quarta-feira, 29 de setembro de 2021


Luís de Sttau Monteiro


Nível Cultural


"
Nível cultural é saber-se que lá fora é melhor mas não saber porquê porque nunca se foi lá fora e mesmo cá dentro foi-se pouco"

Luís de Sttau Monteiro*)           
O Independente    

          

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segunda-feira, 27 de setembro de 2021


All Angels - The Windmills of Your Mind

All Angels


Não se trata, é certo, da versão original, mas o arranjo musical e a tranquilidade que emana das vozes das All Angels*) contribuem, porventura, para destacar das restantes esta interpretação da música do filme de Norman Jewison "The Thomas Crown Affair", de 1968, premiada no ano seguinte com o Óscar da melhor canção original.

Pode ouvir aqui
e seguir a letra aqui

(Imagem: Youtube)

sexta-feira, 24 de setembro de 2021


Oficializaram a 'Cunha'

"Foram pisados e ultrapassados diversos duplos traços contínuos da democracia,
da ética, do mero decoro, da mais elementar compostura e educação.
Um político verdadeiramente democrático, não trata, não pode tratar assim uma nação
"


Não estou certo quanto ao facto de podermos, ou não, falar de objetividade na avaliação a que cada um possa proceder da qualidade de um programa humorístico.

Certo será, porém, que, independentemente da qualidade objetiva ou da falta dela, quando o tema é a crítica social desenvolvida sobre prova documental fidedigna e recolhida na sequência de observação atenta, haverá que louvar a iniciativa e que, dos factos satirizados, extrair conclusões do que, a montante dos mesmos, se terá passado nas mentes e nos espíritos de quem os houver protagonizado.

- x -

Gozar com Quem Trabalha
Vem isto a propósito da apresentação, no programa "Isto É Gozar com Quem Trabalha", da SIC,*) transmitido em 12 de Setembro de 2021, de uma montagem de diversos excertos de discursos proferidos durante a campanha eleitoral autárquica, nos quais pontificava uma expressiva sequência de falas do Senhor Primeiro Ministro da República Portuguesa, lembrando que vem aí dinheiro a rodos para distribuir – a chamada bazuca -*), seguida de uma montagem de excertos de mal amanhados discursos de pouco cândidos candidatos, para os quais o facto de conhecerem o número de telemóvel do Ilustre Governante parece ser, relativamente aos restantes, a única vantagem.

O evidente e singelamente intuído corolário de tal conhecimento será, para os basbaques acéfalos e para os mais manhosos dos eleitores, a facilidade com que, uma vez empoleiradas, algumas aves de rapina irão poder lambuzar-se com substanciais restos podres do cadáver de uma expetavelmente mal gerida mini-bazuca autárquica de mil milhões de euros que o Primeiro Governante fica rouco de berrar, nos comícios, que cá veio parar graças aos bons préstimos do Governo a que preside; e que, desses restos, alguma falangetazita ao mal disfarçado escrínio dos eleitores amigalhaços irá parar.

A saturação, a fadiga, terão feito esquecer a Sua Excelência que a bazuca cá veio parar, tal como a todos os outros estados da Comunidade Europeia (CE), por decisão unânime desta, e não por iniciativa ou pressão do Governo de Portugal. Ou seja: vamos receber os tais milhões, não porque o Governo os exigiu, mas porque, espontaneamente, a CE disse “tomem lá”.

Não é impossível que, com toda a naturalidade, algum encorpamento adicional do cabaz se deva a governamental negociação; mas tal não legitima que, pelo simples facto de ser esta, porventura, uma das derradeiras vezes em que o Primeiro Ministro irá a votos, despudoradamente se cavalgue oportunidades, avocando méritos que, patentemente, outros muito mais merecerão.

-x -

Pensam os governados de boa fé, que o tiro da bazuca – que todos parecem ter esquecido tratar-se de uma arma destrutiva*) - se destinará, nas câmaras municipais, a baixar taxas e impostos, ou a tapar buracos nas estradas e a outras benesses há muito anunciadas e mais ou menos comezinhas, enquanto já se sonhará, nas juntas de freguesia, com mais passeios domingueiros de reformados e com os ranchos folclóricos que mais vezes lá irão os seus ânimos desanimados reanimar .

Para gente como dizem ser o homem das golas antifumo inflamáveis*) ou o assessor da padaria*), para gente como o cacique que a nível local manda votar neste ou naquele, o já insuportável chavão da bazuca do Primeiro Ministro surge como tentadora promessa de chorudas golpadas, de proventos expressivos ; e é para os ouvidos desses parasitas que os candidatos não hesitam em acenar com a história do número de telefone milagroso, do qual grossa parte de tão cremoso e muito açucarado bolo irá jorrar.

Mil Milhões
Note-se bem que não é o Secretário-Geral do Partido Socialista (PS) que promete o que quer que seja, já que não é ao Partido que o bolo será entregue, nem será o PS que o irá distribuir ou tem o que quer que seja a ver com a bazuca de cuja conquista o Primeiro Ministro não pára de se gabar: a distribuição dos presentes – perdão, dos fundos – é da competência exclusiva do Governo, pelo que apenas um governante poderá, quanto a isto, prometer o que quer que seja a quem nele ainda quiser acreditar.

Forçoso é, assim, concluir que quem promete os mil milhões é o Primeiro Ministro, logo, que quem anda em campanha eleitoral é… o mesmo Primeiro Ministro, e não o Secretário-Geral, que, na verdade, nada de apelativo tem com que aos eleitores acenar.

- x –

Para que servirá, na prática, o tão invejado número de telefone, se não para meter uma cunha a ver se pinga mais alguma coisinha para o lado de cá?

A ideia que, com estas falas, o Senhor Primeiro Ministro passa é, inevitavelmente, a de que, como dizem os vendedores nas feiras, “pode escolher, Freguês”, desde que na sua autarquia ganhe o PS; e bem o sabe a Ilustre Personalidade, já que, se não tiver capacidade de o saber por si, de tanto nas televisões o repetirem não tem como ignorar.

A escavacada desculpa será, claro está, que não é o Primeiro Ministro que decide as alarvidades que cada candidato irá alardear. Pois não. Mas, sendo eles candidatos pelo mesmo Partido e tendo este um Secretário-Geral eleito, ou este é cúmplice, ou, pelo menos, complacente, ou já perdeu toda e qualquer capacidade de, mesmo sob a ameaça de uma verdadeira bazuca, os ímpetos primários e irresponsáveis dos boçais zelotas controlar.

Erra o Senhor Primeiro Ministro em malbaratar desta forma a sua imagem, uma vez que não foi educado como eles, que o não foram; uma  vez que se sabe ter uma qualidade humana maior do que aqueles de quem oportunisticamente se aproxima atuando, a troco de magro rédito contado em votos de papel, muito longe da classe e do nível expetável em quem, além de tudo o mais, numa ponderada e bem gerida carreira política tão vasto cabedal de experiência acumulou.

Resta-lhe, enquanto presumível candidato a um emprego junto de outros emigrantes em Bruxelas, a consolação de saber que a língua do nosso Torrão Natal não é entendida pelos seus futuros empregadores...

- x -

O Partido Socialista que agora temos*) encontra-se debaixo de fogo, não diretamente da bazuca, mas de cada vez mais volumosas suspeitas de nepotismo e de corrupção – ou seja, daquela mania de estar sempre a meter cunhas para isto ou para aquilo, em favor de quem, pela aptidão, não parece primar.

As coisas chegaram a tal ponto que o simples facto de se ser parente ou amigo de alguém que é, por sua vez, parente ou amigo de alguém do Partido tresanda logo a sinecura, tornando-se tal afinidade, ainda que remota, suficiente para liminarmente arredar do imaginário dos eleitores a ideia de competência para o desempenho de qualquer misérrimo cargo suscetível de, por via da cunha, degenerar em e patega e mesquinha ditadura.

Explicará isto, então, a desfaçatez com que, graças à nimiedade da parlenga arrimada em insuportáveis truísmos e nesta história de se pendurarem nas cunhas para a bazuca, estão a desvirtuar, ainda mais do que é habitual, a campanha eleitoral, a ridicularizar a democracia, a conspurcar a própria ideia de res publica?

- x –

Presidente
Criticam um certo partido da oposição por nos atirar aos olhos espampanantes candidatas radicais, meio despidas nos seus seios ubérrimos para levar eleitores sem eira nem beira a nele votar. Talvez.

Dizem também que, uma vez eleito, o Presidente do Partido Social Democrata seria um ditadorzinho. Mas, vinda de onde viesse, em que seria uma ditadurazinha desse tipo diferente do atual regime que características bem típicas das ditaduras, como a incompetência, a falta de vergonha a todos os níveis, o voluntarismo face aos outros, o facilitismo e indulgência para com o próprio, nos obriga a suportar?

Dizem que o Chega! não tem ideologia. Pois não.*)

Mas, além da bazuca e do tão querido Plano de Recuperação e Resiliência (PRR) que não sabemos em que barraca desta vez irá dar, que ideologia tem o Partido Socialista de hoje, que modelo de governação pratica além do elementar e frequente recurso ao compromisso, à esquiva, ao golpe de rins enquanto esbraceja para não se afundar na pia dos desesperados em que outros partidos cada vez com menos votos se vão precipitando já?

O que esperar de candidatos autárquicos tão desoladoramente fracos como os de qualquer outro partido? 

Acaso estará o Primeiro Ministro apenas a procurar, sob a veste talar do PRR, esconder e desvalorizar tão horríveis carantonhas, tão deselegantes como impreparadas pessoas, esquecendo que, sobretudo em eleições autárquicas, legitimamente se esperaria que fosse nesses candidatos, nessas pessoas e na respetiva competência para governar que a campanha se iria focar?

- x -

Com as pessoas que agora por lá andam, os elevados ideais do Partido Socialista dos tempos do Grupo do Procópio têm já tantas possibilidades de recuperação como qualquer flor sem raiz a agonizar numa jarra, condenada a, até à morte, apenas murchar, definhar.

Foram pisados e ultrapassados, até agora sem qualquer sanção, diversos duplos traços contínuos da democracia, da ética, do mero decoro, da mais elementar compostura e educação. Um partido verdadeiramente democrático, um político verdadeiramente democrático, não trata, não pode tratar assim uma nação.

No quadro de uma campanha eleitoral autárquica, acenar com números de telemóvel e com a famigerada bazuca oferecida de mão beijada pela CE, para mais não serve do que para um partido fortemente centralista, controlador, com quadros ourados, desnorteados, sumamente incompetentes, mas de tiques despudoradamente autoritários, um partido que sabe muito bem que a maior parte dos portugueses não sabe bem o que quer para Portugal, se apresentar com a máscara liberal necessária a captar os votos conseguidos por caciques e oportunistas de bairro, esgorjando por umas gotas de poder e, quiçá, por um prometido bom maço de notas orçamental, que, como quase sempre acontece, uma vez eleitos e em nome do défice e disto e daquilo os protagonistas lhes irão...   negar.

Já a oficialização, a pública institucionalização da cunha, essa, depois disto não haverá como revogar.

Abyssus abyssum

- x - x -

"Se se pretende educar uma população e elevar o nível da sua consciência ética e cívica, há que fazê-la governar por pessoas competentes e de reconhecidamente elevada qualidade humana: não, nunca, por tugas elementares que, nada tendo de excelente, devemos tratar por Excelência apenas por serem amigos de alguém democraticamente eleito"

quarta-feira, 22 de setembro de 2021


Marguerite Yourcenar

Nature Humaine

"
A natureza humana pouco se altera,sendo, no entanto, capaz de uma extraordinária plasticidade exterior"

"La nature humaine change peut
tout en étant capable d´une plasticité extraordinaire à l´extérieur
"

Marguerite Yourcenar*)           
       Entretien avec Claude Servan-Schreiber
Juillet 1976                   


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segunda-feira, 20 de setembro de 2021


Por Outro Lado...

Numa época em que o que conta é o espetáculo, em que as entrevistas de fundo parecem contar pelo impressivo tom de voz de quem pergunta, pelas filmagens por drone, pela aparente incapacidade de manter uma conversa longa e profunda, sem artifícios, sem montagens, sem tudo fazer para parecer moderno, dinânico, arrojado, diferente de tudo, vêm à memória sete anos de entrevistas tranquilas, de onde a paz e a profundidade emanam ao longo de cinquenta ininterruptos minutos da voz serena de Ana Sousa Dias e de quanto, com maestria, conseguia arrancar da caixa de segredos de convidados escolhidos, num formato que, é certo, não agradaria às assistências de hoje, mas que continha algo a cujos calcanhares hoje só muito dificilmente um entrevistador conseguirá chegar.

Alguns exemplos que pode ver aqui: Maria José Morgado, João Lobo Antunes, João Amaral, tantos outros...

(Imagem: Arquivo RTP)

sábado, 18 de setembro de 2021


Esposas: Sede Submissas! Pois...

