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quarta-feira, 29 de junho de 2022


Jéssica e a Bruxa

O assunto já foi amplamente noticiado, discutido e comentado.

Desnecessário será, assim, elaborar mais longamente sobre a maldade, a perversidade, a indiferença, presentes neste caso incluindo a indiferença da própria mãe que parece ter ficado inerte perante o estado calamitoso em que lhe foi entregue a filha moribunda*), em lugar de, prontamente, a levar ao hospital, como mandaria o coração de qualquer mortal, por maioria de razão o de um progenitor minimamente humano e apto a desempenhar o seu papel. Mas, desses, há cada vez menos...

Independentemente da tal capacidade económica que cada vez mais se confunde com classe social e pela qual todos se pisam e esgadanham para, no respetivo imaginário, subir mais um ou outro degrau, a triste realidade de boa parte dos lares portugueses vem, de há muito, sendo relatada pela comunicação social, mormente por aquela que mais aprecia e mais vibra com manifestações de tudo aquilo que de mais baixo, de mais podre, de mais horroroso,em suma, caracteriza o ser humano e se manifesta das mais diversas formas e nos mais variados meios.

Tampouco valerá continuar a fazer vibrar até à náusea a corda da falta de intervenção das autoridades competentes*), junto das quais o caso da Jéssica há muito estava devidamente sinalizado. Terá sido falha dos técnicos? Dos responsáveis? Falta de relevância nos orçamentos do Estado?

Haverá, naturalmente, que apurar responsabilidades individuais, bem como de refletir, exaustivamente, sobre a nunca mais chegada reforma estrutural da segurança social que, a par de muitas outras, continua nas gavetas ou nas pastas do Windows de quem tem outras coisas supostamente mais importantes e urgentes para fazer ou tratar.

O que, verdadeiramente, importa é ir ao cerne da questão, à causa imediata que está na origem de tudo o que aconteceu: uma dívida de umas centenas de euros da mãe, a uma bruxa que não terá hesitado em, cobardemente, exercer represálias sobre a filha da cliente devedora.

Diz quem sabe que esta situação não é caso único, tendo as autoridades judiciárias portuguesas entre mãos casos relacionados com autênticas redes criminosas dedicadas a atividades que irão desde o furto por meios eletrónicos até à perseguição de pessoas ao velho estilo das mafias sicilianas.

Estes bruxos e quejandos exploram, sem piedade, a crendice, a iliteracia, a ignorância, o medo e a insegurança que, a despeito dos atraentes números que enviamos lá para fora relativos à educação em Portugal, caracterizam uma parte muito considerável da população portuguesa.

Sabendo-se, como se sabe, da inutilidade, da inanidade, da falta de substrato científico em que se arrime a atividade profissional destes bruxos, videntes e sabe-se lá o que mais, como entender que serviços destes não sejam, simplesmente, proibidos, banidos? Pois não é verdade que qualquer um pode ser criminalmente perseguido por cobrar por produtos ou serviços que não correspondem ao anunciado, ou não produzem o resultado prometido?

Até quando, então, terão vítimas inocentes de sofrer a brutalidade desta inacreditável e anacrónica forma de exploração?

(continua aqui)

domingo, 22 de maio de 2022


Signos do Zodíaco: Embuste ou Enigma?


"Não será a influência dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o seu Futuro, mas, quando muito,
a influência cósmica sobre a Natureza ou sobre terceiros que, por sua vez, irão determinar aspetos importantes
do que mais proximamente lhe irá acontecer
"

"Sejam quais forem os objetivos servidos pela Criação, até que ponto fará algum sentido que a Humanidade seja gerida por signos,
em duodécimos?
"

"Que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?"

1. Anátema
2. O Joio e o Trigo
3. A Importância dos Astros sobre a Vida
4. Os Outros e Eu
5. Da Viabilidade Estatística
6. A Mão de Deus?
7. Conclusão

1. Anátema

O espetro de pandemias, guerras e outras calamidades paira, permanentemente, sobre nós. No entanto, impotentes que somos para contra elas eficazmente nos precavermos, preferimos, em tempos de relativa paz - e talvez, sabiamente... -, olhar para o lado e continuar a deambular, tranquilamente por aí, optando por nos preocuparmos apenas quando as coisas acontecem e já pouco ou nada podemos fazer para minimizar o inevitável impacto negativo sobre as nossas vidas e sobre as daqueles com quem interagimos.

A previsão de tão infaustas ocorrências não constitui, porém, o propósito principal das visitas com que alguns insistem em continuar a honrar videntes, astrólogos, quiromantes e outros que, como eles, se dizem adivinhadores do Futuro - acreditem eles próprios nisso ou não.

Lá bem no fundo de quem a tais consultas recorre existe uma mais ou menos secreta esperança de voltar com boas notícias, acerca da família, dos amigos, dos colegas, mas, sobretudo, sobre si próprio: se vai morrer já ou não, como vai, até lá, andar de saúde, e se vai pingar ou não o rico dinheirinho que tanta falta lhe faz. Existe, ainda, a crença de quem entende que, por conhecer, de antemão, os infortúnios que lhe irão cair em cima, melhor se poderá preparar para os suportar.

Este hábito, bem típico e sintomático da insegurança endémica que grassa pelo território português, de ir à bruxa, de recorrer a adivinhos como forma de reduzir a ansiedade gerada pelo medo do desconhecido que aí vem ou está, movimenta, na economia paralela, verdadeiras fortunas despendidas no pagamento de serviços que, na maior parte dos casos, para nada servem. As mais das vezes consistem, de facto, em meros e fantasiosos palpites ou intuições de profetas, de feiticeiros e de outros iluminados, palpites esses sem qualquer substrato lógico ou suporte científico, devendo-se a eficácia média das ditas previsões a uma astuta e, de alguma forma, experiente interpretação da comunicação não-verbal e da história de vida posta a nu pelos consulentes, cuja conversa é, magistralmente, manipulada para o assegurar.

Comunicação não-verbal e história de vida constituem, de facto, excelentes bases para a formulação de hipóteses de evolução do destino a curto prazo, o único em que, afinal, importa acertar, tendo em conta que, no médio e no longo, já a lembrança do que foi dito pelo adivinho há muito estará esquecido - ou que, pelo menos, das palavras exatas já o cliente, entretanto, se esqueceu.

Seja como for, na visão fortemente subjetiva do incauto, o adivinho raramente falha, ainda que os factos futuros contradigam a previsão. É que, sendo o bruxo a última esperança dos desesperados, a simples ideia do falhanço corresponde à extinção da última centelha de algo que os faça continuar a acreditar, a viver.

Destas artes mais ou menos trapaceiras, mais ou menos folclóricas, escarnece, compreensivelmente, quem se acha mais esclarecido. Escarnece ou ignora, despreza, banindo-as sumariamente do discurso e da cogitação. Sujeita-se, assim, a que, por um lado, os que insistem na possibilidade de prever o futuro lhe apontem o mesmo vício de falta de fundamentação que inquina a mera adivinhação oportunista; por outro, a que, liminar e impensadamente, esteja a abdicar do que de válido que nestas coisas ditas esotéricas possa existir.

A verdade é que, seja por nada de verdadeiramente substancial a crescente panóplia de áreas e de técnicas de adivinhação em si ter, seja pela impossibilidade de, verdadeiramente, se conhecer algo que, desgarrado da ciência, nenhuma teoria objetiva e validada alguma vez poderá produzir, a crendice de uns grassa incólume a par da ganância de outros cujas fortunas continuam a engordar.

