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quinta-feira, 28 de julho de 2022


"Alien"

Olham-me, quando por eles passo na rua.

Uns, com ar divertido, outros com ar trocista; uns com ar de pena, outros de censura, outros ainda com o olhar fugaz dos que se apressam a desviá-lo porque parece mal ficar a olhar.

O mesmo numa loja, num qualquer espaço público, ou quando me levanto, no restaurante, para ir lavar as mãos antes de começar.

Também eu não sei como os contemplar. Nem sei, mesmo, se devo desviar ou devolver o olhar.

Estão, claro, no pleno uso do seu direito à liberdade de ser, de estar, de observar, de uma opinião formar e de, a todo o tempo, a inverter ou renovar.

Sou eu o desenquadrado, o retrógrado, o pária de uma sociedade virada para a frente e para a ânsia de aproveitar ao máximo, enquanto isto da guerra não alastra, o ar que respira e aquilo que, da vida, vai podendo tirar.

Por que não? Por que não, afinal, se o mesmo parecem fazer quantos por aí vemos deambular?

Pouco importa. Faço o que faço, ajo como ajo, e continuarei a agir enquanto uma culpa minha puder pôr em risco o bem-estar comum, a economia do Estado e a estabilidade dos outros que por cá têm de andar.

Uso máscara, e continuarei a usar enquanto o bicho por aí andar.

Uso-a, por muito que uns e outros prefiram esquecer o assunto e assobiar para o ar.

terça-feira, 18 de janeiro de 2022


Novak Djokovic - A Estrela Cadente

Notoriedade é responsabilidade. Responsabilidade para com aquela imensidão de adeptos - ou fans, como insistem em chamar-se - que os segue como se fossem deuses, seres omniscientes e infalíveis, modelos de bondade, seriedade e sabedoria.

Não são. São, apenas, seres humanos habitualmente bastante elementares, com uma especial aptidão - quase sempre na área do desporto e, dentro desta, dos desportos com bola. Talvez a velocidade do esférico atraia, ou a imensidão das fortunas acumuladas; ou talvez as pessoas se embasbaquem simplesmente porque têm necessidade de se embasbacar.

A verdade é que muitos destes astros e estrelas - que também por cá alguns temos... - não passam de indivíduos sem educação, sem estatura moral, narcísicos, ambiciosos, que aprendem a sorrir e a fingir emocionar-se com algo exterior ao seu ego, quando a verdade é que apenas nele pensam, indiferentes ao interesse da comunidade e, sobretudo, à fraca qualidade do exemplo com que, inevitavelmente, contaminam quem os idolatra.

Tudo isto é mau. Mas, muito pior é quando o exemplo põe em causa o bem-estar e a saúde de toda uma nação*) ; que, aliás, nem é a deles.

domingo, 16 de janeiro de 2022


Your Magesty, I Am Sorry

Parece-me pouco. À Rainha e sua Família deverá saber a pouco, também.

A falta de cortesia do principal ocupante do number ten ao promover ou permitir festas de despedida de funcionários*) na véspera do dia em que  Família Real inglesa se iria despedir de um dos seus mais proeminentes e outrora ativos elementos apenas poderá ser comparável à irresponsabilidade da falta de adequadas medidas de segurança durante os mesmos eventos, enquanto, por causa da pandemia, a Monarca, durante as cerimónias fúnebres, nem junto dos seus mais queridos pode estar.

Por outro lado: só agora, tantos meses depois, é que chega o há muito esperado e inquestionavelmente devido pedido de desculpa? Onde está, então, aquilo que tanta gente diz diferenciar o nível civilizacional do Reino Unido, designadamente quando comparado com o comportamento dos políticos de um certo torrão retangular à beira-mar plantado?

Parece caso para perguntar como reagiria atual o Primeiro-Ministro de Sua Majestade se, um belo dia numa autoestrada inglesa, lá calhasse a  viatura em que seguia atropelar mortalmente um funcionário que tivesse, porventura indevidamente, atravessado a faixa de rodagem à frente de um motorista com o freio nos dentes - fosse à ordem de Sua Excelência ou não.

