“Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus
extinto?
Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram
Portugal?”
Acabava a população da Ilha de saborear um almoço tranquilo dias depois dos primeiros alertas quanto ao aumento da atividade sísmica, quando a montanha*) começou a cuspir lava e fogo, em poucos dias sepultando pedras, plantas, casas, estradas, ruas, arruinando colheitas, sonhos, expetativas, modos de vida, enfim, tudo quanto, na amostra de uma pequena ilha, tipifica a realidade e o imaginário de qualquer pessoa em qualquer parte do Planeta.
Porquê? Para quê?
Acaso? Absolutamente normal manifestação da Natureza? Ira de um deus
desagradado e vingativo?
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Todavia, tal demonstração da existência, em dado momento, de um Criador –
quiçá numa fração de segundo, na própria origem do tempo – não fornece
qualquer prova da sua persistência, nada diz quanto à possibilidade ou
probabilidade de, nos nossos dias continuar presente.
Assim, a primeira hipótese que, em plena objetividade, devemos formular é a da
eventual extinção - por causas exógenas ou endógenas, abrupta ou num processo
continuado, iniciado e terminado não se sabe quando - dessa formidável e para
nós infinita Razão que tudo terá criado, movida por causas e visando objetivos
que, com toda a probabilidade, por meios humanos jamais nos será dado
conhecer.
Será o Universo a empresa que Deus gere, ou a obra perfeita de um deus
extinto?
No último caso, tudo quanto hoje acontece por causas estranhas à atividade do
Homem dever-se-ia, unicamente, a obra do acaso em que, extinta a divindade, o
Universo teria mergulhado, num percurso lento mas inexorável para o caos
inevitável e imparável, de alguma forma semelhante ao de uma organização
abruptamente privada das suas principais estruturas diretivas.
Não obstante, mesmo no caso da morte do Criador, haveria que considerar
a possibilidade de a Sua Obra ter resultado de tal forma perfeita que, por si
só e pela mera aplicação das leis por Ele definidas, a expansão do Universo
ainda continuasse – como, do ponto físico, a Ciência sustenta que continua -,
e esse processo, em lugar de cair no caos resultante da extinção da Razão
Criadora, eternamente assegurasse um desenvolvimento coerente e sustentável
que, dessa forma, constituiria a maior prova de perfeição da Criação.
Admitamos, no entanto, como pouco provável e, convenhamos, quase risível a
simples ideia de algo ou alguém, seja lá o que ou quem for, detentor de tão
grande poder não ser capaz de assegurar a própria eternidade; ou que, talvez
cansado e desgostoso com o resultado da componente humana da Obra, dela
desistisse, suicidando-se ou, mais prosaicamente, dedicando-se a outra
atividade ou projeto.
Ou terá, de facto, assim sucedido? Será que Deus não criou o Universo apenas
para acomodar a Terra? Terá focado a sua atenção noutras paragens? Será tão
semelhante a nós ou nós a Ele que esteja sujeito à humana propensão à
desistência quando as coisas não correm pelo melhor? Ou por aquilo que por
melhor entende a Humanidade inconsequente?
Tal abandono, qualquer que fosse a forma, poria, diretamente, em causa a própria ideia de perfeição essencial à evolução natural como julgamos conhecê-la e, com ela, poria igualmente em causa a perfeição do Criador.
Não sendo, porém, esta a hipótese mais provável, resta-nos refletir um pouco
sobre as causas destes acontecimentos e, com elas, sobre as das contrariedades
naturais que, com maior ou menor, expressão e impacto, afetam o nosso
quotidiano.
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A primeira premissa a considerar poderá ser a da aparente liberdade de decisão
e de escolha que aos seres humanos é conferida, tal como, no respetivo
habitat, aos restantes animais.
Sugere ela que, contrariando opiniões pouco sustentadas segundo as quais
seríamos vítimas de um determinismo a que jamais conseguiríamos escapar, as
nossas livres opções e consequentes ações servem um propósito específico que
nos não é dado alcançar.
Afigura-se, não obstante, legítimo considerar que, na medida em que, pelo
menos no plano humano, capacidade e liberdade implicam responsabilidade, uma
significativa componente de avaliação do mérito poderá estar associada ao
acervo de comportamentos por cada um empreendido durante o tempo que
conhecemos como tal; e que este pressuposto de créditos acumulados
durante a vida poderá, razoavelmente, conduzir à conclusão de que os efeitos
da avaliação se produzirão depois da morte terrena – já que não consta que, em
vida, deles extraiamos grande recompensa… -, assim se tornando inevitável
reconhecer algum mérito às teorias que sustentam a persistência de alguma
forma de vida após a sua extinção no corpo.
