendo alternativa, por aí anda a circular?

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Por falar em alternativa, a alternativa disponível ao Estado e à Autarquia para por termo a este lastimável estado de coisas seria, como todos sabemos, dotar a Cidade de uma rede de transportes públicos digna desse nome. Uma rede atrativa, económica, confortável, eficiente e digna de todos os encómios que cada um de nós gostaria de lhe poder associar.

Em vez disso, e porque estas coisas são caras, levam tempo, Roma e Pavia não se fizeram num dia e toda a lista de argumentos à disposição do mamute socialista de cuja cultura é característica essencial o bem típico hábito indígena de procrastinar, temos uma rede de autocarros lenta, aborrecida, atrasada, entediada, onde abanam ao sabor das curvas milhares de portugueses que nem um carrito hiper-usado têm dinheiro para comprar, porque, se tivessem, seria nele que se iriam deslocar; e uma rede de metropolitano que, comparada com outras europeias mais parece a de um comboio de brincar. Da rede de amarelos da Carris que ficam horas parados na calçada para não arrancar o farolim de trás de um selvagem mal estacionado, nem vale a pena falar.

Os táxis, os ubers e quejandos estão pela hora da morte e poluem tanto como qualquer outro automóvel, pelo que nenhum bem a este quadro negro vêm acrescentar.

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O partido extremista que propôs e, sabe-se lá como, fez o pusilânime Partido da Maioria Absoluta aprovar a ridícula e aberrante medida de reduzir ainda mais a velocidade em Lisboa, tem a liberdade no nome, mas não no coração. Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda, demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!", ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar.

Qual partido de extrema-direita, não hesitou o suposto "Livre" em fazer limitar, ainda mais, aos lisboetas a liberdade e a fluidez de circulação nas horas menos complicadas, unicamente a troco da fútil esperança num protagonismo desbragado que redundasse num magro punhado de votos numa próxima eleição, e em nada contribuindo para melhorar a situação nas horas de ponta em que os trabalhadores deixam as suas casas e a elas regressam depois, com as paciências esgotadas e ansiosos por, finalmente, repousar.

A moda, tida por politicamente correta por quem apenas a sua paróquia governa, de aproveitar o mais ínfimo pretexto para, por medo da crítica ou por mais ou menos inconfessável interesse, impor, aos veículos motorizados, reduções drásticas na velocidade de circulação conduz, por vezes, a aplicações tão excessivas e descabidas que acabam por tornar o politicamente correto em eleitoralmente perigoso, dada a desrazoabilidade ou mera inutilidade das decisões tomadas, bem como o manifesto desequilíbrio entre os interesses em presença.

A bárbara redução do limite de velocidade nas cidades não é, seguramente, o caminho adequado à resolução dos prementes problemas da circulação automóvel, do estacionamento e da poluição atmosférica.

Para os eleitores, a resposta está em encontrar quem saiba, queira e tenha a coragem necessária a implementar uma eficaz, eficiente, económica e confortável rede de transportes públicos que, efetivamente, incentive a imobilização do parque automóvel por parte dos habituais utilizadores.

Como tão providencial criatura parece inexistir no qualitativamente muito limitado recheio das forças políticas atuais, inevitável se torna que despropositados cuidados paliativos como este se tornem irresistíveis para os mais incompetentes daqueles que se dedicam à governação.

Para os lisboetas, para os portugueses, os problemas do trânsito nas cidades continuarão, assim, sem solução.

Tal como o problema da poluição...

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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022


Tenho de Vir Deitar Água Fora para Ganhar Dinheiro

Esta insólita situação decorre da existência de um contrato, supostamente celebrado entre a Câmara Municipal e uma empresa de abastecimento de água, segundo o qual, a qualquer comerciante que não gaste, mensalmente, pelo menos um metro cúbico do precioso líquido, é aplicada a taxa máxima de saneamento: quarenta euros.

Ora, a maioria dos espaços comerciais não corresponde a cafés, restaurantes ou outras empresas necessariamente mais gastadoras de água, por força de especificidades da atividade desenvolvida. No entanto, e tanto quanto a reportagem da SIC Notícias nos permite deduzir, nos termos do atual contrato,qualquer tabacaria, livraria loja de eletrodomésticos, boutique, tantas outras que, em circunstâncias normais, utilizam a água apenas para a higiene pessoal de quem lá trabalha e para a limpeza do chão todos os meses, todas ficam obrigadas a deitar fora centenas de litros de boa água  apenas para não pagar uma absurdamente elevada taxa de saneamento que resulta tanto mais inacreditável quanto é certo que, quanto menos água se gasta, menos se despeja na rede pública de saneamento.

Ao que parece, o caso dos particulares não é tão escabroso, mas sempre suficientemente oneroso para que alguns habitantes vão a casa de vizinhos não residentes, não apenas para ver se há correio, mas também para, todos os meses, "deitar água fora".

Segundo outro entrevistado, o assunto foi, já, suscitado numa "assembleia" - supostamente municipal. "Sabemos que há secas, que a água potável falta aí a milhões de pessoas, e nós, em Paços de Ferreira, fazemos isto!".

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Claro que podemos pensar que "pois, que maçada, vejam lá" e considerar que alguma coisa se há de fazer e, afinal, apenas afeta uma parte da população.

Não é assim.

A celebração de contratos deste tipo pode acontecer em qualquer autarquia, seja por chã incompetência dos autarcas que celebram os contratos e dos serviços que sobre eles dão parecer ou os propõem, seja por causas bem mais sérias, das quais sobressai, com naturalidade, a possibilidade de casos destes corresponderem a aproveitamentos obscuros de oportunidades oferecidas pela ideia luminosa de alguém que viu o furo e tratou de, em benefício próprio, o aproveitar.

Que razão poderá, de facto, existir para tamanha sandice? Para tamanha indiferença perante um recurso vital e escasso como a água que, até no Inverno, nos começa a faltar?

O contrato de trinta e cinco anos vigora em Paços de Ferreira desde 2004*), já foi objeto de diversas reportagens e de promessas jamais cumpridas, e prevê, na sua cláusula 65ª, a cobrança de uma "tarifa fixa de saneamento" destinada a "cobrir os custos de conservação e manutenção da rede pública de recolha e tratamento de águas residuais, dos ramais domiciliários e de diversos encargos fixos que permitem disponibilizar os serviços aos utilizadores".

Muito bem: mas, por que razão há de a taxa, supostamente fixa, aumentar exponencialmente quando o utilizador poupa água, em lugar de a esbanjar?