Será que até teria ele o (quase) nunca visto desplante de ficar, placidamente, dentro do carro à espera de que a coisa se resolvesse e pudessem todos ir para casa? Será que passaria os dias e semanas seguintes a sacudir a água do capote, como que para se livrar do incómodo da contrariedade?

Fala-se da forma como fazem escola noutras terras cientistas, empresários e outros portugueses dignos de especial menção. Parece que os políticos começam, também, a impor o seu estilo, nem sempre na melhor versão.

Por lá, ao menos, ainda têm um funcionário público sénior a quem caberá pronunciar-se sobre a conduta do Governante. Por cá... temos os eternos, monótonos, repetitivos e sediços... comentadores.

quinta-feira, 6 de janeiro de 2022


Negacionistas - Juiz ou Médico: o que É pior?

Definindo de uma forma muito simples, negacionismo é uma forma básica, boçal, rudimentar, elementar de rejeição da mais evidente e clara razão.

Para a condenação de tal teoria e da correspondente prática, releva, assim, da mesma forma a atuação de um magistrado judicial que negue a existência de uma pandemia, como a de uma médica que ensine a manipular testes*) por forma a que produzam resultados negativos em doentes infetados.

A atuação da médica é, no entanto, bem mais grave, roçando a do próprio homicídio com dolo eventual: é que, enquanto o juiz negacionista incitava ao incumprimento da lei, a médica ensinava a falsificar testes cujo resultado manipulado permitirá a indivíduos infetados andar por aí a espalhar o virus, transmitindo-o a eventuais futuras vítimas, designadamente mortais.

Como explicar, então, que o juiz tenha sido expulso da magistratura pelo Conselho Superior - e muito bem! -, enquanto a médica apenas foi condenada, pela Ordem a seis meses de suspensão*), reduzidos a três em sede de recurso?*)

Que matéria de direito terá prevalecido? Que influência?

Que corporativismo desbragado?

* *

O suposto liberalismo dos defensores da abolição da máscara não passa, muitas vezes, de encapotado negacionismo, perante uma realidade bem presente como é a COVID-19.

domingo, 26 de dezembro de 2021


Gouveia e Melo: Mais Um Daqueles?


"A palavra que reténs nos teus lábios é tua escrava;  a que dizes fora de propósito é tua senhora".

Ninguém conclua, das linhas que se seguem, que não estou, como qualquer português deve estar, grato ao, a partir de amanhã, ex-Vice-Almirante que, recentemente, desempenhou funções como coordenador da assim designada task force da vacinação anti-COVID. Claro que estou!

Tal não me obriga, porém, a deixar-me ofuscar pelo brilho do sucesso da reconhecidamente válida ação por ele desenvolvida enquanto executante do enunciado atual - que não encontro, se é que existe... - do Plano Nacional de Vacinação*) iniciado em 1965 com a aceitação, pelo Estado Português, de um donativo da Fundação Calouste Gulbenkian destinado à vacinação contra a poliomielite*), difteria*), tétano*) e tosse convulsa*) (Decreto-Lei n.º 46533, de 09 de Setembro de 1965)*), continuado  com a implementação do velhinho mas, então, indispensável Boletim Individual de Saúde (Decreto-Lei n.º 46621, de 27 de Outubro de 1965)*) (Decreto-Lei n.º 46628, de 11 de Novembro de 1965)*) e assim sucessivamente.

Não me ofusca, pelo menos, a ponto de evitar que fique perplexo, desagradado e apreensivo com o que leio nas entrelinhas das recentes respostas do amanhã promovido a Almirante, como "o futuro a Deus pertence", "não se deve dizer 'dessa água não beberei'" ou "até lá muita coisa pode acontecer", produzidas quando interpelado acerca de uma eventual candidatura futura à presidência da República.

A ter, de facto, sido proferido este chorrilho de lugares-comuns*), há que questionar, antes de mais, a capacidade para o desempenho de tão altas funções por parte de um cidadão que, ainda há poucos meses atrás - e, porventura, antes de o terem aconselhado a ter tento na língua - sobre o mesmo assunto dizia coisas de sentido contrário, tão claras e sem margem para dúvidas como "Não sou político", ou "vou tirar esta farda, mas é para vestir outra. Eu sou militar, não tenho jeito para político. Fecho essa porta*).