Vivemos, entretanto, à sombra do implacável e cego anátema sobre o tema lançando por uma sociedade que se tem por esclarecida e evoluída, mas que, paradoxalmente, continua alérgica a qualquer afloramento de discussão séria sobre uma matéria que considera indigna de ser levada em conta por gente que se tem por sábia, sensata, educada; e, sobretudo, politicamente correta.


2. O Joio e o Trigo*)

A despeito das considerações que antecedem, nada nos impede de, com a objetividade possível, aqui refletir um pouco sobre o tema.

Comecemos, para tal, por separar o que não passa, claramente, de mera fantasia, daquilo que poderá, apesar de tudo, relacionar-se com factores naturais suscetíveis de, em maior ou menor grau, influenciar os indivíduos num Futuro relativamente próximo. Isto, admitindo que, se  sobre os seus comportamentos operarem de forma regular e consistente tais factores, a observação e subsequente análise dos comportamentos por eles influenciados poderão permitir, com um certo grau de confiança, alguma coisa prever.

Ao primeiro conjunto - o da mera crendice, da mera fantasia - pertencem, necessariamente, coisas tão aleatórias e ocas como a predição de acontecimentos com base na disposição de folhas de chá ou de borras de café coladas à chávena, no estado de entranhas de animais mortos para o efeito, ou, ainda, a técnicas mais elaboradas, como o recurso à cartomancia, ou mais folclóricas, como a utilização de uma bola de cristal.

Tão fiáveis e exatos como o são os vaticínios para ganhar a lotaria, todos estes processos não passam, evidentemente, da montra utilizada pelo dito vidente, que para elas distrai a atenção dos incautos que o procuram, enquanto aproveita a conversa para os avaliar segundo o que de si e dos outros vão contando e o modo como o fazem, assim fornecendo dados preciosos a uma previsão para a qual, como já se disse, são essenciais a história do cliente e a leitura da componente não-verbal da comunicação.

Não é fácil errar quando se diz, a quem é pobre, que em breve acabará por receber algum dinheiro sem referir quanto, ou uma fortuna, sem referir quando; ou que - se a conversa o indiciar... -, mesmo continuando pobre, será feliz porque as suas escassas poupanças saberá administrar. Ou, a quem tem filhos, que eles lhe irão dar alegrias e problemas; ou que irá ter alguma doença quem todos os dias respira este infetado ar. Ou que a alguém lançou mau olhado uma vizinha com a qual jamais se conseguiu relacionar.

Como estes, cada vez mais meios de absolutamente enganosa adivinhação existem, já que a criatividade de embusteiros e oportunistas que enriquecem à custa da ignorância e da credulidade alheias não pára de inventar.

Poderia, é verdade, no limite do absurdo estudar-se e medir-se relações de causa-efeito com base em informação estatística. Afigura-se, no entanto, que a recolha da amostra sempre resultaria do processamento de dados fornecidos por inquiridos tão incapazes de os facultar com um mínimo de objetividade como o é, seguramente, quem em tais patetices insiste em acreditar.

Já no segundo conjunto, o que aqui interessa, serão de incluir processos que, sem prejuízo de dificilmente serem suscetíveis de fornecer um retorno válido quanto à confirmação, ou não, dos prognósticos do adivinho, acabam por se apresentar como menos aleatórios, uma vez que partem da observação de factos concretos relacionados, quer com sinais do corpo humano, quer com fenómenos naturais confirmados por evidência científica.

Tal é o caso, quanto aos primeiros, da quiromancia e, quanto aos segundos, da astrologia: a primeira, baseada no indesmentível facto de, por razões que inteiramente desconhecemos, termos linhas na palma da mão; a segunda, pela cientificamente comprovada existência também dos fenómenos astronómicos a cuja observação a astrologia se tem vindo a dedicar.



3. A Importância dos Astros sobre a Vida

Tendência para nos desculparmos
Não obstante a proverbial tendência para nos desculparmos, sacudindo para a envolvente natural e humana as causas dos erros que cometemos e a responsabilidade pelo mal que nos acontece, há que reconhecer que, nem a Natureza, nem os outros humanos são, na maior parte dos casos, os principais culpados do nosso por vezes lastimável e danoso desempenho.

Muito mais do que uma ou os outros, somos nós mesmos, esta nossa personalidade edificada sobre inúmeros pilares de entre os quais se destacam a genética e a educação, quem origina, quem provoca os acontecimentos que protagonizamos ou em que participamos e, inevitavelmente, as inerentes consequências. Somos, pois, os causadores da maior parte do mal ou do bem que nos acontece, também o sendo os outros no respeito que lhes diz.

Assim sendo - ou seja, se, não descurando a vital importância dos impactos naturais, a nossa vida é, maioritariamente, influenciada pelo desempenho de outros animais, humanos ou não -, como poderá alguém não considerar a simples possibilidade de prever comportamentos alheios algo de sumamente atraente, interessante, relevante? Importante, até?

Prever, sim, mas apenas se for possível fazê-lo com fundamentos sólidos, preferencialmente científicos.

Sem com isto se pretender, naturalmente, significar que a Ciência permite predizer com exatidão seja o que for, almeje-se, pelo menos, uma antevisão com a probabilidade possível, sempre preferível ao pouco sério recurso à leitura das folhas de chá e a outras tontices que, a velocidades astronómicas, se vão disseminando aqui e ali.

Como vimos, quer a quiromancia, quer a astrologia, se apresentam como suscetíveis de tratamento estatístico, mediante a observação da ocorrência de factos relativamente aos quais poderá existir correlação válida com aspetos da personalidade; e, por via dela, do comportamento de cada ser humano enquanto influenciador do bem-estar ou do mal-estar de um mais ou menos significativo conjunto de terceiros.

A tal correlação existir, estaríamos, na verdade, perante uma provável ação direta - mas não fatal ou de efeitos inevitáveis - da movimentação e consequente disposição dos corpos celestes sobre o comportamento dos humanos; o que, à partida, não se mostra estranho ou, muito menos, choca, se nos lembrarmos da relação bem real entre as fases da Lua e as marés, ou da forma como as estações do ano operam, por exemplo, no desenvolvimento das plantas e na vida sexual das espécies animais.

Duvidar destas relações conhecidas entre os astros e o vai-vem dos mares ou o quotidiano das espécies seria negar o conhecimento obtido de dados empíricos conhecidos desde tempos imemoriais, e de informação entretanto validada deles extraída.

De outra forma dito, negar o papel, firmemente estabelecido, que os astros desempenham sobre alguns aspetos da vida terrena seria lançar no caos toda a teoria científica. 

Por outro lado, admitir esse papel, reconhecê-lo, para alguns aspetos da vida, impede-nos de, objetiva e fundamentadamente, simplesmente o negar cegamente no que se refere a outros.

Resta, pois, dizer que, embora não disponhamos de informação credível que permita confirmar tal hipótese, a possibilidade e, até, a probabilidade de os astros influenciarem múltiplos aspetos do comportamento humano é bem real e, como tal, não deve ser descurada, menosprezada e, muito menos, desprezada, como alguns tendem a fazer.


4. Os Outros e Eu

Desta nebulosa de dúvida, uma quase certeza emerge, porém: a de que, a existir influência cósmica sobre alguma vertente do Futuro, apenas se afigura possível que ela incida, seja, diretamente, sobre o comportamento dos indivíduos, seja sobre eventos da Natureza determinantes do mesmo, como acontece, no primeiro caso, com as ações e reações de outros animais e, no segundo, com as estações do ano. O que, por absoluta inexistência de substrato lógico ou científico, não pode, de modo algum, se tido por credível, é que, arrimando-se no que quer que seja ou se esforce por inventar, alguém venha, algum dia, a prever os números que irão sair no loto do clube da aldeia, no Euromilhões ou na lotaria das variáveis que, sob tantos aspetos, influenciam a vida de cada um de nós.