Enfim, uma aberração inicial, porquanto sempre lamentável, ainda poderia ser explicável pelo erro legítimo a que está sujeito qualquer ser humano - ou, no caso em apreço, um ror de seres humanos por cujos olhos o contrato terá passado até à aprovação e formalização pelas partes. Mas, o que não se compreende mesmo, é que, passados os cinco anos que o próprio documento prevê para a revisão dos critérios, a situação se mantenha, mau grado a denúncia pública e a forte contestação do Movimento 6 de Novembro*).

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Que legítima justificação poderá existir para os proventos assim constituídos?

Por que não foi ainda, ao que parece, aberto qualquer processo de inquérito a esta situação?


quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022


Mais Um Bilhetinho para a África do Sul?

Ainda não transitou em julgado mas, a fazer fé nas conclusões do Tribunal Judicial de Leiria, um outrora presidente da Câmara Municipal de Pedrogão Grande será culpado das trampolinices de que foi acusado, mais especificamente prevaricação de titular de cargo público, falsificação de documento e burla qualificada, todas elas relacionadas com o desvio de meio milhão de euros de donativos destinados à reconstrução de primeiras habitações de vítimas dos incêndios que, anos atrás, devastaram a região.

Condenado, tal como um vereador, a pena de prisão efetiva - de sete e seis anos, respetivamente*) -, "foi uma surpresa", "não temos palavras", pena "demasiado pesada".

Até aqui, nada de inovador na reação. Mas, acrescentou, "vai ser uma caminhada muito longa" e "isto não vai ficar por aqui".

Ficando por aí à solta anos a fio enquanto aguarda resultados dos sucessivos recursos, com uma pesada sentença às costas, controlado por uma patentemente ineficaz ação judiciária preventiva dos tribunais portugueses, e apesar de as posses não se compararem às do em tempos escorregadio banqueiro*) - agora em vias de voltar a escapulir-se, se conseguir livrar-se da preventiva naquela indescritível prisão...*) -, será que, em lugar de o agora condenado presidente da autarquia empreender uma "caminhada muito longa" não acabará por, with a little help from his friends *), optar por uma tranquila viagenzinha de avião, talvez não para tão longe como a África do Sul?


sexta-feira, 5 de novembro de 2021


Lisboa - Rua Maria Pia


A Rua Maria Pia corresponde à fileira de edifícios no topo da encosta


A Rua Maria Pia*) corresponde à fileira de edifícios no topo da encosta do Casal Ventoso, do lado direito da imagem, outrora parte da então chamada Estrada da Circunvalação de Lisboa*), que continuava pela Rua Marquês de Fronteira, São Sebastião da Pedreira, Avenida Duque de Ávila, Rua Visconde de Santarém e Rua Morais Soares, até ao Rio Tejo, no início da Avenida Dom Afonso III.

Criada no primeiro ano do século XX, estende-se a Maria Pia por mais de dois quilómetros, ligando a Triste Feia, em Alcântara Terra, à Rua do Arco do Carvalhão, em Campolide.

Parte dela foi, durante vários anos, considerada zona de risco, dada a proximidade ao Bairro do Casal Ventoso, então diariamente procurado por milhares de traficantes e consumidores de estupefacientes, até que, entre 1997 e 2002, foi o bairro desmantelado, a zona foi intervencionada*) e o problema supostamente resolvido - embora recentes testemunhos de moradores*) neguem, que assim seja*), ou alguma vez venha a sê-lo.

Nos últimos anos, têm, por outro lado, ocorrido sinais de alarme quanto à estabilidade do terreno*) e, naturalmente, dos edifícios nele edificados*).

Desafios velhos para o novo Presidente da Câmara Municipal de Lisboa...

sexta-feira, 24 de setembro de 2021


Oficializaram a 'Cunha'

"Foram pisados e ultrapassados diversos duplos traços contínuos da democracia,
da ética, do mero decoro, da mais elementar compostura e educação.
Um político verdadeiramente democrático, não trata, não pode tratar assim uma nação
"


Não estou certo quanto ao facto de podermos, ou não, falar de objetividade na avaliação a que cada um possa proceder da qualidade de um programa humorístico.

Certo será, porém, que, independentemente da qualidade objetiva ou da falta dela, quando o tema é a crítica social desenvolvida sobre prova documental fidedigna e recolhida na sequência de observação atenta, haverá que louvar a iniciativa e que, dos factos satirizados, extrair conclusões do que, a montante dos mesmos, se terá passado nas mentes e nos espíritos de quem os houver protagonizado.

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Gozar com Quem Trabalha
Vem isto a propósito da apresentação, no programa "Isto É Gozar com Quem Trabalha", da SIC,*) transmitido em 12 de Setembro de 2021, de uma montagem de diversos excertos de discursos proferidos durante a campanha eleitoral autárquica, nos quais pontificava uma expressiva sequência de falas do Senhor Primeiro Ministro da República Portuguesa, lembrando que vem aí dinheiro a rodos para distribuir – a chamada bazuca -*), seguida de uma montagem de excertos de mal amanhados discursos de pouco cândidos candidatos, para os quais o facto de conhecerem o número de telemóvel do Ilustre Governante parece ser, relativamente aos restantes, a única vantagem.

O evidente e singelamente intuído corolário de tal conhecimento será, para os basbaques acéfalos e para os mais manhosos dos eleitores, a facilidade com que, uma vez empoleiradas, algumas aves de rapina irão poder lambuzar-se com substanciais restos podres do cadáver de uma expetavelmente mal gerida mini-bazuca autárquica de mil milhões de euros que o Primeiro Governante fica rouco de berrar, nos comícios, que cá veio parar graças aos bons préstimos do Governo a que preside; e que, desses restos, alguma falangetazita ao mal disfarçado escrínio dos eleitores amigalhaços irá parar.

A saturação, a fadiga, terão feito esquecer a Sua Excelência que a bazuca cá veio parar, tal como a todos os outros estados da Comunidade Europeia (CE), por decisão unânime desta, e não por iniciativa ou pressão do Governo de Portugal. Ou seja: vamos receber os tais milhões, não porque o Governo os exigiu, mas porque, espontaneamente, a CE disse “tomem lá”.

Não é impossível que, com toda a naturalidade, algum encorpamento adicional do cabaz se deva a governamental negociação; mas tal não legitima que, pelo simples facto de ser esta, porventura, uma das derradeiras vezes em que o Primeiro Ministro irá a votos, despudoradamente se cavalgue oportunidades, avocando méritos que, patentemente, outros muito mais merecerão.

