"Ao aceitar, apesar de tudo, manter-se em funções, poderá o infeliz e
desajeitado
Ministro da Administração Interna estar a fazer um enorme
favor ao amigo que o nomeou,
mas é incomensurável o dano que, nessas
mesmas funções,
causa a cada um dos desgovernados que agora somos"
1. Direito de Manifestação ou Direito de Comemoração?
2. O Imperativo Legal de a Câmara Municipal de Lisboa Impedir
as Comemorações
3. O Improviso Quase Encomendado
4. Desmandos a Mando do Futebol
5. Hooligans à Portuguesa
6. Os Poderes Políticos Foram Eleitos, Nomeados e Mandatados
para quê?
1. Direito de Manifestação ou Direito de Comemoração?
Mais do que uma necessidade, a
desambiguação vocabular*) constitui imperativo de quantos primam por fazer-se entender na significação
estrita que quiseram exprimir, mormente em questões de índole jurídica ou
política, por serem das que mais expressivamente afetam a vida e o bem-estar
individual e coletivo e, no caso de que aqui trataremos, dando especial relevo
às relacionadas com a preservação da saúde e da vida num cenário de epidemia
ou de pandemia - de COVID-19 ou de qualquer outra que, a mais ou menos breve
trecho, não deixará de vir.
Refletirei brevemente sobre a diferença entre os substantivos objeto e
objetivo, reflexão essa antecedida de outra sobre o que se entende, por um
lado, por
direito de reunião ou direito de manifestação e, por outro lado, por
direito de promover ajuntamentos de pendor mais ou menos chauvinista,
destinados à glorificação de sucessos desportivos, ou a exaltar as assim
chamadas conquistas de um ou outro clube de futebol.
Exemplificarei com
aquilo que ocorreu em Lisboa*) e
um pouco por todo o Portugal*) no dia em que se soube que, ao fim de dezanove anos de jejum, o campeão
nacional português de futebol de 2020/2021 iria ser o Sporting Clube de
Portugal.
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A diferenciação entre o direito de reunião e o direito de manifestação não
mereceu, por parte dos Constituintes de 1976, ser contemplada no Diploma
Fundamental. No entanto, enquanto o direito de reunião não tem uma conotação
necessariamente política, pode significar o que quisermos, o direito de
manifestação radica na própria ideia de democracia, parecendo inegável ser
dirigido à divulgação e salvaguarda dos direitos políticos de cidadãos que
pretendam fazer valer, junto de terceiros, os seus pontos de vista, na defesa
de causas que, num quadro democrático, lhes mereçam atenção e dedicação.
Dificilmente fará, assim, qualquer sentido confundir com manifestação um
ajuntamento magno de adeptos de uma associação desportiva ou qualquer outra de
cariz mais ou menos lúdico, visando o simples alarde da vitória de umas
dezenas de milionários que passaram boa parte do ano – e da vida - a procurar
enfiar uma bola de dimensões relativamente ínfimas numa rede imensa, mesmo que
esteja ela zelosamente defendida por um abnegado guardador.
Estas explosões de cariz irracional e primário promovidas, de forma rotineira,
por claques nascidas do fanatismo de uns poucos que parecem pouca ou nenhuma
ideia ter do que por aqui aos outros andam a fazer - e, por assim dizer,
descarregam, nos infelizes que pertencem a outro clube, as
excrescências humorísticas do sucesso a que chamam “nosso” e que, por
instantes, quase os faz esquecer a futilidade das sua vidas sem rumo –,
enquadram-se, portanto, não no direito de manifestação, mas no direito de
reunião que, no final da década de setenta do século passado, pelos
Constituintes, terá, também ele, sido mais mais associado ao direito de
reunião política e democrática do que ao das comemorações mais ou menos
alarves, dos banquetes ou das festas de aniversário mais ou menos parolas,
sobre os quais, porventura por manifesto demérito de tais eventos, nem lhes
terá parecido necessário ou útil regular.
Há que lamentar, também aqui, aquela que parece ser uma ideia generalizada por
parte de quem legisla, essa de não se ter, amiúde, o cuidado mínimo de
clarificar o que se entende por cada conceito ou termo
técnico-jurídico utilizado, antes deixando ao mal preparado cidadão a
tarefa de
adivinhar – porque para mais não sabe - nos termos do
art.9º do Código Civil*), e aos tribunais o cuidado de, mais tarde, interpretar quando a coisa dá
para o torto e pouco ou nada haverá, já, a fazer para o dano evitar. Depois,
fica toda a gente muito admirada com o
entupimento do sistema
judiciário com coisas que, com um pouco de cuidado, até teria sido bastante
fácil evitar.
