domingo, 27 de fevereiro de 2022


Funchal: Rua do Aljube

 

Funchal: Rua do Aljube

Aljubes eram cárceres clericais, tendo o do Funchal sido inaugurado em meados do séc.XVII.
De alguma forma contrastando, a Rua do Aljube situa-se numa zona que chegou a ser uma das mais abastadas da Cidade.

Parte dela é dominada pela Sé Catedral (à direita, na imagem).

quarta-feira, 23 de fevereiro de 2022


Dom José Policarpo

  

Dom José Policarpo


"As leis devem ser a respiração dos valores éticos de uma comunidade"

Dom José Policarpo*)  
(Grande Entrevista - RTP)        


Até que ponto existirá, no ordenamento jurídico português, tal correspondência?

Não, apenas, na lei expressa, mas nas omissões à mesma, que acabam por ser também uma forma negativa de, muitas vezes por falta de caso ou de interesse, permitir que factos indesejáveis continuem a ocorrer, a despeito dos bons propósitos propalados.

Lembremo-nos, por exemplo, da recente anulação da votação dos emigrantes devido, presumivelmente, a uma má decisão numa matéria que não se encontra contemplada na lei eleitoral - ou, pelo menos, está-lo-á de forma menos clara.

Numa época em que tanto se fala de minorias, de igualdade de direitos, dos 'nossos emigrantes', não deixa de soar a uma certa hipocrisia que, nem para estes cidadãos para quem votar é um incómodo mil vezes maior do que para um residente em Portugal, esteja, ainda, disponível o voto eletrónico, que com todas estas falhas e inconvenientes viria, de uma vez por todas, acabar.

sábado, 19 de fevereiro de 2022


Anátema sobre o Segredo Pessoal!


"Aquilo que parece nunca nos ocorrer quando partilhamos algo, relativo a nós ou a outrem,
que não queremos ver divulgado é que, para o esconder se sobre o assunto for interpelado,
àquele a quem o confiámos resta … mentir!
"

"Segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar"

"Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?"


Há tanta coisa que banalizamos com a maior das facilidades!...

Segredo pessoal
Umas, porque nada nos dizem, porque com elas nada temos a ver, porque não interessam, porque são... coisas dos outros. Outras ainda porque, simplesmente, nunca sobre elas nos dedicámos, verdadeiramente, a pensar. Nelas, ou nos seus impactos e consequências: usamo-las, aguentamos quando vêm dos outros e, por assim dizer, fazem parte do quotidiano de qualquer ser humano, em qualquer parte do Mundo, de qualquer idade, em qualquer meio.

Uma dessas coisas é o segredo pessoal.

Jamais saberei por que há quem se sinta muito lisonjeado pelo simples facto de alguém com ele ter partilhado um segredo; e quanto mais cabeludo o segredo for, tanto melhor, já que tanto maior será a prova de confiança que virá massajar o mais ou menos depauperado ego de cada um de nós, esquecendo-se, porventura, quem partilha o segredo de que o interlocutor poderá ser tão fiável como a fechadura de um cofre aberto - caso em que, contar-lhe o que quer que seja, acabará por ser tão eficaz para o conservar secreto como se o tivéssemos publicado na primeira página de um jornal.

Depois, quando acontece a notícia espalhar-se, nada a fazer. Mas, não se queixe quem contou o segredo, já que, tal como qualquer criminoso que se preze sabe que o crime deixa de ser unicamente seu a partir do momento em que recorre a um cúmplice que a todo o momento pode expô-lo, também deveria saber o risco que corre quem, quando já não aguenta mais aquilo dentro de si e sente que irá explodir se não o partilhar, deixa sair uma informação secreta, sua ou de outrem, que bem melhor faria em guardar.

Contar a alguém um segredo, comporta, na verdade, uma elevada dose de risco. Sobretudo quando a informação tiver sido transmitida por um terceiro, ninguém tem o direito de, em nome de quem em si confiou, correr o risco de a ver divulgada: “a confiança na discrição alheia é uma traição ao segredo que nos não pertence”.

Por outro lado
Por outro lado, se a coisa apenas é do conhecimento de quem a partilha, algo muito seu que não quer que venha a saber-se, decidir divulgá-lo, mesmo pedindo segredo, parece fraqueza, temeridade, ingenuidade, inconsciência ou mera idiotice. Um pouco como quem, já com um grãozito na asa, conta a história da sua vida aos amigos do bar, dizendo muitas vezes que tudo aquilo é segredo… no exato momento em que, inevitavelmente, deixou de o ser.

- x –

O lado supostamente positivo que alguns encontram no facto de deter um segredo confiado por alguém é o de, para o depositário, ele, inevitavelmente, gerar algum poder.

Pode ser algo tão simples, chato e legítimo como o poder de massacrar a pobre criatura que abre o seu coração dando-lhe não solicitados conselhos de amigo, do tipo “vê lá, não faças isso” porque isto, aquilo ou aqueloutro; mas pode, também, facilmente tornar-se matéria-prima da mais abjeta chantagem, manipulação ou de qualquer outra atividade tão querida de certos espíritos perversos que parecem trazer dentro de si o suplemento de escândalos de um pasquim cor-de-rosa dedicado à cusquice social, expondo, de forma inequívoca, o mais repugnante daquilo que, para ganhar dinheiro ou por mero prazer sádico, um ser dito humano é capaz.

Ainda dentro do supostamente positivo de um  segredo, existe o esconder por amor, ou seja, guardar para nós algo com que não queremos magoar, melindrar, suscetibilizar quem, no nosso sempre subjetivo e muito falível juízo, entendemos poder sofrer duramente se ficar a saber algo que acabamos por optar por não divulgar. Mas, apenas numa situação em que se conheça bem, mas muito bem, a pessoa e a sua situação atual, em que o nosso coração não consiga ceder à razão, já que tal omissão sempre corresponderá à passagem de um atestado de menoridade, de incapacidade para lidar com a vida, apenas entendível e aceitável em casos extremos de fragilidade ocasional motivada por um impacto anterior, ou permanente provocada por doença ou debilidade equivalente.

Como qualquer um de nós, alguém condenado a connosco viver a vida deve pressupor-se habilitado e preparado para o fazer no meio em que se encontra, não nos assistindo, fora dos referidos casos, o direito de o considerar de alguma forma inapto para tomar conhecimento daquilo que diz respeito a si, aos que lhe são próximos, ou aos seus interesses.

Conhecimento dos factos
Além do mais, o facto de guardarmos segredo, não significa que o interessado não venha, mais tarde, a tomar conhecimento dos factos por outra via ou, até, a ficar a saber que retivemos a informação que deveríamos ter partilhado; e uma boa amizade pode assim ficar comprometida.