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Pensam os governados de boa fé, que o tiro da bazuca – que todos parecem ter esquecido tratar-se de uma arma destrutiva*) - se destinará, nas câmaras municipais, a baixar taxas e impostos, ou a tapar buracos nas estradas e a outras benesses há muito anunciadas e mais ou menos comezinhas, enquanto já se sonhará, nas juntas de freguesia, com mais passeios domingueiros de reformados e com os ranchos folclóricos que mais vezes lá irão os seus ânimos desanimados reanimar .

Para gente como dizem ser o homem das golas antifumo inflamáveis*) ou o assessor da padaria*), para gente como o cacique que a nível local manda votar neste ou naquele, o já insuportável chavão da bazuca do Primeiro Ministro surge como tentadora promessa de chorudas golpadas, de proventos expressivos ; e é para os ouvidos desses parasitas que os candidatos não hesitam em acenar com a história do número de telefone milagroso, do qual grossa parte de tão cremoso e muito açucarado bolo irá jorrar.

Mil Milhões
Note-se bem que não é o Secretário-Geral do Partido Socialista (PS) que promete o que quer que seja, já que não é ao Partido que o bolo será entregue, nem será o PS que o irá distribuir ou tem o que quer que seja a ver com a bazuca de cuja conquista o Primeiro Ministro não pára de se gabar: a distribuição dos presentes – perdão, dos fundos – é da competência exclusiva do Governo, pelo que apenas um governante poderá, quanto a isto, prometer o que quer que seja a quem nele ainda quiser acreditar.

Forçoso é, assim, concluir que quem promete os mil milhões é o Primeiro Ministro, logo, que quem anda em campanha eleitoral é… o mesmo Primeiro Ministro, e não o Secretário-Geral, que, na verdade, nada de apelativo tem com que aos eleitores acenar.

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Para que servirá, na prática, o tão invejado número de telefone, se não para meter uma cunha a ver se pinga mais alguma coisinha para o lado de cá?

A ideia que, com estas falas, o Senhor Primeiro Ministro passa é, inevitavelmente, a de que, como dizem os vendedores nas feiras, “pode escolher, Freguês”, desde que na sua autarquia ganhe o PS; e bem o sabe a Ilustre Personalidade, já que, se não tiver capacidade de o saber por si, de tanto nas televisões o repetirem não tem como ignorar.

A escavacada desculpa será, claro está, que não é o Primeiro Ministro que decide as alarvidades que cada candidato irá alardear. Pois não. Mas, sendo eles candidatos pelo mesmo Partido e tendo este um Secretário-Geral eleito, ou este é cúmplice, ou, pelo menos, complacente, ou já perdeu toda e qualquer capacidade de, mesmo sob a ameaça de uma verdadeira bazuca, os ímpetos primários e irresponsáveis dos boçais zelotas controlar.

Erra o Senhor Primeiro Ministro em malbaratar desta forma a sua imagem, uma vez que não foi educado como eles, que o não foram; uma  vez que se sabe ter uma qualidade humana maior do que aqueles de quem oportunisticamente se aproxima atuando, a troco de magro rédito contado em votos de papel, muito longe da classe e do nível expetável em quem, além de tudo o mais, numa ponderada e bem gerida carreira política tão vasto cabedal de experiência acumulou.

Resta-lhe, enquanto presumível candidato a um emprego junto de outros emigrantes em Bruxelas, a consolação de saber que a língua do nosso Torrão Natal não é entendida pelos seus futuros empregadores...

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O Partido Socialista que agora temos*) encontra-se debaixo de fogo, não diretamente da bazuca, mas de cada vez mais volumosas suspeitas de nepotismo e de corrupção – ou seja, daquela mania de estar sempre a meter cunhas para isto ou para aquilo, em favor de quem, pela aptidão, não parece primar.

As coisas chegaram a tal ponto que o simples facto de se ser parente ou amigo de alguém que é, por sua vez, parente ou amigo de alguém do Partido tresanda logo a sinecura, tornando-se tal afinidade, ainda que remota, suficiente para liminarmente arredar do imaginário dos eleitores a ideia de competência para o desempenho de qualquer misérrimo cargo suscetível de, por via da cunha, degenerar em e patega e mesquinha ditadura.

Explicará isto, então, a desfaçatez com que, graças à nimiedade da parlenga arrimada em insuportáveis truísmos e nesta história de se pendurarem nas cunhas para a bazuca, estão a desvirtuar, ainda mais do que é habitual, a campanha eleitoral, a ridicularizar a democracia, a conspurcar a própria ideia de res publica?

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Presidente
Criticam um certo partido da oposição por nos atirar aos olhos espampanantes candidatas radicais, meio despidas nos seus seios ubérrimos para levar eleitores sem eira nem beira a nele votar. Talvez.

Dizem também que, uma vez eleito, o Presidente do Partido Social Democrata seria um ditadorzinho. Mas, vinda de onde viesse, em que seria uma ditadurazinha desse tipo diferente do atual regime que características bem típicas das ditaduras, como a incompetência, a falta de vergonha a todos os níveis, o voluntarismo face aos outros, o facilitismo e indulgência para com o próprio, nos obriga a suportar?

Dizem que o Chega! não tem ideologia. Pois não.*)

Mas, além da bazuca e do tão querido Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que não sabemos em que barraca desta vez irá dar, que ideologia tem o Partido Socialista de hoje, que modelo de governação pratica além do elementar e frequente recurso ao compromisso, à esquiva, ao golpe de rins enquanto esbraceja para não se afundar na pia dos desesperados em que outros partidos cada vez com menos votos se vão precipitando já?

O que esperar de candidatos autárquicos tão desoladoramente fracos como os de qualquer outro partido? 

Acaso estará o Primeiro Ministro apenas a procurar, sob a veste talar do PRR, esconder e desvalorizar tão horríveis carantonhas, tão deselegantes como impreparadas pessoas, esquecendo que, sobretudo em eleições autárquicas, legitimamente se esperaria que fosse nesses candidatos, nessas pessoas e na respetiva competência para governar que a campanha se iria focar?

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Com as pessoas que agora por lá andam, os elevados ideais do Partido Socialista dos tempos do Grupo do Procópio têm já tantas possibilidades de recuperação como qualquer flor sem raiz a agonizar numa jarra, condenada a, até à morte, apenas murchar, definhar.

