"Foram pisados e ultrapassados diversos duplos traços contínuos da
democracia,
da ética, do mero decoro, da mais elementar compostura e
educação.
Um político verdadeiramente democrático, não trata, não
pode tratar assim uma nação"
Não estou certo quanto ao facto de podermos, ou não, falar de
objetividade na avaliação a que cada um possa proceder da qualidade de um
programa humorístico.
Certo será, porém, que, independentemente da qualidade objetiva ou da falta
dela, quando o tema é a crítica social desenvolvida sobre prova documental
fidedigna e recolhida na sequência de observação atenta, haverá que louvar a
iniciativa e que, dos factos satirizados, extrair conclusões do que, a
montante dos mesmos, se terá passado nas mentes e nos espíritos de quem os
houver protagonizado.
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O evidente e singelamente intuído corolário de tal conhecimento será, para os basbaques acéfalos e para os mais manhosos dos eleitores, a facilidade com que, uma vez empoleiradas, algumas aves de rapina irão poder lambuzar-se com substanciais restos podres do cadáver de uma expetavelmente mal gerida mini-bazuca autárquica de mil milhões de euros que o Primeiro Governante fica rouco de berrar, nos comícios, que cá veio parar graças aos bons préstimos do Governo a que preside; e que, desses restos, alguma falangetazita ao mal disfarçado escrínio dos eleitores amigalhaços irá parar.
A saturação, a fadiga, terão feito esquecer a Sua Excelência que a
bazuca cá veio parar, tal como a todos os outros estados da Comunidade
Europeia (CE), por decisão unânime desta, e não por iniciativa ou
pressão do Governo de Portugal. Ou seja: vamos receber os tais milhões, não
porque o Governo os exigiu, mas porque, espontaneamente, a CE disse “tomem lá”.
Não é impossível que, com toda a naturalidade, algum encorpamento adicional do
cabaz se deva a governamental negociação; mas tal não legitima que, pelo
simples facto de ser esta, porventura, uma das derradeiras vezes em que o
Primeiro Ministro irá a votos, despudoradamente se cavalgue oportunidades,
avocando méritos que, patentemente, outros muito mais merecerão.
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Pensam os governados de boa fé, que o tiro da bazuca – que todos parecem ter esquecido tratar-se de uma arma destrutiva…*) - se destinará, nas câmaras municipais, a baixar taxas e impostos, ou a tapar buracos nas estradas e a outras benesses há muito anunciadas e mais ou menos comezinhas, enquanto já se sonhará, nas juntas de freguesia, com mais passeios domingueiros de reformados e com os ranchos folclóricos que mais vezes lá irão os seus ânimos desanimados reanimar .
Para gente como dizem ser o homem das golas antifumo inflamáveis*) ou o assessor da padaria*), para gente como o cacique que a nível local manda votar neste ou naquele, o já insuportável chavão da bazuca do Primeiro Ministro surge como tentadora promessa de chorudas golpadas, de proventos expressivos ; e é para os ouvidos desses parasitas que os candidatos não hesitam em acenar com a história do número de telefone milagroso, do qual grossa parte de tão cremoso e muito açucarado bolo irá jorrar.
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Para que servirá, na prática, o tão invejado número de telefone, se não para
meter uma cunha a ver se
pinga mais alguma coisinha para o lado de cá?
A ideia que, com estas falas, o Senhor Primeiro Ministro passa é,
inevitavelmente, a de que, como dizem os vendedores nas feiras, “pode escolher, Freguês”, desde que na sua autarquia ganhe o PS; e bem o sabe a Ilustre
Personalidade, já que, se não tiver capacidade de o saber por si, de tanto nas
televisões o repetirem não tem como ignorar.
A escavacada desculpa será, claro está, que não é o Primeiro Ministro que
decide as alarvidades que cada candidato irá alardear. Pois não. Mas, sendo
eles candidatos pelo mesmo Partido e tendo este um Secretário-Geral eleito, ou
este é cúmplice, ou, pelo menos, complacente, ou já perdeu toda e qualquer
capacidade de, mesmo sob a ameaça de uma verdadeira bazuca, os ímpetos
primários e irresponsáveis dos boçais zelotas controlar.
Erra o Senhor Primeiro Ministro em malbaratar desta forma a sua imagem, uma vez que não foi educado como eles, que o não foram; uma vez que se sabe ter uma qualidade humana maior do que aqueles de quem oportunisticamente se aproxima atuando, a troco de magro rédito contado em votos de papel, muito longe da classe e do nível expetável em quem, além de tudo o mais, numa ponderada e bem gerida carreira política tão vasto cabedal de experiência acumulou.
Resta-lhe, enquanto presumível candidato a um emprego junto de outros emigrantes em Bruxelas, a consolação de saber que a língua do nosso Torrão Natal não é entendida pelos seus futuros empregadores...
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O Partido Socialista que agora temos*) encontra-se debaixo de fogo, não diretamente da bazuca, mas de cada vez mais volumosas suspeitas de nepotismo e de corrupção – ou seja, daquela mania de estar sempre a meter cunhas para isto ou para aquilo, em favor de quem, pela aptidão, não parece primar.
As coisas chegaram a tal ponto que o simples facto de se ser parente ou amigo de alguém que é, por sua vez, parente ou amigo de alguém do Partido tresanda logo a sinecura, tornando-se tal afinidade, ainda que remota, suficiente para liminarmente arredar do imaginário dos eleitores a ideia de competência para o desempenho de qualquer misérrimo cargo suscetível de, por via da cunha, degenerar em e patega e mesquinha ditadura.
