"Tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano
por outro
que dele difere num aspeto ou noutro,
também se não pode, a coberto
de uma falsa ideia daquilo que é
ou deixa de ser politicamente
correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes
que a ninguém podem
ser permitidos porque, muito simplesmente,
são contrários ao costume
e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar"
2. Causas Remotas do Racismo em Portugal
3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé
5. A Aberrante Linguagem Pseudo-Inclusiva
6. Ambiguidade à Esquerda
7. O Estafado Chavão das Quotas
8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?
9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo
10. Conclusão
1. O Ideal Cor-de-Rosa
Partilho do ideal da superioridade do branco.
O branco é alvo, puro, superior, calmo, tranquilo, positivo, alegre,
desinfetado e dá até aquela ideia de muito limpinho que fica bem em qualquer
lado; e é, por isso, a cor quase sempre escolhida para representar os mais
puros sentimentos, as mais angélicas criaturas, os mais sofisticados ambientes
e lugares.
O branco resulta da junção de todas as cores, reúne em si quanto de alegre, de
puro e por aí fora existe na natureza: o branco é, todo ele, seriedade,
honestidade, integridade, generosidade, amabilidade. O homem branco não comete crimes, acode a quem precisa, não se porta mal, é
educado, devendo ser por todos seguido, cuidado, acarinhado, protegido, até
privilegiado, preferido, idolatrado.
Quando um dia encontrar um homem branco – entenda-se, de alma branca -, não me
vou limitar a olhar para ele: vou segui-lo, vou observá-lo, vou escutá-lo, vou procurar imitá-lo no que
puder. Porque uma alma branca, pura é um exemplo para quantos, como todos nós,
a têm de outra cor.
- x -
Acontece, porém, que, tal como ocorre com as almas, também na pele não há homens brancos - a não ser, porventura, um herói wagneriano, o palhaço rico ou um daqueles infelizes que ganham a vida a simular estátuas, contendo as comichões e retendo o fôlego a troco da pequena esmola atirada pelos basbaques do costume para uma esfarelada caixinha de cartão*).
Pela minha parte, tendo, no Verão, para o acastanhado e, no Inverno, para algo
a puxar para o cor-de-rosa. Mas não me importaria de ser até verde como os marcianos, porque, quando
falamos da cor da pele, o ideal do homem branco é um perfeito disparate, como
o é o do homem preto. A cor
da pele não é, nem faz sentido ser, um ideal.
O problema dos racismos, venham de onde vierem, não me parece estar na cor ou
no tom da pele, antes residindo na convicção de alguns, mais centrados em si
mesmos, de que os seres humanos se dividem, unicamente, em dois mundos: o mais
restrito grupo dos que são como nós, e o dos outros, aqueles que não
apreciamos, não valorizamos, nos incomodam, nos inquietam e nos desagradam.
Não por qualquer razão específica - como o tom da pele, que até pode ser igual
ao nosso -, mas, simplesmente, por não serem como gostaríamos que toda a gente
fosse: igual a nós.
A par do primário instinto de sobrevivência, mostra a experiência que o
patético deslumbre pelo próprio umbigo – seja o seu barrigudo proprietário
branco, amarelo, encarnado, preto ou às riscas cor de rosa e azuis - pode, com
alguma facilidade, evoluir para patologias sociais com raiz na tendência quase
generalizada para nos assustarmos com as diferenças que abalam a concha, a
redoma a que é agora uso chamar-se zona de conforto.
“Não conhecemos, não estamos habituados, não nos interessa, estamos muito
bem assim, vão lá para as terras deles antes que isto acabe por dar para o
torto porque com esta gente nunca se sabe” parece exprimir o egoísmo dominante, porventura justificado, em parte,
pelo temor alimentado pela desenfreada proliferação de formas de conduta
censuráveis nas populações de qualquer parte do Mundo.
Esquecemo-nos de que recear alguém ou a sua influência é sentirmo-nos
inseguros perante esse alguém – logo, inferiores a ele -, o que à partida
anula qualquer veleidade de supremacia de determinado grupo social ou étnico
sobre outro ou outros, já que, quem teme algo ou alguém, nunca pode
considerar-se-lhe superior; nem é.