A par do segredo pessoal existem, como é sabido, segredos obrigatórios, como o segredo profissional relativamente à informação que confiamos, por exemplo, a um advogado, a um médico - até a um sacerdote, embora, neste caso, possa ser posta em causa a qualificação do segredo como profissional.

Também existe, evidentemente, o segredo de estado e, até há bem pouco tempo, o segredo de justiça - segredo que, nos tempos que correm, não passa de uma abstração, dado que ainda o inquérito judicial mal começou, e já tudo quanto possa despertar o ávido apetite da opinião pública aparece escarrapachado na primeira página de um qualquer jornal. Mas estes outros tipos de segredo são, ao contrário do segredo pessoal, vitais ao funcionamento da sociedade e do Estado, pelo que a sua legitimidade é inquestionável por qualquer mortal.

- x -

A face fortemente negativa do segredo pessoal, quando partilhado com alguém obrigado a mantê-lo, reside, por sua vez, na carga, por vezes insuportável, que sempre representa para o novo depositário, que nem sequer o próprio facto de ser detentor de um segredo pode divulgar.

No caso do segredo profissional, do de estado, do de justiça, bastará ao interpelado responder que não pode pronunciar-se sobre o assunto, e a questão fica arrumada. Todavia, aquilo que parece nunca nos ocorrer quando partilhamos algo,   relativo a nós ou a outrem, que não queremos ver divulgado é que, para o esconder se sobre o assunto for interpelado, àquele a quem o confiámos resta … mentir!

A vida do António parece que não vai muito bem… Ele disse-te alguma coisa?”. “Não... nada”.

Mentira!

Ao partilhar, aliviamos um pouco a nossa carga emocional. É verdade. O preço, porém, é sempre o mesmo, e sempre pago pelo outro: ter de mentir para honrar o compromisso. Mentir, por vezes mesmo a quem lhe é bem próximo. Porque segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar.

Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?


Caso se interesse por
QUESTÕES SOCIAIS
não deixe de consultar, no correspondente separador no topo desta página,
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quinta-feira, 17 de fevereiro de 2022


Tenho de Vir Deitar Água Fora para Ganhar Dinheiro

Esta insólita situação decorre da existência de um contrato, supostamente celebrado entre a Câmara Municipal e uma empresa de abastecimento de água, segundo o qual, a qualquer comerciante que não gaste, mensalmente, pelo menos um metro cúbico do precioso líquido, é aplicada a taxa máxima de saneamento: quarenta euros.

Ora, a maioria dos espaços comerciais não corresponde a cafés, restaurantes ou outras empresas necessariamente mais gastadoras de água, por força de especificidades da atividade desenvolvida. No entanto, e tanto quanto a reportagem da SIC Notícias nos permite deduzir, nos termos do atual contrato,qualquer tabacaria, livraria loja de eletrodomésticos, boutique, tantas outras que, em circunstâncias normais, utilizam a água apenas para a higiene pessoal de quem lá trabalha e para a limpeza do chão todos os meses, todas ficam obrigadas a deitar fora centenas de litros de boa água  apenas para não pagar uma absurdamente elevada taxa de saneamento que resulta tanto mais inacreditável quanto é certo que, quanto menos água se gasta, menos se despeja na rede pública de saneamento.

Ao que parece, o caso dos particulares não é tão escabroso, mas sempre suficientemente oneroso para que alguns habitantes vão a casa de vizinhos não residentes, não apenas para ver se há correio, mas também para, todos os meses, "deitar água fora".

Segundo outro entrevistado, o assunto foi, já, suscitado numa "assembleia" - supostamente municipal. "Sabemos que há secas, que a água potável falta aí a milhões de pessoas, e nós, em Paços de Ferreira, fazemos isto!".

- x -

Claro que podemos pensar que "pois, que maçada, vejam lá" e considerar que alguma coisa se há de fazer e, afinal, apenas afeta uma parte da população.

Não é assim.

A celebração de contratos deste tipo pode acontecer em qualquer autarquia, seja por chã incompetência dos autarcas que celebram os contratos e dos serviços que sobre eles dão parecer ou os propõem, seja por causas bem mais sérias, das quais sobressai, com naturalidade, a possibilidade de casos destes corresponderem a aproveitamentos obscuros de oportunidades oferecidas pela ideia luminosa de alguém que viu o furo e tratou de, em benefício próprio, o aproveitar.

Que razão poderá, de facto, existir para tamanha sandice? Para tamanha indiferença perante um recurso vital e escasso como a água que, até no Inverno, nos começa a faltar?

O contrato de trinta e cinco anos vigora em Paços de Ferreira desde 2004*), já foi objeto de diversas reportagens e de promessas jamais cumpridas, e prevê, na sua cláusula 65ª, a cobrança de uma "tarifa fixa de saneamento" destinada a "cobrir os custos de conservação e manutenção da rede pública de recolha e tratamento de águas residuais, dos ramais domiciliários e de diversos encargos fixos que permitem disponibilizar os serviços aos utilizadores".

Muito bem: mas, por que razão há de a taxa, supostamente fixa, aumentar exponencialmente quando o utilizador poupa água, em lugar de a esbanjar?

Enfim, uma aberração inicial, porquanto sempre lamentável, ainda poderia ser explicável pelo erro legítimo a que está sujeito qualquer ser humano - ou, no caso em apreço, um ror de seres humanos por cujos olhos o contrato terá passado até à aprovação e formalização pelas partes. Mas, o que não se compreende mesmo, é que, passados os cinco anos que o próprio documento prevê para a revisão dos critérios, a situação se mantenha, mau grado a denúncia pública e a forte contestação do Movimento 6 de Novembro*).

- x -

Que legítima justificação poderá existir para os proventos assim constituídos?

Por que não foi ainda, ao que parece, aberto qualquer processo de inquérito a esta situação?


quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022


Morgan Freeman


Morgan

"(Como nos livramos do racismo?)
Parem de falar nele!
"


"(How do we get rid of racism?)
Stop talking about it!
"

  (em entrevista)      


Com isto, não quererá, evidentemente, Morgan Freeman dizer que a questão do racismo não deva ser discutida enquanto fenómeno social, designadamente quanto às formas de atenuar os seus efeitos, já que não parece crível que, alguma vez, consigamos vê-lo definitivamente erradicado.