Foram pisados e ultrapassados, até agora sem qualquer sanção, diversos duplos traços contínuos da democracia, da ética, do mero decoro, da mais elementar compostura e educação. Um partido verdadeiramente democrático, um político verdadeiramente democrático, não trata, não pode tratar assim uma nação.

No quadro de uma campanha eleitoral autárquica, acenar com números de telemóvel e com a famigerada bazuca oferecida de mão beijada pela CE, para mais não serve do que para um partido fortemente centralista, controlador, com quadros ourados, desnorteados, sumamente incompetentes, mas de tiques despudoradamente autoritários, um partido que sabe muito bem que a maior parte dos portugueses não sabe bem o que quer para Portugal, se apresentar com a máscara liberal necessária a captar os votos conseguidos por caciques e oportunistas de bairro, esgorjando por umas gotas de poder e, quiçá, por um prometido bom maço de notas orçamental, que, como quase sempre acontece, uma vez eleitos e em nome do défice e disto e daquilo os protagonistas lhes irão...   negar.

Já a oficialização, a pública institucionalização da cunha, essa, depois disto não haverá como revogar.

Abyssus abyssum

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"Se se pretende educar uma população e elevar o nível da sua consciência ética e cívica, há que fazê-la governar por pessoas competentes e de reconhecidamente elevada qualidade humana: não, nunca, por tugas elementares que, nada tendo de excelente, devemos tratar por Excelência apenas por serem amigos de alguém democraticamente eleito"

sábado, 19 de junho de 2021


Orgulho e Pompa sem Circunstância

 

"Por haver constatado que um espião de leste operava no seu gabinete,
demitiu-se sem hesitar um outrora chanceler da República Federal Alemã.
Por haver, com dolo ou negligência, sido praticado um ato de espionagem
pelos Serviços, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa não se demitiu.
Sendo as situações equivalentes, atentas a importância relativa dos dois cargos,
a diferença de atitudes apenas revela que muito pouco de comum existirá
entre o outrora Chanceler e o atual Presidente da Câmara Municipal"

Merece pouco crédito um país no qual se tende a olhar para os governantes mais como gente que prefere governar-se a governar. Mas não será esta a nota dominante da sociedade de faz de conta em que estamos mergulhados e na qual, por uma ou outra razão, muitos de nós são obrigados a continuar a viver?

Não é simplesmente a capacidade de registar a tradição pela escrita que distingue os povos civilizados, mas a capacidade de, individual e coletivamente, elevar o espírito um pouco que seja acima da preocupação com o carrito acabado de sair do stander ainda com o capum a brilhar; acima das imagens de carantonhas horrivelmente feias com esgares supostamente sorridentes a olhar para os basbaques em redes sociais onde pontificam relatos com imagens mal enquadradas de glúteos musculados, peitos descaídos, cochas moldadas em celulite em estado de negação; acima da ostentação básica, primária, de quem, por ter aprendido a dar uns toques na bola acena com milhões a populações esfomeadas e sanitariamente enfraquecidas; acima da vaidade desmesurada e da febre de protagonismo de quem nem miolos tem para olhar para o Mundo e entender o que lhe está a acontecer.

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No caso específico dos políticos e dos aspirantes a políticos, é conhecida a tendência para uma espécie de justificado evemerismo relativamente aos pais fundadores dos respetivos partidos, embora ele apenas se manifeste em colagens à imagem dos seus deuses particulares, sem que tal aproximação para consumo mediático corresponda ao mais ténue propósito de os bons exemplos lhes seguirem.

Havia, entre os povos bárbaros, quem pensasse que, por vezes, os deuses adormeciam para voltar um dia em toda a sua pujança e poderio. Nos partidos políticos, todavia, sabe-se que os  deuses particulares, os seus chefes endeusados, quando desaparecem, é para sempre - e para alívio de uns quantos alarves vazios de valores, de ideais e de ideias, que apenas sonham subir a pulso por patológica necessidade de os seus complexos de inferioridade mitigar, mandando nos outros com um poder vazio de autoridade, e com o planeamento, a disciplina e o rigor próprios das ondas do mar.

Cientes, lá bem no fundo, da própria incapacidade para se guindar e manter em funções cujos requisitos excedem, largamente, as suas capacidades intelectuais, emocionais e educacionais, praticam e fomentam a prática do big brother que lhes convém enfaticamente condenar - e muito bem - nos sistemas ditatoriais, espiando os comportamentos, perscrutando os segredos mais íntimos, ordenando escutas, transmitindo a regimes totalitários dados confidenciais acerca dos respetivos opositores, assim lançando o anátema sobre os países ou cidades que administram*) na forma incompetente de quem apenas cuida de acumular créditos junto daqueles de quem, em regimes aparentemente democráticos, dependem para a contagem dos votos.

Pouco importa se a indiscrição vem de cima, do meio ou de mais abaixo: se o ato é deliberado, é crime com dolo eventual, a existir prática firmada e sobejamente conhecida, por parte do regime que governa o Estado beneficiário da informação, da perseguição política indo não raramente até ao homicídio; se o ato não é deliberado*), a simples possibilidade de ocorrência da fuga de informação diz bem da efetiva indiferença com que a questão dos direitos fundamentais - designadamente da segurança e da privacidade - é encarada por gnomos subservientes de olhar perdido e sem vontade própria, além da vontade de ficar bem visto aos olhos do chefe ou do patrão e, se possível, também da mal governada população.

Tempos houve em que, independentemente da responsabilidade direta, havia o bom hábito de os superiores hierárquicos em cargos públicos se afastarem na sequência de faltas dos seus subordinados, fosse pela prática de crimes, fosse por atos de espionagem*), fosse, ainda, por responsabilidade em catástrofes na sequência de erros técnicos ou de mera incúria funcional*).

Nestes quadros, tal como no de partilha, com outros países, num ato facilmente equiparável a espionagem, de dados pessoais que possam comprometer a segurança, a liberdade e, mesmo, as vidade pessoas que lutam pela liberdade de terceiros*), substituir a demissão espontânea por um débil pedido de desculpas públicas*) - expressão intensa mas inane - não passa de mera hipocrisia, de mais um expediente para salvar um residual de imagem; e um punhado de votos.

Por haver constatado que um espião de leste operava no seu gabinete, demitiu-se um outrora chanceler da República Federal Alemã. Por haver, com dolo ou negligência, sido praticado um ato de espionagem pelos Serviços, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa não se demitiu*). Atenta a importância relativa dos dois cargos e sendo as situações equivalentes, a diferença de atitudes apenas revela que muito pouco de comum existirá entre o outrora Chanceler e o atual Presidente da Câmara Municipal.