Entendeu-se, pois, nos conturbados anos da génese desta já não tão jovem
democracia, que o direito de reunião era algo suficientemente próximo do
direito de manifestação para nem justificar que fosse contemplado em norma
distinta, assim tendo o texto do art.45º acabado por dizer, sob a epígrafe “Direito de reunião e de manifestação”, que “1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo
em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização” e que “2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação”.
Não obstante, o art.1º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de Agosto, é bem claro ao
interpretar o texto constitucional no sentido de que esses direitos de reunião
e de manifestação apenas são reconhecidos “para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas
singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas”, explicitando o
n.º 2 do seu art.3º que “As autoridades competentes só poderão impedir as reuniões cujo objeto ou
fim contrarie o disposto no artigo 1.º (…) *)".
Reza, por fim, o n.º 1 do art.5º que “As autoridades só poderão interromper a realização de reuniões, comícios,
manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao
público quando forem afastados da sua finalidade pela prática de atos
contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e
a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou
infrinjam o disposto no n.º 2 do artigo 1.º”
2. O Imperativo Legal de a Câmara Municipal de Lisboa Impedir as
Comemorações
O que, antes de mais, haverá que clarificar é, sob o ponto de vista vocabular,
a destrinça entre objeto e fim, conceitos muitas vezes confundidos dada a semelhança terminológica entre
objeto e objetivo (substantivo significando finalidade,
fim), mas que, porque a letra da lei os separa, haverá, também, que na
interpretação assim fazer.
Afastando-nos da tendência para a ligeireza e o facilitismo por parte de quem
entende que qualquer coisa pode significar tudo e mais alguma coisa, dir-se-á que, enquanto por finalidade ou fim se designa o
objetivo, a motivação, a razão pela qual determinado ato é praticado ou
um processo desencadeado, por objeto entende-se aquilo sobre que esse
ato ou processo incide ou sofre os seus efeitos
sem, todavia, constituir a finalidade do mesmo. Objeto é
toda a coisa, o assunto, a substância que são afetados
pela concretização das medidas que visam a prossecução do objetivo.
Todas as pessoas que estão próximas ou que, de alguma forma, podem ver
afetados os seus legítimos direitos são, desta forma, objeto de uma
comemoração que, mesmo indiretamente, os afete,
mas não são o seu objetivo, o qual mais não é, afinal, do que a
exaltação, apenas por uns quantos, de determinado acontecimento que noutros
tão pouca euforia suscitará.
As pessoas, todas as pessoas próximas, são, então, objeto, ainda que
involuntário, de qualquer reunião que tenha, como objetivo, uma
comemoração como a que há dias aconteceu em Lisboa, às portas do Estádio José
de Alvalade e
pela rua fora, até ao Marquês de Pombal*).
Dito isto, nos termos do citado n.º 2 do art.3º do Decreto-Lei 406/74 as
autoridades poderão – e deverão, já que de um poder vinculado se trata –
impedir a realização de reuniões ou manifestações sempre que, não apenas o
objetivo*) declarado seja contrário “
à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem
e à tranquilidade públicas”, mas também quando, pelas suas características ou natureza, previsivelmente
resultem no afrontamento de qualquer destes valores junto de quem se torna
objeto*) involuntário da comemoração.
Exemplificando, se o promotor de determinado evento entrega à entidade
competente um aviso prévio nos termos do art.2º do mesmo Decreto-Lei,
tem esta o poder-dever de impedir o evento desde que, fundamentando,
conclua que o direito dos cidadãos à segurança sanitária em tempos de pandemia
será seriamente comprometido pela realização do evento nos moldes previstos,
ou que dela resultem danos à ordem e à tranquilidade pública.
Saliente-se que, contrariamente ao que por aí se tem dito para alijar
responsabilidades evidentes, nada têm estas disposições a ver com qualquer
estado de calamidade ou de emergência, sendo de aplicação genérica, mesmo em
conjunturas consideradas normais.
Assim, dúvida não pode existir de que a autoridade do Estado jamais e de forma
alguma estará limitada na defesa da ordem e na salvaguarda dos direitos dos
cidadãos contra os desmandos de meia dúzia de alarves que preferem ignorar que
têm o direito a quase tudo, mas não àquilo que a lei expressamente, no
interesse de todos, proíbe.
A Constituição é o garante da democracia, não um pretexto para a
claquocracia, para a chauvinocracia ou para a
futebolocracia, que em tanta coisa, hoje em dia, parecem mandar e tanto
temor junto do poder político suscitar.