Continuará, não obstante, ao alcance do vidente prever, com razoável probabilidade, que alguém irá receber uma herança, desde que, na conversa com o cliente, se inteire da existência de um abastado, idoso e doente ascendente, e a integre, depois, numa combinação astral ou imaginariamente maléfica para a saúde do dito infeliz.

Estaremos, no entanto, neste caso em presença, não de uma previsão específica de que se irão encher de ouro os bolsos do descendente, mas de uma previsão de que a vida do autor da herança em breve irá terminar, assim não se relacionando o recebimento da herança com uma previsão diretamente feita ao Futuro do cliente do adivinho - vinda do nada ou de inspiração cósmica ou divina -, mas feita à provável evolução do estado do enfermo, que qualquer um de bom senso poderia fazer.

Se determinada combinação astral for propícia termos hoje um dia chuvoso e tristonho, mais provável se torna que tomemos decisões menos empenhadas, menos lúcidas, logo, menos eficazes, e que, como consequência delas, a nossa vida se complique. Num dia tépido e ensolarado, pelo contrário, tudo parece bem menos complicado, e a vida corre melhor. Mas, isto nada tem a ver com combinações astrais, antes com o privilégio de poder contar com um dia de Sol.

Da mesma forma, se outra combinação astral favorecer a vida e a disposição da pessoa a quem mais dedicamos a nossa atenção e carinho, bastará ao adivinho conhecer o respetivo signo para nos dar a boa nova de que seremos "felizes no amor": não porque o nosso signo o diga, mas pelo que, relativamente a outros aspetos da vida, disser o signo da pessoa amada - caso isto dos signos nos afete de alguma maneira.

O que dizer, então, do que nos espera sempre que, supostamente, os astros não forem propícios à disposição de um funcionário de cujo poder discricionário depende a emissão de licença ou autorização do Estado para qualquer ação que queiramos empreender ou obra que pretendamos realizar? Ou de um juiz que os nossos atos ou interesses irá julgar?

Todas estas e outras decisões se fundamentam, idealmente, na estrita aplicação do direito; mas, sendo materialmente impossível que a lei preveja todas as combinações e variantes possíveis para idênticas situações, sempre haverá o decisor de recorrer à hermenêutica e, segundo o seu melhor critério - inevitavelmente influenciável pela disposição no momento... -, colmatar lacunas e os preceitos interpretar.

Eis, pois, a mais importante distinção a reter: não será a influência direta dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o próprio Futuro, mas, quando muito, a influência cósmica sobre a Natureza e sobre a vida dos terceiros que, por sua vez, irão operar em aspetos importantes do que mais proximamente lhe irá acontecer.

5. Da Viabilidade Estatística

Pelo menos dois obstáculos de monta se opõem a um tratamento estatístico minimamente fiável da astrologia: por um lado a impossibilidade prática de classificar, de forma significativa e abrangente, todas as vertentes da vivência humana; por outro, o facto de não haver como, objetivamente, validar os dados recolhidos e a informação colhida do respetivo processamento.

A qualidade desta validação não passaria do nível básico atribuível à de artigos científicos que por aí andam acerca da personalidade de cada um, baseando-se em traços fisionómicos, estruturas corporais ou aspetos comportamentais. Buscam os estudos que redundam em tais artigos extrair conclusões supostamente firmes de respostas naturalmente subjetivas fornecidas por familiares, amigos e conhecidos do objeto do inquérito; e, em certos casos, até de respostas dadas pelo próprio. Pergunta-se a alguém que tem o nariz com este ou aquele formato "Considera-se uma pessoa honesta?", ele responde "Sim" - todos responderão "Sim"... -, e conclui-se que quem tem um nariz de assim ou assado é honesto; e, como ninguém irá admitir que não é honesto, o mesmo acontecendo, necessariamente, com quem tiver qualquer outro tipo de nariz.

No campo da astrologia, as questões seriam, talvez, do género "Nestes últimos dias, tem tido sorte aos amores?" e, se a maioria dos nascidos sob o signo do Carneiro responder "Não", concluir-se-á que, estando a Lua e Vénus em conjugação com isto ou daquilo, os ditos indivíduos terão propensão para ser infelizes no amor... fazendo tábua rasa de coisas tão simples como factos de natureza política, social, ou económica que poderão estar a afetar toda a gente, independentemente do signo em que tiver nascido. Já para não falar, obviamente, dos diferentes e eminentemente subjetivos graus de exigência quanto à felicidade de cada um, da própria noção de felicidade e de um não mais acabar de subjetividades que inviabilizariam qualquer validação científica, por muito rigorosa que a seleção de inquéritos pudesse ser.

A despeito de alguma correlação efetiva que, de facto, possa existir entre os astros e algum aspeto da nossa vida, o facto de ela jamais poder vir a ser conhecida com uma, ainda que mínima, base científica desaconselha que continuemos a falar de astrologia assentes, unicamente, na intuição ou na observação de amostras ínfimas extraídas meramente do conhecimento direto e da experiência de vida de adivinhos de agora ou de tempos há muito idos.

Neste contexto de validação impossível, que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?


6. A Mão de Deus?

Independentemente da possibilidade ou impossibilidade de validação, o exercício da influência dos astros, direta ou indiretamente, sobre os humanos suscitará, inevitavelmente, questões quanto à forma como a Razão Criadora de tudo e de todos, gere o Universo. Isto, claro está, partindo do princípio de que esse Criador ainda existe; e de que, a existir, continua a interferir na evolução da Sua obra, designadamente nos destinos da Humanidade.

De facto, sejam quais forem os objetivos na génese do Mundo - seja ele o que for... -, até que ponto fará algum sentido que seja a nossa vida gerida ou influenciada por signos, em duodécimos, em doze fatias de dimensão presumivelmente idêntica, correspondentes aos nascidos em cada um dos signos do Zodíaco? Ou não passarão os signos de uma fantasia e, no que diz respeito ao que possa ser determinado pelo Cosmos, haverá outras formas de classificar mais consentâneas com a realidade?

Certo é que, enquanto a quiromancia, por exemplo, se foca, inteiramente, no caso específico do indivíduo que detém esta ou aquela combinação - única - de linhas nas palmas das mãos, enquanto a fisiognomonia se centra no conjunto - único - de traços fisionómicos de um indivíduo -, a astrologia parte do pressuposto do exercício da ação benéfica ou maléfica de corpos celestes sobre conjuntos imensos de pessoas formados por um duodécimo da Humanidade, se não determinando o respetivo destino em lotes, pelo menos assim o tornando mais provável em detrimento da individualidade, da originalidade e, consequentemente, da riqueza da evolução das espécies.

A esta afirmação opõem-se os que dizem que a revelação do desconhecido relativo a determinado indivíduo apenas é possível mediante recurso a um mapa astral, o que gera, para o respetivo autor, chorudos proventos e um acréscimo de credibilidade para aquilo que afirma, já que, além da proverbial ingenuidade cultivada na crendice popular, os mais simples tendem a acreditar e a confiar em tudo aquilo que vê como complicado e, sobretudo... caro, que só alguns podem pagar.

Como pode, porém, dar-se alguma credibilidade a mapas astrais baseados, simplesmente, no posicionamento relativo de uma ínfima quantidade de corpos celestes no momento do nascimento de um indivíduo, ignorando, completamente, variáveis tão importantes como a genética, a geografia e a inserção social?

