“Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada
seria
Partido dos Animais e da Natureza, já que pouco fala das pessoas e das
causas delas,
nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na
espuma dos votos,
de explorar a imagem das crianças e dos jovens que
diz defender”
Tampouco alguma vez conseguir entender a razão pela qual, com total
indiferença pelo sofrimento infligido, na lide a cavalo um mamífero (Homem)
utiliza um também mamífero (cavalo) para torturar um outro mamífero (touro);
ou por que, na lide a pé, o primeiro mamífero, supostamente dotado de mente e
espírito muito além dos dotes do último, experimenta alguma satisfação pelo
facto de sair supostamente vitorioso de um artificiosamente provocado
combate entre a força mental de um e a força bruta de outro.
Sempre me ensinaram que um combate, para o ser realmente e para, sendo-o, ser
também valoroso e leal, haverão de estar equilibradas as forças em presença, o
que, evidentemente, não acontece quando se confrontam, de um lado, uns oitenta
quilos e do outro uns seiscentos; quanto, de um lado, ter-se-á, vá lá, uns cem
e do outro lado escassos vinte, no que se refere a quociente intelectual.
Será a espécie humana tão pouco segura de si que necessite de martirizar uma bem mais volumosa besta para conseguir demonstrar a mais do que conhecida supremacia intelectual? Ou será tão pouco valorosa que, tendo abdicado do combate corpo a corpo entre iguais em prol da venda de armas de destruição maciça e à distância, apenas lhe resta coragem para, com grande aparato, fingir que trava um combate que tem, afinal, como substância, coisa nenhuma, que apenas existe para inglês ver?*)
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Às coisas ditas e feitas para inglês ver nos vem a política, desde tempos imemoriais, habituando, a ponto de, graças à prática demagógica quotidiana da generalidade dos lusitanos partidos, instintivamente havermos substituído, nos nossos espíritos, a suposta nobreza da política e da missão governativa pela quase certeza da mesquinhez, da jogada vil, do golpe de rins, da mais chã, vazia, inevitável e corrupta hipocrisia.
Já quanto à primeira situação, a dos partidos incipientes, acaba o Pessoas, Animais e Natureza (PAN)*) de, com todo aquele patético folclore em torno da enorme vitória*) conseguida com a imposição de limitações à assistência de menores às touradas, fornecer a prova acabada do que acabo de dizer.
Deixo aos especialistas a discussão científica sobre a influência perversa que a assistência ao abestalhado espetáculo possa exercer sobre a formação da personalidade e do carácter das crianças. Sobre este assunto, direi, apenas, que não tenho memória de alguma vez ter lido ou ouvido notícia de evidência científica quanto a um caso que fosse de um inveterado criminoso cuja propensão para o delito se haja formado por haver, na infância, frequentado as praças de touros*).
Não entrarei, também, na discussão primária e de conclusão impossível sobre se
será mais traumatizante ver picar um touro – não digo toiro, com
i, porque dizem que esta forma é mais poética e, poesia, a tourada tem
nenhuma… - ou as continuadas agressões ao adversário num relvado de futebol,
ou qualquer catástrofe ou atrocidade que, à hora de jantar, um menor de
dezasseis ou, até, de doze ou de seis anos não tem como evitar ver na
televisão dos progenitores.
Tudo isso é subjetivo, depende da propensão e das idiossincrasias de cada um, e, a despeito das incomensuráveis fortunas despendidas a tentar provar o impossível, jamais qualquer ciência nomotética*) logrará enunciar, para além da dúvida razoável, uma regra universal.
Muito menos me questionarei quanto à forma como o PAN não deixará, por certo e para ser coerente, de exigir do Partido Socialista (PS)*) que proíba, sem demora, que menores de dezasseis anos assistam, na terra dos pais e dos avós, à matança do porco*) e ao espetáculo de puro horror que a subsequente abertura e limpeza do cadáver constitui. Que assistam e, por maioria de razão, que participem.
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O que venho aqui salientar é a inanidade, a inutilidade, o impacto
absolutamente ridículo da proibição que o PAN conseguiu, a troco de um punhado
de votos, forçar o PS a impor àquela que todos sabemos ser a incontável
quantidade de jovens entre os doze e os dezasseis anos que gosta de ir,
sozinha, ver a corrida sem estar acompanhada por um adulto.
Incontável, porque o que não existe não se pode contar.
A verdade é que a oca e pírrica vitória agora conseguida pelo PAN apenas afeta a meia dúzia de jovens, se tanto, que por lá passava sem ter, a acompanhá-las, um adulto, que nem um dos pais tem de ser!*)
O número 6 do art.8º do Decreto-Lei nº 23/2014, de 14 de Fevereiro, com as
alterações introduzidas pelo Decreto-Lei 90/2019, de 5 de julho, é taxativo:
“O promotor do espetáculo de natureza artística ou de divertimento público
deve negar a entrada de menores quando existam dúvidas sobre a idade face à
classificação etária atribuída, avaliada pelos critérios comuns de
aparência,
salvo quando acompanhados dos pais ou de um adulto, devidamente
identificado, que se responsabilize”.
Simplificando: qualquer criança, desde que tenha mais do que os três anos de
idade mínima previstos na mesma lei, pode assistir a qualquer espetáculo,
desde que acompanhada por um qualquer adulto que por ela se
responsabilize.
Note-se que, isto, nem o vitorioso PAN desmentiu…
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O que conseguiu, então, o PAN?
Nada. Absolutamente nada com que valha a pena desperdiçar um minuto
sequer.
Apenas nos fez, uma vez mais, sentir que a designação mais apropriada seria
Partido dos Animais e da Natureza, e não
Pessoas, Animais e Natureza, já que pouco fala das pessoas e das causas
delas, nem se coibindo, para se manter por mais uns tempos na espuma dos
votos, de explorar a imagem das crianças e dos jovens que diz defender.
Talvez uma inscrição no clube dos satélites de um Partido Comunista Português mais do que desiludido com o inerte desempenho do Partido Ecologista ‘Os Verdes’ (PEV)*), que já só dois ou três votos lhe garante e do qual nem se ouve falar.
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Eis, pois, o perfeito exemplo de uma vitória meramente formal, que garantiu a
um partido minúsculo umas linhas na imprensa escrita e uns escassos minutos de
televisão, mas sem qualquer efeito prático, sem substância, destinada apenas a
promover, a qualquer preço, a imagem de um partido moribundo, de mais um
fanático da suposta proteção animal, em que o termo Pessoas na marca
parece meramente instrumental, marginal.
A menos que as crianças e os jovens não sejam consideradas pessoas, e possam impunemente servir de mote à promoção dos os outros dois bem legítimos e importantes ideais.