No entanto, o papel de um autarca de Lisboa não se limita a preocupar-se (pouco) com a situação da Rua Maria Pia*) ou do Bairro das Murtas*); a deixar morrer, como o fez um seu antecessor, prematura e inutilmente ícones como o Teatro Vasco Santana*) e a Feira Popular*); a assobiar para o lado perante edifícios que apodrecem, como o Hospital de Arroios*), o antigo Liceu Rainha Dona Amélia*), ou o Palácio das Águias*), ou a desprezar a Tapada das Necessidades*), já para não falar da vergonha do estacionamento na Avenida Almirante Gago Coutinho*) e do maná garantido pela EMEL em zonas em que os parquímetros estão bem longe de se justificar*).

Ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa cumpre zelar pela honra e pela dignidade da Cidade e de quantos lá mora, em lugar de negligenciar medidas elementares que assegurem a salvaguarda dos direitos constitucionais dos cidadãos que lá moram, em lugar de procurar alijar responsabilidades procurando fazer, de forma insidiosa, classificar como mero erro burocrático *) um flagrante e muito grave incumprimento da lei.

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Certas pessoas vivem imersas em orgulho e pompa, mas sem circunstância; e não é gloriosa a sua egocêntrica e, por vezes, despudorada guerra.

A ânsia de ser eleito para, dessa forma, poder servir uma organização ou uma comunidade deu lugar à ânsia de ser eleito ou promovido para assim poder servir-se de uma mole humana impreparada e cada vez mais indiferente, também ela preocupada apenas em fazer-se valer, quanto mais não seja no papel de capacho, de chega-me isso, de satélite de bem mais competentes manipuladores. É bem verdade que “a melhor forma de te não dizerem pequeno é dizeres dos outros que são grandes. Sobretudo se for mentira *)”.

Basta lembrarmo-nos do indescritível sentimento que experimentamos quando vemos e ouvimos supostamente ilustres mas notoriamente impreparados e pouco capazes deputados da Nação balbuciar os escritos que lhes põem à frente, hesitando nas palavras difíceis, na pontuação, errando a entoação.

As coisas são o que são e, quase sempre, são também aquilo que parecem: “La radio et la télévision fabriquentdes grands hommes pour de petites gens *)”.

O mal não se restringe à classe política: é endémico, na sociedade portuguesa e também lá por fora, tendendo a corrupção e o nepotismo a grassar incontrolavelmente. Os seus efeitos manifestam-se, seja na administração pública, seja em empresas nas quais o interesse dos investidores cede perante a doentia sede de autopromoção de dirigentes que, de gestores, apenas têm, em cartões de visita mais ou menos folclóricos, a designação por baixo do nome. Num e noutro caso, geralmente em países económica e socialmente falidos - como não será difícil exemplificar.

A questão de fundo é, no entanto, de uma simplicidade para muitos quase atroz: a inevitável ignorância da origem, da essência, da finalidade, do destino, próprios, de todos os outros e de todas as coisas. Mas como entender que a fragilidade imanente desse estado de dúvida não resulte, inversamente, na necessidade de dar, de apoiar, de consolidar, de valorizar o tempo que todos sabemos que, tarde ou cedo, para cada um de nós irá acabar, em lugar de tirar desta vida aquilo que se habituaram a dizer que é o que, para a tumba, ainda podem levar?

Se for verdade que a verdadeira imortalidade é a que resulta da memória com que os outros ficam da passagem de cada um de nós pelas suas vidas, bem melhor fariam certos lastimáveis palermas cheios de si em passar uns minutos a imaginar – já que gostam tando da mais ou menos parola imagem - que bela imortalidade para os seus vindouros irão deixar.

A menos que esses vindouros não sejam melhores seres humanos do que eles, o que, da maneira como isto para aí vai, não será, seguramente, uma hipótese a descurar.

sábado, 5 de junho de 2021


Sporting: Direito de Comemoração?

"Ao aceitar, apesar de tudo, manter-se em funções, poderá o infeliz e desajeitado
Ministro da Administração Interna estar a fazer um enorme favor ao amigo que o nomeou,
mas é incomensurável o dano que, nessas mesmas funções,
causa a cada um dos desgovernados que agora somos"


   1. Direito de Manifestação ou Direito de Comemoração?
   2. O Imperativo Legal de a Câmara Municipal de Lisboa Impedir as Comemorações
   3. O Improviso Quase Encomendado
   4. Desmandos a Mando do Futebol
   5. Hooligans à Portuguesa
   6. Os Poderes Políticos Foram Eleitos, Nomeados e Mandatados para quê?


1. Direito de Manifestação ou Direito de Comemoração?

Mais do que uma necessidade, a desambiguação vocabular*) constitui imperativo de quantos primam por fazer-se entender na significação estrita que quiseram exprimir, mormente em questões de índole jurídica ou política, por serem das que mais expressivamente afetam a vida e o bem-estar individual e coletivo e, no caso de que aqui trataremos, dando especial relevo às relacionadas com a preservação da saúde e da vida num cenário de epidemia ou de pandemia - de COVID-19 ou de qualquer outra que, a mais ou menos breve trecho, não deixará de vir.

Refletirei brevemente sobre a diferença entre os substantivos objeto e objetivo, reflexão essa antecedida de outra sobre o que se entende, por um lado, por direito de reunião ou direito de manifestação e, por outro lado, por direito de promover ajuntamentos de pendor mais ou menos chauvinista, destinados à glorificação de sucessos desportivos, ou a exaltar as assim chamadas conquistas de um ou outro clube de futebol.

Exemplificarei com aquilo que ocorreu em Lisboa*) e um pouco por todo o Portugal*) no dia em que se soube que, ao fim de dezanove anos de jejum, o campeão nacional português de futebol de 2020/2021 iria ser o Sporting Clube de Portugal.

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A diferenciação entre o direito de reunião e o direito de manifestação não mereceu, por parte dos Constituintes de 1976,  ser contemplada no Diploma Fundamental. No entanto, enquanto o direito de reunião não tem uma conotação necessariamente política, pode significar o que quisermos, o direito de manifestação radica na própria ideia de democracia, parecendo inegável ser dirigido à divulgação e salvaguarda dos direitos políticos de cidadãos que pretendam fazer valer, junto de terceiros, os seus pontos de vista, na defesa de causas que, num quadro democrático, lhes mereçam atenção e dedicação.