 

A discussão é boa e saudável apenas até ao ponto em que se torna repetitiva e fastidiosa,
em que se transforma em gritaria que já se não ouve, em que nenhuma luz consigo traz
que esclareça e nos ajude a viver em paz

Em questões socialmente melindrosas, tão imprudentes se revelam as reações a quente
baseadas em afloramentos interpretativos à revelia da razão,
como a razão pobre de uma repetitiva, dogmática, confusa, rebuscada
e nada convincente interpretação

1. O Pomo da Discórdia

2. Como Interpretar?

    2.1. Perspetiva Imediatista
    2.2. Perspetiva Eclesial
    2.3. Perspetiva Histórica
    2.4. Perspetiva Teleológica
        2.4.1. As Relações Sociais Como Objetivo Primeiro das Cartas
        2.4.2. A Motivação Escondida na Polémica Passagem
        2.4.3. Alquimia
        2.4.4. Valorização

3. Prática Eclesiástica
    3.1. Duas Questões de Legitimidade
    3.2. A Questão da Utilidade

4. Conclusão

 

O Pomo da Discórdia
1. O Pomo da Discórdia

Era inevitável, como sempre o é quando, a cada três anos por esta mesma altura, é lida nas celebrações eucarísticas o excerto da Epístola aos Efésios que, literalmente, reza “As mulheres submentam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher (…)*) (Ef 5:22), tal como em Colocenses 3:18 por outras palavras se diz o mesmo.

Quando, por obra de Deus para uns, para cúmulo do azar para outros, manda o calendário que este excerto seja lido numa conjuntura em que a questão da submissão das mulheres domina a cena política e social em virtude da tomada do poder pelos Talibãs no Afeganistão, inevitável se torna que múltiplas línguas e penas venham manifestar-se sobre o assunto, embora os estafados argumentos sejam os de sempre e as palavras pareçam, muitas vezes, provir de cérebros cristalizados, seja em anquilosadas ideias de tempos há muito passados, seja em reações emocionadas por parte de quem se sente ultrajado, seja, ainda, em aproveitamentos políticos ou de mero exibicionismo de quem acha que sempre fica bem dizer alguma coisa.

 

2. Como Interpretar?

Variadas são, necessariamente, as perspetivas com que deparamos, diversas as motivações, embora praticamente inexistentes as fundamentações verdadeiras, sérias, profundas, que permitam erradicar a emotividade recorrente e descabida, e aliviar o patente embaraço de quem não consegue explicar.

Sintetizemos, antes de mais, as duas visões tradicionais, debruçando-nos, então, sobre duas abordagens alternativas que procurarei fundamentar.


2.1. Perspetiva Imediatista

Escusado será dizer que a primeira e, porventura, única reação natural, nos dias que correm, à mera ideia de submissão será, inevitavelmente de rejeição, quer se trate de mulheres, de homens ou de animais de estimação; e é natural que assim aconteça, dada a profusão de escritos em linguagem críptica elaborados muitos séculos atrás, de ideias que a forma rebuscada impede muitos cérebros de encontrar, de manifestações radicais por parte de gente simples mas de ânimos deliberadamente exaltados por terceiros empenhados em divulgar mensagens de legitimidade duvidosa, associadas a causas mais ou menos subversivas que escolheram fomentar e divulgar.

Rejeição de Origem Racional
Não se trata, porém, de uma rejeição de origem racional, resultante de cuidada análise da ideia, como seria de esperar de seres que se consideram superiores aos restantes ou, pelo menos, deles diferenciados: tal como há certos hábitos que parecem colar-se-nos à pele, encontramo-nos, neste caso, no polo oposto, perante uma espécie de reação alérgica de substrato cultural; como que uma espécie de erupção cutânea, de incontrolável brotoeja, perante a imagem clássica do tipo bronco que, enquanto vê a bola na têvê, atira para a mulher um “Vai-me aí buscar uma cerveja! Bem fresquinha, hã? Héhéhé!” e fica todo acabrunhado quando ela, lhe responde “Vai lá tu!”, como, em qualquer terra civilizada, sempre deveria acontecer.

Igualmente irrefletida é a postura daqueles que entendem que submissão implica, em qualquer caso dominação por outrem, o que, como veremos, não é inevitavelmente verdade.

No quadro das reações primárias, encontramos, por fim, aqueles que, ignorantes do facto de as leituras das celebrações eucarísticas estarem, pela Igreja Católica, há muito, definidas para datas precisas em ciclos que, de forma automática, se renovam a cada três anos, reagem tolamente, pretendendo que a Igreja não deixou de aproveitar os acontecimentos que, no Afeganistão, ocorreram dias antes para veicular uma mensagem retrógrada e machista,ou que, pelo menos, a coincidência não evitou*).

Parece, assim, generalizada a tendência para uns e outros reagirem a quente relativamente a um tema delicado, que se quer tratado com o distanciamento e a lucidez essenciais à evolução de uma ideia até patamares de sustentação que a permitam credibilizar e sedimentar.

A discussão é boa e saudável apenas até ao ponto em que se torna repetitiva e fastidiosa, em que se transforma em gritaria que já se não ouve, em que nenhuma luz consigo traz que esclareça e nos ajude a viver em paz.

 

2.2. Perspetiva Eclesial

Na Igreja Católica há quem diga que a polémica passagem bíblica pretende significar que a mulher e o homem são um só, pelo que ninguém é superior a quem quer que seja. Mas, como é hábito na Igreja, não fundamenta, não esclarece a razão pela qual, no seu entendimento, haveremos de interpretar as Escrituras precisamente ao contrário do inequívoco sentido das palavras que nelas lemos ou nos chegam aos ouvidos quando lidas no ambão*).

Igreja

Os bispos portugueses remetem, por sua vez, para o contexto do direito familiar romano que punha em relevo o papel do marido como pater familias, não se apercebendo, porventura, Suas Excelências Reverendíssimas do gritante contrassenso em que tropeça quem sustentar que uma carta dirigida a indivíduos perseguidos pelos Romanos se baseava, precisamente, no direito e na prática impostos pelos mesmos perseguidores: “Tal como os opressores privilegiam o papel do marido fazei-o vós também”?

Como poderia, com tal argumento, um autor pretender pregar eficazmente a libertação pela Fé a partir de uma visão que acabava por, implicitamente, legitimar e, até, advogar a medonha realidade então vivida? (v. 2.3.)

Notoriamente enervado e pouco à vontade num debate televisivo vazio de novos argumentos ou ideias, diz um simpático e jovial ancião jesuíta que a Igreja está a mudar na sua forma de encarar as mulheres, mas que muito caminho há, ainda, a percorrer, limitando-se a sorrir quando confrontado, por exemplo, com a impossibilidade de ordenação de sacerdotizas. Sustenta, também que no texto em grego, se lê subordinação, e que o conceito de submissão agora referido se degradou na nossa cultura.

Mas, em que enriquece isto a discussão? Não é verdade que subordinação, submissão, o que queiram chamar-lhe, é, e será sempre, razão mais do que suficiente para pôr os cabelos das mulheres de hoje em pé - e não apenas os das radicais que se dizem feministas?*)

O jogo de palavras é aqui inane, baseia-se em suposta erudição, na opinião, no dogma, atitude tão querida da Igreja e que, uma vez mais apenas evidencia a falência da patrística e a sua fragilidade perante a manifesta dificuldade de chegar à verdade das coisas pela via da razão, a única capaz de frutificar no seio de uma assembleia cada vez mais exigente no que se refere à clareza e à racionalidade da pregação.

Fala, também, a Igreja do papel preponderante de Saulo de Tarso, chamado São Paulo na promoção da igualdade entre todos os seres humanos, designadamente entre mulheres e homens. Mas, como pode defender-se tal tese se, no mesmo texto e apesar daquilo que reza a saudação, se afirma que não foi o dito Saulo que redigiu a Carta aos Efésios?*) A ser assim, a que propósito vem a associação dessa defesa da igualdade a alguém que, por não ser o autor da Epístola aos Efésios, com tal defesa nada tem a ver?

São Paulo e as Esposas
A capacidade inventiva da Igreja Católica reconhece-se nas muitas e variadas tentativas de suposta clarificação de algo que parece bem claro, por muito que a ela possa doer; mas, em lugar de esclarecer o que quer que seja, todas elas parecem já desesperadas na evidente ineficácia comprovada pelo facto de não terem, ao longo dos tempos, sido capazes de encerrar a discussão; de, em lugar de ser convincentes, cada vez mais descolarem da realidade, de nada, afinal, nos fazerem entender.

Continua a fundamentação a limitar-se ao magíster dixit dirigido a uma audiência que a Igreja parece ainda não ter entendido que, para o bem ou para o mal, a explosão mediática já tirou daquele nível primário em que a palavra dos mestres era aceite sem discussão, e para a qual alguém dizer por dizer que é assim porque é assim, leva a nada, explica nada, convence nada.

Absolutamente nada.

 

2.3. Perspetiva Histórica

Non probandum factum notorium, pelo que, globalmente falando, desnecessário se torna demonstrar a superioridade da capacidade física do homem relativamente à da mulher. É, também, sabido que Gutenberg*) viveu no século XV, só bastante tempo depois tendo o Ocidente começado a saber o que era a impressão em série e o livro de aspeto e divulgação de alguma forma semelhantes aos atuais.

Não será, pois, de admirar que, à data e nas paragens em que, no século I d.C., terá sido escrita a Carta aos Efésios, o ganha-pão da grande maior parte das famílias fosse o trabalho braçal, para o qual o homem estava incomparavelmente mais bem equipado, e que o trabalho intelectual não passasse de algo tão remoto para a quase totalidade dos mortais, que dele mal se ouvia, sequer, falar.

O homem andava a trabalhar por fora, confraternizando e trocando impressões - não apenas no decurso da atividade laboral propriamente dita mas, para muitos pequenos agricultores e operários por conta própria, ao negociar a compra das matérias primas e dos utensílios e, mais tarde, a venda do fruto do seu esforço. À fisicamente menos possante mulher cabia ficar a cuidar da casa e da prole, limitando, provavelmente, os seus contactos com outras gentes à tagarelice nas raras vezes em que ia até ao mercado buscar aquilo com que a terra, o curral ou o galinheiro não abasteciam diretamente a despensa.

O imediato e inevitável efeito desta diferença de papéis ditada pela estrutura física de cada um, terá, assim, sido a aquisição de mais amplos conhecimentos pelo homem do que pela mulher, por isso entendendo o autor da Carta aos Efésios que “o homem é a cabeça da mulher”; e isso, por uma questão das mais elementares lógica e sensatez, acabaria por legitimar que a palavra dele fosse mais considerada e prevalente do que a dela, que detinha um ainda muito mais reduzido acervo de informação que servisse de base às decisões a tomar.

In Illo Tempore - Naquele Tempo
Por muito que hoje nos possa chocar, não há como negar que, in illo tempore, a realidade era esta, e seria tolo e descabido alguém pregar, na altura, que a mulher deveria ser ouvida em pé de igualdade com o – pouco – mais instruído marido, sem prejuízo, naturalmente, de o “maridos, amai as vossas mulheres” inevitavelmente conter a mensagem de que a opinião dela deveria ser considerada – até porque, em circunstâncias normais, ela uma parte da informação assimilada pelo homem através dele viria a conhecer e, por seu turno, a processar também.

Esta última parte, meramente em tese, já que tampouco será difícil imaginar os abusos e desmandos a que um tal quadro não deixaria de convidar pessoas mal formadas e de instintos descontrolados e perversos. Não obstante, e para o que aqui nos interessa, esta perspetiva histórica não deverá ser esquecida quando polémicos trechos textos bíblicos se trata de procurar interpretar.

 


2.4. Perspetiva Teleológica

Os textos sagrados tendem a ser encarados unicamente como mais ou menos dogmáticas exortações à Fé absoluta e inabalável em Alguém que é porque é, e cuja existência não carece de demonstração – contrariamente ao que aqui já defendi quando procurei, à margem da Fé, tal existência demonstrar.

Assim encarados os textos, não causará espanto a cada vez menor adesão efetiva de fiéis: uma coisa é declarar-se “católico” aos Censos do Instituto Nacional de Estatística(INE)*), enquanto outra, bem diferente, é acreditar; e, sobretudo, praticar, já que, enquanto acreditar tem a ver com Fé, a religião é a prática, assim não passando a declaração de “católico” ao INE, na maior parte dos casos, de uma rematada mentira por parte de quem não pratica o que quer que seja; ou, vá lá, de uma imprecisão motivada por uma generalizada incapacidade de destrinçar conceitos entre católico por vontade própria e o bem mais prosaico batizado por vontade dos progenitores.

Tenha-se a coragem de acrescentar aos inquéritos a pergunta “Participa ou, pelo menos, assiste regularmente a atividades da confissão religiosa a que pertence” e rapidamente os números cairão para escassos dez ou vinte por cento… se tanto. Tal como “são muitos os chamados, mas poucos os escolhidos”, haverá muitos que se dizem crentes, mas muito poucos os que uma religião acabem, efetivamente, por professar e praticar.

Ora, como facilmente se extrai da leitura dos primeiros capítulos, não foge a Carta aos Efésios ao tal objetivo primordial de exortar à Fé. Não é, no entanto, esta a motivação única, sendo possível encontrar numa outra uma possível explicação para a infeliz expressão cuja discussão aqui nos ocupa: “As mulheres submentam-se aos maridos como ao Senhor, porque o marido é a cabeça da mulher (…)”.

As Relações Sociais Como Objetivo Primeiro das Cartas

2.4.1. As Relações Sociais como Objetivo Primeiro das Cartas

As Epístolas destinavam-se a ser lidas perante a assembleia durante atos de culto evidentemente destinados a adultos e jovens a caminho da independência. Não é, na verdade, concebível esperar que mensagens como “Filhos, obedecei a vossos pais” (Ef 6-1) se destinassem a crianças ou a adolescentes de tenra idade inevitavelmente ausentes do ato de verdadeira temeridade que, em ambiente fortemente adverso, era a participação nessas proibidas reuniões; e que, além do mais, não teriam, ainda, maturidade para entender e apreender a essência daquilo que as Cartas pretenderiam transmitir.