Sempre poderá, é verdade, argumentar-se que, tal como cada um de nós foi plantado em diferentes circunstâncias de tempo, de meio e de lugar - cabendo-lhe, independentemente delas e em benefício dos semelhantes, desenvolver as próprias qualidades e combater os inevitáveis defeitos -, também o facto de a data do nascimento se situar neste ou naquele signo implicará uma disparidade dos desafios que, por influência astral, cada qual terá de enfrentar.

No entanto, a assim ser, a questão essencial do propósito da Criação apenas se tornará mais confusa, tudo se complicando à medida que novos parâmetros e critérios cientistas e adivinhos forem sendo capazes de imaginar; e, seja qual for o vaticínio resultante da aplicação dessa complicada teia de influências, sempre a individualidade acabará prejudicada, uma vez que, por pequenas que se tornem as fatias da população abrangida, sempre haverá mais do que uma nascida à mesma hora, do mesmo dia do mesmo ano, e no mesmo lugar.

7. Conclusão

Ao contemplar a imensidão do Cosmos face à ridícula pequenez do planeta que habitamos, não poderemos deixar de nos questionar até que ponto será legítimo e aceitável enunciar a mera hipótese de tudo aquilo nada mais servir do que o exercício de manipulação ou, pelo menos, de influência por parte de quem tudo possa ter criado, por qualquer razão que nos não é dado descortinar.

Assim não sendo, como explicar a existência de um Espaço virtualmente infinito onde, além da que encontramos na Terra, de nenhuma outra vida inteligente sabermos ainda, a não ser as que povoam o nosso imaginário e algumas obras de ficção?

Como poderemos conhecer a razão de ser do Universo, se desconhecemos até a da nossa Criação?

Validar cientificamente uma teoria astrológica, ou similar poderia ser um importante contributo para uma melhor compreensão da vida e da função que nela se espera que desempenhemos. Parecem, no entanto, inultrapassáveis até os mais próximos e elementares obstáculos a tal validação.

Resta assim, aos mais crédulos, na sua desenfreada busca da felicidade que não sabem o que é continuar a ir à bruxa, e a esbanjar rios de dinheiro a procurar debelar a angústia e os mais ou menos dramáticos estados de aflição...

(continua aqui)

sábado, 2 de outubro de 2021


Como Gere Deus o Universo?

 

Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus extinto?
Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram Portugal?

 

Acabava a população da Ilha de saborear um almoço tranquilo dias depois dos primeiros alertas quanto ao aumento da atividade sísmica, quando a montanha*) começou a cuspir lava e fogo, em poucos dias sepultando pedras, plantas, casas, estradas, ruas, arruinando colheitas, sonhos, expetativas, modos de vida, enfim, tudo quanto, na amostra de uma pequena ilha, tipifica a realidade e o imaginário de qualquer pessoa em qualquer parte do Planeta.

Porquê? Para quê?

Acaso? Absolutamente normal manifestação da Natureza? Ira de um deus desagradado e vingativo?

- x –

Nexo de Causalidade com a Criação
O nexo de causalidade entre a Criação e a respetiva Força Criadora, já aqui procurei demonstrar*), não pela citação ou referência a dogmas de qualquer credo ou religião, mas recorrendo à mais elementar dedução.

Todavia, tal demonstração da existência, em dado momento, de um Criador – quiçá numa fração de segundo, na própria origem do tempo – não fornece qualquer prova da sua persistência, nada diz quanto à possibilidade ou probabilidade de, nos nossos dias continuar presente.

Assim, a primeira hipótese que, em plena objetividade, devemos formular é a da eventual extinção - por causas exógenas ou endógenas, abrupta ou num processo continuado, iniciado e terminado não se sabe quando - dessa formidável e para nós infinita Razão que tudo terá criado, movida por causas e visando objetivos que, com toda a probabilidade, por meios humanos jamais nos será dado conhecer.

Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus extinto?

No último caso, tudo quanto hoje acontece por causas estranhas à atividade do Homem dever-se-ia, unicamente, a obra do acaso em que, extinta a divindade, o Universo teria mergulhado, num percurso lento mas inexorável para o caos inevitável e imparável, de alguma forma semelhante ao de uma organização abruptamente privada das suas principais estruturas diretivas.

Não obstante, mesmo no caso da morte do Criador, haveria que considerar a possibilidade de a Sua Obra ter resultado de tal forma perfeita que, por si só e pela mera aplicação das leis por Ele definidas, a expansão do Universo ainda continuasse – como, do ponto físico, a Ciência sustenta que continua -, e esse processo, em lugar de cair no caos resultante da extinção da Razão Criadora, eternamente assegurasse um desenvolvimento coerente e sustentável que, dessa forma, constituiria a maior prova de perfeição da Criação.

Admitamos, no entanto, como pouco provável e, convenhamos, quase risível a simples ideia de algo ou alguém, seja lá o que ou quem for, detentor de tão grande poder não ser capaz de assegurar a própria eternidade; ou que, talvez cansado e desgostoso com o resultado da componente humana da Obra, dela desistisse, suicidando-se ou, mais prosaicamente, dedicando-se a outra atividade ou projeto.

Ou terá, de facto, assim sucedido? Será que Deus não criou o Universo apenas para acomodar a Terra? Terá focado a sua atenção noutras paragens? Será tão semelhante a nós ou nós a Ele que esteja sujeito à humana propensão à desistência quando as coisas não correm pelo melhor? Ou por aquilo que por melhor entende a Humanidade inconsequente?

Tal abandono, qualquer que fosse a forma, poria, diretamente, em causa a própria ideia de perfeição essencial à evolução natural como julgamos conhecê-la e, com ela, poria igualmente em causa a perfeição do Criador.

Humanidade Abandonada pelo Criador
A verdade é que, pelo que se vai vendo por aí, se atentarmos, não na evolução da Natureza, mas na da sociedade, restará, de bom senso, concluir ninguém teria o direito de condenar ou, sequer, de criticar o abandono da Humanidade por um desolado Criador.

Não sendo, porém, esta a hipótese mais provável, resta-nos refletir um pouco sobre as causas destes acontecimentos e, com elas, sobre as das contrariedades naturais que, com maior ou menor, expressão e impacto, afetam o nosso quotidiano.

- x –

A primeira premissa a considerar poderá ser a da aparente liberdade de decisão e de escolha que aos seres humanos é conferida, tal como, no respetivo habitat, aos restantes animais.

Sugere ela que, contrariando opiniões pouco sustentadas segundo as quais seríamos vítimas de um determinismo a que jamais conseguiríamos escapar, as nossas livres opções e consequentes ações servem um propósito específico que nos não é dado alcançar.

Afigura-se, não obstante, legítimo considerar que, na medida em que, pelo menos no plano humano, capacidade e liberdade implicam responsabilidade, uma significativa componente de avaliação do mérito poderá estar associada ao acervo de comportamentos por cada um empreendido durante o tempo que conhecemos como tal; e que este pressuposto de créditos acumulados durante a vida poderá, razoavelmente, conduzir à conclusão de que os efeitos da avaliação se produzirão depois da morte terrena – já que não consta que, em vida, deles extraiamos grande recompensa… -, assim se tornando inevitável reconhecer algum mérito às teorias que sustentam a persistência de alguma forma de vida após a sua extinção no corpo.