Lembremo-nos, também, de que, não só não existem homens pretos ou brancos ou
de qualquer outra cor absolutamente definida, como muitas vezes é, na prática,
no que toca a negros e brancos quase impossível discernir onde acaba o
castanho e começa o cor-de-rosa ; e vice-versa. A despeito da altura, do peso,
da cor da pele e do mau feitio ou não tão mau assim,
ninguém é o que quer que seja além da própria essência e dos
acertos que a vida nela fez.
Penso, assim, que haveria, para uns e outros, uma certa vantagem em procurar esgravatar um pouco as profundezas das causas, das origens de tão tenebrosa problemática, de toda esta estupidez racista - cientes, embora, do eventual dano para a oportunidade única que a sua exploração política oferece a certos partidos que desesperam na demanda de causas que lhes permitam equilibrar-se numa cada vez mais periclitante balança eleitoral.
2. Causas Remotas do Racismo em Portugal
“Racismo Não!” é boa ideia, está muito bem; mas, se for dirigido a seres inteligentes, há que explicar por que é que “Racismo Não!”, ou não passaremos do impasse, do preconceito rasteiro, da parvoíce do “ambos temos razão, porque tu dizes que sim e eu digo que não”: os pretos não gostarão dos brancos porque não, os brancos não gostarão dos pretos porque não, tal como um sportinguista não gosta do Benfica e um benfiquista não gosta do Sporting. "Porque não! *)"
Emoções à flor da pele, instintos, palermices. Onde leva isto? Não leva. São,
apenas, manifestações tíbias de cérebros em permanente hibernação, que não
levam a parte alguma, a não ser à mútua destruição.
No tempo em que os Up WithPeople *) cantavam What Color Is God’s Skin? *), um tuga cor de rosa olhava para um preto e associava-o, imediatamente a um dos mais indiferenciados trabalhadores da construção civil, dotados de menores ou de nenhumas habilitações ou literárias ou profissionais.
Esquecia-se, naturalmente, o mesmo homem cor de rosa de que era, precisamente, assim que o mais comum cidadão de qualquer país desenvolvido e recetor de imigrantes portugueses olhava para ele*), logo o associando aos mesmos baldes de massa e à picareta que ele, por sua vez, ao preto tinha por hábito associar – quando não ia ao ponto de lhos atirar à cara para o humilhar.
Esta eructação de impulsos primários e selváticos que a civilização,
supostamente, serviria para anular ou, pelo menos, atenuar nos humanos, não
passa, pois, de presunção e água benta, de um complexo de superioridade – ou
será o contrário? - que tem muito mais a ver com diferenças económicas,
sociais e culturais do que com um mais ou menos pigmentado tom de pele. Ou
alguém se lembra de ouvir queixar-se de ser vítima de racismo um daqueles
abastados cidadãos de origem africana que para cá vêm fazer
grandes vidas e assoalhar a riqueza, fazendo
os tugas pelintras babar-se de inveja, e os não tão pelintras
bajulá-los na tentativa desesperada de captar-lhes os milhões que, em certos
casos, por processos bem portugueses aprenderam a ganhar?
De África – porque o racismo em Portugal tem mais a ver com brancos europeus e pretos africanos -, parece existir a ideia
distorcida de que só para cá vêm os muito pobres e ignorantes ou os muito
ricos e poderosos, porque só de uns e de outros se fala: uns como
matéria-prima de quem tudo faz para se salientar agitando freneticamente a
bandeira do racismo, os outros também nem sempre pelas melhores razões.
3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
Defendem, por aí, certos partidos políticos emergentes a alegada supremacia branca, invocando terem estudos supostamente científicos concluído que, em média, a população negra é dotada de um quociente intelectual
inferior ao do homem cor de rosa – ou ariano, expressão
porventura suscetível de mais lhes agradar.
Ora, nos anos já não tão recentes, em que tais estudos terão sido levados a cabo, bem assim poderia acontecer, atendendo a que, durante tempos esquecidos, a segunda população alarvemente explorou a primeira e dela abusou, negando-lhe, entre tantas outras coisas, o acesso à educação e à formação, logo, a meios essenciais ao adequado desenvolvimento das capacidades intelectuais latentes.