Cumpre, assim, concluir que a dita exortação à obediência filial não visava, propriamente, a obediência de crianças no ambiente do lar onde, encorajadas por oportuno corretivo, seriam facilmente impedidas de se portar mal: a exortação à obediência – essencial à manutenção de um bom ordenamento social ao qual sempre será essencial o conselho dos mais velhos - tinha como destinatários os filhos menos jovens e os já adultos, cujo respeito e obediência não poderiam ser impostos, apenas  promovidos pelo convite e pela persuasão.

Na mesma linha, se tornaria desnecessária e inane a exortação à submissão das mulheres se fosse entendido – como agora parece haver quem queira supor – que ela poderia ser imposta pela força física no seio da família: àquilo que é imposto pela força, será estúpido e inútil continuar a convidar.

Aparece, assim, a referência à submissão mais como um convite a um ato maduro, voluntário e unilateral, por parte da mulher, de aceitação da orientação do marido, baseada no reconhecimento de um mais lato conhecimento da vida por parte dele, do que como um supérfluo e inútil convite ao conformismo submisso com uma situação consumada à qual as consortes não pudessem escapar

Tal como no caso dos conselhos aos filhos mais velhos, essa atitude recomendada às esposas extravasaria, naturalmente, o comportamento nas quatro paredes do lar, assim assumindo relevante papel na génese da nova sociedade que se pretenderia edificar.

Estaríamos, desta forma, na Carta aos Efésios muito mais perante um código de conduta social do que a tratar de normas de relacionamento estritamente familiar.


2.4.2. A Motivação Escondida na Polémica Passagem

Nenhum país, por mais tirânico, por mais numerosas equipadas e treinadas que sejam as suas forças militares e de segurança, alguma vez conseguirá fazer cumprir a lei e manter a ordem a não ser, antes de mais, graças ao temor do castigo que, numa vida depois da morte - que poucos se atrevem a, absolutamente, negar - sobre cada um poderá cair no caso de passar a vida terrena a prevaricar.

As igrejas – por isso mesmo habitualmente ajudadas financeiramente pelos estados - são, pois, indispensáveis como garante primeiro da estabilidade e da paz, atuando as referidas forças da ordem como instrumentos de natureza complementar, já que, sem o temor do que poderá vir depois da morte, não haveria quem controlasse as forças da ordem nem orçamento do Estado para, em quantidade suficiente de efetivos, as contratar.

Combate à Dissolução de Costumes
Exceção a esta regra não é, decididamente, a Igreja Católica, mesmo nos seus primeiros tempos, não sendo imaginável que fosse possível implementar os seus ditames e princípios no quadro caótico de dissolução de costumes de que Roma era, à época, apanágio.

Ora, é, precisamente, do combate a essa dissolução de costumes que a Carta aos Efésios vem ocupar-se, não sendo aceitável a lacuna hermenêutica de qualquer abordagem que a não contemple, sobretudo quando é o próprio Autor que expressamente o declara (Ef 1, 14-19), seja ele quem for.

Juntando a isto o que em 2.4.1 foi dito quanto a serem as relações sociais aquilo que, com as epistolares exortações, se pretendia normalizar, a ideia de as mulheres se submeterem às orientações dos maridos e de, como corolário, estes amarem as suas mulheres parece muito mais provavelmente associada a uma intenção inequívoca, porquanto tácita, de apelar à fidelidade de umas e de outros, fidelidade essa já então, como hoje, obviamente basilar na construção e preservação do modelo estável de sociedade sem o qual a mensagem cristã será, em qualquer tempo, impossível de vivenciar.

Também a ideia de fidelidade estará na base do pedido de que os maridos amem as suas mulheres, pedido que faz, aliás, tão pouco sentido como a promessa de uns e outros se amarem, mutuamente, que é pedida a quem nos nossos dias se casa. É que, sendo o amor um sentimento, e não um ato de vontade, não é algo que se possa impor ou pedir, antes uma emanação do espírito com a qual nenhum humano alguma vez se poderá comprometer: ama-se e deixa de se amar, sem que tal possa ser entendido como quebra de uma promessa de cumprimento à partida humanamente impossível de assegurar.

Submetei-vos, amai-vos, ou melhor, sede fiéis no interesse da sociedade que procuramos construir, parece, assim, ser tudo quanto, na rebuscada linguagem litúrgica, Saulo de Tarso ou alguém por ele pretendia transmitir; e vós, todos, “sede submissos uns aos outros no temor de Cristo” (Ef 5, 21), ou depressa não vai haver quem tenha mão nisto - como, nos nossos dias, cada vez mais parece que já não há.


2.4.3. Alquimia

O problema que subjaz a toda esta discussão é o de que, como escreveu um filósofo, psicanalista e sociólogo contemporâneo, “a maior parte das pessoas vê no problema do amor, em primeiro lugar, o problema de ser amado, e não o problema da própria capacidade de amar”.

Por outras palavras, as pessoas juntam-se, casam-se como um meio para alcançar a própria felicidade, e não para, por amor, tudo fazerem para proporcionar a do outro. Não é que não queiram ver o outro feliz – sobretudo porque é um grande frete viver com alguém que o não é… -, mas querem ver o outro feliz apenas se não tiverem de mexer uma palha para o conseguir.

Esposas: Sede Submissas!
Será isto o chamado amor? Sem submissão – sim, lido hoje, o termo não é feliz -, sem entrega mútua e voluntária, como lá chegar, à tal felicidade, ou amor, ou o que queiram chamar-lhe? Como construir algo em conjunto se o que importa, antes de mais, é cada um usufruir, curtir? O impacto social desta distorcida visão mede-se, facilmente pela absurda quantidade de divórcios - quantos por infidelidade.. - que, excluindo os anos da pandemia, não para de aumentar…

A alquimia do amor é, bem pelo contrário, a entrega mútua; e é, muito provavelmente, à submissão, à entrega voluntária de cada um no que diz especificamente respeito aos sacrifícios, por vezes enormes, a fazer para, em todas as ocasiões nos mantermos fiéis - como tanto importa ao conjunto de todos nós - que o autor da Carta aos Efésios se refere ao falar do amor dos maridos e da submissão das mulheres.

Tudo o mais que se diga poderá fazer tão pouco sentido como pretender que a Carta diz que uma mulher se deve submeter a um marido que, pela força bruta, a domina – ou vice-versa… -, ou que alguma igreja ou estado tem o direito de exigir, a quem quer que seja, que prometa, para sempre, amar alguém.

 

2.4.4. Valorização

Independentemente do sexo, a valorização do ser humano enquanto tal nasce e desenvolve-se, não a partir dos atributos físicos, como acontecia com os maridos ao tempo em que foram escritas as Epístolas, mas do estudo, da reflexão, do massajar das meninges, seja qual for a área de interesse da predileção de cada um.

Isto é válido no século XXI, tal como era válido então.

Por tal razão, há que entender que a força bruta dos maridos de então valorizava-os tanto quanto atualmente mulheres e homens são valorizados pela exibição patega da riqueza material, da supremacia corporal, dos bíceps trabalhados, dos glúteos tonificados, dos seios enchumaçados, da última moda de panos e berloques e da superior capacidade de enfiar uma bola minúscula numa baliza enorme, à custa de muita pisadela, de muita canelada, de muito palavrão.

Todos estes atributos e outros como eles não despertam o amor verdadeiro, apenas paixões levianas e efémeras em pessoas a eles sensíveis, depois à infidelidade, à separação, ao divórcio e, no fim da lista, à ainda mais indesejável desestabilização social.

Quem Não Tem Espírito
Quem tem falta de espírito enfeita o corpo, e tem todo o direito, pois claro. Não venham é, depois, dizer que umas e outros se sentem aviltados ou desconsiderados por trechos saídos da pena de quem viveu num tempo em que, tal como agora, quase só o corpo contava, mas porque, então, o conhecimento e as ideias não tinham veículo capaz de amplamente os disseminar.

Esses veículos existem nos nossos dias - livros, televisões, redes sociais -, mas o que por lá se vê tem interesse muitíssimo reduzido ou nenhum para o que, verdadeiramente, poderá contribuir para as clivagens culturais e os distúrbios sociais atenuar, num ambiente de dissolução de costumes comparável ao da antiga Roma.

Coisas estranhas afixadas por cabeças ocas, para as quais apenas conta o que se vê e o que se compra; gente que inunda as redes sociais com historietas das suas também ocas vidas, as quais intelecto e espiritualidade lhes faltam para preencher.

Era o corpo pela força bruta, antigamente; é, agora, o corpo por aquilo que tem para exibir e que, em lugar de granjear respeito e admiração, apenas serve para rebaixar quem na montra social diariamente se vai pavonear.

 

3. Prática Eclesiástica


3.1. Duas Questões de Legitimidade

Toda esta trapalhada foi motivada, recorde-se, por uma leitura feita no decorrer de uma celebração eucarística transmitida pela Radiotelevisão Portuguesa (RTP) – ou a televisão do Estado, como alguns gostam de lhe chamar.

Não faltou, assim, quem aproveitasse a embalagem para voltar a suscitar a questão da legitimidade dessas transmissões alegando que são pagas pelos impostos de todos nós, ao que as vozes da Igreja retorquiram, como habitualmente, que, sendo a maioria da população católica, existe todo o direito e, até, o dever de a comprazer.

Sabendo-se, porém, que esta maioria é tão verdadeira como é verdadeira a declaração de “católico” aos Censos, a argumentação cai pela base, até porque as igrejas vão estando cada vez mais vazias, e não parece que seja porque os católicos resolveram ficar em casa a ver a missa pela televisão, em vez de nela participa - não obstante as audiências que dizem ser relativamente expressivas, tendo em conta que se trata de Domingo pela manhã.

Instituto Nacional de Estatística
Seja pelo mais elementar receio do que estará para vir - por parte daqueles poucos que ainda se vão lembrando de que um dia irão morrer… -, seja porque foram batizados quase à nascença e, por isso, acham que são “católicos”, a verdade é que a governação do Estado e das suas empresas, como a RTP, deve basear-se em números, na estatística, ou tudo acabaria por fazer ainda menos sentido do que faz; e, sendo os números relativos a ditos católicos o que são, está a posição da Igreja quanto a estas transmissões plenamente segura e legitimada.

Pelo menos, até que a exatidão das declarações aos Censos sejam averiguadas e estes cristãos comecem a ser novamente lançados aos leões, desta vez por prestarem falsas declarações.

- x –

Uma outra questão de legitimidade não pode deixar de ser aqui abordada, mais propriamente a da legitimidade de, nos dias de hoje, passar a mensagem que incita à submissão voluntária e espontânea da mulher perante o marido – o que é substancialmente diferente de incitar ao domínio arbitrário e imposto do marido sobre a mulher.

Quanto a este ponto, o que primeiro há a salientar é que, tratando-se de uma atitude voluntária, apenas interessaria à lei na medida em que pudesse, eventualmente, ser contrária aos bons costumes por aquela protegidos. Não sendo, como não é, o caso, nada obsta a que a Igreja se exprima, quanto a esta matéria como mais lhe agradar.

Do que aqui se trata é da polémica decisão de passar uma mensagem incómoda, maioritariamente condenável na aparência se aplicada à atualidade e não aos tempos da Carta aos Efésios, mas que se encontra no âmbito do mais legítimo direito de qualquer organização definir os pressupostos da sua existência e as normas de conduta que preconiza ou exige para os seus aderentes.

Estamos, também, muito longe da situação resultante de um forte incómodo causado ao cidadão pelo Estado, face ao qual o único recurso fosse a decisão de emigrar, com todo o transtorno que isso implicaria, quantas vezes não apenas para o próprio, mas também para os seus mais diretos familiares.

No caso de uma igreja, quem não estiver satisfeito com o conteúdo da pregação ou com a prática pode, num instante, abandoná-la sem qualquer incómodo semelhante, ainda que remotamente, ao de emigrar.

Resta, pois, concluir que nada obsta, na lei ou na prática social, a que a Igreja continue a mandar ler o tal trecho socialmente proscrito da Epístola, tal como nada obsta a que, quem no seio daquela se não sentir bem, sem qualquer inconveniente vá ouvir outros pregar.

 

Utilidade
3.2. A Questão da Utilidade

Falta, para terminar, refletir um pouco sobre a utilidade – e sobre a verdadeira intenção - de ler, perante as assembleias de fieis, algo tão polémico e retrógrado como estas passagens das Cartas aos Efésios, aos Colocenses e mais uma ou outra que conste do tal calendário dos três em três anos que, independente da conjuntura de cada momento, ninguém parece ter poder para adaptar.

Diga-se, desde já, que a posição episcopal de que “os textos não se mudam, mas educam-se os leitores a entendê-los e a atualizá-los*) mais não plasma do que o incompreensível desconhecimento – apenas aparente, claro – por parte da hierarquia da Igreja Católica do baixíssimo nível intelectual, cultural e, sobretudo, do inexistente dom da palavra por parte de grande parte dos sacerdotes por isso mesmo colocados em pontos remotos, em paróquias de aldeia – e não só… -, alongando-se em homilias desmesuradas e desconexas, que já ninguém ouve, chegando a pontos de, quando o sacerdote começa a perorar, alguns fiéis saírem para fumar um cigarrito ou apanhar um pouco de ar, voltando depois.

Serão oradores deste calibre que irão educar os ouvintes ou os leitores?

Tal pretensão apenas colheria se existisse, na pregação, um nível uniformemente elevado dos educadores, o que não acontece, como bem se sabe, assim não fazendo qualquer sentido – para não ir mais longe… - a referida réplica episcopal.