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Refira-se, ainda, que embora a redação original do n.º 1 do art.2º dissesse
que deveria ser avisado “o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal,
conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito”, com a extinção do cargo de governador civil a capacidade para receber o
aviso passou a ser exclusiva dos presidentes da câmara (cf.
art.2º da Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro*)), assim inexistindo qualquer dúvida ou uidade relativamente a ela.
Não é, pelo exposto, verdade que “Dentro do que é o nosso quadro de competências, a Câmara de Lisboa não
tem de autorizar manifestações, nem reuniões. Ou elas acontecem
espontaneamente ou tentam organizar-se com os promotores"*) . Ocorre antes que, longe de corresponder a uma inconstitucionalidade
material,
a delimitação casuística, por parte das câmaras municipais, do direito de
manifestação no quadro da legislação já referida é um imperativo legal, que em nada diminui a extensão e alcance do conteúdo essencial dos
preceitos constitucionais (cf nr.3 do art.18º da Constituição da República
Portuguesa).
Por fim, perante um desfilar de cidadãos fortemente etilizados numa altura em
que o consumo de bebidas alcoólicas era proibido na via pública, perante
milhares de indivíduos colados uns aos outros e sem qualquer proteção na cara,
numa altura em que o distanciamento social é obrigatório, tal como o uso de
viseira ou máscara,
estes factos constituem razão mais do que suficiente para obrigar as
autoridades a determinar às forças de segurança que ponham cobro ao evento
ao abrigo do que diz o n.º 1 do art.5º do Decreto-Lei 406/74
– ou nos termos, já que se trata, como vimos, de um poder vinculado.
“Ponham cobro”, desde que, naturalmente, lhes
disponibilizem os meios adequados*).
3. O Improviso Quase Encomendado
A competência para o desempenho de funções de gestão ou políticas é medida,
essencialmente, pela capacidade de integrar, no planeamento da ação, uma
precisa antevisão do resultado e a eficaz mobilização dos meios necessários à
sua consecução. Bem pelo contrário, dizer que “Uma vitória do Sporting seria sempre uma realidade muito difícil para a
cidade de Lisboa” *) é como se o Presidente da Câmara encarasse os efeitos mais do que
previsíveis da vitória, no campeonato da Primeira Liga de futebol e decorridos
tantos anos de jejum, de um dos principais clubes desportivos da Capital com a
mesma dose de fatalidade com que contempla o cíclico entupimento de sarjetas e
bueiros nas estações do ano em que a chuva molha a sério: simplesmente não
sabe o que há de fazer, que medidas há de tomar.
Seria, é verdade, impossível prever com precisão o momento exato em que se
declararia a pandemia, mas era inevitável que algo como o que aconteceu
entre a Segunda Circular e o Marquês de Pombal sucedesse após quase duas
décadas sem vencer o Campeonato por parte de um Clube preponderante num
desporto que representa, para muitos, a última esperança de um pouco de
euforia na vitória, para esquecer o quotidiano das suas vidas
desgraçadas e em permanente derrota.
Não é, precisamente, esse o papel do Presidente da Câmara, saber o que deve
fazer? Não terá, por acaso, ouvido falar da
tragédia de Hillsborough*) e do que se lhe seguiu? Como pode, então, assistir impávido e omisso a
um ajuntamento selvático, quase com contornos de tumulto, pondo em risco a
ordem pública e a salvaguarda do direito à saúde de parte significativa dos
munícipes?
Falta de planeamento, falta de reflexos pela Administração, paralisia política no momento,
trapalhice e confusão generalizadas em plena pandemia, com fé quase absoluta
na eficácia de vacinas ainda incompletamente testadas, são conclusões que
sintetizam bem o que se terá passado.
Apesar da desolação das alternativas disponíveis, perante resultados
previsivelmente fracos nas já bem próximas eleições autárquicas, depois
de pareceres negativos da Direção-Geral da Saúde e de preocupações veemente
expressas pela Polícia de Segurança Pública – cujo email a Câmara
alegadamente leu apenas dois dias depois de ter sido enviado -, temos a
Tutela, o Partido Socialista e o sucessor tacitamente indigitado do seu
Secretário Geral a procurar sacudir a água do capote e alijar
responsabilidades, escudando-se, indevidamente, numa lei que, por acaso, até é
bastante clara e não dá cobertura às habituais esquivas e golpes de rins.
Ou a ficar em silêncio, como, uma vez mais, o eterno e irremediavelmente
desajeitado Ministro da Administração Interna*).