Não nos esqueçamos de que, tal como acontece com os músculos, o cérebro também
só se desenvolve se for estimulado, se trabalhos exigentes lhe forem
solicitados, o que não é, seguramente, compatível com a brutalidade da
escravatura e, abolida esta, com a exploração do trabalho braçal mal
remunerado e apartado de qualquer formação, específica ou não – do qual,
atualmente e por razões alheias à cor da pele, podem
queixar-se pretos, brancos e de qualquer outra
cor, sem distinção.
A serem esses estudos efetivamente científicos, e a ser acertada e validada a
respetiva conclusão, esse défice, em média, de capacidade
intelectual nada teria, pois, a ver com a raça, com a cor da pele, mas sim com
a vida miserável imposta a seres humanos por seres supostamente humanos que,
em lugar de pedir desculpa, ainda daqueles o infortúnio vêm mofar.
Ademais, se é verdade que não foi entre a população negra que, mormente por
falta de condições, primeiro singraram a investigação científica e o
desenvolvimento industrial, não nos esqueçamos de que tal epifania também não
terá acontecido, propriamente, em Portugal... o que não impede que, com o andar do tempo, cada vez mais migrantes africanos
e portugueses europeus se tornem proeminentes na ciência, na técnica, na
gestão bancária e em altos cargos políticos de projeção universal.
Como os tempos recentes parecem vir, insofismavelmente, demonstrando, a
situação inicial de eventual maior capacidade – efetiva, prática, oportunista
- da população cor de rosa, acaba, até, por se inverter em presença de negros
em situações de igualdade de oportunidades e de circunstâncias, tornando
legítimo acreditar que, com a explosão da Internet e com o acesso generalizado
à informação que ela proporciona – lida por olhos pretos, castanhos, verdes,
azuis e outros -, tudo tenderá a homogeneizar-se; e tenderá, também, a
desaparecer a última motivação para a existência dessa coisa insana
chamada racismo.
4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé
A própria necessidade de alguns passarem a vida a dizer que existe racismo
sugere que ele cada vez menos é sentido, cada vez mais nos olhamos como
iguais, e que, abstraindo da exploração mediática levada a cabo por certos
partidos políticos e seus satélites, não é já tão intensa assim a
implementação, na sociedade, do abominável estigma.
Existem, no entanto, obstáculos sérios à diluição e, desejavelmente, à
erradicação da própria ideia de racismo, até chegar ao ponto de
dele passarmos a falar como hoje nos referimos à tuberculose ou a outro mal
extinto qualquer. Se, tão cedo, se não extinguir completamente, isso bem
poderá ficar a dever-se à exaltação do racismo que acaba por acontecer como
reação a excessos no ataque ao racismo, ao permanente radicalismo com que o
tema é tratado por aqueles que se ensoberbecem ou politicamente sobrevivem à
custa do combate que, de forma mais ou menos arrojada, dizem fazer-lhe.
Para começar: porquê esta mania de evitar
dizer pretos ou negros, preferindo cidadãos de origem africana? Será que quem assim fala também vê filmes de “cowboys e cidadãos de origem americana”?
Eu, que sou cor de rosa, cara-pálida, não fico particularmente
feliz quando dizem que sou branco ou,
sequer, caucasiano, mas não me sinto por isso discriminado,
perseguido. Importa a forma como trato os outros e eles me tratam.
O resto, a forma como, sem má intenção, me chamam, não tem
qualquer importância.
Dado que, com já disse, não há, entre os
humanos, pretos nem brancos, nenhum dos termos
tem correspondência na realidade, pelo que incomodarmo-nos com estes
pormenores de linguagem não passa de tiros no pé, de atroz e primária
patetice, fortemente favorável à causa de quem pretende, da essência do tema,
desviar-nos a atenção.
Cidadãos de origem africana é, além de ridículo, fortemente
inexato e discriminatório relativamente aos outros negros: não importa, então,
o racismo dirigido, por exemplo, a negros timorenses ou jamaicanos? Ou estará,
quem utiliza aquela expressão, a referir-se, também, aos brancos africanos?