Explicará isto, então, a desfaçatez com que, graças à nimiedade da parlenga arrimada em insuportáveis truísmos e nesta história de se pendurarem nas cunhas para a bazuca, estão a desvirtuar, ainda mais do que é habitual, a campanha eleitoral, a ridicularizar a democracia, a conspurcar a própria ideia de res publica?
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Dizem também que, uma vez eleito, o Presidente do Partido Social Democrata seria um ditadorzinho. Mas, vinda de onde viesse, em que seria uma ditadurazinha desse tipo diferente do atual regime que características bem típicas das ditaduras, como a incompetência, a falta de vergonha a todos os níveis, o voluntarismo face aos outros, o facilitismo e indulgência para com o próprio, nos obriga a suportar?
Dizem que o Chega! não tem ideologia. Pois não.
Mas, além da bazuca e do tão querido Plano de Recuperação e Resiliência
(PRR) que não sabemos em que barraca desta vez irá dar, que
ideologia tem o Partido Socialista de hoje, que modelo de
governação pratica além do elementar e frequente recurso ao
compromisso, à esquiva, ao golpe de rins enquanto esbraceja para não se
afundar na pia dos desesperados em que outros partidos cada vez com menos
votos se vão precipitando já?
O que esperar de candidatos autárquicos tão desoladoramente fracos como os de qualquer outro partido?
Acaso estará o Primeiro Ministro apenas a procurar, sob a veste talar do PRR, esconder e desvalorizar tão horríveis carantonhas, tão deselegantes como impreparadas pessoas, esquecendo que, sobretudo em eleições autárquicas, legitimamente se esperaria que fosse nesses candidatos, nessas pessoas e na respetiva competência para governar que a campanha se iria focar?
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Com as pessoas que agora por lá andam, os elevados ideais do Partido
Socialista dos tempos do Grupo do Procópio têm já tantas possibilidades
de recuperação como qualquer flor sem raiz a agonizar numa jarra, condenada a,
até à morte, apenas murchar, definhar.
Foram pisados e ultrapassados, até agora sem qualquer sanção, diversos duplos traços contínuos da democracia, da ética, do mero decoro, da mais elementar compostura e educação. Um partido verdadeiramente democrático, um político verdadeiramente democrático, não trata, não pode tratar assim uma nação.
No quadro de uma campanha eleitoral autárquica, acenar com números de
telemóvel e com a famigerada bazuca oferecida de mão beijada pela
CE, para mais não serve do que para um partido fortemente centralista,
controlador, com quadros ourados, desnorteados, sumamente incompetentes, mas
de tiques despudoradamente autoritários, um partido que sabe muito bem que a
maior parte dos portugueses não sabe bem o que quer para Portugal, se
apresentar com a máscara liberal necessária a captar os votos conseguidos por
caciques e oportunistas de bairro, esgorjando por umas gotas de poder e,
quiçá, por um prometido bom maço de notas orçamental, que, como quase sempre
acontece, uma vez eleitos e em nome do défice e disto e daquilo os
protagonistas lhes irão... negar.
Já a oficialização, a pública institucionalização da cunha, essa, depois disto não haverá como revogar.
Abyssus abyssum
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"Se se pretende educar uma população e elevar o nível da sua consciência ética e cívica, há que fazê-la governar por pessoas competentes e de reconhecidamente elevada qualidade humana: não, nunca, por tugas elementares que, nada tendo de excelente, devemos tratar por Excelência apenas por serem amigos de alguém democraticamente eleito"
A presença excessiva e exuberante do Primeiro Ministro, enquanto secretário geral do PS, no seu périplo pelo país em apoio aos candidatos socialistas às autarquias, tal como a de outros líderes partidários, extrapolou a apresentação e discussão de assuntos de âmbito e interesse autárquicos, locais. A bazuca, termo detestável, foi a arma de arremesso, passe a redundância, usada por tudo e por nada e acho que esta iniciativa do PM contribuiu para o desaire socialista.
ResponderEliminarSobre a corrupção, considero-a transversal a todas as classes sociais e atravessa o país de lés a lés. Basta a leitura diária dos jornais para verificarmos imensos casos. Na liderança política, e noutras, é óbvio que deve haver probidade e transparência. Acredito, muito sinceramente, que nem todos os políticos são corruptos e vilãos. A diabolização da classe política tornou-se um " mainstream", particularmente dos socialistas, o que me deixa espantada, porque outros partidos têm estado, e continuam a estar, envoltos em teias de corrupção. Para este combate exige-se uma justiça lesta. Não existe e isso é um grande entrave. O discurso sistemático e mastigado do "eles são todos corruptos", banalizou-se na boca de qualquer um e paulatinamente poderá meio caminho andado rumo a um qualquer salvador da pátria . O terreno começa a ser fértil.
É um prazer lê-lo.
Saudações
Sim, concordo que nem todos os políticos são corruptos e vilões. Haverá, até, quem não só se candidate com a melhor das intenções, como quem consiga desempenhar o seu cargo o melhor que sabe e pode merecendo o depreciativo epíteto de 'mediaticamente inexistente', por vezes utilizados por meios de comunicação e seus intérpretes a quem tal discrição priva do ganha-pão.
ResponderEliminarGostaria, até, de acreditar que os discretos e impolutos constituem a moda, a larga maioria.
Mas, sobretudo lembrando-me de certas (muitas) autarquias... não consigo.