Ante a previsível balbúrdia, pensaram, e reuniram, e pensaram, e pensaram
horas estiradas sem atinar com a solução, “sempre num cenário muito difícil, que era o de saber que haveria vários
milhares de pessoas na rua”*), coisa que nem lhes passou pela cabeça impedir, já que tal ato de coragem
politicamente irresponsável iria, sem qualquer dúvida, várias dezenas de
milhar de votos custar a quem há muito se empenha desesperadamente em,
procurando evitar a morte política inevitavelmente ligada à derrota, à tona de
água esbracejar.
Se um écran gigante não serve para agregar multidões à sua volta, serve
para quê? E foi pedida licença? Se foi, a quem competia autorizar? Quem
autorizou? Porquê?
4. Desmandos a Mando do Futebol
Uma das utilidades sociais do desporto é o facto de permitir drenar a
animosidade naturalmente latente em cada indivíduo, assim não sendo se
estranhar que o extravasar de emoções aconteça, por vezes, sob a forma de
violência bestial e selvagem vinda de brutos acéfalos, indiferentes a
quaisquer tentativas ou formas de sensibilização, e que apenas podem ser
controlados pela força.
Aquilo a que assistimos pela televisão não são manifestações de alegria,
porque não se sabe, sequer, o que é alegria na selva moral onde vivem aqueles
bandoleiros desperados, no seu deserto intelectual. Já se sabe que não
têm culpa da má sorte que os persegue; que a culpa é um bocadinho de cada um
de nós ou de todos nós; que, no estado a que, por nossa causa, chegaram já não
têm recuperação possível e por aí fora. Mas, independente de tudo quanto, a
seu respeito, possam dizer e possa dizer-se têm de ser controlados; e, se não
houver como os controlar, têm de ser punidos, judicialmente afastados do nosso
convívio, por magistrados apolíticos e não rendidos aos encantos do assim
chamado desporto rei ou de qualquer dos seus clubes, independentemente
da dimensão. Não é em vão que futebol é futebol, e o resto são meras modalidades
das quais, na maior parte das vezes, até estranhamos ouvir falar.
Somos economicamente escravos do futebol porque futebolistas e seus
treinadores são, por assim dizer, o único produto que lá fora nos granjeia
alguma daquela notoriedade essencial à captação de massas de turistas
notoriamente parolos, mas cujos sacos de dinheiro são vitais para a atenuação
possível do desequilíbrio crónico da balança de pagamentos de um pequeno país
que pouco mais sabe fazer do que sorrir ao cámon para assegurar o seu
sustento sem ter de pedinchar demasiado lá fora nem aumentar, cá dentro, os
impostos a ponto de comprometer, num dos mais corruptos países da Europa e do
Mundo, o acesso à panela da República por parte dos mais ou menos crónicos
penduras de tão disponível e cobiçado maná.
Não se diga, porém, que este analfabetismo social e cultural se deve,
unicamente, aos famosos quarenta e oito anos de obscurantismo: contei, já,
quarenta e sete da suposta época esclarecida e não vejo jeitos de o domínio
social e político dos tugas da bola dar sinais de começar a claudicar.
5. Hooligans à Portuguesa
Podemos apiedar-nos, sentir-nos culpados até às lágrimas pela desdita desta
gente eticamente enviesada e que, a cair etilizada, de tronco nu, arrastada
pela polícia brada, perante as câmaras de televisão e na voz teatral, fininha
e esganiçada do popular Zé Chunga que “eu não fiz mal a ninguém”.
Podemos bater no peito as vezes que quisermos, sentir o mais genuíno e
premente impulso de correr a salvá-los ou, mais simplesmente, a confortar os
seus amargurados e desesperançados corações:
têm, mesmo assim, de ser segregados, contidos, em nome do bem maior da
segurança de todos os outros que aqueles que aceitam funções governativas
juraram proteger e defender, por imperativo constitucional, e independente do impacto no resultado eleitoral.
Num tempo em que ainda se testa a eficácia das vacinas, a simples existência
de seres ditos humanos que, nesta ocasião como em tantas outras como, por
exemplo, num convívio sem distanciamento ou máscara, não hesitam em nos expor,
a todos, a novos surtos ou, mesmo, vagas da pandemia a despeito do sofrimento
e da morte dos que foram infetados e dos que, agora, ficaram em risco de o ter
sido - sem esquecer a dedicação e abnegação de quantos trabalharam para os
evitar - diz bem da maldade, da indiferença, da baixeza de um punhado não tão
pequeno daqueles tugas primários e broncos, independentemente do grau de
instrução, cujo voto conta tanto como o de qualquer outro, mas que não passam
de acéfalos alarves centrados no próprio umbigo, objetivamente feio mas, para
eles, tão precioso e digno.