Dificilmente fará, assim, qualquer sentido confundir com manifestação um ajuntamento magno de adeptos de uma associação desportiva ou qualquer outra de cariz mais ou menos lúdico, visando o simples alarde da vitória de umas dezenas de milionários que passaram boa parte do ano – e da vida - a procurar enfiar uma bola de dimensões relativamente ínfimas numa rede imensa, mesmo que esteja ela zelosamente defendida por um abnegado guardador.

Estas explosões de cariz irracional e primário promovidas, de forma rotineira, por claques nascidas do fanatismo de uns poucos que parecem pouca ou nenhuma ideia ter do que por aqui aos outros andam a fazer - e, por assim dizer, descarregam, nos infelizes que pertencem a outro clube, as excrescências humorísticas do sucesso a que chamam “nosso” e que, por instantes, quase os faz esquecer a futilidade das sua vidas sem rumo –, enquadram-se, portanto, não no direito de manifestação, mas no direito de reunião que, no final da década de setenta do século passado, pelos Constituintes, terá, também ele, sido mais mais associado ao direito de reunião política e democrática do que ao das comemorações mais ou menos alarves, dos banquetes ou das festas de aniversário mais ou menos parolas, sobre os quais, porventura por manifesto demérito de tais eventos, nem lhes terá parecido necessário ou útil regular.

Há que lamentar, também aqui, aquela que parece ser uma ideia generalizada por parte de quem legisla, essa de não se ter, amiúde, o cuidado mínimo de clarificar o que se entende por cada conceito ou termo técnico-jurídico utilizado, antes deixando ao mal preparado cidadão a tarefa de adivinhar – porque para mais não sabe - nos termos do art.9º do Código Civil*), e aos tribunais o cuidado de, mais tarde, interpretar quando a coisa dá para o torto e pouco ou nada haverá, já, a fazer para o dano evitar. Depois, fica toda a gente muito admirada com o entupimento do sistema judiciário com coisas que, com um pouco de cuidado, até teria sido bastante fácil evitar.

Entendeu-se, pois, nos conturbados anos da génese desta já não tão jovem democracia, que o direito de reunião era algo suficientemente próximo do direito de manifestação para nem justificar que fosse contemplado em norma distinta, assim tendo o texto do art.45º acabado por dizer, sob a epígrafe “Direito de reunião e de manifestação”, que “1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização” e que “2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação”.

Não obstante, o art.1º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de Agosto, é bem claro ao interpretar o texto constitucional no sentido de que esses direitos de reunião e de manifestação apenas são reconhecidos “para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas”, explicitando o n.º 2 do seu art.3º que “As autoridades competentes só poderão impedir as reuniões cujo objeto ou fim contrarie o disposto no artigo 1.º (…) *)".

Reza, por fim, o n.º 1 do art.5º que “As autoridades só poderão interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público quando forem afastados da sua finalidade pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no n.º 2 do artigo 1.º


2. O Imperativo Legal de a Câmara Municipal de Lisboa Impedir as Comemorações

O que, antes de mais, haverá que clarificar é, sob o ponto de vista vocabular, a destrinça entre objeto e fim, conceitos muitas vezes confundidos dada a semelhança terminológica entre objeto e objetivo (substantivo significando finalidade, fim), mas que, porque a letra da lei os separa, haverá, também, que na interpretação assim fazer.

Afastando-nos da tendência para a ligeireza e o facilitismo por parte de quem entende que qualquer coisa pode significar tudo e mais alguma coisa, dir-se-á que, enquanto por finalidade ou fim se designa o objetivo, a motivação, a razão pela qual determinado ato é praticado ou um processo desencadeado, por objeto entende-se aquilo sobre que esse ato ou processo incide ou sofre os seus efeitos sem, todavia, constituir a finalidade do mesmoObjeto é toda a coisa, o assunto, a substância que são afetados pela concretização das medidas que visam a prossecução do objetivo. Todas as pessoas que estão próximas ou que, de alguma forma, podem ver afetados os seus legítimos direitos são, desta forma, objeto de uma comemoração que, mesmo indiretamente, os afete, mas não são o seu objetivo, o qual mais não é, afinal, do que a exaltação, apenas por uns quantos, de determinado acontecimento que noutros tão pouca euforia suscitará.

As pessoas, todas as pessoas próximas, são, então, objeto, ainda que involuntário, de qualquer reunião que tenha, como objetivo, uma comemoração como a que há dias aconteceu em Lisboa, às portas do Estádio José de Alvalade e pela rua fora, até ao Marquês de Pombal*).

Dito isto, nos termos do citado n.º 2 do art.3º do Decreto-Lei 406/74 as autoridades poderão – e deverão, já que de um poder vinculado se trata – impedir a realização de reuniões ou manifestações sempre que, não apenas o objetivo*) declarado seja contrário “à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas”, mas também quando, pelas suas características ou natureza, previsivelmente resultem no afrontamento de qualquer destes valores junto de quem se torna objeto*) involuntário da comemoração.

Exemplificando, se o promotor de determinado evento entrega à entidade competente um aviso prévio nos termos do art.2º do mesmo Decreto-Lei, tem esta o poder-dever de impedir o evento desde que, fundamentando, conclua que o direito dos cidadãos à segurança sanitária em tempos de pandemia será seriamente comprometido pela realização do evento nos moldes previstos, ou que dela resultem danos à ordem e à tranquilidade pública.

Saliente-se que, contrariamente ao que por aí se tem dito para alijar responsabilidades evidentes, nada têm estas disposições a ver com qualquer estado de calamidade ou de emergência, sendo de aplicação genérica, mesmo em conjunturas consideradas normais.

Assim, dúvida não pode existir de que a autoridade do Estado jamais e de forma alguma estará limitada na defesa da ordem e na salvaguarda dos direitos dos cidadãos contra os desmandos de meia dúzia de alarves que preferem ignorar que têm o direito a quase tudo, mas não àquilo que a lei expressamente, no interesse de todos, proíbe.

A Constituição é o garante da democracia, não um pretexto para a claquocracia, para a chauvinocracia ou para a futebolocracia, que em tanta coisa, hoje em dia, parecem mandar e tanto temor junto do poder político suscitar.

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Refira-se, ainda, que embora a redação original do n.º 1 do art.2º dissesse que deveria ser avisado “o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito”, com a extinção do cargo de governador civil a capacidade para receber o aviso passou a ser exclusiva dos presidentes da câmara (cf. art.2º da Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro*)), assim inexistindo qualquer dúvida ou uidade relativamente a ela.