A ser este o caso, e um pouco a exemplo do que acontece em situações de teste de competências em que alguém gera situações e impactos artificiais visando testar a qualidade da reação do examinado, as manifestações físicas da Natureza, a não resultarem da mera aplicação rotineira de leis por nós ainda desconhecidas ou pouco conhecidas, seriam, afinal, maiores ou menores violações dessas mesmas leis, desde a rajada súbita que faz voar até um charco preciosos documentos em papel, até à fantástica e arrasadora erupção de um aparentemente adormecido vulcão.

Essas contravenções, estas violações das leis naturais, seriam, evidentemente, empreendidas pelo único com capacidade para delas ser culpado: o próprio Legislador, o examinador-Criador, já que apenas a ele é dado impor, modificar, derrogar ou, mesmo revogar, a todo o tempo, os ditames do inicial ímpeto gerador da Criação.

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A Terra no Universo
A razão última da nossa existência não será, hoje, aqui abordada. Mas, seja ela qual for, será razoável admitir que, guiado por critérios tão altos que nem os conseguimos imaginar, um plano divino para testar e selecionar os escolhidos estivesse, na própria génese, contaminado por procedimentos baseados na instabilidade legislativa e, até, na contravenção, na violação de normas próprias? Dificilmente.

Teremos, pois, de aceitar como mais provável a possibilidade de as leis naturais terem sido originariamente delineadas de forma perfeita, sem necessidade de quaisquer correções ou adaptações, e de estarmos nós imersos num planeta e num Universo absolutamente estáveis.

Considerando quão pouco o que dessas leis conhecemos, decorrerão, quer os desastres, quer as meras contrariedades que diariamente nos acontecem, do dominante desconhecimento de algo que jamais iremos plenamente conhecer; ou da imprudência face ao que conhecemos, consubstanciada tanto no facto de não acondicionarmos devidamente os tais documentos e valores que acabam por ir parar ao charco, como, por muito cruel que assim dito isto pareça, no de, com tanto espaço inabitado na Terra, insistirmos em desafiar as leis divinas, teimando em construir casas e a viver nas faldas de potencialmente mortíferos vulcões.

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A objeção maior a esta maior probabilidade de validação da hipótese de um equilíbrio homeostático inabalável, decorrente da vigência de leis naturais imutáveis e perfeitas resume-se na pergunta: se apenas o Homem causa impactos suscetíveis de – pelo menos, na Terra e na respetiva atmosfera, arranhando levemente a estratosfera - interferir no curso normal da Criação, se Deus não interfere na ordem natural que pensou e implementou, será mera coincidência a ocorrência daquilo que nos habituámos a considerar o divino favor? Será a oração inútil? A própria religião?

Não passarão, num tal quadro, os teólogos de alucinados exegetas de teorias ocas, apenas úteis ao entretenimento das suas ávidas mentes, ao comprazimento de quem se julga detentor da chave que um dia irá escancarar a porta do cofre que guarda os divinos mistérios da Criação?

Serão as religiões nada mais do que formas de ocupar, de alienar, de evadir, de fazer pensar noutra coisa espíritos aterrados perante o pavor do inevitável termo? Serão elas meras formas ilegítimas de domínio - umas pelo temor, outras pelo terror – de seres humanos por outros, fundadas na promessa de evitar o fim aterrador?

Comparado com a aparente serenidade, naturalidade mesmo, dos restantes animais perante a morte, que demonstração miserável este pavor imenso acaba por ser da humana pequenez! Se estivermos a ser avaliados, que insensata prova de incomensurável estupidez!

Medo de Uma Morte Certa
Perante a certeza da morte, onde encontrar, então, felicidade? Como poderá ela não ser efémera? Que interesse haverá, nesse caso, em ser feliz?

Como nos poderemos esquivar da distopia a tudo isto subjacente? Que propósito útil haverá nessa esquiva, se o mérito intrínseco de cada ser humano residir na capacidade de aceitar e de viver segundo as regras naturais do que seriam os nossos princípio, meio e fim?

Que gozo nos trará a vida se a busca do conhecimento apenas for legitimada pela vontade de conhecer as leis da Natureza e de a elas obedecer, em lugar de aprender a destruir recursos do planeta e a exterminar outros seres? Se, em lugar da luta fratricida que nos dá aquela sensação de vitória, de sucesso, de sermos os maiores, o mérito estiver em aprender a viver em paz com o próximo e em homeostática complacência?

O que será, então, de uma economia quase exclusivamente baseada no consumo se, em lugar da busca incessante do prazer, repentinamente nos apercebermos do logro e dermos meia volta rumo à vida retrógrada e sensaborona do início dos tempos e relativamente à qual, no que toca à matéria e à técnica, já evoluímos tanto?

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A forma indiferente ao próximo, egocêntrica, como socialmente nos comportamos demonstra bem que, sobretudo entre a população mais jovem, já muito poucos acreditam, após as terrenas deambulações e atribulações, no descanso em paz numa prometida vida eterna.

Que inimaginável caos resultaria, porém, da constatação de que apenas dependemos de nós e da capacidade de sem limites nos darmos, de aprendermos, por nós mesmos, a coexistir? De que, na sua teoria e prática atuais, as religiões a que quase todos se agarram serviriam, afinal, para nada, ou para quase nada, além da manutenção, pelo temor do castigo, da ordem pública em quanto os estados não têm capacidade de a assegurar? Da constatação de que, em muito do que pregam, já nem os mais graduados das hierarquias eclesiais acreditam?

Em que diferiria esse caos inevitável e manifesto do caos em que bem sabemos já hoje viverem os espíritos de quem nada vê à sua frente além de um cada vez mais alto, robusto e intransponível muro de realidades económicas e sociais degradantes e sem remédio à vista, a não ser pelo inevitável sacrifício dos bens daqueles que os têm de sobra e deles não querem abdicar, preferindo deixar o semelhante humilhar-se, definhar, miseravelmente terminar a sua vida?

Da mesma forma que, além da teimosia e da imprudência humanas, o desconhecimento da maior parte das leis naturais nos expõe à brutalidade de alguns dos seus efeitos, o deliberado desconhecimento, por desinteresse, do nosso semelhante torna-nos alvo da sua luta pela sobrevivência.

Cenário Dantesco: O Inferno
Ora, neste cenário moralmente dantesco, até quando conseguirão as religiões e o Direito adiar um talvez iminente apocalipse social?

Tal como, em La Palma e tantas vezes em tantos outros lugares, a Terra alerta para o facto de existir e de ser merecedora do nosso respeito, também populações inteiras de despeitados e perseguidos nos chamam do seu trágico inferno; ou, reprimidos, se calam, assim avolumando gigantescas tensões latentes que um dia farão rebentar a crosta: não a terrestre, mas, uma vez mais, a social, para gáudio dos criadores de vírus mortíferos e dos fabricantes e vendedores de armamento.

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Terá sido o Deus criador de tudo isto a guiar-nos ou a empurrar-nos até aqui?  Terá o progresso da espiritualidade e da nossa humanidade acompanhado, proporcionalmente, o da técnica, o da habilidade política, o da arte de amealhar, de brilhar, de escarnecer, de espezinhar, de aniquilar?

Poderemos, em nossa defesa, invocar a fatalidade de um suposto determinismo que nos impede de ser outros, de agir de outra forma? Até quando continuaremos a desculpar o ataque feroz à Natureza, ao Planeta, à própria Humanidade com aquilo a que, comodamente, chamos a natureza humana? “Somos assim, o que se há de fazer?

Pois é bom que haja, e que se encontre depressa o que áde fazer.

Ou será que nem o rebentamento do Cumbre Vieja foi suficientemente forte e gritante para nos alertar para o que, não por gestão divina mas por imbecilidade humana, está aí à porta, já que esta ínfima bolinha do imenso Universo que esse Deus criador concebeu e materializou - e, porventura, ainda gere - já não aguenta mais impactos de quem ainda se não consciencializou do facto de, para tudo, dela depender?