O sentido bem patente na frase reside, antes, na condenação veemente da discriminação positiva exacerbada levada a cabo, de forma sistemática, por ativistas e por partidos desesperados por alguma coisa ter a que se agarrar, excessos e desmandos esses que, como já aqui escrevi, em nada favorecem a causa, antes contribuem fortemente para a desvirtuar e desvalorizar, gerando a indiferença entre quem tem os olhos e os ouvidos cheios, até à náusea, com um tema sem dúvida importante, mas do qual já não se consegue ouvir falar.

Tudo isto se torna especialmente perigoso quando, aproveitando a maré e a incapacidade das oponentes para falar de forma lúcida e fundamentada sobre tão sério assunto, vem, há coisa de uma semana, o ideólogo do Chega! candidamente proferir, numa estação televisiva*), frases que parecem  absolutamente verdadeiras - tais como "é um facto objetivo que há raças e há cores" ou "a nossa cor de origem é branca e a nossa raça é a raça caucasiana" -, mas que, além de cientificamente inexatas, ganham contornos bem vincados quando proferidas por quem ocupa lugar de especial destaque no partido que bem conhecemos pelas posições inabaláveis que assume nesta matéria.

O melhor caminho para desmascarar o que poderá estar por detrás das ditas afirmações não será, seguramente, apenas contrapor alegações vazias, ocas, proferidas em tom exaltado ou indignado, nada mais fazendo do que repetir mais vezes a fio velhas acusações em lugar de, tranquilamente, enquadrar na realidade tais afirmações. Não é útil contrapor a tão perentórias frases chavões como a multiculturalidade, a pluralidade, misturando, até o feminismo, pau para toda a obra e para cavalgar quem quer que se nos oponha até ficar esvaziado de todo o seu significado e valor.

Falhou, assim, redondamente a estação televisiva, se a intenção era arranhar ou abanar, ainda que ao de leve, a couraça do velho guerreiro que convidou. Para tal, além de escolher como moderador alguém menos evidentemente parcial, haveria de ter convidado, como oponente, outro velho guerreiro, igualmente tranquilo, cínico que bastasse e, sobretudo, lúcido, inteligente, capaz de ouvir o outro lado com a paciência indispensável ao planeamento de golpes letais a desferir sobre a argumentação racista, sempre que se proporcionasse ocasião.

A tarefa era hercúlea e o assunto demasiado sério para ter sido deixado ao cuidado de mais ou menos entusiásticos mas mal arrimados atores, que, no que à dialética isenta e ao debate sustentado na mais elementar lógica, mostraram, à saciedade, não passar de incompetentes e ineficazes amadores.

(leia aqui a sequência)



terça-feira, 15 de fevereiro de 2022


O Último dos Vegetarianos

Com os Verdes afastados do Parlamento, agarrados qual borbulha à relíquia comunista*) e com ela afundados, resta à suposta defesa do Planeta a voz de um novíssimo deputado de um partido que se diz ecologista, mas que, de tão livre, tão livre, se diz, também, tanta outra coisa que os verdejantes ideais de esquerda*) se esbatem completamente no oceano de propostas, mais ou menos mirabolantes, que agita freneticamente.

Certo é que pela Assembleia ainda anda um resquício da PANdemia quase pulverizou o assim chamado Pessoas, Animais e Natureza. No entanto, dificilmente algo de bom dali sairá, de tão descredibilizada que, agarrada ao poder como uma lapa, interna e externamente a personagem se encontra.

Não passa, assim, o PAN de mais um grupinho de pessoas à deriva, sem estatuto ou causa que façam dele um partido político, mais valendo remeter-se, definitivamente ao estatuto que lhe serve como uma luva:  o de mais grupo de pressão em defesa dos animais e da Natureza, uma vez que, as "Pessoas" que ostenta no nome estão, já, bem cientes do quase nada que dele podem, e alguma vez, puderam antever.

A par, mais à direita, de CDS e PSD*), o PAN não passa de mais um caso de entropia por força da indefinição dos dirigentes, das guerras intestinas e da fragilidade e inconsistência dos ideais.

- x -

As causas minoritárias são, preferencialmente, defendidas por grupos de pressão nelas focados e nelas especializados, designadamente do ponto de vista técnico, logo, mais aptos a agir com eficácia acutilante onde, inevitavelmente, falham os partidos políticos, concetualmente vocacionados para as questões abrangentes e integradas da governação.

A Assembleia da República é lugar para debater as grandes questões do Estado de direito democrático e da forma pela qual, quem a tal se propõe, poderá e deverá governar todos, mas mesmo todos, os demais cidadãos. Não é forum para, explorando, abusivamente, a montra mediática, um, ou dois, ou meia dúzia de defensores disto ou daquilo se porem a bramar por ideais irrelevantes para a gestão global do Estado, revelando-se completamente incapazes de conciliar aquilo que defendem com os bem mais amplos e superiores interesses nacionais.

Para bandalheira mediática, já basta a que é fomentada pelas extremas. Já que temos uma maioria absoluta, concentremo-nos em fazer de Portugal algo mais do que um motivo de permanente sobressalto e preocupação.

Gostemos da maioria absoluta que temos, ou não...

domingo, 13 de fevereiro de 2022


Um Ano Passado...


Um ano, é pouco. É muito pouco, até. Sobretudo quando comparado com o tempo de vida de blogues com mais de uma década de atividade, como muitos ainda há.

Foi, no entanto, um ano gratificante, antes de mais pelas trocas de mensagens, quase sempre com leitores com quem é um gosto aqui conversar.

Na passagem do primeiro aniversário do Mosaicos em Português, formulo votos das maiores felicidades para quantos regularmente por aqui passam; e um voto muito especial para aqueles que divulgam um ou outro artigo junto de familiares e amigos, ou nas redes sociais, bem para os que consentem em, de vez em quando, umas linhas de comentário aqui deixar.

São os Leitores a razão de ser do Mosaicos. São eles quem faz sentir que...   vale a pena continuar.

Muito obrigado!


          Imagem: https://www.gograph.com


sábado, 12 de fevereiro de 2022


Indiferença

"Como explicar que, a par de um atendimento reconhecidamente mais próximo e eficiente
por boa parte do funcionalismo público, seja, paradoxalmente, na área da diplomacia
que tamanha aberração acontece? Que de forma tão grosseira se manifesta, não apenas a ineficiência funcional,
mas a desoladora indiferença, a desgraçada falta de coração, de formação, de educação?