Não é, pelo exposto, verdade que “Dentro do que é o nosso quadro de competências, a Câmara de Lisboa não tem de autorizar manifestações, nem reuniões. Ou elas acontecem espontaneamente ou tentam organizar-se com os promotores"*) . Ocorre antes que, longe de corresponder a uma inconstitucionalidade material, a delimitação casuística, por parte das câmaras municipais, do direito de manifestação no quadro da legislação já referida é um imperativo legal, que em nada diminui a extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (cf nr.3 do art.18º da Constituição da República Portuguesa).

Por fim, perante um desfilar de cidadãos fortemente etilizados numa altura em que o consumo de bebidas alcoólicas era proibido na via pública, perante milhares de indivíduos colados uns aos outros e sem qualquer proteção na cara, numa altura em que o distanciamento social é obrigatório, tal como o uso de viseira ou máscara, estes factos constituem razão mais do que suficiente para obrigar as autoridades a determinar às forças de segurança que ponham cobro ao evento ao abrigo do que diz o n.º 1 do art.5º do Decreto-Lei 406/74 – ou nos termos, já que se trata, como vimos, de um poder vinculado.

Ponham cobro”, desde que, naturalmente, lhes disponibilizem os meios adequados*).


3. O Improviso Quase Encomendado

A competência para o desempenho de funções de gestão ou políticas é medida, essencialmente, pela capacidade de integrar, no planeamento da ação, uma precisa antevisão do resultado e a eficaz mobilização dos meios necessários à sua consecução. Bem pelo contrário, dizer que “Uma vitória do Sporting seria sempre uma realidade muito difícil para a cidade de Lisboa *) é como se o Presidente da Câmara encarasse os efeitos mais do que previsíveis da vitória, no campeonato da Primeira Liga de futebol e decorridos tantos anos de jejum, de um dos principais clubes desportivos da Capital com a mesma dose de fatalidade com que contempla o cíclico entupimento de sarjetas e bueiros nas estações do ano em que a chuva molha a sério: simplesmente não sabe o que há de fazer, que medidas há de tomar.

Seria, é verdade, impossível prever com precisão o momento exato em que se declararia a pandemia, mas era inevitável que algo como o que aconteceu entre a Segunda Circular e o Marquês de Pombal sucedesse após quase duas décadas sem vencer o Campeonato por parte de um Clube preponderante num desporto que representa, para muitos, a última esperança de um pouco de euforia na vitória, para esquecer o quotidiano das suas vidas desgraçadas  e em permanente derrota.

Não é, precisamente, esse o papel do Presidente da Câmara, saber o que deve fazer? Não terá, por acaso, ouvido falar da tragédia de Hillsborough*) e do que se lhe seguiu? Como pode, então, assistir impávido e omisso a um ajuntamento selvático, quase com contornos de tumulto, pondo em risco a ordem pública e a salvaguarda do direito à saúde de parte significativa dos munícipes?

Falta de planeamento, falta de reflexos pela Administração, paralisia política no momento, trapalhice e confusão generalizadas em plena pandemia, com fé quase absoluta na eficácia de vacinas ainda incompletamente testadas, são conclusões que sintetizam bem o que se terá passado.

Apesar da desolação das alternativas disponíveis, perante resultados previsivelmente fracos  nas já bem próximas eleições autárquicas, depois de pareceres negativos da Direção-Geral da Saúde e de preocupações veemente expressas pela Polícia de Segurança Pública – cujo email a Câmara alegadamente leu apenas dois dias depois de ter sido enviado -, temos a Tutela, o Partido Socialista e o sucessor tacitamente indigitado do seu Secretário Geral a procurar sacudir a água do capote e alijar responsabilidades, escudando-se, indevidamente, numa lei que, por acaso, até é bastante clara e não dá cobertura às habituais esquivas e golpes de rins. Ou a ficar em silêncio, como, uma vez mais, o eterno e irremediavelmente desajeitado Ministro da Administração Interna*).

Ante a previsível balbúrdia, pensaram, e reuniram, e pensaram, e pensaram horas estiradas sem atinar com a solução, “sempre num cenário muito difícil, que era o de saber que haveria vários milhares de pessoas na rua*), coisa que nem lhes passou pela cabeça impedir, já que tal ato de coragem politicamente irresponsável iria, sem qualquer dúvida, várias dezenas de milhar de votos custar a quem há muito se empenha desesperadamente em, procurando evitar a morte política inevitavelmente ligada à derrota, à tona de água esbracejar.

Se um écran gigante não serve para agregar multidões à sua volta, serve para quê?  E foi pedida licença? Se foi, a quem competia autorizar? Quem autorizou? Porquê?


4. Desmandos a Mando do Futebol

Uma das utilidades sociais do desporto é o facto de permitir drenar a animosidade naturalmente latente em cada indivíduo, assim não sendo se estranhar que o extravasar de emoções aconteça, por vezes, sob a forma de violência bestial e selvagem vinda de brutos acéfalos, indiferentes a quaisquer tentativas ou formas de sensibilização, e que apenas podem ser controlados pela força.

Aquilo a que assistimos pela televisão não são manifestações de alegria, porque não se sabe, sequer, o que é alegria na selva moral onde vivem aqueles bandoleiros desperados, no seu deserto intelectual. Já se sabe que não têm culpa da má sorte que os persegue; que a culpa é um bocadinho de cada um de nós ou de todos nós; que, no estado a que, por nossa causa, chegaram já não têm recuperação possível e por aí fora. Mas, independente de tudo quanto, a seu respeito, possam dizer e possa dizer-se têm de ser controlados; e, se não houver como os controlar, têm de ser punidos, judicialmente afastados do nosso convívio, por magistrados apolíticos e não rendidos aos encantos do assim chamado desporto rei ou de qualquer dos seus clubes, independentemente da dimensão. Não é em vão que futebol é futebol, e o resto são meras modalidades das quais, na maior parte das  vezes, até estranhamos ouvir falar.

Somos economicamente escravos do futebol porque futebolistas e seus treinadores são, por assim dizer, o único produto que lá fora nos granjeia alguma daquela notoriedade essencial à captação de massas de turistas notoriamente parolos, mas cujos sacos de dinheiro são vitais para a atenuação possível do desequilíbrio crónico da balança de pagamentos de um pequeno país que pouco mais sabe fazer do que sorrir ao cámon para assegurar o seu sustento sem ter de pedinchar demasiado lá fora nem aumentar, cá dentro, os impostos a ponto de comprometer, num dos mais corruptos países da Europa e do Mundo, o acesso à panela da República por parte dos mais ou menos crónicos penduras de tão disponível  e cobiçado maná.

