quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022


Morgan Freeman


Morgan

"(Como nos livramos do racismo?)
Parem de falar nele!
"


"(How do we get rid of racism?)
Stop talking about it!
"

  (em entrevista)      


Com isto, não quererá, evidentemente, Morgan Freeman dizer que a questão do racismo não deva ser discutida enquanto fenómeno social, designadamente quanto às formas de atenuar os seus efeitos, já que não parece crível que, alguma vez, consigamos vê-lo definitivamente erradicado.

O sentido bem patente na frase reside, antes, na condenação veemente da discriminação positiva exacerbada levada a cabo, de forma sistemática, por ativistas e por partidos desesperados por alguma coisa ter a que se agarrar, excessos e desmandos esses que, como já aqui escrevi, em nada favorecem a causa, antes contribuem fortemente para a desvirtuar e desvalorizar, gerando a indiferença entre quem tem os olhos e os ouvidos cheios, até à náusea, com um tema sem dúvida importante, mas do qual já não se consegue ouvir falar.

Tudo isto se torna especialmente perigoso quando, aproveitando a maré e a incapacidade das oponentes para falar de forma lúcida e fundamentada sobre tão sério assunto, vem, há coisa de uma semana, o ideólogo do Chega! candidamente proferir, numa estação televisiva*), frases que parecem  absolutamente verdadeiras - tais como "é um facto objetivo que há raças e há cores" ou "a nossa cor de origem é branca e a nossa raça é a raça caucasiana" -, mas que, além de cientificamente inexatas, ganham contornos bem vincados quando proferidas por quem ocupa lugar de especial destaque no partido que bem conhecemos pelas posições inabaláveis que assume nesta matéria.

O melhor caminho para desmascarar o que poderá estar por detrás das ditas afirmações não será, seguramente, apenas contrapor alegações vazias, ocas, proferidas em tom exaltado ou indignado, nada mais fazendo do que repetir mais vezes a fio velhas acusações em lugar de, tranquilamente, enquadrar na realidade tais afirmações. Não é útil contrapor a tão perentórias frases chavões como a multiculturalidade, a pluralidade, misturando, até o feminismo, pau para toda a obra e para cavalgar quem quer que se nos oponha até ficar esvaziado de todo o seu significado e valor.

Falhou, assim, redondamente a estação televisiva, se a intenção era arranhar ou abanar, ainda que ao de leve, a couraça do velho guerreiro que convidou. Para tal, além de escolher como moderador alguém menos evidentemente parcial, haveria de ter convidado, como oponente, outro velho guerreiro, igualmente tranquilo, cínico que bastasse e, sobretudo, lúcido, inteligente, capaz de ouvir o outro lado com a paciência indispensável ao planeamento de golpes letais a desferir sobre a argumentação racista, sempre que se proporcionasse ocasião.

A tarefa era hercúlea e o assunto demasiado sério para ter sido deixado ao cuidado de mais ou menos entusiásticos mas mal arrimados atores, que, no que à dialética isenta e ao debate sustentado na mais elementar lógica, mostraram, à saciedade, não passar de incompetentes e ineficazes amadores.

(leia aqui a sequência)



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