Num Estado que se diz humanista, não há lugar para uma diplomacia fria, dura,
indiferente a quem, com dois, um ou quase nenhum pulmão caminha
por uma rua cheia de pessoas que não choram, e impede que, pelo menos,
sobrevivam juntas pessoas que poucas outras têm a quem dar a mão.
"


Da missão da comunicação social já muitas linhas se escreveu. Também das múltiplas formas como é desvirtuada tão nobre missão, formas essas que a fértil imaginação humana não pára de, pela negativa, enriquecer. Chegaram, mesmo, as coisas a ponto de serem criados produtos informativos, impropriamente chamados polígrafos, cuja única função é averiguar e denunciar mensagens e notícias falsas, num Mundo cada vez mais profundamente mergulhado na dúvida quanto à bondade das intenções de quem noticia, seja nas mais agressivas redes sociais, seja na teoricamente mais cândida blogosfera, seja, enfim, na teoricamente bem mais responsável imprensa tradicional.

Nada disto é novo
Nada disto é novo, tal como novo não é o facto quase apenas o que é mau ser capaz de atrair a atenção de uma cada vez menos educada e menos diferenciada opinião pública, essa solitária mole de mais ou menos desgraçados mas quase sempre desengraçados seres humanos ávidos de qualquer coisa picante, ou lastimável, ou terrível que lhe permita sacudir, ainda que por breves momentos, a poeira que lhes forra o vazio do coração.

Tornam-se, assim, raros os casos em que os mais consagrados media se podem, do ponto de vista económico, dar ao luxo de, a um ou outro caso pessoal verdadeiramente desesperado, dedicar algumas letras por entre os pingos da chuva desta bombástica e inesperada maioria absoluta que até as repetitivas e já nauseantes notícias da pandemia para enésimo plano acaba por conseguir relegar.

- x -

Assim aconteceu há uns dias, com o semanário Expresso*), relativamente à notícia da impossibilidade de obtenção de visto para entrada em Portugal por parte de uma senhora guineense que pretendia apoiar a filha doente; com carinho e companhia, já que pouco mais terá para dar. Uma filha que mora sozinha num primeiro andar sem elevador que, pelas escadas, mal consegue alcançar. Uma filha, que há vários anos, aguarda um indispensável transplante pulmonar, e a quem, mesmo com o aparelho portátil de fornecimento de oxigénio regulado na potência máxima, o ar falta até para se deslocar até a uma biblioteca para estudar.

Enquanto espera e quase desespera, Isabel Bapalpeme luta para não enlouquecer, agarrando-se à penosa frequência e estudo de um curso profissional que poderá, um dia, permitir-lhe outros horizontes vislumbrar.

Apesar de, cinicamente, tendermos a dizer que temos muita pena mas que a pobreza é preocupação do Estado e cada um de nós, individualmente, pouco ou nada poder fazer para a debelar, a verdade é que, a menos que não passemos de bestas insensíveis, notícias de casos de pobreza sempre nos hão de entristecer e de, de longe a longe, fazer pensar. Mas, por cruel que possa parecer, a verdade é que casos de pobreza como este - em que, até há poucos dias, os trabalhos de casa eram feitos no telemóvel por nem um pequeno computador ter para estudar - não são notícia, ou os noticiários ocupariam as emissões de dias inteiros, e seriam necessários vários volumes para publicar os jornais.

O que torna este caso escabroso é, antes, o facto de, apesar das diligências levadas a cabo junto da Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau alertando para a gravidade da situação e para a necessidade fundamental da presença da família, vai para quatro anos que a Mãe de Isabel vê o seu visto de entrada em Portugal negado pelas autoridades: ora por não ser possível comprovar a intenção de abandonar o território português antes de o jamais concedido visto caducar, ora porque o tipo de visto pedido não era o adequado e ninguém do facto se dignou esclarecê-la, ora porque há documentos em falta no processo, ora sabe-se lá por que mais que nem vem nos jornais.

Píncaros do Ridículo
Nos píncaros do ridículo da ação do autoproclamado humanitário Estado, lá continua Isabel Bapalpeme, ao fim de quatro longos anos, privada da companhia clinicamente imprescindível da Mãe apenas porque esta, em lugar de um visto de tipologia E7 terá  pedido um visto de tipologia "E" não sei que mais.

O editor de quem escreveu que "a juventude esbate-se, o amor esmorece, as folhas da amizade tombam, mas todos sobrevive a esperança secreta de uma mãe" esqueceu-se, por certo, de enviar um exemplar da obra à Embaixada de Portugal na Guiné-Bissau e ao Ministério dos Negócios Estrangeiros...

- x -

Eis senão quando, humilhado pela atenção que a inenarrável indiferença de responsáveis e subalternos a este caso trouxe, salta o bem-aventurado humanismo mediático do dito Ministério a dar instruções urgentes à Embaixada no sentido de proceder, sem mais demora, à tão desejada  emissão do visto.

Mas, qual visto?... Isto só visto.

Logo a Embaixada liga, à Mãe a marcar uma hora para lá comparecer a fim de lhe ser dado o visto nunca visto; comparece até antes da hora; fá-la o segurança esperar mais duas, alegando não ter sido informado de qualquer agendamento; por causa desta comezinha questão, telefonemas ao mais alto nível da diplomacia são trocados; e a mãe, Sábado Babalpeme, lá acaba atendida por um qualquer funcionário.

Sucesso, finalmente? Não...

Sábado não foi atendida por um simples funcionário qualquer: foi atendida por um funcionário tão qualquer, mas tão qualquer que, ao que parece, em lugar de, perante a dificuldade, se ter mexido como a relevância e urgência do caso requeriam, se terá limitado a, uma vez mais, recusar a entrada do pedido de visto por... falta de documentação.

Depois de todos os cordelinhos que a notícia do Expresso tinha feito puxar em bem altas esferas, um enferrujado mas todo importante funcionário limita-se a entregar à Mãe uma lista do calvário administrativo todo que teria, ainda, de percorrer. Ela, que nem sabe ler...

Corre, então, o Semanário junto do altivo e displicente Ministério, o qual, pressionado, logo transmite, à Embaixada ordem de que, para emitir o visto, nada mais exija do que o relatório médico já em seu poder.

Estarão, finalmente, criadas todas as condições? Talvez...

A verdade, porém, é que o visto ainda não foi emitido, mas apenas foi processado na Embaixada: falta o "parecer das entidades competentes em matéria de entrada de estrangeiros em Portugal, aguardando-se a emissão a breve trecho"*).

Decididamente, a débil simplificação administrativa cá do Retângulo não chega aos casos que, mesmo desesperados, apenas se resolvem depois de um considerável arraial...