Tudo isto é muito estranho. Principalmente, tratando-se de um militar, de uma pessoa que pertence à elite de uma estrutura conhecida pela solidez da palavra dada. Enfim...

- x -

Mas há mais.

Enquanto desempenhou as referidas funções, o Senhor Almirante notabilizou-se como executante privilegiado, como mero coordenador de esforços e de boas-vontades. Não como gestor; muito menos, como um velho sábio a exercer uma magistratura de influência presidencial. Nem me parece, dada a sua notória apetência pela ação, talhado para tal.

Como explicar, então, que alguém que se assume como não político, que desempenhou funções que em nada se assemelham àquelas que de um presidente da República será de esperar, abra agora uma porta, pelo próprio há pouco inequivocamente fechada para sempre, para, mais ano, menos ano, vir a candidatar-se ao lugar?

Já se sabe que, pelo menos até agora, ninguém, num dos partidos políticos do costume, se tem vindo a perfilar como candidato às mais altas funções do Estado. Já se sabe, também, que não se vislumbra quem poderá ter carisma suficiente para, sem fazer muito triste figura, as desempenhar na sombra do atual Presidente da República, o qual dificilmente alguém, num futuro mais ou menos próximo, poderá, no plano mediático, sequer sonhar em igualar. O que suscita, inevitavelmente, a pergunta: qual dos partidos estará a piscar o olho ao Almirante? Quem o estará a empurrar?

Além do mais, começa, como vimos, a dar a ideia de que o talvez putativo Candidato tem uma imagem bastante difusa de si próprio, o que não convém ao mais alto magistrado da nação: disse, em tempos de que já não parece lembrar-se, não ser um político, mas a recente inversão de marcha nos seus projetos futuros acaba de demonstrar que, embora inábil, afinal, o é.

No entanto, diz quem é sensato que a imortalidade, quando já está garantida, mais vale defender do que desbaratar. Por isso, a sério, alguém lhe diga que, mesmo quando movidos pelas melhores intenções, se não somos ou não nos sentimos competentes - ou alguma coisa nos diz que, mais ou menos suavemente, estão a passar-nos a mão pelo pelo -, bem melhor faremos, no interesse daqueles que, supostamente, iríamos servir, em em não insistir em avançar; em não nos tornarmos... mais um daqueles.

Honesta fama est alterum patrimonium

terça-feira, 21 de dezembro de 2021


Liberalismo ou Encapotado Negacionismo?

De entre tantos outros defeitos herdados da educação que recebi, ressalta o da convicção de que a nossa liberdade termina precisamente onde começa a dos outros. Ou, como já aqui citei, que "a única maneira de defender a liberdade é limitar a liberdade de cada um".

Corolário inevitável deste facilmente compreensível pressuposto, é que o liberalismo que extravasa a fronteira precisa em que entramos no domínio do interesse social legítimo dos nossos concidadãos não passa de incitamento à mais abjeta e caótica anarquia, ao primado do egoísmo e do egocentrismo, à irracionalidade de quem pretende, à viva força, que a liberdade individual de qualquer um - ao que quer que seja e por mais doentia e desvairada que ela seja - se sobrepõe, sempre e incondicionalmente, a qualquer esforço sério e socialmente legítimo do Estado de direito na defesa dos interesses da população.

Esquece-se, porventura, quem o defende de que, se ele e os outros acérrimos defensores circulam em segurança pela via pública e se sentem seguros nos seus lares, tal se deve à ação do Estado na perseguição, detenção, julgamento, condenação e - quando não os deixa fugir... - detenção de quem comete crimes, designadamente contra as pessoas e contra a propriedade, em tais atividades estando o mesmo Estado, afinal, a fazer precisamente aquilo que dele se espera e que é, ao fim e ao cabo, parte importante da sua razão de ser.

Olvidam, também, essas pessoas que, tal como a lei penal considera criminoso quem mata, quem fere, quem, de alguma forma, causa prejuízo grave a outrem, criminoso é, também, quem causa ou se arrisca a causar-lhe sério dano à saúde. Isto, seja o agente um mal intencionado e mal formado ser humano  ou um virus na sua atividade legítima e habitual.

