sábado, 2 de outubro de 2021


Como Gere Deus o Universo?

 

Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus extinto?
Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram Portugal?

 

Acabava a população da Ilha de saborear um almoço tranquilo dias depois dos primeiros alertas quanto ao aumento da atividade sísmica, quando a montanha*) começou a cuspir lava e fogo, em poucos dias sepultando pedras, plantas, casas, estradas, ruas, arruinando colheitas, sonhos, expetativas, modos de vida, enfim, tudo quanto, na amostra de uma pequena ilha, tipifica a realidade e o imaginário de qualquer pessoa em qualquer parte do Planeta.

Porquê? Para quê?

Acaso? Absolutamente normal manifestação da Natureza? Ira de um deus desagradado e vingativo?

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Nexo de Causalidade com a Criação
O nexo de causalidade entre a Criação e a respetiva Força Criadora, já aqui procurei demonstrar*), não pela citação ou referência a dogmas de qualquer credo ou religião, mas recorrendo à mais elementar dedução.

Todavia, tal demonstração da existência, em dado momento, de um Criador – quiçá numa fração de segundo, na própria origem do tempo – não fornece qualquer prova da sua persistência, nada diz quanto à possibilidade ou probabilidade de, nos nossos dias continuar presente.

Assim, a primeira hipótese que, em plena objetividade, devemos formular é a da eventual extinção - por causas exógenas ou endógenas, abrupta ou num processo continuado, iniciado e terminado não se sabe quando - dessa formidável e para nós infinita Razão que tudo terá criado, movida por causas e visando objetivos que, com toda a probabilidade, por meios humanos jamais nos será dado conhecer.

Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus extinto?

No último caso, tudo quanto hoje acontece por causas estranhas à atividade do Homem dever-se-ia, unicamente, a obra do acaso em que, extinta a divindade, o Universo teria mergulhado, num percurso lento mas inexorável para o caos inevitável e imparável, de alguma forma semelhante ao de uma organização abruptamente privada das suas principais estruturas diretivas.

Não obstante, mesmo no caso da morte do Criador, haveria que considerar a possibilidade de a Sua Obra ter resultado de tal forma perfeita que, por si só e pela mera aplicação das leis por Ele definidas, a expansão do Universo ainda continuasse – como, do ponto físico, a Ciência sustenta que continua -, e esse processo, em lugar de cair no caos resultante da extinção da Razão Criadora, eternamente assegurasse um desenvolvimento coerente e sustentável que, dessa forma, constituiria a maior prova de perfeição da Criação.

Admitamos, no entanto, como pouco provável e, convenhamos, quase risível a simples ideia de algo ou alguém, seja lá o que ou quem for, detentor de tão grande poder não ser capaz de assegurar a própria eternidade; ou que, talvez cansado e desgostoso com o resultado da componente humana da Obra, dela desistisse, suicidando-se ou, mais prosaicamente, dedicando-se a outra atividade ou projeto.

Ou terá, de facto, assim sucedido? Será que Deus não criou o Universo apenas para acomodar a Terra? Terá focado a sua atenção noutras paragens? Será tão semelhante a nós ou nós a Ele que esteja sujeito à humana propensão à desistência quando as coisas não correm pelo melhor? Ou por aquilo que por melhor entende a Humanidade inconsequente?

Tal abandono, qualquer que fosse a forma, poria, diretamente, em causa a própria ideia de perfeição essencial à evolução natural como julgamos conhecê-la e, com ela, poria igualmente em causa a perfeição do Criador.

Humanidade Abandonada pelo Criador
A verdade é que, pelo que se vai vendo por aí, se atentarmos, não na evolução da Natureza, mas na da sociedade, restará, de bom senso, concluir ninguém teria o direito de condenar ou, sequer, de criticar o abandono da Humanidade por um desolado Criador.

Não sendo, porém, esta a hipótese mais provável, resta-nos refletir um pouco sobre as causas destes acontecimentos e, com elas, sobre as das contrariedades naturais que, com maior ou menor, expressão e impacto, afetam o nosso quotidiano.

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A primeira premissa a considerar poderá ser a da aparente liberdade de decisão e de escolha que aos seres humanos é conferida, tal como, no respetivo habitat, aos restantes animais.

Sugere ela que, contrariando opiniões pouco sustentadas segundo as quais seríamos vítimas de um determinismo a que jamais conseguiríamos escapar, as nossas livres opções e consequentes ações servem um propósito específico que nos não é dado alcançar.

Afigura-se, não obstante, legítimo considerar que, na medida em que, pelo menos no plano humano, capacidade e liberdade implicam responsabilidade, uma significativa componente de avaliação do mérito poderá estar associada ao acervo de comportamentos por cada um empreendido durante o tempo que conhecemos como tal; e que este pressuposto de créditos acumulados durante a vida poderá, razoavelmente, conduzir à conclusão de que os efeitos da avaliação se produzirão depois da morte terrena – já que não consta que, em vida, deles extraiamos grande recompensa… -, assim se tornando inevitável reconhecer algum mérito às teorias que sustentam a persistência de alguma forma de vida após a sua extinção no corpo.