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Terão sido, possivelmente, situações como esta que inspiraram a definição segundo a qual "diplomacia é a arte de dizermos ´lindo cachorrinho' até encontrarmos uma pedra". Seria, porém, de pensar que Portugal fosse um estado uno, senhor de uma identidade própria, desejavelmente homogéneo onde quer que se encontre representado, e seja em que circunstâncias for.

Como explicar, então, que, a par de um atendimento reconhecidamente mais próximo e eficiente por boa parte do funcionalismo público, seja, paradoxalmente, na área da diplomacia que tamanha aberração acontece? Que de forma tão grosseira se manifesta, não apenas a ineficiência funcional, mas a desoladora indiferença, a desgraçada falta de coração, de formação, de educação?

Num Estado que se diz humanista, não há lugar para uma diplomacia fria, dura, indiferente a quem, com dois, um ou quase nenhum pulmão caminha por uma rua cheia de pessoas que não choram, e impede que, pelo menos, sobrevivam juntas pessoas que poucas outras têm a quem dar a mão.

* *

Ou será que a diplomacia anda de mãos dadas com o racismo?

(leia aqui o desenvolvimento)


sexta-feira, 11 de fevereiro de 2022


Lamego: Igreja de Santa Cruz e Quartel de Infantaria 9

 

Lamego: Igreja de Santa Cruz e Quartel de Infantaria 9

Convento "de eremitas de Santo Agostinho (gracianos). Fundado pelo dr. Francisco d'Almeida Cabral. Hoje quartel do regimento de infanteria n." 9 (quartéis de Santa Cruz). (...) Ao S. da cidade, e pouco distante do templo dos Remédios, está o convento de Santa Cruz, hoje quartel de infanteria n.° 9. Em frente d'este quartel, está um vasto e bello terreiro, orlado de arvores, chamado Largo de Santa Cruz. Foi feito pelos soldados de infanteria 9, por iniciativa do sr. José Manuel da Cruz, coronel commandante do regimento; que muito fez para levar avante esta obra : levou 18 annos a fazer (desde 1846 até 1864) que tantos foi o sr.Cruz commandante d'este regimento".

Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno"
Livraria Editora de Matos Moreira & Companhia - Lisboa, 1874 - vol.4, págs 36-37




Afinal, Deus existe mesmo, ou não passa de pura invenção de um ser humano que desespera com a efemeridade da sua existência?

NÃO PERCA uma reflexão lógica, fundamentada, sobre o tema porventura mais elementar e decisivo da vida humana.





A existir um deus, será ele o representado
no teto da Capela Sistina? Jeová? Alá? Manitou?
Ou nenhum destes?

quinta-feira, 10 de fevereiro de 2022


Adeus, PSD...

A recente maioria absoluta do Partido Socialista demonstrou, à saciedade, pelo menos duas coisas: que os portugueses têm um medo intuitivo dos males que o Chega! traz consigo, e que, entre o menos bom que já conhecem e o talvez melhor que poderiam vir a conhecer, preferem o primeiro, por entenderem que é tempo de estabilizar e de desenvolver. Pelo menos, de não retroceder.

O conhecimento, ou a presunção do conhecimento, sobressai, assim, como um dos principais desideratos de quem vota, acima, porventura dos ideais políticos que quem merece o voto prossegue - partindo, naturalmente, do princípio que são conhecidos.

Pela inegável responsabilidade no chumbo do orçamento, os partidos da extrema-esquerda foram severamente penalizados no voto. Mas, à direita, que partidos cresceram, e que partidos encolheram?

Iniciativa Liberal e Chega! são partidos de dirigentes fortes e inequívocos, mesmo à medida daquilo que o eleitorado pretende: conhecer, não apenas as ideias, mas as pessoas que as dizem defender. Um, é marcadamente liberal e, vá lá, um pouco mais radical do que aquilo que de um liberal se esperaria. O outro, não sendo fascista, é assumidamente radical, sectário, racista e muitas outras coisas feias terminadas em ista.

Mas, subiram exponencialmente no voto, porque se sabe o que são, e quem são as pessoas que por lá estão.

Em contrapartida, CDS e PSD implodiram em lutas intestinas entre desconhecidos ou pouco conhecidos dirigentes, sem estrutura para o ser. Dissolveram-se em ideais e objetivos difusos, que, à geralmente pouco informada opinião pública, aparecem apenas como sendo de direita, sem alguém saber bem ao certo aquilo que, isso, hoje em dia quer dizer.

Adormeceram, baixaram os braços perante a ascensão fulgurante dos outros dois, falharam-lhes as ideias. Faltou-lhes, sobretudo, o rumo, que é a pior coisa que pode faltar a um político, mormente a quem quer escapar a um fim inexorável e fatídico.

Ao se evaporar do Parlamento, o primeiro, extinguiu-se, na prática e provavelmente para todo o sempre, passando a figurar apenas naqueles debates televisivos dos pobrezinhos em votos, que tão triste espetáculo dão de quem, em aparente estado de perpétua negação e indiferente ao ridículo, há décadas garante que fará tudo isto e mais aquilo "quando eu for eleito".

A maior dimensão do PSD salvou-o do trambolhão definitivo. Mas, aliado à falta de diferença verdadeira e conhecida face aos dois claros vencedores à direita, o quase desconhecido perfil de uns quantos prospetivos candidatos à Presidência apenas augura, tal como à relíquia comunista portuguesa*) e, ao que parece, também ao Bloco de Esquerda, um calvário descendente e de fim desconhecido apenas de quem o não quer ver.

O espetáculo no PSD é hoje, patético, triste a ponto de chegar ao ponto imputar ao povo português a falha que na origem da maioria absoluta que acabou por sair na rifa ao Partido Socialista*).

Esquece-se quem assim fala que, em democracia, o povo jamais falha, porque jamais pode falhar, já que, nem má, nem boa, uma eleição nada mais é do que a expressão legítima da vontade do eleitorado, o verdadeiro soberano em democracia.

De um eleitorado que tem todo o direito de acertar, como de errar.

Poderá o povo português ter escolhido mal para si ao eleger o Partido Socialista. O tempo, e só o tempo, o dirá. Mas, que esperança para o Futuro teve, ou tem, o PSD para lhe garantir?

Ou, pelo menos, para apresentar?

quarta-feira, 9 de fevereiro de 2022


Michel de Montaigne

Michel de Montaigne

 


"A honra é um privilégio
que tem o seu maior valor na raridade"


"L'honneur, c´est un privilège qui tire sa principale essence de la rareté"

(in "Les Essais")        

segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022


Maurice Chevalier: Y'a pas si loin



Muito pouco conhecida, e de alguma forma distante do habitual humor picante que caracteriza boa parte das canções de Maurice Chevalier.