Que importa ser eu um cidadão de origem europeia ou de outro
continente qualquer? E que importa
chamarem-me branco, caucasiano ou cara-pálida,
ou outros serem
chamados pretos, negros ou de cor?
Ou vamos ter de adotar designações como a localidade Paço dos Cidadãos de Origem Africana *), a Rua do Poço dos Cidadãos de Origem Africana *)… a Loja do Gato de Origem Africana *)? Ou vamos a Sintra comprar queijadas à Casa do Cidadão de Origem Africana *)? Vamos ter de mudar o nome da nossa Avó Branquinha? Ou da Dona Branca *)? Deverá a personagem de Walt Disney passar a chamar-se Mancha de Origem Africana *)?
O que importa não é o vocábulo utilizado, mas a intenção com que um termo é
escrito ou proferido: referirmo-nos a alguém como branco ou
como preto ou como qualquer que seja a cor, é um inaceitável
ato racista e discriminatório se o fizermos com acinte. Já falar,
genericamente, de brancos ou de pretos, ou de
um branco ou de um preto pode, em certos
casos, não passar de uma incorreção verbal, concetual - e, se quisermos,
social -, apenas nessa medida censurável, como tantas outras incorreções.
A expressão “bando de preto safado” não passa de uma demonstração abjeta de racismo primário e virulento; mas punir um desportista apenas porque chamou a um amigo “meu preto querido” é radical tontice*), perseguição intolerável que mais não faz do que desvalorizar a causa nobre do combate à discriminação.
5. A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva
Nestas coisas, como em tantas outras e sem desvalorizar o rigor da expressão,
o que conta é o conteúdo e a intenção com que é
expresso, o que se diz, e não tanto
a forma como se diz.
A simples ideia de inclusão é, aliás, aberrante e
contraproducente, já que, pelo simples facto de existir, ela própria reconhece a existência de diferenças entre pessoas: não é necessário esforçarmo-nos por incluir o já faz parte por ser genuinamente igual. No caso do intolerável racismo, ao falar de cidadãos de origem africana, o que estamos, efetivamente – e impropriamente -, a dizer é: "pessoas que, como nasceram em África e têm a pele escura, não são como
nós".
Será que, agora, além de preto dizer negro também é racismo? Que, em vez de chocolate preto ou negro, vou ter de passar a pedir chocolate de origem africana, mesmo sabendo que o cacau que maioritariamente o compõe é originário da América do Sul*)?
Ou irão chamar-me racista se não gostar de chocolate negro? E, se não gostar
de chocolate branco, também vão? Chocolate negro parece ser a alternativa
dita inclusiva a chocolate preto. E a
alternativa inclusiva a chocolate branco? Qual é? Chocolate alvo? Cor de rosa?
O que há de condenável em preto que não há
em negro, quando, com qualquer dos termos, queremos significar
precisamente a mesma coisa? Ou
entre branco e alvo? Ou entre o cidadão de origem
europeia e o cidadão de origem africana?
6. O Estafado Chavão das Quotas
Depois, se não se vê assim tantos negros na Polícia, isso deve-se, muito provavelmente, ao facto de, com toda a naturalidade e toda a legitimidade, uma menor quantidade deles se ter interessado por uma profissão que, pelos vistos, mais seduz os cor de rosa como eu, hipótese elementar que, de tão natural, apenas poderá ser afastada da mente do homem médio em presença de prova que demonstre que, às forças de segurança, concorreram muitos cidadãos de origem africana e que foram eles rejeitados sem válida razão.
Ou será que, para ficarem mais garridas as cores das bandeiras de certos
movimentos e partidos, todos, independentemente da cor da pele, devemos
interessar-nos igualmente por todas as profissões? Vamos começar a impor
quotas também para obrigar igual quantidade de negros, amarelos, encarnados,
brancos e verdes a dedicar-se a cada ocupação, a isso chamando combate ao
racismo estrutural e institucional? Ensandeceram todos?
Será, digam-me lá, com patetices destas que pretendem, junto de seres um
bocadinho menos irracionais, romper a crosta da indiferença, acender a chama
da adesão? O que importa é proibir a discriminação, e não, mediante a
imposição de quotas, promover a incompetência e a desmotivação.