Pretender, mesmo sem assumir contornos negacionistas, que cada indivíduo tem a liberdade de escolher ser vacinado ou não quando estão em causa a eficácia, a eficiência e, mesmo, a sobrevivência do Sistema Nacional de Saúde - não apenas no tratamento de doentes com COVID-19 mas no dos que padecem de qualquer outra doença - é ultrapassar todas as linhas encarnadas do que é natural, legítimo, razoável; é ultrapassar o mais liberal limite da própria definição de humanidade.

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Dar eco, como há dias deu o jornal Observador, a um arrazoado de infindáveis aberrações*) por parte de uma representante da assim chamada Oficina da Liberdade*) que sustenta que se torna cidadão de segunda quem vive em países que, à falta de alternativa, se vêem constrangidos, para evitar a propagação da pandemia, a decretar a vacinação obrigatória não estará, propriamente, a agir no exercício da liberdade de imprensa, antes talvez a propagar ideias perigosas, bem próximas de um acéfalo e parolo negacionismo e que, numa altura tão crítica para estas andanças como é a do Natal, se arriscam a prejudicar gravemente o mais legítimo e sagrado interesse nacional.

Pretender, por exemplo, que "por toda a Europa, parece renascida a ideia de que quaisquer medidas adotadas pelo poder político, em nome da saúde pública, são legítimas, mesmo que sejam absurdas, como é o caso da irónica divulgação de dados pessoais de saúde para aceder a um restaurante de fast food" diz bem da verdadeira natureza das ideias expressas, quando é certo e sabido que, para aceder a qualquer restaurante, basta apresentar um certificado digital a uma aplicação que apenas responde "Válido", sem especificar se o é por a pessoa ter contraído anteriormente a doença, por ter sido vacinada ou por qualquer outra razão admissível. Ou seja: sem revelar qualquer dado pessoal de saúde, mas apenas o estado de conformidade ou de inconformidade perante uma lei que vai de encontro ao mais básico e universal interesse nacional.

Como pode, de facto, alguém pretender que é do interesse ou do bem-estar de qualquer indivíduo estar permanentemente sujeito a uma contaminação potencial?  Como pode alguém de boa-fé alegar que a administração de uma vacina viola a dignidade humana? Ou que está a ser discriminado alguém impedido de entrar num restaurante por não apresentar a prova possível de que tudo fez para não contaminar outros?

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O apodado "certificado digital da discriminação" não passa de um "certificado digital da diferenciação", apenas condenável por aqueles que defendem a liberdade de tudo e a qualquer preço, não hesitando em, a contrario, violar a própria Constituição que dizem defender, já que insistem em considerar tudo igual a tudo. Mesmo ao que, manifestamente, por natureza ou por estado é tudo menos igual.

A manipulação da comunicação com os espíritos de leitores menos críticos ou menos preparados a troco de algo que, num tal quadro, poderá ser facilmente confundido como ânsia de protagonismo ou de promoção social ou profissional parece pouco prudente, nada profícua e, até, contraproducente para a imagem própria de alguém que ciosamente se possa estar a procurar promover ou socialmente alardear.

A defesa dos interesses e direitos de cada cidadão é fundamental para evitar abusos e desmandos como aqueles que durante décadas conhecemos em Portugal. Mas é pernicioso e atenta contra os mais elementares e nobres propósitos de qualquer organização societária insurgirmo-nos contra aquilo que, objetiva e fundamentadamente, a Ciência e os seus representantes consideram uma precaução essencial.

ª ª

No âmbito da defesa dos interesses e direitos, até que ponto será lícito o Estado conceder gratuitidade de tratamentos a pessoas que, simplesmente, se recusam a tomar as precauções consideradas essenciais a limitar a propagação da doença?

(continua aqui)

domingo, 12 de dezembro de 2021


E que tal Fazê-los Pagar a Continha?

Da pusilanimidade e falta de objetividade do Governo de Portugal na gestão da crise pandémica, muito especialmente na altura do Natal, já aqui falei após o descalabro vivido no início deste ano de 2021.