Si mes yeux ont trouvé les vôtres
Et ma main trouvé vôtre main,
C'est que d'un coeur, d'un coeur à un autre
L'amour est le plus court chemin

Pode ver e ouvir aqui.

Imagem: Youtube

domingo, 6 de fevereiro de 2022


Era Uma Vez... Onze Porquinhos

Penso que foi num livro de Miss Marple, não me lembro em qual, que Agatha Christie definiu planta invasora como uma planta que está onde não devia estar.

Veio-me esta definição à memória quando passei, há dias, por uma dessas localidades portuguesas que, nem meia dúzia de milhares de almas lá tendo, se não coíbem de, garbosamente, ostentar o inútil título de cidade *), apenas para se sentirem os munícipes mais cheios de si, e parecerem eficazes os autarcas que a elevação conseguiram à custa de outrora vigente e inenarravelmente demagógica legislação.

Numa pastelaria engraçada, de bom aspeto exterior e interior, meia dúzia de criaturas indescritíveis, notoriamente sujas, de vestes deliberadamente rasgadas e enxovalhadas, rostos bem vermelhos e inchados, ululavam um insuportável palavreado, para gáudio dos próprios e considerável incómodo de quem, a pouco e pouco, se apressava a pôr-se a andar dali para fora. Estavam os seis sozinhos, em torno de duas mesas onde pontificava dúzia e meia de garrafas de cerveja vazias.

Tudo aquilo me fez lembrar a definição de plantas invasoras, e o velhinho dístico que dantes se via nos locais públicos: "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO".

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Quem por aqui passa regularmente, sabe bem o que penso do partido Chega!, de quem por lá pontifica*) e daquilo que representa. Conhece, também, a minha posição relativamente ao racismo*), o que torna insuspeito o que vou dizer.

Um deputado da nação é, sempre e para todos os efeitos, um deputado da nação, independentemente do partido que representa, bem como da ideia mais ou menos favorável ou simpática que, sobre este, possamos ter. Eleitas em eleições livres, exige o mais elementar respeito pela democracia que estas pessoas sejam tratadas - e nos tratem - com toda a deferência formal que o seu estatuto lhes confere e exige; além do que, evidentemente, mesmo enquanto cidadãos não podem ser gratuita e impunemente insultadas por um patego qualquer.

Independentemente do ensino que lhe tiver sido ministrado e dos títulos académicos que possa deter, bem como da causa que disser defender, entendo que não passa, assim, de um alarve sem um mínimo de formação e de educação, de um apóstata da democracia, quem, na sequência da recente eleição legislativa ousa escrever que "vamos ter 11 suínos na AR, entre eles, um terrorista assassino de extrema-direita. A luta não será na AR, mas na rua! Preparem-se!"*).

Quem assim pensa, diz e age, não é um ativista, nem um político, nem, como diriam os pretensos suínos, um português de bem *): no que me diz respeito, não passa de um arruaceiro histérico, sem crédito, de um danoso passivo no balanço da causa anti-racista, de alguém que, eivado de ódio, agiu com indisfarçável hipocrisia, apenas visando a promoção da própria imagem junto de radicais que a possam apreciar, nem se dando conta de a estar, afinal, a assassinar aos olhos de quantos a Organização pretende sensibilizar.

Além do mais, ou falou antes de tempo, ou anda distraído: são doze, e não onze, os porquinhos do seu conto de encantar.

Integrado numa Organização que promove a luta contra o racismo, quem assim pensa e age faz-me lembrar, precisamente, o discurso desbragado do Presidente do Chega!; faz-me lembrar aquela meia dúzia de arruaceiros de pastelaria na minúscula cidade, as plantas invasoras, alguém que está onde não deveria estar.

Trata-se, apenas, de alguém que deveria ter ficado à porta da Organização que representa, à qual deveria ser "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO", para que gente desta o trabalho dos outros não viesse, recorrentemente*), depreciar.

Por quanto tempo, ainda, irá por lá ficar? Quousque tandem*) teremos de o aturar?

* *

O dano impacto brutal que, vindas de onde vêm, pérolas de sabedoria como esta trazem à nobre causa antirracista é evidente e não necessita de qualquer desenvolvimento, restando manifestar estupefação pelo facto de as organizações em que os autores militem não terem, ainda, cuidado da respetiva expulsão.

Da causa em si, muito há, pelo contrário, a dizer. Não apenas a dizer, mas a arrumar ideias, a estruturar, já que, sem uma inequívoca conceptualização e definição de fundo, dificilmente haverá como a defender.

[continua aqui]

sábado, 5 de fevereiro de 2022


Acerca da Língua que Falam no Brasil

"Há muito que se não fala português no Brasil, antes um idioma estrangeiro,
aparentado com o português da Europa, mas muito próprio e intimamente ligado à cultura,
também ela muito própria, de um País Irmão
"

"O português europeu atravessa um subserviente e galopante processo de quase patológica permeabilização, não apenas a vocábulos, mas a sistemáticas violações da própria construção frásica, das mais elementares regras gramaticais"


Nestes tempos em que, por tudo e por nada, se fala de igualdade – mesmo a despropósito, mesmo quando aquilo com que se acena chamando-lhe igualdade, com igualdade pouco ou nada tem a ver -, cada vez mais se procura disfarçar com uniformizadas e supostamente identitárias roupagens as diferenças estruturais entre os seres.

Situações com normalização

A moda aparece, naturalmente, como a manifestação por excelência desta prática, como uma tentativa de parecermos o que não somos, mas gostaríamos de ser. Nomeadamente iguais àqueles que cada um idolatra ou admira ou, mais simplesmente, que este novo exército de assim chamados influencers as mais fracas personalidades manipula, em mais ou menos chorudo proveito próprio e a seu bel-prazer.

Situações há, naturalmente, em que a normalização das roupagens é válida, indispensável até, como no caso das forças armadas ou de segurança e de outras organizações orientadas por um, legítimo ou não, objetivo comum. A farda surge, nestes casos, como uma forma de facilmente identificarmos as pessoas nelas filiadas e, também, como a manifestação de uma identidade de missão, de partilha de objetivos, de proximidade cultural, enfim, do que quer que seja que, uns com os outros, nos possa fazer parecer.

Será, assim, absolutamente descabido, patético, até, que, num esforço à partida vão de aparentar identidades que não têm, elementos de grupos distintos, pessoas de diferentes organizações, com diferentes missões, objetivos ou, até, credos vistam a mesma farda ou ostentem os mesmos símbolos. Tal opção, em nada contribuirá, evidentemente, para convencer quem quer que seja da efetiva existência de uma igualdade ou proximidade apenas desejada ou sonhada, apenas servindo, bem pelo contrário, para lançar uma indesejável, mas inevitável, confusão junto de quantos em tais preparos os verão.