Fala esta boa gente, dos movimentos e dos partidos, de liberdade e de
autodeterminação…
7. Ambiguidade à Esquerda
Não vejo qualquer mal em, num dia por ano, as camisolas dos jogadores de futebol intervenientes em desafios televisionados ostentarem, em lugar do nome de cada um, os dizeres “Racismo Não” *); já a defesa cega e repetitiva ad nauseam de slogans associados a uma causa só a prejudica, como os partidos radicais e as associações vocacionadas*) bem deveriam saber.
Por outro lado, se seres humanos superiores existirem, serão certamente
aqueles que se aproximam dos outros neles buscando afinidades intelectuais e
espirituais, assim procurando enriquecer-se culturalmente, e não os que se
furtam a, ao menos, encará-los só porque são diversos a capacidade económica,
os dotes intelectuais, o substrato cultural, o local de residência, as vestes
que envergam, o tom da epiderme, assim se envolvendo numa demonstração das
mais básicas intolerância e estupidez, próprias dos espíritos pequeninos que
por aí vemos embrulhados qualquer cor de pele.
Aliás, para lugares de responsabilidade, há por aí muito cor de rosa que, num
processo de recrutamento e seleção, eu rejeitaria ao primeiro olhar, e
muito cidadão de origem africana que contrataria sem hesitar;
e, já agora, o inverso também é verdadeiro.
Por falar neles: onde estavam esses defensores nas quase desertas manifestações promovidas, no Porto*) e em Lisboa*), no primeiro dia da Primavera de 2021?
Alguém lá fora se lembra de inventar o pomposo nome “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial”*) – até parece nome de ministério português*), disto, daquilo e mais daqueloutro, como se, quanto mais termos se encavalitasse no cargo mais competente o ministro fosse … -; outro alguém se lembra de que um Portugal em bicos de pés deveria ter também as suas manifs, pois então; e, entre as duas maiores cidades do País, nem cento e cinquenta pessoas foi possível arregimentar para os eternos chavões gritar e umas vuvuzelas fazer bramar!
Até as Manifs contra o confinamento pareceram, pelos números, bem mais importantes e concorridas do que estas*), já para não falar dos autocarros que, em plena crise sanitária, de todo o pais chegam para as iniciativas políticas do Partido Comunista e para as peregrinações a Fátima. Quanto ao racismo, porém, o interesse parece já tão escasso - leia-se “tão poucos os que se sentem, efetivamente, excluídos” -, que, porventura por não valer a pena, nem a extrema-direita aproveitou para lá ir perturbar a manifestação
Será assim?
Onde andava, então, aquele partido – perdão, movimento -
supostamente muito à esquerda e pendurado nas minorias cujas bandeiras ainda
são a única vela que os faz navegar? Será que as previsíveis escassas migalhas
de protagonismo e a meia dúzia de letras ou segundos neste ou naquele jornal
lhe não despertaram o apetite para a exibição? Não?
Pois não, uma vez que era mais do que previsível o fiasco, a deserção.
8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?
Lembram-se daquele deputado negro do Partido Comunista Português?*) Não se lembram, pois não: foi só um, e há tanto tempo, já... O facto de o PCP não ter voltado a apresentar candidatos ditos de cor nas suas listas significará que o racismo já chegou à esquerda? Ou será, antes, porque mais nenhum negro com apetência, ou vocação, ou ambição, ou queda para a política no Partido se inscreveu? Tal como na Polícia, talvez? Ou em qualquer outra organização?
Nem uma deputada negra nas hostes do Partido ou a falar na televisão... Vamos
também, perguntar-nos por que não se vê, no PCP, mais cidadãos de origem africana? Vamos insinuar que o Partido Comunista é racista? Ou não?...
Claro que, em menor ou maior grau, há racismo latente, racismo manifesto,
todas as variantes que queiram enumerar; e continuará enquanto forem tão
desajeitados, radicais e exagerados os esforços para o debelar. Mas,
perante manifs desertas, forçoso se torna concluir que, no
Portugal dos nossos dias, o racismo é menos abrangente e a intensidade é,
felizmente, já outra.