Por outro lado, a ser o “educam-se” corretamente aplicado na forma reflexa, que capacidade terão para se educar-se, aos próprios, universitários cuja única e remota semelhança com os frutos da universidade pré-Bolonha e pré- outras coisas também parece ser o facto de usarem aquelas vestes negras sem significado que tanto gostam de exibir enquanto aprendem unicamente a empinar e a copiar, relegando os governantes do pelouro da educação para um plano mais do que secundário a vertente educacional e formativa de quem, na maior parte dos casos, em casa a não encontra? De quem nem interpretar sabe nem quer saber o “Filhos, obedecei a vossos pais”?

Esposas na Igreja Católica
Perante a notória e quase absoluta incapacidade de uns interpretarem corretamente e de outros terem quem os eduque na interpretação das escrituras – fenómenos que não podemos, honestamente, pretender que a Igreja Católica continue a ignorar -, haverá que concluir que a insistência em manter na liturgia estes textos aparente crípticos é deliberada, e corresponde à verdadeira convicção social dos sacerdotes e de quem os superintende na Igreja Católica.

Ou, mais simplesmente, como alguém num destes debates que por aí houve sintetizou, que “a Igreja olhapara as mulheres como mãe ou virgem*), revelando-se fundamentais os polémicos trechos de interpretação dúbia Efésios 5:22 e Colocenses 3:18 para, sub-repticiamente, esse entendimento nos levarem a, submissamente, aceitar e defender.

 

4. Conclusão

Em questões socialmente melindrosas, tão imprudentes se revelam as reações a quente baseadas em afloramentos interpretativos à revelia da razão, como a razão pobre de uma repetitiva, oficial, dogmática, confusa, rebuscada e nada convincente interpretação.

Não basta, também, deixar as supostas explicações pela rama, invocando, simplesmente, o desfasamento no tempo e nos hábitos sociais, sem procurar exaustivamente explanar, sem apresentar hipóteses credíveis para a identificação desses hábitos e das razões na
Conclusão
sua génese: deve, pelo contrário, procurar-se assegurar a consistência hermenêutica e a fundamentação racional e objetiva, não repousando enquanto se não encontrar, além do imediato, do óbvio, contributos interpretativos fornecidos pelo autor na introdução e no enquadramento do texto.

A preponderância do conhecimento por parte do marido decorrente da maior atividade social de quem, pela força bruta, mais apto se encontrava, naquele tempo, a assegurar o sustento do lar e a necessidade urgente de normalizar, designadamente no campo da fidelidade conjugal, os hábitos sociais degradados da Roma de então poderão servir os referidos requisitos da fundamentação a ponto de satisfazer intelectualmente boa parte daqueles que sobre o assunto se questionam. Sobretudo numa sociedade hoje supostamente evoluída mas para a qual amar cada mais parece ser amar-se, e não ao outro, a quem, desgraçadamente, até ao divórcio muita coisa ainda se irá ter de aturar.

Da mesma forma que, sem grande incómodo, cada um é livre de decidir se e a que igreja pretende associar-se, cada confissão religiosa é, necessariamente, livre de pregar o que muito bem entender e como muito bem entender, desde que tais ações, ou o seu resultado, ao foro criminal não acabem por interessar.

Fica, não obstante, por explicar a razão verdadeira para a insistência da Igreja Católica em manter no calendário litúrgico leituras que repugnam logo ao primeiro contacto, a maior parte dos ouvintes, fiéis ou não, sabendo-se que a maior parte dessa maior parte ninguém alguma vez conseguirá, de forma convincente, educar, procurando fazer crer que é tudo a fingir, e que a Igreja acredita em algo bem diferente daquilo em que, manifestamente, mais até do que naquele tempo continua a acreditar.

- x -

Passamos por seres inteligentes, sábios, sensatos, superiores?

Mandam, então, hoje como em qualquer tempo, essa inteligência, essa sabedoria, essa sensatez, essa superioridade, que cada um acate e siga a opinião do outro, mulher ou homem, nas áreas que melhor conhece, que melhor domina, nas áreas em que está mais apto a contribuir para um bom resultado, em lugar de procurar fazer prevalecer a decisão absurda de quem do assunto menos sabe ou nem desconfia, apenas porque é assim, porque um livro para alguns sagrado manda, porque uma religião que poucos praticam insiste em impor.

No casal, na família, na escola, no emprego, em qualquer manifestação social, seja onde for.




Afinal, Deus existe mesmo, ou não passa de pura invenção de um ser humano que desespera com a efemeridade da sua existência?

NÃO PERCA uma reflexão lógica, fundamentada, sobre o tema porventura mais elementar e decisivo da vida humana.





A existir um deus, será ele o representado
no teto da Capela Sistina? Jeová? Alá? Manitou?
Ou nenhum destes?

quarta-feira, 15 de setembro de 2021


Júlio de Pina Martins




"Um juiz quando veste a toga,
tem de despir as suas convicções
"

Júlio de Pina Martins
Procurador-Geral Adjunto, Visão


Palavras sábias que não podem deixar de ser lembradas perante a imagem de juízes que não apenas violam frontalmente a lei como incitam a que outros o façam, fazendo-se valer da sua condição privilegiada de magistrados para afrontar e humilhar elementos das forças policiais no estrito cumprimento de ordens emanadas visando a manutenção da ordem pública*).

Trata-se de desmandos intoleráveis que devem ser severamente reprimidos, a título de exemplo para quantos pensem que, em lugar de deveres acrescidos, a nobre missão que desempenham lhes confere direitos e privilégios que nenhuma sociedade verdadeiramente democrática alguma vez poderá tolerar.

(continua aqui)

segunda-feira, 13 de setembro de 2021


Ballets Trockadero - A Morte do Cisne

Ballets Trockadero - A Morte do Cisne
Independentemente da opinião que cada um possa ter acerca dos Ballets Trockadero, de Monte Carlo e daquilo que representam, a arte, quando acontece, deve ser reconhecida e divulgada, seja qual for o contexto e a motivação.

Ida Nevasayeva - Paul Ghiselin, de seu nome verdadeiro - deixou, entretanto, os Trocks, como também são chamados, mas a magistral interpretação parodiando a coreografia de Michael Fokine "Morte do Cisne", sobre uma peça do Carnaval dos Animais, de Camile Saint-Saëns, perdurará, seguramente, na memória de quantos fez sorrir.

Pode ver aqui

Para comparar com o original, poderá ver aqui
o desempenho de Natalia Osipova, do Royal Ballet

Para admirar outras maravilhas do audiovisual, selecione
*Obras de Arte
à direita da tela, sob a epígrafe 'Acesso por Categoria (*) ou Tema'

sábado, 11 de setembro de 2021


INEM 112: Socorro! A Ambulância Perdeu-se!


"A Referência Exata de Local (REL) responde positivamente
a cada uma das ineficiências da extensa lista apresentada ao permitir,
de forma muito dificilmente sujeita a erro, direcionar um condutor ao ponto exato,
seja da emergência, seja da entrega de bens, seja onde determinado serviço deva ser prestado
"


1. Introdução: Caricatura

2. Enquadramento: Situação Atual

    2.1. Possíveis Fontes Humanas de Problemas na Localização de uma Morada

        2.1.1. Semelhanças na Toponímia
        2.1.2. Escassez de Sinais de Direção
        2.1.3. Confusão entre os Diversos Tipos de Artéria
        2.1.4. Indicações Essenciais Inexistentes ou Ilegíveis
        2.1.5. Dificuldade na Localização de Edifícios Isolados
        2.1.6. Síntese das Fontes Humanas de Problemas na Localização
        2.1.7. Custos Marginais Evitáveis Associados à Ineficiência na Localização

    2.2. As Limitações e os Erros na Informação das Coordenadas GPS

        2.2.1. Problemas Práticos da Referenciação das Coordenadas
        2.2.2. O que Não Tem, Mesmo, Remédio

    2.3. Síntese do Enquadramento

3. Modelo: A Referência Exata de Local (REL)

    3.1. Apresentação
    3.2. Especificação
    3.3. Confirmação da Morada por Identificação Visual do Local
    3.4. Recolha e Armazenamento dos Dados
    3.5. Processamento e Disponibilização da Informação

4. Conclusão

    4.1. Limitações, Cuidados e Sugestões
    4.2. Reflexões Finais

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1. Introdução: Caricatura

Caricatura ao Telefone
Temos bem vivos na memória os “Bombeiros de Mafamude”, farsa dos Gato Fedorento*) ao incidente ocorrido quando de uma chamada ao Instituto Nacional de Emergência Médica (INEM), incidente esse que acabou por se tornar paradigma da ineficiência dos serviços de urgência em Portugal.

Corria a primeira semana de Janeiro de 2008.

Na raiz desse triste episódio estava a nímia esqualidez organizacional do Instituto, que não tinha protocolo assinado com qualquer das corporações de bombeiros de Alijó*), concelho onde se deu a ocorrência.

Para agravar a situação, o sinistro aconteceu em Castedo, aldeia de cuja localização a equipa da viatura médica de emergência e reanimação (VMER, ambulância) nem desconfiava, pelo que houve necessidade de estabelecer diálogo com um descontraído e aparentemente meio adormecido bombeiro de Favaios que, durante um longo minuto, lá foi tentando explicar como a ambulância poderia chegar ao Castedo, partindo de Vila Real.

Aqui fica um pequeno excerto do diálogo, para recordar do que estamos a falar…

    “Médica - Podia-nos dar algumas indicações, então, sobre aquilo?   /   Bombeiro – Como? Como?

    Médica – Onde é que é? Se nos podia dar algumas indicações…   /   Bombeiro – (suspiro) Ora bem, eu não sei como é que lhe vou dizer… que lhe vou explicar… eeeh… aquilo chega-se ali a Alijó… aaahhhh… vai ali ao pé das bombas de gasolina…

    Médica – Sim.   /   Bombeiro – Nas bombas de gasolina em cima tem uma rotunda à esquerda… aaahhh… na rotunda corta à esquerda, que é para ir para o Intermarché, e sempre, sempre, sempre em frente é Castedo, sempre pela estrada a fora.

    Médica – É?   /  Bombeiro – É.

    Médica – Para onde, desculpe?   /   Bombeiro – Para o Castedo.

    Médica – Castedo, ok. Pronto, obrigada.   /   Bombeiro – E agora, o que é que eu faço?

    Médica – Diga?   /   Bombeiro – E eu o que faço? É preciso lá ir eu?”.

(Antes de continuar a ler, será conveniente ouvir aqui*) a inesquecível gravação
para se saber ao certo do que estamos a falar).

Conversação
A conversação com o bombeiro durou quase dez minutos, dos quais um inteiro foi gasto com a transmissão de indicações - imprecisas e com relativamente baixa probabilidade de sucesso - quanto à forma de chegar a uma aldeia no Concelho de Alijó, minuto esse ao qual haverá, inevitavelmente, que acrescentar o tempo gasto pela VMER, uma vez em Castedo, a procurar, primeiro, o Bairro e, depois, o número de polícia*) da porta onde se teria dado a ocorrência.

Não será exagero dizer que, toda esta confusão com o endereço terá custado dez preciosos minutos a uma vítima… em provável paragem cardiorrespiratória.

Isto aconteceu treze anos atrás.

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Na altura, o Ministro da Saúde admitiu que “há muito trabalho a fazer”, designadamente “cobrir o país com ambulâncias*), como se fosse essa a única falha emergente da comunicação telefónica e o facto de cobrir o País com ambulâncias valesse por si só, sem ser acompanhada da preocupação de tornar a rede eficiente no que diz respeito ao rápido e fácil acesso a qualquer local de sinistro.

Claro está que a efetiva falta de ambulâncias era, então – e eventualmente ainda será – um tema de extrema atualidade e que importava sobremaneira resolver. Mas, também não é menos certo que este tipo de falha não é transversal a todo o País, havendo zonas em que, apesar de a quantidade de veículos ao serviço ser adequada, as coisas nem sempre correm pelo melhor.

Entre as variáveis que afetam e atrasam a prestação de socorro praticamente por todo o território encontra-se a imprecisão que, pelas mais diversas razões, ocorre, quer na indicação da morada durante a chamada de emergência, quer, por causas também variadas, na anotação da mesma pelo operador do call center do Número Naional de Emergência (112), quer, ainda, na procura da localização precisa do destino por parte do condutor da VMER.

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Há algumas semanas, embora em urgência de menor gravidade clínica, uma pessoa dos meus conhecimentos que caminhava na estrada viu a assistência que solicitara através do 112 prejudicada por um atraso de mais de vinte minutos na chegada da ambulância devido ao facto de a operadora do call center haver registado como localidade uma outra, de nome semelhante mas situada a uma meia dúzia de quilómetros por estrada lenta, daquela onde ocorrera o sinistro.

VMER na localidade errada
Dirigiu-se, assim, a VMER à localidade errada – dez minutos de desvio num sentido e outros dez no outro -, além do que por lá perdeu, pelo menos, cinco minutos à procura do sinistrado, até que acabou por contactá-lo através do telemóvel cujo número tinha sido informado quando do pedido de assistência. Enfim, como em tantos casos semelhantes, lá se esclareceu a situação, desta vez sem consequências de maior.

No entanto, a ambulância esteve ocupada mais tempo do que o estritamente necessário; a equipa que a tripulava, também; gastou-se combustível desnecessário; a vítima permaneceu ferida e ansiosa também durante mais tempo do que o estritamente necessário, e por aí fora na lista de custos supérfluos e de evitáveis inconvenientes.