A ser este o caso, e um pouco a exemplo do que acontece em situações de teste
de competências em que alguém gera situações e impactos artificiais visando
testar a qualidade da reação do examinado, as manifestações físicas da
Natureza, a não resultarem da mera aplicação rotineira de leis por nós ainda
desconhecidas ou pouco conhecidas, seriam, afinal, maiores ou menores
violações dessas mesmas leis, desde a rajada súbita que faz voar até um charco
preciosos documentos em papel, até à fantástica e arrasadora erupção de um
aparentemente adormecido vulcão.
Essas contravenções, estas violações das leis naturais, seriam, evidentemente,
empreendidas pelo único com capacidade para delas ser culpado: o
próprio Legislador, o examinador-Criador, já que apenas a ele é dado impor,
modificar, derrogar ou, mesmo revogar, a todo o tempo, os ditames do inicial
ímpeto gerador da Criação.
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Teremos, pois, de aceitar como mais provável a possibilidade de as leis
naturais terem sido originariamente delineadas de forma perfeita, sem
necessidade de quaisquer correções ou adaptações, e de estarmos nós imersos
num planeta e num Universo absolutamente estáveis.
Considerando quão pouco o que dessas leis conhecemos, decorrerão, quer os
desastres, quer as meras contrariedades que diariamente nos acontecem, do
dominante desconhecimento de algo que jamais iremos plenamente conhecer; ou da
imprudência face ao que conhecemos, consubstanciada tanto no facto de não
acondicionarmos devidamente os tais documentos e valores que acabam por ir
parar ao charco, como, por muito cruel que assim dito isto pareça, no de, com
tanto espaço inabitado na Terra, insistirmos em desafiar as leis divinas,
teimando em construir casas e a viver nas faldas de potencialmente mortíferos
vulcões.
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A objeção maior a esta maior probabilidade de validação da hipótese de um
equilíbrio homeostático inabalável, decorrente da vigência de leis naturais
imutáveis e perfeitas resume-se na pergunta: se apenas o Homem causa impactos
suscetíveis de – pelo menos, na Terra e na respetiva atmosfera, arranhando
levemente a estratosfera - interferir no curso normal da Criação, se Deus não
interfere na ordem natural que pensou e implementou, será mera coincidência a
ocorrência daquilo que nos habituámos a considerar o divino favor? Será a
oração inútil? A própria religião?
Não passarão, num tal quadro, os teólogos de alucinados exegetas de teorias
ocas, apenas úteis ao entretenimento das suas ávidas mentes, ao comprazimento
de quem se julga detentor da chave que um dia irá escancarar a porta do cofre
que guarda os divinos mistérios da Criação?
Serão as religiões nada mais do que formas de ocupar, de alienar, de evadir,
de fazer pensar noutra coisa espíritos aterrados perante o pavor do inevitável
termo? Serão elas meras formas ilegítimas de domínio - umas pelo temor, outras
pelo terror – de seres humanos por outros, fundadas na promessa de evitar o
fim aterrador?
Comparado com a aparente serenidade, naturalidade mesmo, dos restantes animais
perante a morte, que demonstração miserável este pavor imenso acaba por ser da
humana pequenez! Se estivermos a ser avaliados, que insensata prova de
incomensurável estupidez!
Como nos poderemos esquivar da distopia a tudo isto subjacente? Que propósito
útil haverá nessa esquiva, se o mérito intrínseco de cada ser humano residir
na capacidade de aceitar e de viver segundo as regras naturais do que seriam
os nossos princípio, meio e fim?
Que gozo nos trará a vida se a busca do conhecimento apenas for legitimada
pela vontade de conhecer as leis da Natureza e de a elas obedecer, em lugar de
aprender a destruir recursos do planeta e a exterminar outros seres? Se, em
lugar da luta fratricida que nos dá aquela sensação de vitória, de sucesso, de
sermos os maiores, o mérito estiver em aprender a viver em paz com o
próximo e em homeostática complacência?
O que será, então, de uma economia quase exclusivamente baseada no consumo se,
em lugar da busca incessante do prazer, repentinamente nos apercebermos do
logro e dermos meia volta rumo à vida retrógrada e sensaborona do
início dos tempos e relativamente à qual, no que toca à matéria e à técnica,
já evoluímos tanto?