Trata-se de uma questão do mais elementar bom senso, tão evidente e pacífica, que não necessitará de ulterior desenvolvimento ou discussão.

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O idioma que falamos é a farda, a roupagem cultural e civilizacional que envergamos.

Com mais ou menos pronúncia daqui ou dali, a língua mãe constitui, não apenas um identificador da nossa provável origem geográfica, como da cultura no seio da qual viemos ao Mundo e, pelo menos em determinada fase da vida, continuámos a viver.

Fenómenos de aculturação
Não é por, em determinada idade ou etapa da existência, aprendermos a falar, também, inglês que passamos a ser ingleses; isto, sem prejuízo de, com o correr do tempo, podermos acabar por absorver aspetos da cultura própria dos países onde se fala algum idioma que formos aprendendo, mormente se, simultaneamente ou não, acabarmos por lá passar algum tempo.

Fenómenos de mais ou menos acentuada aculturação, num e noutro sentido, inevitavelmente ocorrem, também, entre os países responsáveis pelos primórdios da diáspora europeia*), por um lado, e as colónias, de agora ou de outrora, por outro.

Dada a considerável distância que as separava dos países colonizadores e por serem as viagens tão difíceis e demoradas e, durante séculos, assim terem permanecido, novas culturas, substancialmente diferentes das autóctones e das europeias, emergiram dessas colónias inicialmente subjugadas aos ditames e costumes do invasor.

Após conturbados tempos de confronto e, por fim, de forçada harmonização, natural se torna que hajam culminado, na maior parte dos casos, em anseios de independência e na sua concretização.

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Um dos aspetos essenciais desta diferenciação cultural terá sido a degeneração ou imperfeita aprendizagem locais da língua materna dos colonizadores, a pontos de, não raramente, já pouco ter ela a ver com a que continua a falar-se na Europa, seja em parte significativa do vocabulário, seja na construção frásica ou na generalidade daquilo que à gramática possa interessar.

Tal é o caso inequívoco do idioma atualmente falado no Brasil, caracterizado por um liberalismo quase caótico relativamente aos mais elementares cânones da língua falada e escrita em Portugal.

As rotas seguidas por um outro idioma – porque de dois bem distintos já se trata - mostram-se a tal ponto divergentes que, praticamente, fazem secar, na América, as raízes portuguesas do idioma, não apenas por força da distância geográfica entre o Brasil e Portugal, como da significativa dispersão geográfica e diversidade cultural da República Federativa, que tornam praticamente impossível evitar, a nível linguístico e entre os seus diversos Estados, a propagação de cada vez maiores arbitrariedades e deturpações.

O idioma falado no Brasil encontra-se, assim, num particularmente intenso processo de formação baseado na degenerescência da língua portuguesa que lhe serviu de base, enquanto o português europeu atravessa um subserviente e galopante processo de quase patológica permeabilização, não apenas a vocábulos, mas a sistemáticas violações da própria construção frásica, das mais elementares regras gramaticais, o qual, finalmente, vai sendo objeto de algumas, embora pontuais e tímidas, chamadas de atenção*).

As próprias matérias de jornais brasileiros*) que, dando conta do facto*), referem que uma das causas residirá na “influência de youtubers brasileiros, os mais assistidos pelos miúdos portuguesesdemonstra bem, num só parágrafo, que ponto atingiu, já, a diferenciação.

Não é verdade, porém, que só entre os jovens o fenómeno se verifique, nem que tenha começado agora esta evolução. Assim entender, seria olvidar o efeito dramático produzido, décadas atrás, pela transmissão, quase em contínuo, de telenovelas brasileiras nos principais canais generalistas da televisão portuguesa, que, desta forma, deram azo a que muita gente começasse, com toda a naturalidade, a dizer que o personagem virou isto ou aquilo, que é impossível não adorá-la ou que é muito péssima, e já não saiba, sequer, ao certo onde por o se numa oração.

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Esta modesta amostra não passa de uma ínfima fração do problema que vivemos no dia a dia, e que não resulta, unicamente, de uma patega excrescência da ação de um governante mais exibicionista ou que tenha querido deixar a sua marca através da celebração de um suposto acordo ortográfico desconexo, arbitrário e elaborado ao arrepio da mais elementar lógica.

Um acordo que os brasileiros nem cumpriram… e para quê? Acaso iriam passar a escrever electrónico em lugar de eletrônico? Para quê, então, fingir que, quanto a esta ideia parva de homogeneizar o que não pode ser homogeneizado, alguma coisa de válido alguém, de facto, pretende ou alguma vez pretendeu fazer?

Arbitrário até na estrutura, o Acordo não passou, em boa verdade, de uma também arbitrária tentativa de impor a diversos países uma das tais fardas, uma roupagem que nos convencesse da existência de uma razoável homogeneidade cultural única entre todos países cujos idiomas nasceram do português. Como se fosse verdade tal besteira.

Dizer que existem traços comuns estruturais, evidentes, entre culturas do Brasil, dos PALOP, de Timor e de Portugal não passa de um discurso politicamente correto, mas vazio; de um despudorado atirar de poeira aos olhos - mas, apenas, de quem os tiver fechados, já que, ainda que, entreabrindo-os, inevitavelmente o contrário constatará.

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Há muito que se não fala português no Brasil, antes um idioma estrangeiro, aparentado com o português da Europa, mas muito próprio e intimamente ligado à cultura, também ela muito própria, do País Irmão, porque, indelevelmente ligados pela História, Brasil e Portugal são e serão países irmãos.

Mas, gémeos, não são: jamais serão. Sobretudo tendo em conta quem, para os governar, livre e democraticamente os brasileiros escolheram na mais recente eleição*).

* *

Sempre há, no entanto, que reconhecer que, acordo ortográfico à parte, a degeneração vocabular e a propensão fácil à descontrolada polissemia não é, exclusivamente, importada, nomeadamente do Brasil.

Por cá, e sem ajuda externa, vamo-nos aproximando, a passos largos, do dia em que qualquer palavra significa qualquer coisa, a ponto de quase deixarmos de nos fazer entender.

(siga aqui a continuação)


A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro escritor dela fará


Não perca, no correspondente separador no topo desta página,
outros artigos polémicos sobre diversos temas relacionados com a

LÍNGUA PORTUGUESA

quinta-feira, 3 de fevereiro de 2022


Mais Um Bilhetinho para a África do Sul?