Tirando o racismo primário e parolo fundado no ódio irracional que só as
bestas também irracionais valorizam, lá bem no fundo todos vão reconhecendo,
mesmo que nem com todos se identifiquem uns com os outros nem todos mutuamente
se admirem – nem, em liberdade, a tal são obrigados -, que, voltando aos Up
With People, “everyone is the same in the Good Lord’s sight”*).
9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo
Resta lembrar a, por vezes muito esquecida, condição essencial que jaz
indelevelmente associada à aceitação espontânea e aberta por qualquer pessoa
ou comunidade de pessoas de outras comunidades, sejam elas quais
forem: o respeito.
Se, no que é essencial, estrutural, inexiste qualquer distinção com base no tom da pele, nos traços morfológicos ou noutra característica fisiológica, antes operando preponderantemente as diferenças culturais e civilizacionais, há, outrossim, que respeitar e acautelar a defesa dos valores da estabilidade, da segurança e da identidade que estruturam as sociedades que recebem e acolhem, sem prejuízo de quanto de saudável e enriquecedor na diferença houver.
Se é verdade que a solidariedade, a disponibilidade e a boa vontade para com o próximo devem sobrepor-se a qualquer objeção mais ou menos comezinha à plena aceitação de um ser humano por outro, o velho brocardo “em Roma, sê romano” deve estar sempre presente na mente dos que buscam acolhimento, já que manda a mais elementar cortesia que, não só quando visitamos alguém devemos observar as normas e os costumes dos nossos anfitriões, como se espera que nos abstenhamos, em qualquer circunstância, de a eles impor a nossa vontade, os nossos gostos, as nossas convicções, designadamente àqueles com quem um dia venhamos a coabitar, por maioria de razão.
Uma coisa é todos terem a liberdade de escolher, em função da adequabilidade
às necessidades e objetivos de vida de cada um, o país para onde pretendem
emigrar. Outra, muito
diferente, é escolher-se uma terra como alvo ideal para a disseminação e
imposição indesejada dos costumes próprios do país de onde, por alguma razão,
alguém se viu obrigado a emigrar – o que, em última análise, sempre será
contraproducente, dado o risco de, dessa forma, se acabar por transformar a
terra de adoção precisamente em algo muito parecido com aquela de onde se
tiver tido de retirar.
No plano social, este dever de respeito opera, desde logo, na absolutamente legítima exigência do estrito cumprimento das normas
jurídicas e da observação dos costumes locais, já que nenhum ser humano tem o direito de sujeitar qualquer outro, de
diferente ou igual etnia, à imposição brutal de comportamentos por ele
indesejados, ainda para mais escudados numa inaceitável discriminação positiva por parte dos tais partidos políticos ou grupos de pressão que cavalgam
a suposta defesa de minorias por mais não terem no que se evidenciar –
discriminação positiva essa que pode fácil e indesejavelmente ser conotada com
a, em alguns latente, ideia de menoridade de uma ou outra população, ideia
essa que, paradoxalmente, se pretende afastar.
Não me causa especial alarme o racismo primário defendido por meia dúzia de
ignorantes, indignos de qualquer crédito ou de que os ouçam, sequer. O que me
preocupa é a generalização irracional do racismo decorrente de comportamentos
lastimáveis e fortemente condenáveis por parte de uma outra meia dúzia de
indivíduos de certas etnias que assim contaminam, junto de fatias
consideráveis da população autóctone, a imagem de todo um grupo, ou de
diversos, em idênticas circunstâncias.
Em certos casos - talvez não poucos -, a motivação dessa meia dúzia radica, já se sabe, na forma discriminatória como os olhamos e para com eles agimos, enquanto sociedade. Não obstante, o tratamento condenável por parte de meia dúzia de pessoas cor de rosa não justifica ou legitima a violência da reação, à qual, nesse caso, todos teriam direito, do que resultaria um caos maior ainda do que aquele a que assistimos em certos lugares e momentos não tão raros assim.