Até quando aguentará a Terra a nossa imprudência?

Até quando continuará Deus a acreditar em nós?

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Conclusão
Seja qual for a razão por que a espécie humana se desenvolveu até à sua atual forma e continuará a desenvolver-se - evoluindo sabe-se lá para o quê -, tudo leva a crer que o Mundo se encontra desenhado para que nele possamos viver em paz e serenidade desde que, em todos os momentos e circunstâncias, nas nossas decisões e escolhas façamos uso da sabedoria e da sensatez de que todos fomos dotados ao nascer e que, supostamente, desde então teremos vindo a desenvolver.

Tê-las-emos em menor ou em maior grau, mas sempre com a possibilidade de, por via da educação ministrada por terceiros ou mediante o exercício da reflexão a que a qualidade dos recursos mentais e espirituais de que fomos dotados nos obrigam, em prol da Humanidade desenvolvermos e ampliarmos essa sabedoria e essa sensatez.

Somos, também, moralmente obrigados a dispensar a atenção devida, não apenas à aprendizagem das leis naturais conhecidas e ao desvendar das outras que operam sem sabermos, mas ao próximo, a quem nos rodeia, a quem, tal como os fenómenos naturais, a cada momento provoca, em muito maior quantidade, impactos relevantes na qualidade e na utilidade da vida de cada um de nós.

Serão os nossos enormes problemas comparáveis aos das vítimas de catástrofes como a de La Palma?*) O Benfica perdeu? A nossa discoteca preferida não abriu? A chuva estragou o passeio de amanhã? E que importância tem, afinal, um mero desaire eleitoral?

Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram Portugal?

* *
Para o descobrir e para ficar a saber o que os espera, muitos portugueses recorrem ao ocultismo e à adivinhação, na vã esperança de aliviar a por vezes insuportável tensão.

(continua aqui)


sábado, 3 de julho de 2021


Afinal, Deus Existe?


"Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade,
existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo,
do espaço e do que parece ser material.
Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;
e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar
"

 

         1. As Leis Não Nascem do Nada
         2. O Legislador da Natureza
         3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

                                                                                                                                                

As Leis Não Nascem do Nada
1. As Leis Não Nascem do Nada

Vivemos, ao que me dizem, num estado de Direito que faz parte de um Mundo todo ele feito de estados de Direito. Ou quase todo. Ou que parece ser todo.

Ora, num estado de Direito, em qualquer estado de Direito digno dessa designação, vive-se o primado da lei, sendo esta coletivamente considerada como o sistema de normas destinado a regular as relações sociais para evitar que nos trucidemos uns aos outros apenas para ter acesso a comida, ou por nos terem roubado o ou a mais que tudo; ou por cobiça, por vício, por mera diversão ou por qualquer outra mais ou menos estúpida razão.

No entanto, as leis não aparecem espontaneamente por aí, sem haver quem as faça; e, como interessa pouco quem foi que, de facto, redigiu ou fez vigorar esta ou aquela lei, é costume dizer que a lei – toda e qualquer lei – é da autoria de uma pessoa a quem convencionámos chamar legislador. Isto é axiomático, definitivo, é assim, porque não pode ser de outra forma: não existe lei para a qual não tenha, em algum lugar e em algum tempo, havido um legislador. Depois, para interpretar essas leis, os técnicos que a essas coisas se dedicam passam a vida a procurar adivinhar, para certas normas, qual a intenção do respetivo legislador.

Sabemos, também, que nem todas as leis, se inserem no âmbito do Direito positivo – aquele dos códigos e do Diário da República -, o mesmo podendo dizer-se dos princípios que subjazem à conceção e elaboração dessas mesmas leis. De facto, todos nós, os mais comuns dos mortais, numa ou noutra circunstância do quotidiano invocamos, da Natureza, esta ou aquela lei. Para parecermos sabedores, ou por sermos conformistas ou porque assim o sentimos, é, até, frequente comentar esta ou aquela graça ou desgraça que acontece dizendo algo como: “Pois é, são as leis da Natureza”. Quase sempre, quando acontece aos outros algo de mau…

 

2. O Legislador da Natureza

O Legislador da Natureza
Admitamos, agora, que, como pretendem alguns, do caos, pode nascer ordem, ou seja, que a ele pode a Natureza ir buscar ordem. Significará isto que, do caos total sobrevindo de um eventual big bang ou evento parecido terá podido nascer a ordem quase total como hoje a conhecemos? Que do caos total nasceu, por coincidência tão espantosa como improvável, uma ordem universal tão perfeita que permite, por exemplo, que eu esteja para aqui sentado a escrever estas coisas sem receio de que uma parte da incrível quantidade de átomos que forma o teto que me cobre decida fartar-se de ali estar, aparentemente parada, e resolva seguir outro caminho, assim fazendo desabar a restante parte do teto e pondo fim aos meus já longos dias?

Certamente que não.

Se o teto está e continuará a estar ali em cima até que alguém decida removê-lo ou alguma causa externa e independente da vontade dos átomos que o compõem o faça desabar, é porque, não uma, mas múltiplas leis da Natureza - aplicáveis, por exemplo, aos materiais e ao ambiente em que eles se encontram - determinam que continuem aqueles a desempenhar a função que lhes foi destinada e a assegurar, tal como uma incalculável quantidade de outros como eles, a relativa estabilidade que é essencial à vida tal como a percecionamos e julgamos conhecer.

Ora, tendo mais acima estabelecido que qualquer lei é elaborada por um legislador, forçoso se torna concluir que o apreciável acervo de leis naturais que conhecemos e a imensidão das que desconhecemos vieram, também elas, não do caos, mas da mente de um legislador.

Sabemos, outrossim, que é sempre privilégio do legislador alterar, derrogar ou revogar as leis que elabora, o que frequentemente acontece com os diversos diplomas legais, códigos, qualquer elemento constituinte de um edifício jurídico.

A Diferença Fundamental
Qual é, então, a diferença fundamental e absoluta entre as leis do Homem e as que a Natureza lhe impõe sem que ele ao cumprimento delas se possa furtar - já que, aquilo que conhecemos como leis da Natureza, não há força humana que seja capaz de alterar?

Como, na verdade, poderemos alterar ou revogar a lei de Newton, o teorema de Pitágoras, os princípios de Arquimedes, de Pascal? Impossível, e a razão é evidente a qualquer um: não foram estes ilustres cientistas os respetivos legisladores, não foram eles que elaboraram estas e todas as outras leis naturais – as poucas já conhecidas e aquelas quase infinitas cuja existência nem sequer nos foi, ainda, dado conhecer -, as quais, por comodidade na referenciação e em exaltação do resultado que convida a seguir o exemplo, apenas vão sendo batizadas como o nome de quem, na Natureza, as identifica.

A existência de qualquer lei da Natureza não é suscetível de ser provocada pelo Homem, sendo meramente constatável através de uma observação inicial a validar através daquilo a que chamamos investigação científica - cientes embora de que os ínfimos passos que a Ciência vai dando não passam de mosaicos, de pequenas partículas de uma construção infinita e por nós inalcançável, arquitetada por um legislador supremo que não conhecemos nem sequer vislumbramos porque se não deu, se não dá e, desolado com o que por cá poderá estar a ver, cada vez menos razões terá para se dar a conhecer.

Por uma questão de comodidade e para acompanhar a nomenclatura generalizada, a esse legislador supremo chamarei Deus.

