"Por haver constatado que um espião de leste
operava no seu gabinete,
demitiu-se sem hesitar um outrora chanceler da República Federal Alemã.
Por haver, com dolo ou negligência, sido praticado um ato de espionagem
pelos Serviços, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa não se
demitiu.
Sendo as situações equivalentes, atentas a importância relativa dos dois
cargos,
a diferença de atitudes apenas revela que muito pouco de comum existirá
entre o outrora Chanceler e o atual Presidente da Câmara Municipal"
Não é simplesmente a capacidade de registar a tradição pela escrita que
distingue os povos civilizados, mas a capacidade de, individual e
coletivamente, elevar o espírito um pouco que seja acima da preocupação com o
carrito acabado de sair do stander ainda com o capum a brilhar;
acima das imagens de carantonhas horrivelmente feias com esgares supostamente
sorridentes a olhar para os basbaques em redes sociais onde pontificam relatos
com imagens mal enquadradas de glúteos musculados, peitos descaídos, cochas
moldadas em celulite em estado de negação; acima da ostentação básica,
primária, de quem, por ter aprendido a dar uns toques na bola acena com
milhões a populações esfomeadas e sanitariamente enfraquecidas; acima da
vaidade desmesurada e da febre de protagonismo de quem nem miolos tem para
olhar para o Mundo e entender o que lhe está a acontecer.
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No caso específico dos políticos e dos aspirantes a políticos, é conhecida a
tendência para uma espécie de justificado evemerismo relativamente aos pais
fundadores dos respetivos partidos, embora ele apenas se manifeste em colagens
à imagem dos seus deuses particulares, sem que tal aproximação para consumo
mediático corresponda ao mais ténue propósito de os bons exemplos lhes
seguirem.
Cientes, lá bem no fundo, da própria incapacidade para se guindar e manter em funções cujos requisitos excedem, largamente, as suas capacidades intelectuais, emocionais e educacionais, praticam e fomentam a prática do big brother que lhes convém enfaticamente condenar - e muito bem - nos sistemas ditatoriais, espiando os comportamentos, perscrutando os segredos mais íntimos, ordenando escutas, transmitindo a regimes totalitários dados confidenciais acerca dos respetivos opositores, assim lançando o anátema sobre os países ou cidades que administram*) na forma incompetente de quem apenas cuida de acumular créditos junto daqueles de quem, em regimes aparentemente democráticos, dependem para a contagem dos votos.
Pouco importa se a indiscrição vem de cima, do meio ou de mais abaixo: se o ato é deliberado, é crime com dolo eventual, a existir prática firmada e sobejamente conhecida, por parte do regime que governa o Estado beneficiário da informação, da perseguição política indo não raramente até ao homicídio; se o ato não é deliberado*), a simples possibilidade de ocorrência da fuga de informação diz bem da efetiva indiferença com que a questão dos direitos fundamentais - designadamente da segurança e da privacidade - é encarada por gnomos subservientes de olhar perdido e sem vontade própria, além da vontade de ficar bem visto aos olhos do chefe ou do patrão e, se possível, também da mal governada população.
Tempos houve em que, independentemente da responsabilidade direta, havia o bom hábito de os superiores hierárquicos em cargos públicos se afastarem na sequência de faltas dos seus subordinados, fosse pela prática de crimes, fosse por atos de espionagem*), fosse, ainda, por responsabilidade em catástrofes na sequência de erros técnicos ou de mera incúria funcional*).
Por haver constatado que um espião de leste operava no seu gabinete, demitiu-se um outrora chanceler da República Federal Alemã. Por haver, com dolo ou negligência, sido praticado um ato de espionagem pelos Serviços, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa não se demitiu*). Atenta a importância relativa dos dois cargos e sendo as situações equivalentes, a diferença de atitudes apenas revela que muito pouco de comum existirá entre o outrora Chanceler e o atual Presidente da Câmara Municipal.
No entanto, o papel de um autarca de Lisboa não se limita a preocupar-se (pouco) com a situação da Rua Maria Pia*) ou do Bairro das Murtas*); a deixar morrer, como o fez um seu antecessor, prematura e inutilmente ícones como o Teatro Vasco Santana*) e a Feira Popular*); a assobiar para o lado perante edifícios que apodrecem, como o Hospital de Arroios*), o antigo Liceu Rainha Dona Amélia*), ou o Palácio das Águias*), ou a desprezar a Tapada das Necessidades*), já para não falar da vergonha do estacionamento na Avenida Almirante Gago Coutinho*) e do maná garantido pela EMEL em zonas em que os parquímetros estão bem longe de se justificar*).
Ao Presidente da Câmara Municipal de Lisboa cumpre zelar pela honra e pela dignidade da Cidade e de quantos lá mora, em lugar de negligenciar medidas elementares que assegurem a salvaguarda dos direitos constitucionais dos cidadãos que lá moram, em lugar de procurar alijar responsabilidades procurando fazer, de forma insidiosa, classificar como mero erro burocrático *) um flagrante e muito grave incumprimento da lei.
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Certas pessoas vivem imersas em orgulho e pompa, mas sem circunstância; e não
é gloriosa a sua egocêntrica e, por vezes, despudorada guerra.
Basta lembrarmo-nos do indescritível sentimento que experimentamos quando
vemos e ouvimos supostamente ilustres mas notoriamente impreparados e pouco
capazes deputados da Nação balbuciar os escritos que lhes põem à frente,
hesitando nas palavras difíceis, na pontuação, errando a entoação.
As coisas são o que são e, quase sempre, são também aquilo que parecem: “La radio et la télévision fabriquentdes grands hommes pour de petites gens *)”.
O mal não se restringe à classe política: é endémico, na sociedade portuguesa
e também lá por fora, tendendo a corrupção e o nepotismo a grassar
incontrolavelmente. Os seus efeitos manifestam-se, seja na administração
pública, seja em empresas nas quais o interesse dos investidores cede perante
a doentia sede de autopromoção de dirigentes que, de gestores, apenas têm, em
cartões de visita mais ou menos folclóricos, a designação por baixo do nome.
Num e noutro caso, geralmente em países económica e socialmente falidos - como
não será difícil exemplificar.
A questão de fundo é, no entanto, de uma simplicidade para muitos quase atroz:
a inevitável ignorância da origem, da essência, da finalidade, do destino,
próprios, de todos os outros e de todas as coisas. Mas como entender que a
fragilidade imanente desse estado de dúvida não resulte, inversamente, na
necessidade de dar, de apoiar, de consolidar, de valorizar o tempo que todos
sabemos que, tarde ou cedo, para cada um de nós irá acabar, em lugar de tirar
desta vida aquilo que se habituaram a dizer que é o que, para a tumba, ainda
podem levar?
Se for verdade que a verdadeira imortalidade é a que resulta da memória com
que os outros ficam da passagem de cada um de nós pelas suas vidas, bem melhor
fariam certos lastimáveis palermas cheios de si em passar uns minutos a
imaginar – já que gostam tando da mais ou menos parola imagem - que bela
imortalidade para os seus vindouros irão deixar.
A menos que esses vindouros não sejam melhores seres humanos do que eles, o
que, da maneira como isto para aí vai, não será, seguramente, uma hipótese a
descurar.