Não se trata de um epifenómeno, mas de uma demonstração da essência daquilo em
que, dia a dia, a utilização que temos vindo a fazer do progresso e da técnica
está a fazer descambar a civilização como – ainda - a conhecemos; de uma
antevisão do futuro se nenhuma medida de fundo no sistema educativo for tomada
para o evitar, se nada de eficaz for feito em prol destas pessoas, para dar
repouso ao seu desespero latente, para romper neles a crosta do torpor, da
indiferença e da inconsciência que, cada vez mais, os afasta dos demais.
Que mensagem estavam, afinal, aqueles indivíduos a tentar passar, que ideal
pretendiam, ao abrigo do direito de manifestação, estar a manifestar?
- x –
Os autodenominados manifestantes não expressaram concordância ou discordância
com o que quer que fosse. Quando muito, reuniram-se na expressão mais pobre do
termo, já que nenhum assunto ali foi tratado. Mais simplesmente, ajuntaram-se
amontoaram-se para fazer barulho. Nada mais.
Um mar de gente que, tal como as baleias vão morrer à praia, os usos e o
instinto guiaram, amalgamados e sem máscara, para o inevitável Marquês de
Pombal. Uma celebração apenas para tornar célebre o feito de meia dúzia de
privilegiados, um ajuntamento sem qualquer conteúdo intelectual ou ideológico,
uma festarola perigosa nestes tempos de preocupação sanitária e económica,
que, como tal, deve ser encarada.
Proponho, assim, a introdução, na Constituição, de um art.45º n.º 3
especificando que “os direitos de manifestação e de reunião não abrangem os eventos de caráter
particular, os de índole meramente lúdica nem os relativos a comemorações de
âmbito limitado a associações de natureza não política nem sindical, os
quais serão regulados nos termos gerais e nos da legislação especial
aplicável”.
6. Os Poderes Políticos Foram Eleitos, Nomeados e Mandatados para
quê?
A esquálida atuação do poder político contra esta mole humana destacou meios
policiais em tão parca quantidade que amiúde se viram forçados a recuar, a
reagrupar, a tomar medidas para se proteger.
Com polícias agredidos e feridos, seria de esperar que alguém fosse chamado a
pagar por tais crimes. Estamos, porém, em Portugal, paraíso dos brandos
costumes, e os políticos e os politiqueiros bem sabem que assim é, pelo que,
com a desorientada ação ou com a crónica tendência para a inação, pouco ou
nada estão, afinal, a arriscar.
Estamos, também, no Portugal que vai, como sempre, ficar impávido perante o Rt
de 1,1 ontem registado no Continente e que acaba de determinar a exclusão da
zona verde - sem quarentena obrigatória - na classificação do
Reino Unido, automaticamente implicando uma catástrofe económica para o
turismo, sobretudo para o Algarve onde o cancelamento de reservas se não fez
esperar.
Falta, agora, saber o impacto das comemorações, no Porto, da final da
Champions, que fará com que o Presidente da Câmara Municipal do Porto poucas
razões tenha, também, para se gabar. Falta, esclarecer, por que foi permitida
a presença dos hooligans na Cidade Invicta para uma final entre duas
equipas ingleses, quando, em Coimbra, só a uns quantos convidados foi
permitido assistir à final da Taça de Portugal.
Portugal continua à deriva, entregue a uma equipa governativa incompetente e
totalmente dependente de um Primeiro-Ministro que continua ausente,
aproveitando a oportunidade única de campanha eleitoral que a Presidência
Portuguesa da União Europeia representa para as suas aspirações a um
importante cargo europeu.
Ao aceitar, apesar de tudo, manter-se em funções, poderá o infeliz e
desajeitado Ministro da Administração Interna estar a fazer um enorme favor ao
amigo que o nomeou, mas é incomensurável o dano que, nessas mesmas funções,
causa a cada um dos desgovernados que agora somos.
Por sua vez, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa demonstrou, uma vez
mais, não ter a mais ínfima qualidade para almejar o alto cargo de
primeiro-ministro, furtando-se a agir com determinação e firmeza quando as
circunstâncias, inegavelmente, o exigiam. Faz lembrar aqueles miúdos que
limpam as mãos à camisola branca para ninguém ver que estavam sujas, porque
ninguém lhes disse - nem têm discernimento para entender - que a porcaria se
vê muito melhor na roupa do que nas mãos.
Contas feitas, e porque o que importa é a gente divertir-se e conviver, lá irá
a incompetência impor-se nas eleições aí à porta, um pouco como naqueles
eventos de certas associações desportivas em que apenas há dois competidores
inscritos e um deles, por falta de comparência do outro, o título de Campeão
lá acaba por ganhar.
Ut flatus venti, sic transit gloria mundi