A ser este o caso, e um pouco a exemplo do que acontece em situações de teste de competências em que alguém gera situações e impactos artificiais visando testar a qualidade da reação do examinado, as manifestações físicas da Natureza, a não resultarem da mera aplicação rotineira de leis por nós ainda desconhecidas ou pouco conhecidas, seriam, afinal, maiores ou menores violações dessas mesmas leis, desde a rajada súbita que faz voar até um charco preciosos documentos em papel, até à fantástica e arrasadora erupção de um aparentemente adormecido vulcão.

Essas contravenções, estas violações das leis naturais, seriam, evidentemente, empreendidas pelo único com capacidade para delas ser culpado: o próprio Legislador, o examinador-Criador, já que apenas a ele é dado impor, modificar, derrogar ou, mesmo revogar, a todo o tempo, os ditames do inicial ímpeto gerador da Criação.

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A Terra no Universo
A razão última da nossa existência não será, hoje, aqui abordada. Mas, seja ela qual for, será razoável admitir que, guiado por critérios tão altos que nem os conseguimos imaginar, um plano divino para testar e selecionar os escolhidos estivesse, na própria génese, contaminado por procedimentos baseados na instabilidade legislativa e, até, na contravenção, na violação de normas próprias? Dificilmente.

Teremos, pois, de aceitar como mais provável a possibilidade de as leis naturais terem sido originariamente delineadas de forma perfeita, sem necessidade de quaisquer correções ou adaptações, e de estarmos nós imersos num planeta e num Universo absolutamente estáveis.

Considerando quão pouco o que dessas leis conhecemos, decorrerão, quer os desastres, quer as meras contrariedades que diariamente nos acontecem, do dominante desconhecimento de algo que jamais iremos plenamente conhecer; ou da imprudência face ao que conhecemos, consubstanciada tanto no facto de não acondicionarmos devidamente os tais documentos e valores que acabam por ir parar ao charco, como, por muito cruel que assim dito isto pareça, no de, com tanto espaço inabitado na Terra, insistirmos em desafiar as leis divinas, teimando em construir casas e a viver nas faldas de potencialmente mortíferos vulcões.

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A objeção maior a esta maior probabilidade de validação da hipótese de um equilíbrio homeostático inabalável, decorrente da vigência de leis naturais imutáveis e perfeitas resume-se na pergunta: se apenas o Homem causa impactos suscetíveis de – pelo menos, na Terra e na respetiva atmosfera, arranhando levemente a estratosfera - interferir no curso normal da Criação, se Deus não interfere na ordem natural que pensou e implementou, será mera coincidência a ocorrência daquilo que nos habituámos a considerar o divino favor? Será a oração inútil? A própria religião?

Não passarão, num tal quadro, os teólogos de alucinados exegetas de teorias ocas, apenas úteis ao entretenimento das suas ávidas mentes, ao comprazimento de quem se julga detentor da chave que um dia irá escancarar a porta do cofre que guarda os divinos mistérios da Criação?

Serão as religiões nada mais do que formas de ocupar, de alienar, de evadir, de fazer pensar noutra coisa espíritos aterrados perante o pavor do inevitável termo? Serão elas meras formas ilegítimas de domínio - umas pelo temor, outras pelo terror – de seres humanos por outros, fundadas na promessa de evitar o fim aterrador?

Comparado com a aparente serenidade, naturalidade mesmo, dos restantes animais perante a morte, que demonstração miserável este pavor imenso acaba por ser da humana pequenez! Se estivermos a ser avaliados, que insensata prova de incomensurável estupidez!

Medo de Uma Morte Certa
Perante a certeza da morte, onde encontrar, então, felicidade? Como poderá ela não ser efémera? Que interesse haverá, nesse caso, em ser feliz?

Como nos poderemos esquivar da distopia a tudo isto subjacente? Que propósito útil haverá nessa esquiva, se o mérito intrínseco de cada ser humano residir na capacidade de aceitar e de viver segundo as regras naturais do que seriam os nossos princípio, meio e fim?

Que gozo nos trará a vida se a busca do conhecimento apenas for legitimada pela vontade de conhecer as leis da Natureza e de a elas obedecer, em lugar de aprender a destruir recursos do planeta e a exterminar outros seres? Se, em lugar da luta fratricida que nos dá aquela sensação de vitória, de sucesso, de sermos os maiores, o mérito estiver em aprender a viver em paz com o próximo e em homeostática complacência?

O que será, então, de uma economia quase exclusivamente baseada no consumo se, em lugar da busca incessante do prazer, repentinamente nos apercebermos do logro e dermos meia volta rumo à vida retrógrada e sensaborona do início dos tempos e relativamente à qual, no que toca à matéria e à técnica, já evoluímos tanto?

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A forma indiferente ao próximo, egocêntrica, como socialmente nos comportamos demonstra bem que, sobretudo entre a população mais jovem, já muito poucos acreditam, após as terrenas deambulações e atribulações, no descanso em paz numa prometida vida eterna.

