"Há muito que se não fala português no Brasil, antes um idioma
estrangeiro,
aparentado com o português da Europa, mas muito próprio
e intimamente ligado à cultura,
também ela muito própria, de um País
Irmão"
"O português europeu atravessa um subserviente e galopante processo de quase patológica permeabilização, não apenas a vocábulos, mas a sistemáticas violações da própria construção frásica, das mais elementares regras gramaticais"
Nestes tempos em que, por tudo e por nada, se fala de igualdade – mesmo a despropósito, mesmo quando aquilo com que se acena chamando-lhe igualdade, com igualdade pouco ou nada tem a ver -, cada vez mais se procura disfarçar com uniformizadas e supostamente identitárias roupagens as diferenças estruturais entre os seres.
Situações há, naturalmente, em que a normalização das roupagens é válida, indispensável até, como no caso das forças armadas ou de segurança e de outras organizações orientadas por um, legítimo ou não, objetivo comum. A farda surge, nestes casos, como uma forma de facilmente identificarmos as pessoas nelas filiadas e, também, como a manifestação de uma identidade de missão, de partilha de objetivos, de proximidade cultural, enfim, do que quer que seja que, uns com os outros, nos possa fazer parecer.
Será, assim, absolutamente descabido, patético, até, que, num esforço à
partida vão de aparentar identidades que não têm, elementos de grupos
distintos, pessoas de diferentes organizações, com diferentes missões,
objetivos ou, até, credos vistam a mesma farda ou ostentem os mesmos
símbolos. Tal opção, em nada contribuirá, evidentemente, para convencer quem
quer que seja da efetiva existência de uma igualdade ou proximidade apenas
desejada ou sonhada, apenas servindo, bem pelo contrário, para lançar uma
indesejável, mas inevitável, confusão junto de quantos em tais preparos os
verão.
Trata-se de uma questão do mais elementar bom senso, tão evidente e
pacífica, que não necessitará de ulterior desenvolvimento ou discussão.
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O idioma que falamos é a farda, a roupagem cultural e civilizacional que
envergamos.
Com mais ou menos pronúncia daqui ou dali, a língua mãe constitui, não
apenas um identificador da nossa provável origem geográfica, como da cultura
no seio da qual viemos ao Mundo e, pelo menos em determinada fase da vida,
continuámos a viver.
Dada a considerável distância que as separava dos países colonizadores e
por serem as viagens tão difíceis e demoradas e, durante séculos, assim
terem permanecido, novas culturas, substancialmente diferentes das
autóctones e das europeias, emergiram dessas colónias inicialmente
subjugadas aos ditames e costumes do invasor.
Após conturbados tempos de confronto e, por fim, de forçada harmonização,
natural se torna que hajam culminado, na maior parte dos casos, em anseios
de independência e na sua concretização.
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Um dos aspetos essenciais desta diferenciação cultural terá sido a
degeneração ou imperfeita aprendizagem locais da língua materna dos
colonizadores, a pontos de, não raramente, já pouco ter ela a ver com a que
continua a falar-se na Europa, seja em parte significativa do vocabulário,
seja na construção frásica ou na generalidade daquilo que à gramática possa
interessar.
Tal é o caso inequívoco do idioma atualmente falado no Brasil,
caracterizado por um liberalismo quase caótico relativamente aos mais
elementares cânones da língua falada e escrita em Portugal.
As rotas seguidas por um outro idioma – porque de dois bem distintos já se
trata - mostram-se a tal ponto divergentes que, praticamente, fazem secar,
na América, as raízes portuguesas do idioma, não apenas por força da
distância geográfica entre o Brasil e Portugal, como da significativa
dispersão geográfica e diversidade cultural da República Federativa, que
tornam praticamente impossível evitar, a nível linguístico e entre os seus
diversos Estados, a propagação de cada vez maiores arbitrariedades e
deturpações.
Não é verdade, porém, que só entre os jovens o fenómeno se verifique, nem
que tenha começado agora esta evolução. Assim entender, seria olvidar o
efeito dramático produzido, décadas atrás, pela transmissão, quase em
contínuo, de telenovelas brasileiras nos principais canais generalistas da
televisão portuguesa, que, desta forma, deram azo a que muita gente
começasse, com toda a naturalidade, a dizer que o personagem
virou isto ou aquilo, que é impossível não
adorá-la
ou que é muito péssima, e já não saiba, sequer, ao certo onde por o se numa oração.
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Esta modesta amostra não passa de uma ínfima fração do problema que vivemos
no dia a dia, e que não resulta, unicamente, de uma patega excrescência da
ação de um governante mais exibicionista ou que tenha querido deixar a sua
marca através da celebração de um suposto acordo ortográfico desconexo,
arbitrário e elaborado ao arrepio da mais elementar lógica.
Um acordo que os brasileiros nem cumpriram… e para quê? Acaso iriam passar
a escrever electrónico em lugar de eletrônico? Para quê,
então, fingir que, quanto a esta ideia parva de homogeneizar o que não pode
ser homogeneizado, alguma coisa de válido alguém, de facto, pretende ou
alguma vez pretendeu fazer?
Arbitrário até na estrutura, o Acordo não passou, em boa verdade, de uma
também arbitrária tentativa de impor a diversos países uma das tais
fardas, uma roupagem que nos convencesse da existência de uma
razoável homogeneidade cultural única entre todos países cujos idiomas
nasceram do português. Como se fosse verdade tal besteira.
Há muito que se não fala português no Brasil, antes um idioma estrangeiro, aparentado com o português da Europa, mas muito próprio e intimamente ligado à cultura, também ela muito própria, do País Irmão, porque, indelevelmente ligados pela História, Brasil e Portugal são e serão países irmãos.
Mas, gémeos, não são: jamais serão. Sobretudo tendo em conta quem, para os governar, livre e democraticamente os brasileiros escolheram na mais recente eleição*).
* *
Sempre há, no entanto, que reconhecer que, acordo ortográfico à parte, a degeneração vocabular e a propensão fácil à descontrolada polissemia não é, exclusivamente, importada, nomeadamente do Brasil.
Por cá, e sem ajuda externa, vamo-nos aproximando, a passos largos, do dia em que qualquer palavra significa qualquer coisa, a ponto de quase deixarmos de nos fazer entender.
A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro escritor dela fará
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Hoje em dia, as crianças portuguesas estão muito mais expostas ao brasileiro havendo uma certa aculturação.
ResponderEliminarNão interiorizei tudo o que disse porque o meu português é mais pobre que o seu. No entanto percebi o sentido. Eu mesma encontro-me a estudar para um teste de português e tenho dificuldades principalmente na articulação da gramática e penso que cada vez mais as gerações mais novas o vão ter. A língua portuguesa está a tornar-se permeável porque podemos dizer personificando a língua que esta se apercebeu que não é à força que se conquistam amizades. A língua brasileira já se "apercebeu" há muito disso...
ResponderEliminarMuito obrigado pelo comentário, e os melhores votos de sucesso para a prova que se avizinha.
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