Ainda não transitou em julgado mas, a fazer fé nas conclusões do Tribunal Judicial de Leiria, um outrora presidente da Câmara Municipal de Pedrogão Grande será culpado das trampolinices de que foi acusado, mais especificamente prevaricação de titular de cargo público, falsificação de documento e burla qualificada, todas elas relacionadas com o desvio de meio milhão de euros de donativos destinados à reconstrução de primeiras habitações de vítimas dos incêndios que, anos atrás, devastaram a região.

Condenado, tal como um vereador, a pena de prisão efetiva - de sete e seis anos, respetivamente*) -, "foi uma surpresa", "não temos palavras", pena "demasiado pesada".

Até aqui, nada de inovador na reação. Mas, acrescentou, "vai ser uma caminhada muito longa" e "isto não vai ficar por aqui".

Ficando por aí à solta anos a fio enquanto aguarda resultados dos sucessivos recursos, com uma pesada sentença às costas, controlado por uma patentemente ineficaz ação judiciária preventiva dos tribunais portugueses, e apesar de as posses não se compararem às do em tempos escorregadio banqueiro*) - agora em vias de voltar a escapulir-se, se conseguir livrar-se da preventiva naquela indescritível prisão...*) -, será que, em lugar de o agora condenado presidente da autarquia empreender uma "caminhada muito longa" não acabará por, with a little help from his friends *), optar por uma tranquila viagenzinha de avião, talvez não para tão longe como a África do Sul?


quarta-feira, 2 de fevereiro de 2022


Miguel Sousa Tavares

Miguel Sousa Tavares


"
Pode-se fazer sofrer muitos durante algum tempo,
não se pode fazer sofrer todos durante demasiado tempo
"

Miguel Sousa Tavares*)      
(Expresso)                    


Aqui fica a ideia, à atenção dos mais ou menos cómicos ditadores de pantomina que por aí não faltam, - passados, atuais, prospetivos ou nem isso -, alguns deles admirados por partidos que, nas extremas esquerda >e direita >, se dizem democráticos mas aos quais, manifestamente, ninguém reconhece tão nobre conotação.

PS: Esta frase foi escrita muito antes da invasão da Ucrânia pela Rússia. Mas seria bom que Vladimir Putin a tivesse bem presente; e, já agora, Zelensky, também.

(leia a sequência aqui)

terça-feira, 1 de fevereiro de 2022


O Balde

Para eleições antecipadas, extraordinárias, estas irão, sem dúvida, na memória de muitos prevalecer.

Antes de mais, pela rotação nas lideranças de, pelo menos, três das organizações concorrentes, cujos cabecilhas de alguma forma já deram a entender estar de malas aviadas - para não falar do apêndice verde do partido que governa e daquela outra casa cujas paredes de vidro não permitem ver claro mas para cujo envelhecido e debilitado chefe não será razoável augurar um mandato de longa ou, até, de média duração.

Que será dos militantes não se sabe bem de quê, cuja esperança parece apenas residir agora num eterno delfim - pau para toda a obra quando se trata de eleições, da autarquia à Europa, mas que ficou em lugar à partida não elegível no rol da eleição legislativa  -, de ar bisonho e apagado, que não sabe explicar por que admira Maduro e Kim Yong-un? Que será da Mãe-Natureza, extinta que foi, no Parlamento, a eterna e inane carraça supostamente verde que, em pecado, com o Partido vivia em coligação? Pobre Alameda que, para voltar a encher, talvez já só com apoiantes de cartão...

O que será, também, das puídas bandeiras ideológicas dos intelectualoides de extrema-esquerda sem o ar beatífico e a voz trabalhada da face mais visível do seu ainda principal movimento, que tão mal combinam com o olhar verde e duro que nos deita? Quem, naqueles que por lá restam, terá capacidade para, com pelo menos idêntica dose de artificiosa empatia, a substituir por essas ruas e mercados, junto da desolada dona de casa e do abrutalhado maridão?

Que será, também, dos nossos queridos animais de companhia sem direito a voto, substancialmente emagrecida que ficou a já de si diminuta representação de quem lhes assegurava a ração?

Roída pelo bicho que há muito lhe mina as entranhas, irá, também, ser podada na copa a pouco adubada laranjeira que tanto gostaria de ser grande e frondosa na oposição. Na inabilidade de quem a conduz e no desinteresse manifesto de quantos poderiam, pelo menos, escorar os seus ramos poderes por mais uns tempos, internamente irá padecer de inevitável, intensa, dolorosa e, porventura, letal convulsão.

Que dizer, então, do resultado surpreendente horas antes garantido pelo responsável máximo por aquele grupinho esvaziado pelos hunos ainda mais à direita, e que, das nunca plenamente esclarecidas ideias próprias, não resistiu à erosão? Será que, pateticamente, acalenta a esperança de que venha, ainda, erguê-lo das cinzas o global outrora patrão?

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As rosas invadiram o Parlamento, mas não é num mar de rosas que a democracia vive em Portugal, num Parlamento maioritariamente povoado por impreparados desconhecidos, por jön türkler *) sem experiência ou currículo, muitos dos quais nem lendo conseguem, decentemente, falar.

Torna-se, assim, no atual panorama difícil entender a euforia de liberais aparentemente mais radicais do que deles se esperaria, e de uma indescritível e arruaceira extrema-direita possuída pela idolatria ao respetivo pregador, quando de nada lhes serve tanto ter crescido num cenário em que todos acabámos por ficar, inteiramente, à mercê de um único e habilidoso destroyer cuja arte política e capacidade de hipnotizar ultrapassa tudo quanto se possa imaginar; que, ao que não passa de arrogância, chama humildade; que, como ninguém, sabe rodear-se de gente de competência discutível sobre a qual impera a seu bel-prazer; que tem tanta sorte, que até as sondagens de terceiros pressurosamente vieram ajudar; que durante mais uns anos nos irá governar, sozinho no meio de uns catorze ou quinze assessores que o pomposo título de ministro até faz delirar.

Perante o balde de água fria que tantos encharcou, que tanta gente privou do supostamente garantido lugar, valha-nos a reconfortante sensação de estabilidade , uma estabilidade que, daquela que tivemos durante quarenta e oito anos, a alguns já começará a custar diferenciar... e eis que dei comigo a contar há quantos anos foi 1974. Dá que pensar...

Valha, também, ao Presidente da República em segundo mandato o privilégio de não ter de se meter em sarilhos: de poder ficar sentado a promulgar leis e a assinar decretos, enquanto vê passar a procissão...