Não se diga, porém, que este analfabetismo social e cultural se deve, unicamente, aos famosos quarenta e oito anos de obscurantismo: contei, já, quarenta e sete da suposta época esclarecida e não vejo jeitos de o domínio social e político dos tugas da bola dar sinais de começar a claudicar.

5. Hooligans à Portuguesa

Podemos apiedar-nos, sentir-nos culpados até às lágrimas pela desdita desta gente eticamente enviesada e que, a cair etilizada, de tronco nu, arrastada pela polícia brada, perante as câmaras de televisão e na voz teatral, fininha e esganiçada do popular Zé Chunga que “eu não fiz mal a ninguém”.

Podemos bater no peito as vezes que quisermos, sentir o mais genuíno e premente impulso de correr a salvá-los ou, mais simplesmente, a confortar os seus amargurados e desesperançados corações: têm, mesmo assim, de ser segregados, contidos, em nome do bem maior da segurança de todos os outros que aqueles que aceitam funções governativas juraram proteger e defender, por imperativo constitucional, e independente do impacto no resultado eleitoral.

Num tempo em que ainda se testa a eficácia das vacinas, a simples existência de seres ditos humanos que, nesta ocasião como em tantas outras como, por exemplo, num convívio sem distanciamento ou máscara, não hesitam em nos expor, a todos, a novos surtos ou, mesmo, vagas da pandemia a despeito do sofrimento e da morte dos que foram infetados e dos que, agora, ficaram em risco de o ter sido - sem esquecer a dedicação e abnegação de quantos trabalharam para os evitar - diz bem da maldade, da indiferença, da baixeza de um punhado não tão pequeno daqueles tugas primários e broncos, independentemente do grau de instrução, cujo voto conta tanto como o de qualquer outro, mas que não passam de acéfalos alarves centrados no próprio umbigo, objetivamente feio mas, para eles, tão precioso e digno.

Não se trata de um epifenómeno, mas de uma demonstração da essência daquilo em que, dia a dia, a utilização que temos vindo a fazer do progresso e da técnica está a fazer descambar a civilização como – ainda - a conhecemos; de uma antevisão do futuro se nenhuma medida de fundo no sistema educativo for tomada para o evitar, se nada de eficaz for feito em prol destas pessoas, para dar repouso ao seu desespero latente, para romper neles a crosta do torpor, da indiferença e da inconsciência que, cada vez mais, os afasta dos demais.

Que mensagem estavam, afinal, aqueles indivíduos a tentar passar, que ideal pretendiam, ao abrigo do direito de manifestação, estar a manifestar?

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Os autodenominados manifestantes não expressaram concordância ou discordância com o que quer que fosse. Quando muito, reuniram-se na expressão mais pobre do termo, já que nenhum assunto ali foi tratado. Mais simplesmente, ajuntaram-se amontoaram-se para fazer barulho. Nada mais.

Um mar de gente que, tal como as baleias vão morrer à praia, os usos e o instinto guiaram, amalgamados e sem máscara, para o inevitável Marquês de Pombal. Uma celebração apenas para tornar célebre o feito de meia dúzia de privilegiados, um ajuntamento sem qualquer conteúdo intelectual ou ideológico, uma festarola perigosa nestes tempos de preocupação sanitária e económica, que, como tal, deve ser encarada.

Proponho, assim, a introdução, na Constituição, de um art.45º n.º 3 especificando que “os direitos de manifestação e de reunião não abrangem os eventos de caráter particular, os de índole meramente lúdica nem os relativos a comemorações de âmbito limitado a associações de natureza não política nem sindical, os quais serão regulados nos termos gerais e nos da legislação especial aplicável”.


6. Os Poderes Políticos Foram Eleitos, Nomeados e Mandatados para quê?

A esquálida atuação do poder político contra esta mole humana destacou meios policiais em tão parca quantidade que amiúde se viram forçados a recuar, a reagrupar, a tomar medidas para se proteger.

Com polícias agredidos e feridos, seria de esperar que alguém fosse chamado a pagar por tais crimes. Estamos, porém, em Portugal, paraíso dos brandos costumes, e os políticos e os politiqueiros bem sabem que assim é, pelo que, com a desorientada ação ou com a crónica tendência para a inação, pouco ou nada estão, afinal, a arriscar.

Estamos, também, no Portugal que vai, como sempre, ficar impávido perante o Rt de 1,1 ontem registado no Continente e que acaba de determinar a exclusão da zona verde - sem quarentena obrigatória - na classificação do Reino Unido, automaticamente implicando uma catástrofe económica para o turismo, sobretudo para o Algarve onde o cancelamento de reservas se não fez esperar.

Falta, agora, saber o impacto das comemorações, no Porto, da final da Champions, que fará com que o Presidente da Câmara Municipal do Porto poucas razões tenha, também, para se gabar. Falta, esclarecer, por que foi permitida a presença dos hooligans na Cidade Invicta para uma final entre duas equipas ingleses, quando, em Coimbra, só a uns quantos convidados foi permitido assistir à final da Taça de Portugal.

Portugal continua à deriva, entregue a uma equipa governativa incompetente e totalmente dependente de um Primeiro-Ministro que continua ausente, aproveitando a oportunidade única de campanha eleitoral que a Presidência Portuguesa da União Europeia representa para as suas aspirações a um importante cargo europeu.

Ao aceitar, apesar de tudo, manter-se em funções, poderá o infeliz e desajeitado Ministro da Administração Interna estar a fazer um enorme favor ao amigo que o nomeou, mas é incomensurável o dano que, nessas mesmas funções, causa a cada um dos desgovernados que agora somos.

Por sua vez, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa demonstrou, uma vez mais, não ter a mais ínfima qualidade para almejar o alto cargo de primeiro-ministro, furtando-se a agir com determinação e firmeza quando as circunstâncias, inegavelmente, o exigiam. Faz lembrar aqueles miúdos que limpam as mãos à camisola branca para ninguém ver que estavam sujas, porque ninguém lhes disse - nem têm discernimento para entender - que a porcaria se vê muito melhor na roupa do que nas mãos.

Contas feitas, e porque o que importa é a gente divertir-se e conviver, lá irá a incompetência impor-se nas eleições aí à porta, um pouco como naqueles eventos de certas associações desportivas em que apenas há dois competidores inscritos e um deles, por falta de comparência do outro, o título de Campeão lá acaba por ganhar.

Ut flatus venti, sic transit gloria mundi