Era, de facto, coisa de pouca gravidade. Mas, caso se tratasse, como no incidente de Castedo, de uma provável paragem cardiorrespiratória, que impacto teriam estes vinte e tal minutos tido no desfecho da situação?

Pois é…

Têm em comum estes dois episódios, de gravidade e de natureza distinta, dificuldades de navegação do veículo de socorro até ao local do sinistro, problema que afeta, naturalmente, todos os condutores que conduzem viaturas de socorro - como nas forças policiais, nos bombeiros, empresas de segurança e afins - sem falar de todo o tipo de empresas cuja atividade implica deslocações frequentes a destinos não conhecidos previamente dos motoristas.

Como será possível, na quase totalidade dos casos, de forma significativa, eficiente e económica, reduzir drástica e definitivamente o tempo perdido com a condução até destinos errados devido a desconhecimento da localidade e da artéria, a uma incorreta anotação do endereço ou, até, a erro na sua interpretação?

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Refletirei, de seguida, sobre as diversas fontes de erro sempre latentes na indicação de endereços na forma tradicional, bem como sobre a problemática da eficácia ou ineficácia da indicação alternativa de coordenadas para navegação por GPS.

Passarei, então, a propor um modelo de referenciação complementar de prédios urbanos, rústicos ou mistos, visando a sua eficiente e eficaz localização.

Ambulância torcida
No quadro da modernização administrativa de um setor tão crítico como o da prestação de socorro, é imperativo reduzir o tempo de assistência, bem como o de ocupação das viaturas e das suas tripulações. São, assim, destinatários principais da solução proposta, os serviços de urgência, médica, medicamentosa policial e afins.

Colateralmente, beneficiarão do aqui proposto as empresas de distribuição postal ou de mercadorias, bem como os prestadores de serviços pontuais ao domicílio ou em instalações públicas ou empresariais - como, por exemplo, os serviços de enfermagem, os de limpeza ou os de assistência técnica, ente tantos outros possíveis -, além das equipas de reportagem de órgãos de informação, assim se obtendo, designadamente, ganhos de eficiência que permitirão significativas melhorias na qualidade do trabalho e na rentabilidade operacional, além da redução na emissão de poluentes para a atmosfera.

Como mais à frente veremos, a solução proposta é de implementação muito fácil e rápida - aproveitando sistemas informáticos já ao serviço da Administração Pública - além de implicar um investimento muito reduzido por parte do Estado e de ser gratuita para as empresas e particulares, aos dois últimos apenas sendo pedido, no próprio interesse a manutenção de uma minúscula placa e, a título facultativo e por uma única vez, alguns minutos de atenção e de dedicação.

Impossível?

Vamos ver…


2. Enquadramento: Situação Atual


2.1. Fontes Humanas de Problemas na Localização de uma Morada


2.1.1. Semelhanças na Toponímia

Os condutores residentes ou que trabalham na região onde é originado o pedido de socorro tendem a conhecer a maior parte dos locais vizinhos e a saber distingui-los, assim se tornando relativamente rara – mas não totalmente evitável – a confusão entre localidades próximas entre si e com designações semelhantes. 

Operadora tranquila
De idêntica vantagem não dispõem, porém, os distantes operadores do call center do 112, centralizados numa mesma localização geográfica e dos quais seria desrazoável esperar que estivessem igualmente familiarizados com todas as regiões e localidades onde são originados pedidos de socorro.

Para estes, num momento de desconcentração de um dia e hora de maior movimento e por mais legítimas que sejam as razões na sua génese, fácil se tornará confundir, no concelho de Barcelos, Rio Covo – Santa Eulália com Rio Covo – Santa Eugénia. Principalmente se, como é natural acontecer, quem faz a chamada se esquecer, num momento de tensão, de especificar o nome da Santa, dizendo apenas Rio Covo e assim abrindo portas ao equívoco.

Ora, entre as duas aldeias – Santa Eulália e Santa Eugénia – existem sete minutos de estrada para cada lado, aos quais haverá a acrescentar o tempo desperdiçado pela VMER na tentativa de localização de um endereço inexistente; e foi, precisamente, um destes o caso que acima referi como ocorrido com uma pessoa minha conhecida, que ficou desnecessários vinte e tal minutos suplementares à espera de socorro, em plena estrada estreita, bastante esburacada e de não muito fácil acesso.

- x -

Estes casos de designações toponímicas semelhantes e propiciadoras de erro na referenciação não são assim tão poucos. Sem procurar ser exaustivo, extraí alguns de uma listagem de freguesias por concelho*), os quais passo a apresentar.

Localidades mais sujeitas a erro na rota da VMER

Num tal panorama, as possibilidades de erro são, como é bom de ver, diversas e variadas: de baixo/de cima, nova/velha, nomes de santos diferentes para uma mesma designação principal. 


Veja-se o caso extremo dos São Bento do Ameixial, de Ana Loura e do Cortiço,  muito próximos uns dos outros no concelho de Estremoz: se disserem ao operador que anota a chamada 'aqui em São Bento’, ele escreverá apenas São Bento já que, como não é do mesmo concelho nem lá mora, nem desconfia de que três aldeias do mesmo nome nele possam coexistir. Depois, quando o bombeiro ou o condutor da VMER perguntam ao mesmo operador ‘Mas, São Bento? Qual?’, vá de ligar para o participante do sinistro e de gastar mais preciosos minutos a esclarecer o equívoco, que poderá, ainda, piorar quando descobrirem que ali por perto anda, também, uma… Santa Vitória do Ameixial.

Entretanto, o sangue corre, o AVC continua a progredir, ou, mais simplesmente, a ferida começa a infetar…

Isto, para não falar da existência, num mesmo Concelho, de designações principais diferentes para um mesmo santo, de vilar ou vilela disto ou daquilo, de designações semelhantes (Boivães/Bravães), de ordem invertida (Ribeira de São João/São João da Ribeira), todas propícias a confusões de muito provável ocorrência, implicando, um pouco por todo o território, tempos de percurso agravados em múltiplas situações que o quadro acima apenas parcamente exemplifica, para a enumeração se não tornar fastidiosa.

Mesmo nos casos de curta distância, será sempre significativo o tempo decorrido à procura do endereço errado até que o motorista se aperceba da anomalia.

Se a situação clínica for realmente grave, ao fim desses poucos minutos… mais uma família estará de luto precoce.

Evitavelmente.


2.1.2. Escassez de Sinais de Direção

A fabricação, em expressiva quantidade, das placas que, por toda a parte, deveriam indicar aos automobilistas a direção de localidades, de lugares, de bairros ou de locais dignos dessa menção é dispendiosa, e a manutenção das mesmas em boas condições de legibilidade implica o recurso a mão de obra também dispendiosa e nem sempre disponível em quantidade suficiente para se antecipar às causas da deterioração, que vão desde a ação da Natureza aos atos de vandalismo por parte de uns quantos degenerados que andam por aí.


Contexto
Neste contexto, ainda que a morada esteja completa, mesmo que seja a constante do registo do prédio e tenha sido exatamente anotada pelo operador de call center, sempre poderá suceder que os dados dela constantes não correspondam a um local devidamente sinalizado dentro da localidade. Se, por exemplo, o endereço for Bairro de São Pedro, Lote C-D, será necessário que, em cada entrada da localidade, exista um sinal de direção relativo ao dito Bairro, a fim de que o condutor para lá possa dirigir a VMER, o que nem sempre acontece, mormente em casos de bairros de construção recente.

Nestas circunstâncias, o recurso habitual será, como se de um veraneante em tranquilo gozo de férias se tratasse, o condutor parar a ambulância em marcha de urgência para perguntar o caminho a um qualquer transeunte – que pode, também ele, não saber informar -, ou para indagar num estabelecimento comercial, com a inevitável demora que tudo isto não deixará de significar..


2.1.3. Confusão entre os Diversos Tipos de Artéria

Da listagem das abreviaturas recomendadas pelos CTT*), constam perto de trinta tipos de artérias, como avenida, rua, travessa, calçada e calçadinha, e outras que tais.

Não será, pois, de admirar, muito especialmente nas maiores cidades, a ocorrência de inúmeras dúvidas e de numerosos erros ao transmitir ou anotar um endereço, particularmente em pouco tranquilas situações operacionais.

Essa dúvida, pode, aliás, nem sempre ser expressa ou, mesmo, apercebida, limitando-se o operador que desconhece a existência, na mesma localidade, de uma Rua das Flores e de uma Travessa das Flores a anotar o endereço Rua das Flores, 43-F que um primo afastado de visita ocasional à vítima telefonicamente transmitiu em estado de desespero, quando a verdade que é se encontravam na Travessa das Flores, distante largos minutos da rua do mesmo nome, e bastantes mais em horas de ponta, que é, quase sempre, quando estas coisas acontecem, vá lá saber-se porquê…

O certo, é que mais umas boas dezenas de irrecuperáveis minutos ficam para trás, enquanto a VMER faz o que pode para dar com a rua, quando era para a travessa que, quando partiu, deveria ter sido direcionada.


2.1.4. Indicações Essenciais Inexistentes ou Ilegíveis

Indicações essenciais ilegíveis
Bairro de São Vicente, Lote C é um destino que faz qualquer motorista torcer o nariz.

Ainda que uma sequência clara de sinais de direção indique o dito Bairro, o Lote C pode ser uma entre dezenas ou centenas de casas que o constituam e, contrariamente ao que sucede com um arruamento tradicional no centro de uma localidade – em que a localização aproximada do edifício é facilmente previsível por os números de polícia se encontrarem em sequência de números ímpares ou pares -, resulta praticamente impossível encontrar o dito lote sem perder tempo a parar para perguntar a um residente.

Ora, se a pessoa interpelada nem um residente for, quantos transeuntes ocasionais saberão onde fica o Lote C de um bairro que, por mero acaso, estão a atravessar?

A quantos terá o motorista de perguntar? Quanto tempo precioso deverá desperdiçar?

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Pode, também, dar-se o caso de a morada ser insuficientemente conhecida ou incompletamente indicada pela pessoa que pede auxílio – por exemplo, um passante, para alguém que, à sua frente, tombou no solo diante da entrada de um edifício. Se o número da porta estiver visível, o que nem sempre acontece, poderá indicá-lo; mas, se for um passante, que probabilidade teremos de que saiba o nome exato da rua? E se nem uma placa com o número da porta existir para ajudar?

Nestas circunstâncias, e se mais ninguém por ali estiver a passar, que probabilidade haverá de que o operador do call center receba uma informação fidedigna que possa transmitir ao condutor da VMER?

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Admitamos, apesar de tudo, que a pessoa sabe o nome da artéria e que esse nome está visível para o motorista; ou, até, que quem pede socorro é alguém que reside com o sinistrado, e conhece perfeitamente o endereço completo do local: se, numa série de meia dúzia de edifícios, nenhum tiver a placa com o número da porta – como tantas vezes sucede -, como saberá o condutor à frente de que prédio parar?

Esta situação é semelhante à que poderá, facilmente, ocorrer numa das nossas estradas, nas quais a maior parte dos marcos quilométricos há muito deixou de existir – nomeadamente os que indicam os hectómetros - ou se encontram em estado de tal forma degradado que se torna impossível deles extrair qualquer informação válida: ainda que a indicação esteja perfeitamente legível no marco que sinaliza o hectómetro “5” do quilómetro “12”, sempre haverá que perder tempo a conduzir – ou a caminhar… - quinhentos metros até ao quilómetro inteiro mais próximo até o participante que passou pelo local do acidente se inteirar do número da estrada secundária, coisa que muito poucos terão presente quando a estão a percorrer.

Puzzled operator 2.1.5. Dificuldade na Localização de Edifícios Isolados

Operador – “Pode informar-me a morada, por favor?

Participante do sinistro – “Fica a uns cinquenta metros da Quinta das Maravilhas, naquela estradinha que vai de Canecas de Baixo a Garrafas de Cima. Antes de chegar àquela curva à esquerda, mete à direita por um caminho de terra batida, anda uns duzentos metros, chega ao cruzamento, vira à direita, anda um bocadinho e é logo ali”. Lembram-se da descrição feita pelo bombeiro à médica do INEM? Pois será mais ou menos isso…

Quantas vezes acontecerão situações destas? Quanto tempo irá o operador do call center demorar a interpretar e anotar tudo aquilo da forma mais clara possível? Quem chegará ao local com indicações tão pobres? E quanto tempo depois, se acabar por chegar?...

Quando, na melhor das hipóteses, acabar por conseguir aproximar-se razoavelmente do local, como o identificará se no portão de entrada não existir uma placa com os dizeres “Quinta das Maravilhas”?

Como irá a história acabar?


2.1.6. Síntese das Fontes Humanas de Problemas na Localização

Sem prejuízo, naturalmente, de outras situações que poderão ocorrer e que os motoristas profissionais conhecerão melhor do que ninguém, as anteriormente exemplificadas têm, essencialmente, como fontes:

   i Semelhança do nome da localidade de destino com o de localidades limítrofes ou próximas no mesmo município

   ii Insuficiência ou inexistência de sinais de direção

  iii Existência, na mesma localidade, de mais do que uma artéria com a mesma designação, embora de diferentes tipos

  iv Inexistência ou ilegibilidade de indicações essenciais relativas à localização do prédio de destino

   v Inexistência ou ilegibilidade de marcos quilométricos

  vi Impossibilidade prática de indicar com precisão a localização de prédios isolados

VMER em loop
Saliente-se que, nos casos referidos nos pontos i., iii., v., vi. e, em certos casos, também no ponto iv., o erro não é evitável pela introdução do endereço tradicional no Waze®, no Google Maps® no TomTom® ou em qualquer outro sistema de navegação, que apenas em algumas situações do ponto ii. poderão auxiliar.