Que inimaginável caos resultaria, porém, da constatação de que apenas dependemos de nós e da capacidade de sem limites nos darmos, de aprendermos, por nós mesmos, a coexistir? De que, na sua teoria e prática atuais, as religiões a que quase todos se agarram serviriam, afinal, para nada, ou para quase nada, além da manutenção, pelo temor do castigo, da ordem pública em quanto os estados não têm capacidade de a assegurar? Da constatação de que, em muito do que pregam, já nem os mais graduados das hierarquias eclesiais acreditam?

Em que diferiria esse caos inevitável e manifesto do caos em que bem sabemos já hoje viverem os espíritos de quem nada vê à sua frente além de um cada vez mais alto, robusto e intransponível muro de realidades económicas e sociais degradantes e sem remédio à vista, a não ser pelo inevitável sacrifício dos bens daqueles que os têm de sobra e deles não querem abdicar, preferindo deixar o semelhante humilhar-se, definhar, miseravelmente terminar a sua vida?

Da mesma forma que, além da teimosia e da imprudência humanas, o desconhecimento da maior parte das leis naturais nos expõe à brutalidade de alguns dos seus efeitos, o deliberado desconhecimento, por desinteresse, do nosso semelhante torna-nos alvo da sua luta pela sobrevivência.

Cenário Dantesco: O Inferno
Ora, neste cenário moralmente dantesco, até quando conseguirão as religiões e o Direito adiar um talvez iminente apocalipse social?

Tal como, em La Palma e tantas vezes em tantos outros lugares, a Terra alerta para o facto de existir e de ser merecedora do nosso respeito, também populações inteiras de despeitados e perseguidos nos chamam do seu trágico inferno; ou, reprimidos, se calam, assim avolumando gigantescas tensões latentes que um dia farão rebentar a crosta: não a terrestre, mas, uma vez mais, a social, para gáudio dos criadores de vírus mortíferos e dos fabricantes e vendedores de armamento.

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Terá sido o Deus criador de tudo isto a guiar-nos ou a empurrar-nos até aqui?  Terá o progresso da espiritualidade e da nossa humanidade acompanhado, proporcionalmente, o da técnica, o da habilidade política, o da arte de amealhar, de brilhar, de escarnecer, de espezinhar, de aniquilar?

Poderemos, em nossa defesa, invocar a fatalidade de um suposto determinismo que nos impede de ser outros, de agir de outra forma? Até quando continuaremos a desculpar o ataque feroz à Natureza, ao Planeta, à própria Humanidade com aquilo a que, comodamente, chamos a natureza humana? “Somos assim, o que se há de fazer?

Pois é bom que haja, e que se encontre depressa o que áde fazer.

Ou será que nem o rebentamento do Cumbre Vieja foi suficientemente forte e gritante para nos alertar para o que, não por gestão divina mas por imbecilidade humana, está aí à porta, já que esta ínfima bolinha do imenso Universo que esse Deus criador concebeu e materializou - e, porventura, ainda gere - já não aguenta mais impactos de quem ainda se não consciencializou do facto de, para tudo, dela depender?

Até quando aguentará a Terra a nossa imprudência?

Até quando continuará Deus a acreditar em nós?

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Conclusão
Seja qual for a razão por que a espécie humana se desenvolveu até à sua atual forma e continuará a desenvolver-se - evoluindo sabe-se lá para o quê -, tudo leva a crer que o Mundo se encontra desenhado para que nele possamos viver em paz e serenidade desde que, em todos os momentos e circunstâncias, nas nossas decisões e escolhas façamos uso da sabedoria e da sensatez de que todos fomos dotados ao nascer e que, supostamente, desde então teremos vindo a desenvolver.

Tê-las-emos em menor ou em maior grau, mas sempre com a possibilidade de, por via da educação ministrada por terceiros ou mediante o exercício da reflexão a que a qualidade dos recursos mentais e espirituais de que fomos dotados nos obrigam, em prol da Humanidade desenvolvermos e ampliarmos essa sabedoria e essa sensatez.

Somos, também, moralmente obrigados a dispensar a atenção devida, não apenas à aprendizagem das leis naturais conhecidas e ao desvendar das outras que operam sem sabermos, mas ao próximo, a quem nos rodeia, a quem, tal como os fenómenos naturais, a cada momento provoca, em muito maior quantidade, impactos relevantes na qualidade e na utilidade da vida de cada um de nós.

Serão os nossos enormes problemas comparáveis aos das vítimas de catástrofes como a de La Palma?*) O Benfica perdeu? A nossa discoteca preferida não abriu? A chuva estragou o passeio de amanhã? E que importância tem, afinal, um mero desaire eleitoral?

Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram Portugal?

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Para o descobrir e para ficar a saber o que os espera, muitos portugueses recorrem ao ocultismo e à adivinhação, na vã esperança de aliviar a por vezes insuportável tensão.

(continua aqui)


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