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A forma indiferente ao próximo, egocêntrica, como socialmente nos comportamos
demonstra bem que, sobretudo entre a população mais jovem, já muito poucos
acreditam, após as terrenas deambulações e atribulações, no
descanso em paz numa prometida vida eterna.
Que inimaginável caos resultaria, porém, da constatação de que apenas
dependemos de nós e da capacidade de sem limites nos darmos, de aprendermos,
por nós mesmos, a coexistir? De que, na sua teoria e prática atuais, as
religiões a que quase todos se agarram serviriam, afinal, para nada, ou para
quase nada, além da manutenção, pelo temor do castigo, da ordem pública em
quanto os estados não têm capacidade de a assegurar? Da constatação de que, em
muito do que pregam, já nem os mais graduados das hierarquias eclesiais
acreditam?
Em que diferiria esse caos inevitável e manifesto do caos em que bem sabemos
já hoje viverem os espíritos de quem nada vê à sua frente além de um cada vez
mais alto, robusto e intransponível muro de realidades económicas e sociais
degradantes e sem remédio à vista, a não ser pelo inevitável sacrifício dos
bens daqueles que os têm de sobra e deles não querem abdicar, preferindo
deixar o semelhante humilhar-se, definhar, miseravelmente terminar a sua
vida?
Da mesma forma que, além da teimosia e da imprudência humanas, o
desconhecimento da maior parte das leis naturais nos expõe à brutalidade de
alguns dos seus efeitos, o deliberado desconhecimento, por desinteresse, do
nosso semelhante torna-nos alvo da sua luta pela sobrevivência.
Tal como, em La Palma e tantas vezes em tantos outros lugares, a Terra alerta
para o facto de existir e de ser merecedora do nosso respeito, também
populações inteiras de despeitados e perseguidos nos chamam do seu trágico
inferno; ou, reprimidos, se calam, assim avolumando gigantescas tensões
latentes que um dia farão rebentar a crosta: não a terrestre, mas, uma vez
mais, a social, para gáudio dos criadores de vírus mortíferos e dos
fabricantes e vendedores de armamento.
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Terá sido o Deus criador de tudo isto a guiar-nos ou a empurrar-nos até
aqui? Terá o progresso da
espiritualidade e da nossa humanidade acompanhado, proporcionalmente, o da
técnica, o da habilidade política, o da arte de amealhar, de brilhar, de
escarnecer, de espezinhar, de aniquilar?
Poderemos, em nossa defesa, invocar a fatalidade de um suposto determinismo
que nos impede de ser outros, de agir de outra forma? Até quando continuaremos
a desculpar o ataque feroz à Natureza, ao Planeta, à própria Humanidade com
aquilo a que, comodamente, chamos a natureza humana? “Somos assim, o que se há de fazer?”
Pois é bom que haja, e que se encontre depressa o que áde fazer.
Ou será que nem o rebentamento do Cumbre Vieja foi suficientemente forte e
gritante para nos alertar para o que, não por gestão divina mas por
imbecilidade humana, está aí à porta, já que esta ínfima bolinha do imenso
Universo que esse Deus criador concebeu e materializou - e, porventura, ainda
gere - já não aguenta mais impactos de quem ainda se não consciencializou do
facto de, para tudo, dela depender?
Até quando aguentará a Terra a nossa imprudência?
Até quando continuará Deus a acreditar em nós?
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Tê-las-emos em menor ou em maior grau, mas sempre com a possibilidade de, por
via da educação ministrada por terceiros ou mediante o exercício da reflexão a
que a qualidade dos recursos mentais e espirituais de que fomos dotados nos
obrigam, em prol da Humanidade desenvolvermos e ampliarmos essa sabedoria e
essa sensatez.
Somos, também, moralmente obrigados a dispensar a atenção devida, não apenas à
aprendizagem das leis naturais conhecidas e ao desvendar das outras que operam
sem sabermos, mas ao próximo, a quem nos rodeia, a quem, tal como os fenómenos
naturais, a cada momento provoca, em muito maior quantidade, impactos
relevantes na qualidade e na utilidade da vida de cada um de nós.
Serão os nossos enormes problemas comparáveis aos das vítimas de catástrofes como a de La Palma?*) O Benfica perdeu? A nossa discoteca preferida não abriu? A chuva estragou o passeio de amanhã? E que importância tem, afinal, um mero desaire eleitoral?
Para onde caminha e quem de facto, gere todo este Mundo onde plantaram Portugal?