Num tal panorama, e mesmo num dia calmo do call center e em que o quartel dos bombeiros e o centro de saúde estejam repletos de ambulâncias, quem poderá estranhar a demora na chegada do socorro?

Que preço em cuidados de saúde – ou em vidas… - estaremos a pagar por tudo isto, diariamente, durante todo o ano? Sem falar nos casos em que as forças policiais detêm, indevidamente, anciãos pacatos e indefesos por terem confundido a morada da residência deles com a do criminoso que procuravam…

Faz-vos lembrar alguma coisa?*)


2.1.7. Custos Marginais Evitáveis Associados à Ineficiência na Localização

Os custos não se limitam, porém, ao impacto negativo na rapidez e na qualidade global da assistência prestada.

Como impactos económicos marginais negativos há a destacar, desde logo, a ocupação indevida da viatura de socorro e de uma equipa de duas pessoas – exceto no caso das motorizadas - que anda de um lado para o outro, a perguntar a este e àquele, até encontrar o local onde deve dirigir-se.

O desperdício não só é significativo quanto ao tempo despendido, mas também, em números agregados da frota, em muitos milhares de quilómetros percorridos desde o início ao fim do ano, com o dispêndio de combustível inerente e a necessidade de manutenções de rotina mais frequentes, para não falar do inútil desgaste suplementar das viaturas, tendente a determinar o seu abate precoce.

Se atentarmos no quadro exemplificativo acima incluído em 2.1., facilmente concluiremos pela enorme desproporção entre os 9 km a percorrer em treze minutos até um endereço completo e claramente indicado em Barrosas – Santo Estêvão por uma ambulância estacionada em Vila Verde ou, caso ocorra erro ou imprecisão na indicação da freguesia, os 17,2 km (17 minutos) de Lousada a Santa Eulália onde se constataria o erro, acrescidos dos 9,3 km (15 minutos) de Santa Eulália a Santo Estêvão, onde deveria ser assistido o sinistrado.

Preço a pagar em vidas
Ou seja: em lugar de 9 km em treze minutos, a VMER e os dois profissionais da saúde percorreriam 26,5km em 32 minutos, o que representaria um acréscimo de 194% na distância e de 146% no tempo de percurso – e, possivelmente, um óbito ocorrido nos 23 minutos perdidos no trajeto, mais alguns passados a procurar uma casa simplesmente não existia, ou na qual nada tinha ocorrido que requeresse urgente auxílio.

No caso da já referida pessoa das minhas relações, o tempo de espera total foi de 35 minutos – os dez correspondentes ao socorro eficiente, acrescidos dos vinte e cinco em que andou a deambular uma ambulância que estava de prontidão à porta do centro de saúde e partiu, no máximo, quatro minutos após a chamada para um percurso total de… oito quilómetros, sempre a direito, por um Itinerário Principal.

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Dir-se-á que casos de tamanha desproporção não serão assim tão frequentes, o que é aceitável. Mas quantos casos com acréscimos menores, mas sempre significativos, não existirão? Qual a aritmética final em combustível gasto, horas de oficina e… vidas?

A tudo isto haverá, evidentemente, que adicionar o risco acrescido de ocorrência de acidentes de viação  durante o tempo em que a VMER anda perdida, não apenas dada a maior distância percorrida, como pelo facto de, como a tripulação não é composta por robots, esta ficar, compreensivelmente, perturbada por saber que uma vítima acabará prejudicada devido ao erro, assim havendo, ainda, que adicionar o desgaste emocional associado à tensão nervosa ao facto de, tal como a ambulância, os recursos humanos ficarem retidos mais tempo do que o necessário, logo, menos disponíveis para acorrer a outras situações.

Tal como os elementos da equipa da VMER, o operador do call center ficará, também ele, retido ao telefone mais tempo do que o necessário, já que irá ser, inevitavelmente, contactado pelos tripulantes na tentativa de obter esclarecimentos complementares quanto ao endereço.

Não será, assim, de admirar que uma outra ligação para o 112, efetuada poucos minutos depois, demore a ser atendida, e que, por via do atraso escusado no serviço, as vítimas de outros episódios de urgência em que o endereço seja corretamente processado acabem por ver o socorro atrasado por indisponibilidade de quem anda de Herodes para Pilatos à procura do edifício correspondente a uma morada que lhes deveria ter sido transmitida com toda a precisão. Mas não foi...

Decorrentes de todos estes atrasos e ineficiências, haverá, naturalmente, que considerar também os custos de imagem para o INEM e para o Estado, nos quais todos, em princípio, deveríamos confiar.

Dificuldade na localização de endereços
Por fim, juntando às ambulâncias e outras viaturas de socorro todos os veículos cujos condutores experimentam idênticas dificuldades na localização de endereços – carrinhas e camionetas de distribuição, equipas de reportagem, veículos de empresas de serviços ao domicílio, como enfermagem e assistência técnica -, não será difícil imaginar o impacto negativo global na receita do Estado por via da redução do IRC decorrente de menos favoráveis resultados económicos das empresas afetadas, bem como o impacto ambiental agregado das emissões de gases poluentes.

Aqueles que acham que nada disto tem a ver com eles, pensem então quanto, ao longo de um lustro ou uma década, tudo não representa em impostos desnecessariamente cobrados aos cidadãos.  A cada um deles!

Porque, até pelas coisas que acontecem só aos outros, de alguma forma acabamos por pagar todos nós.

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Em síntese, temos como custos marginais supérfluos:

  » Quanto ao Equipamento

      • Maior gasto de combustível

      • Necessidade de mais frequantes operações de manutenção das viaturas

      • Menor duração útil das viaturas

      • Maior risco de acidente rodoviário

      • Maior tempo de indisponibilidade da ambulância


  » 
Quanto às Pessoas Diretamente Envolvidas

      • Agravamento da situação clínica e da probabilidade de óbito do sinistrado

      • Maior tempo de indisponibilidade da tripulação da VMER

      • Maior desgaste emocional da tripulação com inevitável impacto negativo sobre o desempenho na prestação do socorro

      • Maior tempo de indisponibilidade do operador do call center

Mapa de São Domingos de Ana Loura
 
» 
Quanto à Generalidade da População

      • Menor rentabilidade das empresas de distribuição, de assistência técnica e de prestação de outros serviços ao domicílio

      • Impacto negativo sobre a imagem do INEM e do Estado

      • Efeitos nocivos da emissão de gases poluentes

      • Impacto dos custos na receita fiscal

Num tal quadro, os atrasos e as frustrações serão, mesmo, de admirar?


2.2. As Limitações e os Erros na Informação das Coordenadas GPS

Bem, dir-se-á, mas as ambulâncias estão equipadas com dispositivos de navegação por GPS – ou, pelo menos, os telemóveis dos tripulantes permitem-na … – e, quem pede auxílio, sempre poderá indicar, além do endereço na forma tradicional, as coordenadas exatas do local do sinistro.

Ninguém duvida. Mas, como adiante veremos, contrariamente ao que acontece com os endereços em língua de gente que a todas as horas e minutos introduzimos no telemóvel para obter o melhor caminho para lá chegar, a indicação por coordenadas do sistema GPS foi pensada mais para as máquinas e menos para as pessoas, o que aparece como uma das razões possíveis para que, se considerarmos a generalidade da população e das situações – particularmente em casos de picos de enervamento, como nos pedidos de socorro -, poucas vezes essa indicação seja publicitada ou pontualmente transmitida.

Lá se vai vendo um ou outro anúncio de restaurante, ou de andar para venda com a indicação das coordenadas; mas muito raramente, e em muito poucos tipos de situação, também.

Quais serão, então, as razões específicas para tão fraca adesão?


2.2.1. Problemas Práticos da Referenciação das Coordenadas

Uma razão provável da fraca utilização das coordenadas como referência de local será a existência, não de uma única, mas de três notações distintas e, mesmo dentro de cada uma delas, com variações:

     • Notação complexa, em graus, minutos, segundos e decimas de segundo (DMS): gg°mm'ss.s"

     • Notação decimal, em graus e centésimas-milésimas de grau: (DD): gg.ggggg

     • Notação mista, em graus, minutos e décimas-milésimas de minuto (DMM): gg mm.mmmm

Mapa distorcido
Como se não bastasse, a indicação dos pontos cardeais também varia, podendo acontecer antes ou depois do valor numérico, e utilizando letras ou sinais aritméticos.

Assim, teremos, por exemplo, “N gg.ggggg W gg.ggggg” ou “gg.ggggg N gg.ggggg W”, ou, ainda, “(+)gg.ggggg -gg.ggggg”, ou qualquer uma de outras dezenas de combinações possíveis.

Dado que boa parte dos navegadores apenas aceita uma destas notações, e nenhum deles aceita todas, imagine-se o tempo perdido a procurar o conversor adequado e a utilizá-lo quando o participante do sinistro informa N 38°51’23.080” W 9°6’11.455” e o navegador GPS do condutor da VMER só aceita o formato gg.ggggg -gg.ggggg, o que corresponderia a 38.856411 -9.103182.

Alguém normal se entende no meio de uma confusão destas?*)

A agravar o que já de si é bem grave, também existem diversos sistemas, não apenas de notação mas de medição, como o Datum 73, o WGS84 e o ED50 - mais ou menos utilizados, é certo -, para dar com qualquer um em doido, e inviabilizar totalmente o recurso fiável à indicação das coordenadas geográficas para localizar, com inequívoca precisão, o destino de um condutor.

Sobretudo ao atender uma emergência…

Tão útil, indispensável e preciso é, pois, o sistema GPS no seu funcionamento, como é perigosamente falível na transmissão ou introdução de coordenadas por humanos.

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A indicação da coordenadas é inesperadamente equívoca num sistema de tamanha precisão, não apenas devido à existência de variados sistemas de medição e de notação, como ao facto de a combinação das duas coordenadas resultar numa expressão indesejavelmente extensa e, em certos casos, praticamente sem separadores, o que dificulta a transmissão verbal e, até, a simples leitura, gerando erros potencialmente catastróficos quando se trata de prestar auxílio urgente.

Pode, pois, dizer-se que, no que se refere à indicação do endereço mediante a entrada das coordenadas, o GPS, tão preciso no funcionamento, nasceu com o formato infetado pelo vírus da confusão.


População de Ambulâncias
2.2.2. O que Não Tem, Mesmo, Remédio

O problema mais sério que afeta a utilização das coordenadas para referir um local não reside, porém, na inevitável ambiguidade gerada pela diversidade de formatos e pela extensão e falta de clareza da notação.

Em boa verdade, estes inconvenientes até poderiam, em tese, ser resolvidos mediante a normalização para um sistema de notação único, acompanhado de um separador complementar de traço ou de ponto a intercalar nos decimais extensos – a ser esse o formato finalmente adotado - ou por expediente similar, um pouco na linha dos traços que separavam os grupos alfanuméricos das matrículas portuguesas de automóveis, cuja supressão a leitura por humanos acabou por dificultar.

Isto, apesar de as tentativas de normalização de sistemas tenderem a perder-se em discussões intermináveis, e de, faça-se o que se fizer, a sequência de algarismos ou de letras e algarismos das coordenadas continuar extensa, confusa e, sobretudo, difícil de ditar.

Mas o mau, mesmo, é que além da possibilidade de erro na localização por circunstâncias diversas – como as condições ambientais e as características técnicas do equipamento de leitura no que se refere, por exemplo, à antena ou à potência de receção -, o que não tem solução é a impossibilidade material de validação da mais do que falível indicação de coordenadas transmitida.

Vejamos…

Voltando ao exemplo anterior das coordenadas 38.856411 -9.103182, se o participante do sinistro indicasse, por lapso, 38.856411 -9.103183 - em vez de 2, como seria correto –, mesmo que não ocorresse erro significativo na precisão do dispositivo de leitura a VMER desviar-se-ia escassos dez centímetros da localização informada, o que, por ser impercetível, não teria qualquer importância.

Se o erro fosse, por exemplo, 38.856411 -9.103192, a diferença seria também insignificante, cifrando-se em pouco mais de um metro, também sem provocar qualquer dano.

No entanto, e como é mais do que evidente, o erro – ou os diversos erros… - pode ocorrer com a mesma facilidade ao indicar um dos últimos dígitos de cada coordenada, como ao indicar um dos primeiros!

Por isso mesmo, se o erro fosse, por exemplo, 38.856411 -9.104182, a ambulância dirigir-se-ia para um quarteirão adjacente ao do edifício onde a vítima se entraria; e, se fosse 38.856411 -9.203182 o desvio seria de uns bons dez quilómetros*), acarretando consequências que poderiam ser mais nefastas do que aqui seria viável descrever.

O que não tem mesmo remédio
Ora, o que não tem, mesmo, remédio é a impossibilidade prática de adicionar à indicação das coordenadas um ou mais dígitos de verificação (check digits *)), como acontece, por exemplo, no IBAN, nos números dos cheques bancários e em tantas outras situações da vida corrente em que dessa existência nem nos apercebemos.

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Clarificando um pouco, os check digits são algarismos que não fazem parte da numeração e têm como única função procurar garantir que a parte significativa da referência numérica se encontra corretamente indicada.

Exemplificando com uma situação bem simples, o código internacional de Portugal a duas letras é “PT”, de acordo com a norma ISO 3166-1 alpha-2*). Esta é também, como todos sabemos, a designação que corresponde às duas letras iniciais de uma referência IBAN.