 

3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação
A palavra Deus ora anda, por tudo e por nada, nas bocas do Mundo, ora a muita gente causa arrepios, constrangimento, escárnio, vergonha e uma imprevisível e desordenada mescla de outros sentimentos e reações, vá lá saber-se porquê, se é verdade que a necessidade de um conhecimento fundado da existência antecede, inevitavelmente, a decisão de professar qualquer fá religiosa:  sem Deus, para qualquer religião jamais haverá objeto de adoração.

Não professando eu já qualquer religião, não estou, naturalmente, a referir-me ao Bom Manitu, a Júpiter, a Alá, a Jeová ou ao deus representado no teto da Capela Sistina.  Chamo Deus à razão sobrenatural que criou a ordem universal em que todos estamos imersos, à qual estamos irremediavelmente vinculados e da qual nenhum de nós alguma vez poderá escapar, tal como acontece com os pequeninos átomos do teto aqui por cima. Pode haver quem diga que sim, mas ainda ninguém me explicou como ou para quê.

Cada um desses pequenos átomos está sujeito a uma virtualmente infindável quantidade de leis divinas que, no seu conjunto, asseguram a ordem natural, tal como as leis dos homens formam o Direito.

Nas cidades, não nos apercebemos tão facilmente das maravilhas da Criação. Por cá, praticamente tudo quanto se nos apresenta aos sentidos é produto da criação humana, de um engenho cada vez mais desenvolvido, e servido por uma base de conhecimento cada vez mais vasta. Mas no campo, quem resistirá a maravilhar-se olhando para uma minúscula bolinha castanha e para o enorme pé de couve que uma bolinha semelhante gerou? Ou olhando para uma bolota caída no caminho e, sobre ela, para o gigantesco e centenário sobreiro que de outra bolota nasceu? Serão o engenho e a razão humana alguma vez capazes de produzir algo tão maravilhoso como aquilo que, há milénios para nós infinitos, a Razão sobrenatural programou? 

Esta Razão sobrenatural surge-nos como a primeira causa, a causa das causas, um deus que, assim definido, inegavelmente existe, dotado de conhecimento e de poder infinitos ou perto disso e nos permite por cá levar a vida usufruindo dos recursos que quis pôr à nossa disposição:  o tempo, o espaço, a matéria; as leis que os regem, deterioram e regeneram; os outros seres; o nosso corpo de primatas e a mente e o espírito que dele se servem na prossecução de um objetivo último que, paradoxalmente, nos não é dado conhecer.

Para um ser pensante, deve ser esta a angústia maior da vida, a que suscita a questão primeira, à qual ninguém sabe responder: o que quer de nós este desconhecido deus, esta Razão universal? Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade – provavelmente, imaterial -, existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo, do espaço e do que parece ser material. Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;  e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar.

Compreender o Impossível
Alguém escreveu que “a inteligência que quer compreender a Criação quer compreender o impossível”.  Esse esforço seria uma perda de tempo, não só por tudo indicar que levará a lugar nenhum, como porque havemos de entender que, quisesse tão poderoso Legislador dar-se a conhecer, haveria de já o ter feito; ou virá a fazê-lo quando muito bem entender, para tal não ficando dependente de um eventual resultado positivo da nossa humana incompetência, quando um dia decidíssemos bisbilhotar.

Assim, investigar Deus mais não é do que desafiar os Seus desígnios, e uma perda de tempo colossal. Um pensamento atribuído a um físico alemão do século XX, tido como o pai da física quântica, diz que “a Ciência não pode resolver o mistério final da Natureza. E isto porque, em última análise, somos parte do mistério que tentamos resolver”.

Se aceitarmos esta afirmação, restar-nos-á refletir sobre a nossa missão enquanto Humanidade, sobre a motivação que poderá ter estado na origem da vida, sobre o que terá motivado a criação de tudo isto a que nos habituámos a chamar Universo, cuja dimensão ignoramos e sempre ignoraremos, da mesma forma que a primeira coisa que nos confunde acerca de Deus é a sua dimensão: por muito inteligentes que nos julguemos, escapará sempre, ao nosso entendimento, a qualquer veleidade de compreensão.

Com maior utilidade para todos, caberá, antes de tudo, refletir sobre a missão individual de cada um e sobre as razões da diferença marcante do animal que somos relativamente a todas as outras espécies, questões estas que, porque mais próximas nos são, nos permitirão a verdade com menos insucesso procurar.

* *
Como explicar as calamidades que constantemente se abatem sobre a Humanidade?
Se Deus existe ou, pelo menos, alguma vez existiu, como será que gere o Universo?


sábado, 22 de maio de 2021


Seremos Todos Almas Penadas?

(Introdução à Secção 'Vida')

"Obstinar-se na defesa do impossível contrário não passa do paradoxo
de alguém pretender raciocinar além da razão, assim negando o primado da racionalidade"

Preocupamo-nos muito com as questões do de onde vimos e do para onde vamos, logo, com a questão da existência de uma Criação.  Mas, a menos que existamos realmente, refletir sobre a criação de algo que não existe ou sobre quem o criou seria uma atividade intrinsecamente inútil por absoluta falta de objeto, uma tontice, uma perda de tempo.  Importa então, antes de mais, saber se terão razão algumas vozes que por aí andam, as quais, porventura para evitar terem de se reconhecer incapazes de responder às velhas questões do quem fez isto tudo e do para quê, procuram desvalorizá-las argumentando que não faria sentido debruçarmo-nos sobre o tema da possível existência de um criador se nem a certeza temos de que existe uma criação, na qual estaríamos incluídos; ou não. 

Nas minhas parcas leituras e algumas conversas sobre o tema, ainda não encontrei uma argumentação estruturada, fundamentada, convincente, ainda que não definitiva, quanto a um motivo logicamente válido para que neguemos a existência de todos e de tudo quanto nos trazem os sentidos – ou, segundo alguns, do que apenas nos parece eles trazerem.  Penso, no entanto, que a melhor demonstração da existência do Universo – e de nós mesmos - se encontra no nexo de causalidade constatável entre os impactos acidentais mutuamente ocorridos com dois quaisquer blocos de matéria inorgânica e os respetivos efeitos.

Acontecendo tais impactos entre mais do que uma entidade não viva e de forma não provocada pela vontade dos sugestionáveis mortais que somos, se chegarmos à conclusão de que, em múltiplas repetições daqueles, os mesmos efeitos visíveis se devem a uma mesma não provocada e imprevista causa, haverá que concluir que esta não é produto da nossa imaginação, tão fértil para quase tudo e que, em tal caso, estaria, de forma entediante, a imaginar sempre um mesmo resultado para algo que, hipoteticamente, não passasse de uma mera e recorrente ilusão, já que, a despeito da nossa – pelo menos, da minha – quase total ignorância da matéria, percecionaríamos precisamente da mesma forma essa fantasmagórica visão, fenómeno que seria evidenciado pela troca de ideias entre os indivíduos presentes nos mesmos locais e nas mesmas ocasiões.

Por outras palavras, se sendo nós independentes uns dos outros e dotados de cérebros diferentes funcionando também independentemente, percecionamos de idêntica forma algo que não provocamos e de cuja ocorrência não tínhamos conhecimento antecipado, descrevendo depois, uns aos outros, da mesma forma o mesmo acontecimento e os seus eventuais efeitos, haverá que concluir que o facto ocorreu fora do nosso imaginário individual ou coletivo, independentemente dele e da forma de funcionamento dos cérebros capazes de o idealizar, os quais, sendo manifestamente diferentes entre si – mesmo na sua eventual virtualidade -, para um mesmo tipo de evento observam sempre resultados que podemos considerar globalmente iguais.

