"Aquilo que parece nunca nos ocorrer quando partilhamos algo, relativo a nós
ou a outrem,
que não queremos ver divulgado é que, para o esconder se
sobre o assunto for interpelado,
àquele a quem o confiámos resta …
mentir!"
"Segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar"
"Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?"
Há tanta coisa que banalizamos com a maior das facilidades!...
Uma dessas coisas é o segredo pessoal.
Jamais saberei por que há quem se sinta muito lisonjeado pelo simples facto de alguém com ele ter partilhado um segredo; e quanto mais cabeludo o segredo for, tanto melhor, já que tanto maior será a prova de confiança que virá massajar o mais ou menos depauperado ego de cada um de nós, esquecendo-se, porventura, quem partilha o segredo de que o interlocutor poderá ser tão fiável como a fechadura de um cofre aberto - caso em que, contar-lhe o que quer que seja, acabará por ser tão eficaz para o conservar secreto como se o tivéssemos publicado na primeira página de um jornal.
Depois, quando acontece a notícia espalhar-se, nada a fazer. Mas, não se queixe quem contou o segredo, já que, tal como qualquer criminoso que se preze sabe que o crime deixa de ser unicamente seu a partir do momento em que recorre a um cúmplice que a todo o momento pode expô-lo, também deveria saber o risco que corre quem, quando já não aguenta mais aquilo dentro de si e sente que irá explodir se não o partilhar, deixa sair uma informação secreta, sua ou de outrem, que bem melhor faria em guardar.
Contar a alguém um segredo, comporta, na verdade, uma elevada dose de risco. Sobretudo quando a informação tiver sido transmitida por um terceiro, ninguém tem o direito de, em nome de quem em si confiou, correr o risco de a ver divulgada: “a confiança na discrição alheia é uma traição ao segredo que nos não pertence”.
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O lado supostamente positivo que alguns encontram no facto de
deter um segredo confiado por alguém é o de, para o depositário, ele,
inevitavelmente, gerar algum poder.
Pode ser algo tão simples, chato e legítimo como o poder de massacrar a pobre criatura que abre o seu coração dando-lhe não solicitados conselhos de amigo, do tipo “vê lá, não faças isso” porque isto, aquilo ou aqueloutro; mas pode, também, facilmente tornar-se matéria-prima da mais abjeta chantagem, manipulação ou de qualquer outra atividade tão querida de certos espíritos perversos que parecem trazer dentro de si o suplemento de escândalos de um pasquim cor-de-rosa dedicado à cusquice social, expondo, de forma inequívoca, o mais repugnante daquilo que, para ganhar dinheiro ou por mero prazer sádico, um ser dito humano é capaz.
Ainda dentro do supostamente positivo de um segredo, existe o esconder por amor, ou seja, guardar para nós algo com que não queremos magoar, melindrar, suscetibilizar quem, no nosso sempre subjetivo e muito falível juízo, entendemos poder sofrer duramente se ficar a saber algo que acabamos por optar por não divulgar. Mas, apenas numa situação em que se conheça bem, mas muito bem, a pessoa e a sua situação atual, em que o nosso coração não consiga ceder à razão, já que tal omissão sempre corresponderá à passagem de um atestado de menoridade, de incapacidade para lidar com a vida, apenas entendível e aceitável em casos extremos de fragilidade ocasional motivada por um impacto anterior, ou permanente provocada por doença ou debilidade equivalente.
Como qualquer um de nós, alguém condenado a connosco viver a vida deve
pressupor-se habilitado e preparado para o fazer no meio em que se encontra,
não nos assistindo, fora dos referidos casos, o direito de o considerar de
alguma forma inapto para tomar conhecimento daquilo que diz respeito a si, aos
que lhe são próximos, ou aos seus interesses.
A par do segredo pessoal existem, como é sabido, segredos obrigatórios, como o segredo profissional relativamente à informação que confiamos, por exemplo, a um advogado, a um médico - até a um sacerdote, embora, neste caso, possa ser posta em causa a qualificação do segredo como profissional.
Também existe, evidentemente, o segredo de estado e, até há bem pouco tempo, o segredo de justiça - segredo que, nos tempos que correm, não passa de uma abstração, dado que ainda o inquérito judicial mal começou, e já tudo quanto possa despertar o ávido apetite da opinião pública aparece escarrapachado na primeira página de um qualquer jornal. Mas estes outros tipos de segredo são, ao contrário do segredo pessoal, vitais ao funcionamento da sociedade e do Estado, pelo que a sua legitimidade é inquestionável por qualquer mortal.
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A face fortemente negativa do segredo
pessoal, quando partilhado com alguém obrigado a mantê-lo, reside, por sua
vez, na carga, por vezes insuportável, que sempre representa para o novo
depositário, que nem sequer o próprio facto de ser detentor de um segredo pode
divulgar.
“A vida do António parece que não vai muito bem… Ele disse-te alguma coisa?”. “Não... nada”.
Mentira!
Ao partilhar, aliviamos um pouco a nossa carga emocional. É verdade. O preço, porém, é sempre o mesmo, e sempre pago pelo outro: ter de mentir para honrar o compromisso. Mentir, por vezes mesmo a quem lhe é bem próximo. Porque segredo é segredo; e, quem o não quer guardar, nem o deve deixar contar.
Quem ouve um segredo é amigo, um bom amigo. Mas... e quem o transmite? Amigo é também?
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