No entanto, dado que seria relativamente fácil alguém cometer um erro ao transmitir ou ao digitar o “PT”, estas duas letras são sempre seguidas dos algarismos “5” e “0”, assim se formando as quatro primeiras posições do IBAN correspondente a uma conta bancária num banco português que é, como se sabe, a sequência “PT50” – em Espanha, “ES39”, em França “FR14” e assim por esse Mundo fora, sempre com o objetivo de evitar erros numa indicação unicamente alfabética a duas letras do país.

O efeito prático é o “chumbo” do IBAN se alguém introduzir um daqueles números compridos começando por “PT40” ou "PW50" em vez de “PT50”, algo que o sistema informático nunca aceitará porque essas combinações de código de país com os dígitos de verificação – o PT mais o 40, o o PW mais o 50 - simplesmente não existem na referida norma ISO!

A propósito, os dois últimos dígitos do IBAN são, também, check digits, que nada têm a ver com a identificação da conta bancária a que o IBAN se refere, apenas servindo para evitar que o dinheiro que acabou de transferir vá parar onde não deveria ter ido só porque quando lhe informaram, por telefone, o número da conta de destino o seu ouvido estava um pouco entupido, o interlocutor constipado ou tinha sotaque, algum dos dois estava distraído ou… um comboio perturbou a conversa ao passar.

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Ora, as coordenadas a introduzir num sistema de navegação por GPS não têm check digits; nem podem ter, já que, para tanto, seria necessário criá-los e divulgá-los para cada coordenada possível, sendo elas, como facilmente se depreende, aos milhares de milhões!

Mapa de cubos
Restar-nos-ia, pois, sem nos enganarmos, informar as coordenadas, nada fiáveis apesar do aspeto rigoroso e certinho daqueles números todos, e esperar que fossem corretamente entendidas no call center e o condutor também corretamente as introduzisse no telemóvel ou no dispositivo de navegação.

Caso contrário, haveria que perder mais tempo a ligar de volta para quem pediu assistência e procurar esclarecer o equívoco, depois retificar a rota para um ponto a dezenas de quilómetros de distância enquanto a vítima se ia esvaindo em sangue e demorando, toda esta trapalhada, bastante mais tempo do que o desperdiçado, em Janeiro de 2008, numa inesquecível conversa telefónica entre uma médica da VMER de Vila Real e um bombeiro de Favaios, no concelho de Alijó...


2.3. Síntese do Enquadramento

Por muito que a aplicação de navegação por GPS e o dispositivo em que é utilizada sejam fiáveis e precisos, nada poderá evitar um direcionamento errado da viatura de socorro no caso de o endereço de destino ser, no formato tradicional, indevidamente transmitido ou anotado.

Uma eventual ambiguidade na toponímia, a escassez de placas de direção, a multiplicidade de ruas, estradas, calçadas e calçadinhas, a facilidade com que, em situações de perturbação extrema, podem ser transmitidas ou rececionadas informações de endereço erradas, e a dificuldade na identificação da localização precisa de quintas isoladas ou de prédios semelhantes são fatores potenciais de elevado risco de quebra grave – por vezes fatal - na celeridade da prestação do socorro, com consequências nefastas, não apenas para a situação do doente ou do sinistrado, mas para a tripulação do veículo, sobre o dispêndio com a deslocação e sobre a intensidade dos riscos a ela inerentes, sendo também responsáveis por um inevitável e significativo impacto ambiental.

A alternativa à indicação do endereço no formato tradicional - que todos estes erros repetidamente provoca e muitos mais potencia -, não passa, porém, pela substituição daquela pela informação das coordenadas geográficas, extensas, confusas e sem possibilidade mínima de validação, o que as torna, também elas, suscetíveis de provocar desvios de dezenas de quilómetros em relação ao local do incidente.

À custa de tanta diferenciação e de tanta especialização, as coordenadas geográficas, que poderiam representar uma vantagem imensa para a comunidade, transformaram-se, no que respeita à especificação de endereços, numa miragem inacessível para a grande maior parte dos eventuais utilizadores.

VMER a desviar-se
Resta, neste quadro, conceber e implementar, com inegável urgência, um sistema de referenciação que, preferencialmente conjugado com a indicação do endereço no formato tradicional - mas sendo, também, eficaz e funcionando autonomamente -, permita conduzir até ao destino com o erro de navegação limitado ao máximo de escassos metros próprio de um equipamento de navegação digno de tal designação.


3.  Modelo: A Referência Exata de Local (REL)


3.1. Apresentação

A Referência Exata de Local (REL) responde positivamente a cada uma das ineficiências da extensa lista apresentada ao permitir, de forma, se não absolutamente fiável, pelo menos muito dificilmente sujeita a erro, direcionar um condutor ao ponto exato, seja da emergência, seja da reportagem, seja da entrega de bens, seja onde determinado serviço deva ser prestado.

A sua estrutura traz-nos, simultaneamente, as seguintes vantagens:

     i. é incomparavelmente mais precisa do que a do endereço indicado no formato tradicional de artéria, número e localidade;

     ii. é de muito mais fácil leitura do que a informação das coordenadas do local, qualquer que seja o formato considerado;

     iii. contém caracteres de validação que a tornam infalível na exata medida em que anulam a possibilidade de erro na transmissão e na receção da informação;

     iv. é de ditado simples, alternando letras com números, em grupos de reduzida dimensão;

     v. permite que, à indicação da REL pelo participante do incidente, responda o operador do call center pedindo para confirmar que a morada real corresponde à que lhe é apresentada no monitor do sistema de apoio, assim reduzindo drasticamente a possibilidade de equívoco.

A informação quanto ao local exato de destino será, naturalmente, complementada com a indicação do andar e lado ou letra, sempre que aplicável.

Exemplificando, a REL 12.34.AB.56.78.904 pode ser lida como “doze, trinta e quatro, à bê, cinquenta e seis, setenta e oito, novecentos e quatro”, ou como “um dois ponto três quatro ponto Algarve Barreiro ponto cinco seis ponto sete oito ponto nove zero quatro”, ou algo semelhante, ao que o operador de call center responderá “a sua emergência situa-se na Calçadinha dos Morangueiros número trinta e cinco. Confirma?”, seguindo-se, se aplicável, a indicação pelo participante do andar e lado ou letra, e assim se eliminando qualquer razoável possibilidade de engano por troca, por exemplo, com uma travessa do mesmo nome que também exista na localidade.

Mas, vejamos mais pormenorizadamente em que consiste a REL e, seguidamente, como poderá proceder-se à sua implementação.


3.2. Especificação

Os dois primeiros dígitos da Referência Exata de Local correspondem à identificação do distrito*), de um a 18, para este efeito correspondendo os números 19 e 20 às regiões autónomas dos Açores e da Madeira. Assim, uma REL começada por “02” referir-se-á, sempre, a uma localização no distrito de Beja.

O terceiro e o quarto dígitos correspondem ao código de cada concelho dentro do distrito correspondente. Como exemplo, saberemos que uma REL iniciada por “02.06” dirá respeito a uma localização no concelho de Castro Verde, do distrito de Beja*).

Quinta e Sexta posições
As quinta e sexta posições, alfabéticas, correspondem a check
letters, em lugar dos tradicionais check digits já aqui referidos.

Esta opção pelas check letters deveu-se, essencialmente, a duas considerações:

     • Por um lado, porque com a saúde e a vida não se brinca, e a validação com duas das vinte e seis letras do alfabeto garante uma possibilidade de erro cerca de seis vezes menor (1 : 26² = 0,0016) do que a que é proporcionada por dois dos dez algarismos do sistema numérico (1 : 10² = 0,0100).

     • Por outro, em virtude de a utilização de um grupo alfabético intercalando outros numéricos assegurar uma maior fiabilidade do ditado, na medida em que permite evitar erros de transmissão dos grupos numéricos decorrentes da troca eventual da posição relativa de cada um deles.

Por fim, as posições sete a onze designam o código numérico do local de destino dentro do concelho em que está situado, servindo o ponto que separa a oitava posição da nona unicamente para facilitar o ditado e para o tornar menos sujeito a erros.

Há que dizer que, inicialmente, se pensou na possibilidade de fazer o código numérico do local coincidir exatamente com o número constante do registo predial da freguesia em que o prédio estivesse localizado – já que, como adiante veremos, o processamento informático estará intimamente relacionado com esse registo. Corresponderiam, assim, as posições sétima e oitava ao código numérico daquela.

No entanto, além de tal opção reduzir substancialmente a quantidade de números de ordem disponível, a recente dança entre freguesias e uniões de freguesias a que recentemente assistimos, aliada à vontade latente de autonomização de umas relativamente a outras, desaconselha tal escolha, já que o assunto que aqui nos entretém é demasiadamente sério para que fique sujeito a alterações constantes da REL ao sabor de manifestações de bairrismo, de estados de alma, de campanhas eleitorais autárquicas, em suma, da vontade política de uns e de outros.

Num assunto sensível como este, requer-se rigor e estabilidade, deixando a ânsia de protagonismo para outras ocasiões e outras atividades de menor responsabilidade e premência.

A Referência Exata de Local deverá ser obrigatoriamente comunicada por escrito pelos locadores aos locatários e constará dos contratos de arrendamento e de compra e venda de imóveis, bem como dos respetivos anúncios, nos termos que a lei prevê para o Certificado Energético.*)


3.3. Confirmação da Morada por Identificação Visual do Local

Como vimos em 2.1., a possibilidade de erro na indicação ou interpretação da REL no momento da comunicação da emergência fica, praticamente, eliminada pelo facto de, uma vez introduzida aquela no sistema informático, o endereço correspondente ser imediatamente apresentado no monitor do operador do call center, que o lerá ao participante a fim de que este o valide por comparação com a informação que é do seu conhecimento.

Mapa de São Bento
Por outro lado, na generalidade dos casos, não haverá o perigo de a equipa da VMER entrar no prédio errado, já que a exatidão do destino sempre será validada no local mediante a observação no nome da artéria, do número de polícia, da designação da propriedade rural, ou de indicação congénere que desejavelmente existirá junto à entrada.

Utilizando a REL, mesmo se, no caso de imprecisão na navegação devida a variáveis atmosféricas pontuais e impossíveis de controlar, a localização correta não for aquela para a qual o veículo de socorro se dirigiu, será outra no raio máximo do erro do GPS, o qual não deverá, mesmo em casos extremos ultrapassar os cinquenta metros – logo, bem menor do que os quilómetros que separam uma aldeia de outra com nome semelhante -, o que, no local, facilmente pode corrigir-se.

- x –

Acontece, porém, que a Referência Exata de Local se destina, também, a facilitar a localização de emergências ocorridas no exterior de prédios urbanos, rústicos ou mistos, ocorrências geralmente participadas por transeuntes que, em boa parte dos casos, não saberão o nome da artéria em que se encontram; ou de automobilistas que circulam numa estrada e acabam de passar pela Quinta das Maravilhas (v 2.1.5.), próximo de cuja entrada ocorreu o sinistro, e não fazem a mais remota ideia de como informar o operador do call center do 112 de como a ambulância lá poderá chegar em tempo útil .

Assim, e porque importa que o socorro a prestar o seja de forma eficiente, quer dentro, quer fora dos prédios, deverá ser obrigatória a afixação de uma pequena placa – discreta, mas facilmente localizável – na entrada principal do local identificado pela REL, a fim de que qualquer pessoa que passe e presencie o sinistro possa pedir socorro de forma eficiente e eficaz.

A utilíssima plaquinha servirá, até, às mil maravilhas para marcar encontro para umas comprinhas, para beber um copo ou para qualquer outra coisa a que se possa adaptar.

A fornecer e enviar gratuitamente pelo Estado para a morada dos proprietários ou usufrutuários – e será este, além das campanhas publicitárias, o único investimento mais ou menos significativo, dependendo da quantidade e da voracidade dos intermediários que se acabar por contratar para chegar a quem a irá fabricar -, a placa deverá:

Consequências da ambiguidade na toponímia
     • conter, unicamente, "REL ", seguido da referência;

     • ser fabricada em material plástico razoavelmente flexível;

     • ser gravada ou impressa em material e por processo resistentes à humidade e à luz solar;

     • ter as dimensões estritamente necessárias a uma rápida localização e a uma correta leitura na porta ou portão em que estiver afixada, a fim de evitar resistências alegando ser a placa desproporcionadamente grande e inestética;

     • estar dotada de uma banda autocolante e, próximo de cada extremo, de duas pequenas perfurações que permitam a respetiva aposição em superfícies nas quais a colagem não seja eficaz.

A afixação da placa é obrigatória, sendo a contravenção punível com coima - proporcional à capacidade económica do infrator, como já se defendeu aqui*) - aplicada solidariamente aos diversos proprietários e ao responsável pela gestão do prédio, sem prejuízo da eventual responsabilidade civil e criminal originada na demora no socorro por dificuldade na localização.

Também não fará mal se um pequeno dístico a afixar em local visível no interior da habitação ou estabelecimento for enviado, por correio eletrónico, para o endereço de cada um dos proprietários, usufrutuários ou arrendatários - tal como a Autoridade Tributária e Aduaneira volta e meia envia aquelas importantíssimas notícias relativas aos sorteios da e-Fatura *).