Quanto a mim, sou, decididamente, racista para com essa raça de indivíduos de todas as culturas, religiões e credos que, independentemente da cor mais ou menos rosa ou acastanhada da pele, indiferentes aos direitos daqueles por quem querem ser tratados como iguais, para com eles se comportam selvaticamente, deliberadamente agredindo, insultando, incomodando, escarnecendo, desprezando, como certos tugas hooliganizados com que nos cruzamos com indesejável regularidade - a maioria dos quais caucasiana.
10. Conclusão
Toda e qualquer postura ou atitude de agressão social é inaceitável. Se
queremos, efetivamente, erradicar o racismo, cumpre, se necessário, rever a
legislação vigente; e, com a maior urgência, nos casos por ela já
contemplados, sensibilizar para a necessidade do seu estrito cumprimento toda
a população, as autoridades e os poderes judiciários, bem como dotar de meios
coercivos as forças policiais com atribuições e competências para a
aplicar.
Entre tantos outros, os exemplos que referi - alguns deles comuns a indivíduos
de variadas etnias - ilustram bem a impossibilidade prática de confundir, com
impunidade laxista ou com anarquia a qualquer preço, o princípio geral de que
qualquer cidadão de qualquer outra terra é livre de nos visitar e de,
observados determinados requisitos, aqui se radicar: tal como é condenável a
rejeição liminar de um ser humano por outro que dele difere num aspeto ou
noutro, também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é ou deixa de
ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes que a
ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente, são contrários ao
costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar.
Num estado de Direito, qualquer cidadão, nativo ou oriundo de outra parte do
Mundo, está vinculado ao primado da lei. Isto é algo que ninguém, em qualquer
momento ou lugar poderá legitimamente esquecer ou ignorar, sob pena de estar,
afinal, a praticar a discriminação que diz condenar.
Em ambos os sentidos, a cada um assiste o direito de se não sentir atraído por
pessoas de outros grupos, bem como de não admirar determinadas características
culturais ou comportamentos dos mesmos. Tal não confere, todavia, a uns o
direito de maltratar e, muito menos, de procurar banir os respetivos
representantes que aceitem e observem as leis e os costumes das sociedades que
visitam ou os acolhem no seu seio; nem, a estes, o de agir como se, em lugar
de convidados, fossem anfitriões, ainda para mais rudes, pouco educados, e
felizes por assim se quererem conservar.
“’Tu deves porque eu quero’ é um absurdo; mas ‘tu deves porque
eu devo’ é um objetivo legítimo e a base do Direito” 2; e,
perante tais desmandos, tanto as maiorias, como as minorias, têm direito a
indignar-se.
* *
Não obstante as convicções que cada um, enquanto indivíduo inserido num estado livre, possa ter, a obrigação de tratar bem o próximo, seja ele quem for, todos obriga; e, por maioria de razão, os que serem em forças de segurança.
Mas nem sempre assim acontece...
[não perca aqui a sequência deste artigo]
1 Chantepie de la Saussaie, Pierre Daniel – “Lehrbuch der Religiongeschichte” (Freiburg im Breslau, 1887–1889) – ”História das Religiões” –
Editorial Inquérito – Lisboa, 1940 – pp.31
2 Seume, Johann Friedrich – "Prosaische und poetische Werke" - G. Hempel - 1899 - Vols 6-8 – pp.169
Reflexão completa. Por vezes confunde-se racismo com a não discriminação positiva. Um exemplo foi a eleição da deputada Joacine Moreira. ficou implícita nalgumas atitudes um desejo de discriminação positiva em vez de meritocracia e igualdade com os outros deputados.
ResponderEliminarMuito obrigado pelas suas palavras. Penso que se trata, efetivamente, de um caso que em nada favorece a causa da igualdade e da salvaguarda dos direitos humanos.
EliminarMuito bom, com grande profundidade, inclusivamente na procura das causas. Sim, cosmopolitismo, mas respeito pelo Estado de Direito. Sim, respeito das minorias sem a ditadura da maioria. Sim, a linguagem cacofónica pós-moderna da extrema-esquerda é negativa, acaba por ter um efeito contrário na pedagogia contra o racismo.
ResponderEliminarMuito obrigado pela apreciação que faz do que escrevi. Espero continuar a vê-lo por cá!
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