A distinção entre o deliberado e o acidental apresenta-se-me, pois, essencial para fundamentar a rejeição da ideia da inexistência do Mundo tal como todos o vemos e descrevemos – mais coisa, menos coisa, já se sabe.

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Cérebros diferentes, de pessoas educadas de maneiras diferentes não poderiam chegar à mesma conclusão quanto aos danos causados por impactos de determinada natureza; e, a tal não chegando, não seria possível desenvolver teoria quanto à forma de reparar, muito menos de proceder, em equipa, à necessária reparação.

Mesmo que se insista em admitir como possível a ilusão quanto à identidade na aparência dos factos ou dos seus efeitos, não parece razoável considerar que o remédio dado, num local onde não estivemos e por um terceiro que não vimos atuar, seja eficaz se não tiver obedecido a um conhecimento teórico adequado à reparação de danos idênticos causados por idênticos factos.  Se o meu automóvel parece ter o radiador furado e, na sequência da aparente intervenção, numa oficina a que não tive acesso, por parte de alguém que jamais vi e cuja identidade absolutamente desconheço, o popó vem de lá como novo, é porque a intervenção não foi assim tão aparente e seguiu o procedimento técnico adequado, definido pelas especificações do fabricante e pela anterior experiência do mesmo mecânico no decurso de intervenções diversas relativas a bem reais avarias do mesmo tipo.

A questão de tudo quanto julgamos ver ser irreal, enquanto mera hipótese, é legítima.  Perante qualquer simples facto, continua a sê-lo.  Mas soçobra, irremediavelmente, quando um terceiro se apercebe, de forma idêntica à nossa, do efeito provocado; e, sobretudo, quando pelo mesmo procedimento por nós totalmente desconhecido, o dano é inegável e eficazmente reparado, sabendo-se que apenas por milagre seria possível o carro avariado ou danificado, por si só, voltar a andar; e quem tanto insiste em exercitar a mioleira com sandices que insultam a própria razão não acredita em milagres, pelo que, quanto a este ponto, nada haverá a acrescentar.

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Também no plano da perceção individual a distinção entre o deliberado e o acidental é importante:  ao picar, deliberadamente, um dedo com uma agulha para fazer sair uma gota de sangue, poderei estar a iludir-me, quer quanto à existência do dedo – e do resto de mim, já agora -, quer quanto ao ato de picar, quer quanto à existência da agulha, quer, ainda, quanto à pequena hemorragia resultante.  Numa picadela acidental, em contrapartida, só ao ver o meu dedo começar a sangrar irei investigar a causa do sangramento para, então, concluir que ele se deveu, por exemplo, ao corte por um espinho ou farpa qualquer.  Trata-se, assim, de um acontecimento do qual me apercebo apenas através dos seus efeitos, um acontecimento que não observei nem pude imaginar.  Quanto aos efeitos, podem dizer que a dor é ilusória, mas, nesse caso, quando lhes acontecer uma dessas ilusões, não desatem a gemer ou a gritar.

Quando me estatelo no passeio devido a uma falha na calçada de que me não apercebi, muito há de alguém transpirar para me convencer de que, tal como a dolorosa e inibidora fratura de um osso da perna, a queda foi meramente ilusória, e de que essa ilusão foi provocada por um buraco que nem vi.

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A repetição dos mesmos efeitos devidos à mesma causa diz bem da efetiva existência das duas entidades – os dois blocos de matéria inorgânica, ou o dedo e o espinho – mutuamente independentes antes do facto e depois dele também e que, ao interagir, revelam a respetiva existência. No caso de um impacto acidental, estaremos, indubitavelmente perante a constatação de um efeito inesperado, que acabamos por concluir ter sido originado por uma causa independente da experimentação ou de qualquer outra manifestação da vontade – logo, de qualquer humana elucubração.

Dito isto, resta constatar a existência da realidade, que, na definição dada pelos humanos que talvez não existam, se opõe à ilusão.

A uns outros que sustentam que as coisas só existem quando nos apercebemos delas*), que "a realidade só se materializa quando alguém a observa" pedirei que me expliquem quando aconteceu, quanto existiu, por exemplo, a extinção do Cretáceo-Paleógeno*): há perto de sessenta e seis milhões de anos atrás, quando nem seres humanos havia, ou há uns anitos atrás, quando os cientistas assim concluíram?  Ou, como não a viram, nem terá existido, até?  Quando o gato do meu vizinho come um gafanhoto sem assistirmos ao repasto, significa isso que o gafanhoto continua vivo?  Ou a visão pelo gato – e a deglutição, já agora - também serve para fazer as coisas e os factos existir, para os tornar reais?

Se, ao passar com uma ferramenta na mão, inadvertidamente risco a pintura de um automóvel, quando ocorreu o dano?  No momento em que, sem alguma vez chegar a do facto me aperceber, provoquei o risco ou quando, horas depois, o proprietário da viatura constatou a sua existência?

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Como acontece relativamente a tudo quanto nesta porventura inexistente página e nas que, na secção “Vida”, se lhe seguirão irei escrevendo, posso, naturalmente, estar enganado; mas, como temos, sempre, de partir de algo para conseguir chegar a alguma parte, considerarei que estou certo até alguém me demonstrar que o não estou, desde que o faça de forma fundamentada, racionalmente credível e logicamente sustentada.

Obstinar-se na defesa do impossível contrário não passa do paradoxo de alguém pretender raciocinar além da razão, assim negando o primado da racionalidade.  Claro que nada é apodítico, a certeza é impossível, desde logo porque, sendo questionável a própria existência da lógica, questionáveis serão fatalmente as suas conclusões.  À falta de argumentação contrária - também ela talvez apenas aparente... -, resta-nos, porém, dá-las como boas, sabendo embora que talvez estejamos a viver aquilo que parece ser o ideal de muitos:  uma ilusão.

Já todos sabemos que a vida é uma sucessão interminável de incontroláveis fatalidades cujos efeitos gastamos a maior parte do tempo a tentar mitigar.  Mas, depois de tudo por quanto temos de passar, seria demasiado mau não passarmos de almas penadas, assim constituindo um excesso claro, improdutivo e condenável o facto de, para parecer diferente, alguém decidir ocupar-se da exaltação do distópico, fingindo que são diferentes as verdades imutáveis às quais, em última análise, uns e outros acabamos por nos arrimar.  Àqueles que, graças a um processo mental cuja existência sou eu que não consigo idealizar, insistem na cómoda presunção da existência de nada, sem ter, sequer, um ponto de partida que lhes permita caminhar até ao próprio e inexorável ponto de chegada, apenas posso sugerir que, porque, se nada existe, nada vale a pena e nada há do que falar, se mantenham silentes na sua nesse caso inexistente zona de conforto, em lugar de se consumirem e à nossa paciência a discursar sobre…  nada.  Pelo menos, sobre nada de que valha a pena falar

Toda esta história acerca da nossa não existência ilustra, assim, muito bem a diferença entre uma ideia boa e uma, como essa, que não passa de uma ideia…  original; como tantas outras que acorrem ao espírito de quem, por ter pouca graça, se esforça por ser, pelo menos…  original.



Afinal, Deus existe mesmo, ou não passa de pura invenção de um ser humano que desespera com a efemeridade da sua existência?

NÃO PERCA uma reflexão lógica, fundamentada, sobre o tema porventura mais elementar e decisivo da vida humana.





A existir um deus, será ele o representado
no teto da Capela Sistina? Jeová? Alá? Manitou?
Ou nenhum destes?