3.4. Recolha e Armazenamento dos Dados

Dado que se destina, antes de mais, a direcionar para prédios urbanos, rústicos e mistos, a Referência Exata de Local ficará associada ao correspondente registo na conservatória do registo predial em, pelo menos, três campos especialmente acrescentados para o efeito: um para a designação alfanumérica, outro para a coordenada correspondente à latitude e outro para a correspondente à longitude, informações que serão, desde o início da operação, livre e gratuitamente disponibilizadas a toda a população, designadamente aos serviços públicos, empresas e pessoas individuais:

Ficheiro de dados VMER e SMS
     • através de ficheiro de dados a ser descarregado pela Internet por quantos o pretendam utilizar em aplicações próprias para fins específicos – como para que as coordenadas exatas e sem possibilidade de erro sejam imediatamente transmitidas eletronicamente (por exemplo, por SMS), tanto ao condutor de uma VMER como ao de uma a carrinha de distribuição de um supermercado ou a alguém que apenas pretende visitar uma casa que está para comprar ou arrendar ou ao restaurante ir jantar;

     • através de aplicações para telemóveis que, uma vez eletronicamente recebida a REL - ou manualmente introduzida em campo próprio -, exportem as coordenadas para o navegador (ex: Waze®, Google Maps®) utilizado no telemóvel ou no computador, assim evitando qualquer possibilidade de erro que subsista na cópia, para a memória temporária, da indicação das coordenadas e subsequente colagem no campo de pesquisa adequado;

   • através de aplicação na Internet que, a partir da REL introduzida, informe as coordenadas correspondentes, para utilizações de qualquer natureza ou tipo.

Diz quem penso saber do que fala que as aplicações informáticas de suporte são tão simples de desenvolver, mas mesmo tão simples, que poderão ser entregues a qualquer estudante dos níveis médios de um curso de informática, não existindo assim qualquer necessidade de, para o efeito, contratar dessas empresas de parques de campismo - detidas por maridos de autarcas e intermediadas por padeiros - que fornecem golas que eram à prova de fogo mas afinal não são*), ou consultores mirabolantes e muitíssimo bem remunerados externos ao Portal da Habitação.

Em qualquer caso, os custos de desenvolvimento não chegarão aos calcanhares dos absorvidos pelo tão propalado ivaucher*), atrasado*) e de eficácia ainda por apurar, ou daquela coisa mirabolante denominada StayAwayCOVID*), que nunca alguém chegou a entender muito bem para que servia e que, ou me engano muito, ou tinha uns errozitos de análise que desde o início a condenaram ao insucesso, já que, feitas as contas, do grandioso projeto apenas se conseguiu entender pouco mais do que a intenção. Ao vírus, pelo menos, parece não ter feito a mais leve comichão…

Também não é necessário enfeitar e encarecer as páginas da Internet e as agora chamadas apps com caríssimos e parolos bonecos e mapinhas, ou com aquelas frases pategas de encorajamento de que certos políticos e fabricantes de jogos para consolas tanto gostam, do género "Fixe! Conseguiste, Meu!", uma vez que o assunto aqui é sério, e o único propósito das tais app será o de copiar para a área de transferência (clipboard) as duas coordenadas a colar no campo de pesquisa do Waze® ou do Google Maps® ou similar.

Por uma vez, façam as coisas de forma célere e simples, focando o essencial, como sempre deveria acontecer em Portugal.

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Especificação da Referência Exata de Local
A gravação dos dados competirá, numa primeira fase facultativa, aos proprietários ou moradores, logo se seguindo a confirmação por técnicos camarários dotados de formação e de equipamento adequados a tais operações, confirmação essa que, porque, tal como o nome sugere, os imóveis se caracterizam pela imobilidade, serão realizadas uma única vez, sem que os dados necessitem de qualquer manutenção – a menos que os satélites do sistema GPS endoideçam ou a Terra resolva inverter o sentido da rotação.

O processo será muito simples:

     I. No primeiro arranque, o software afetará, a cada um dos prédios à data registados na base de dados do Instituto dos Registos e do Notariado*), uma REL, sendo os cinco últimos dígitos atribuídos sequencialmente dentro do concelho em que o prédio se situa, começando na primeira freguesia e terminando na última.

     II. De seguida e após abundante divulgação, os cidadãos interessados – por exemplo, proprietários, coproprietários, administradores de condomínio, proprietários de frações no caso de não haver condomínio constituído -, devidamente identificados, utilizarão, se assim o entenderem e a fim de agilizar procedimentos, uma muito simples página da Internet criada para o efeito para, acedendo pela morada ou pelo número de registo do prédio, nela introduzirem as coordenadas correspondentes.

     III. À medida que as coordenadas forem sendo gravadas – ou de uma vez só, logo de início, como for julgado mais funcional e conveniente -, o Estado remeterá aos interessados as placas normalizadas onde estarão inscritas as REL, que eles obrigatoriamente afixarão ou farão afixar, sendo também deles a responsabilidade pela manutenção das condições de visibilidade e de legibilidade, bem como, eventualmente, pela substituição caso a deterioração chegue a um ponto tal que não possam ser repostas tais condições.

     IV. A informação originada nos cidadãos – extremamente útil numa fase inicial, mas menos precisa - será posteriormente validada pelos técnicos municipais já referidos, competindo ainda aos mesmos ir, gradualmente, medindo e gravando as coordenadas correspondentes a cada REL que não hajam sido, entretanto, informadas pelos primeiros.

     V. Posteriormente, sempre que um novo prédio seja adicionado, concentrado ou dividido será automaticamente gerada para o mesmo uma REL, com número de ordem igual ao primeiro disponível por ordem numérica ascendente, sendo obrigatória a indicação manual, pelo operador responsável pelo registo, das coordenadas correspondentes.

   VI. Qualquer registo de um novo prédio ou alteração a um já existente estará, obrigatoriamente, dependente de declaração de medição de coordenadas a emitir pela câmara municipal.

Apresentação da Referência Exata de Local

Escusado será dizer que, aos três campos a acrescentar ao registo predial já referidos, outros se deverão juntar, nomeadamente para, em nome da fiabilidade e da segurança do sistema, registar a data em que as coordenadas foram gravadas no sistema e a identidade do cidadão responsável pela informação, bem como, numa fase posterior, a data da validação e a identidade do técnico municipal que a tiver efetuado.


3.5. Processamento e Disponibilização da Informação

Diariamente, será a informação relativa à Referência Exata de Local e às correspondentes coordenadas exportada para um ficheiro de texto ordenado e formatado de forma a assegurar, simultaneamente:

     • a utilização por qualquer cidadão, por visualização direta e, eventualmente, por aplicação que, para o efeito, alguém entenda desenvolver;

     • a pesquisa eficiente e segura.

O ficheiro – que poderá, evidentemente, ser desdobrado por distrito ou, até, por concelho a fim de que a consulta e pesquisa se tornem mais rápidas e simples – será livremente descarregado a qualquer momento a partir do Portal da Habitação, ou, melhor ainda, de um sítio simples e económico desenhado com esse propósito específico, do qual uma explicação pormenorizada da REL e do seu funcionamento deverá constar.


Conclusão
4. Conclusão

4.1. Limitações, Cuidados e Sugestões

Poderá argumentar-se que a generalidade dos cidadãos não quererá dar-se ao trabalho de tomar nota, no telemóvel ou num papelinho que guardará na carteira, de uma referência que apenas irá utilizar no caso de lhe bater à porta uma daquelas desgraças que se está mesmo a ver que só aos outros irão acontecer.

Uma boa campanha publicitária saberá, no entanto, alertá-los para o facto de que a REL dará bastante jeito para agilizar a entrega daquelas coisas todas que os mesmos cidadãos passam a vida a encomendar pela Internet, para fornecer ao senhor que lá vai hoje reparar a televisão e para um sem-número de outras coisas de que os publicitários se não esquecerão de enfatizar.

Sempre haverá, naturalmente, que lembrar que quem, unicamente para agilizar a distribuição da correspondência, aderiu ao Código Postal Português, não terá grandes argumentos para se furtar a acolher com agrado uma REL pensada, antes de mais, para garantir o socorro pronto e eficaz ao próprio, seus amigos e familiares.

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Embora com sacrifício tolerável do rigor da validação, haverá que ter em conta uma certa vantagem no facto de o algoritmo a desenvolver para a atribuição das check letters não contemplar as letras k, w e y que, por muito que isso possa doer a quem quer convencer-se de que os portugueses são todos muito cultos, eruditos e, até, licenciados, são de existência desconhecida pela maior parte da população mais idosa que não fala inglês, mormente em zonas rurais desfavorecidas onde, não obstante, as emergências acontecem e há que, de forma especialmente segura e expedita, as reportar, o que não será possível a menos que se possa soletrar.

Aprendamos, pois, por uma vez, no terreno o que só pode ser constatado no terreno, em lugar de fingir que não existe quando nos entretemos a ler papéis e páginas da Internet como esta nos gabinetes ministeriais, uma vez mais dizendo “Stay away!” à eficácia de projetos, de aplicações e de outros que tais.

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A dança das freguesias e uniões de freguesias
Além dos prédios urbanos, rústicos e mistos, haverá considerável vantagem em estender a utilização da Referência Exata de Local a locais públicos relevantes, como monumentos isolados, pontos críticos de estruturas viárias e afins.

No caso de edifícios ou espaços especialmente vastos, deverá contemplar-se a atribuição de mais do que uma REL, a distribuir pelas diversas entradas ou pontos de interesse existentes no interior.

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Embora pensada para o território português, será de considerar a utilização internacional, eventualmente fazendo preceder a REL das mesmas quatro posições que antecedem o NIB para a formação do IBAN (PT50).

Poderá, também, dar-se o caso de, com tal objetivo, a estrutura proposta dever ser modificada a fim de acomodar estados com maior quantidade de distritos e concelhos, ou de unidades administrativas equivalentes.

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Sempre haverá, no entanto, que cuidar de que nada do que neste ponto antecede atrase o desenvolvimento e implementação urgente do demais.


4.2. Reflexões Finais

Fala-se muito de mudanças estruturais e de outras inconsequentes divagações. Porém, quando uma ineficiência de tamanho impacto subsiste numa área tão sensível como a emergência sanitária, parece não se lhe encontrar urgência na necessidade de resolução.

Erros efetivos de localização, levados às últimas consequências, poderão não ser assim tantos, mas todos aqueles que ocorrerem representarão, inevitavelmente danos acrescidos para a saúde ou, mesmo, perda de vidas, além, entre outros, dos diversos efeitos colaterais já enumerados.

Call center
Assim, o custo irrisório de implementação da Referência Exata de Local - dispêndio que, recorde-se, acontecerá de uma só vez e sem necessidade de manutenção ou de repetição - torna aberrante, condenável, quase criminosa, até, não apenas a rejeição do que aqui se propõe, como a mera demora na sua implementação.

Em qualquer caso, os danos colaterais para a economia, para a eficiência do call center, para as tripulações das VMER e para o ambiente são tão recorrentes, como frequentes são as perdas de tempo diárias a corrigir e confirmar, telefonicamente, informações evitavelmente confusas (a propósito: alguém sabe como estarão agora as coisas lá pelos bombeiros de Favaios e de Alijó?).

A Eletricidade de Portugal (EDP) já há muito tem o seu CPE (Código do Ponto de Entrega). Como entender, então, que, numa área tão crítica como os serviços de socorro, o omnipresente Estado Português não tenha já adotado idêntica medida?

Se não fosse o incidente ocorrido com um conhecido meu, é verdade que nem da gravidade do problema sistémico me teria apercebido. Mas, tendo ele sempre existido, estando, necessariamente, identificado, e sendo a solução tão simples e pouco dispendiosa, por que razão, num país com tantas cabeças supostamente pensantes em exércitos de assessores, ninguém se deteve a pensar no assunto e investir, seriamente, em investir seriamente nun think tank - como, para parecerem estrangeiros importantes, agora gostam de dizer... -, visando encontrar uma solução, fosse esta ou outra pelo menos igualmente eficaz, segura  e eficiente?

Por que não foi tão elementar problema há muito resolvido num País e, pelo menos, numa Europa que não para de inventar, para tudo e mais alguma coisa, classificações, e referências, e códigos novos a que ninguém liga deles se consegue, sequer, lembrar?

Portugal que, apesar de tudo, é pioneiro em tantas áreas, por que não o foi já também na definição de uma fórmula precisa, económica, funcional, eficaz e segura de indicação dos locais?

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Não apenas ao nível da ideia, mas com razoável desenvolvimento e vasta fundamentação, aqui fica uma possível solução que pode ser desenvolvida num máximo de três ou quatro meses, sem necessidade de análise por comissões e mais comissões.

Porque é simples, inacreditavelmente simples, como se viu.

Quanto à implementação, o mais moroso ainda poderá acabar por ser a conceção e fabricação das placas identificativas do local, já que é onde acaba por estar dinheiro com algum interesse nisto tudo, apesar de gasto quase de uma vez só - pelo que haverá que gastar algum tempo a escolher, criteriosamente, quem o, mesmo assim, razoável cesto de maná irá engordar: se o homem das golas, se alguma empresa do "grupo", mais ou menos habilmente encapotada, que coisas destas não são de se desperdiçar.

Informática
A programação informática, num computador doméstico, seria, dizem-me, coisa para escassas horas, incluindo uma razoável bateria de testes para garantir que tudo correria sobre rodas. Como não é feito em casa, poderá, com empenho a sério, ser coisa para um ou dois meses. Não mais.

Junte-se-lhe a campanha publicitária – que também irá render bastante a certas empresas e não só -, e lá para a Primavera de 2022, a REL poderá estar a funcionar, e a economia e a saúde a melhorar.

Não nos esqueçamos de que, como disse um eminente cirurgião português em entrevista subsequente a uma pequena intervenção cirúrgica na pessoa de outro ilustre português, “a saúde é um estado transitório que não augura nada de bom”.

Ou que, como diziam os romanos,

Salus populi suprema legis est