A par de algumas medidas que, na época festiva que se avizinha, se afiguram, à partida, mais avisadas e fundamentadas do que no ano anterior, assistimos, no entanto, a nova demonstração de timidez e omissão governativas, eventualmente devidas à proximidade de mais um ato eleitoral.

Tem isto ao ver com a conclusão expressa em estudos recentemente divulgados segundo os quais, juntamente com os imunodeprimidos, os não vacinados constituem a grande maioria dos internados com COVID-19 em Portugal*); e no Brasil também*), e não é de agora.

Ora, como é sobejamente sabido, a todos os portugueses com idade e nas condições clínicas adequadas, foi, gratuitamente, dada a oportunidade de serem atempadamente vacinados, não apenas no interesse da comunidade, mas no interesse próprio, tão querido a quem tende a pouco querer saber dos outros.

Esquecem-se aqueles que recusaram a vacina de que oportunidade implica responsabilidade, designadamente a responsabilidade económica pela recusa da vacina.

Não parece, assim, fazer qualquer sentido que continue o Estado para o qual economicamente todos somos obrigados a contribuir a suportar os custos com o internamento de indivíduos egocêntricos, medrosos ou apenas ansiosos de protagonismo a qualquer preço, que recusarem vacinar-se, assim acabando, quase inevitavelmente, por apanhar o sempre incómodo, dispendioso e, por vezes, letal bicharoco.

Que o Serviço Nacional de Saúde os trate, acho muito bem. Agora, que todos tenhamos de pagar a continha de uns quantos idiotas que, ainda por cima, comprometem a eficiência e eficácia do Serviço que, desnecessariamente, solicitam já me parece muito além daquele razoável que um governo, por muito pouco razoável, deverá tolerar.

- x -

Em democracia, e por uma elementar questão de justiça, não é lícito tratar igualmente o que não é igual.

Todos fomos postos em pé de igualdade no processo de vacinação. Agora, os benefícios devem ser, também, iguais para quantos foram vacinados, mas bem diferentes para quem recusou a inoculação.


PS: Como já espero reações apatetadas ao texto, aqui transcrevo um elevadíssimo comentário afixado no artigo "Juiz Negacionista ou Advogado Oportunista, que diz bem do que vai na cabeça de alguma desta gente:

    "Prepara-te para um contra ataque em breve do https://forasteiro.net
    Vão ser todos abatidos, tu e o Scimed e mais uns quantos, prometemos.
    A bem ou a força irão ser todos expostos, como vieste ao mundo nú asism o serás em breve.
    Aguarda".

quinta-feira, 4 de novembro de 2021


Não Basta Ser...

Depois de ler a notícia, dei comigo a perguntar-me sobre a razão pela qual, por muito entusiasta que possa ser do tema - e é -, terá um outrora coordenador da assim denominada task force da vacinação contra a COVID-19 sido convidado a discursar no WebSummit sobre a sua recente e muito bem sucedida experiência.

Mais admirado fiquei quando soube que a plateia ultrapassava apenas a escassa centena de pessoas, contrastando, fortemente, com o significativo relevo mediático que a iniciativa mereceu.*)

Não teriam o tempo e o esforço sido mais bem empregues noutro qualquer evento onde o Senhor Vice-Almirante pudesse passar a sua importante mensagem a uma plateia bem maior e, até, dela mais necessitada do que um punhado de portugueses supostamente esclarecidos e suficientemente afortunados para ter meios para ali estar?

Lembrei-me, depois, da importância que o certame tem para certos políticos e politiqueiros aqui do nosso Retângulo, onde muitos deles por gente séria já nem tentam passar e sabem mais do que bem que, como também já aqui disse, em política é insensato dar força a uma pessoa sem também nos prepararmos para mais tarde podermos vencê-la

A nossa glória nunca é eterna, e, enquanto dura, sempre haverá outros que dela se saberão aproveitar.

Ocorreu-me, também, que o Senhor Vice-Almirante, a quem todos tanto devemos - mesmo os mais básicos negacionistas...*) -, foi perentório e inequívoco ao exprimir o firme propósito de jamais se dedicar à política; mas ocorreu-me, também, que, não obstante, a aparição naquele meio restrito inevitavelmente traria chorudos proventos em votos expressos a certos políticos habitualmente associados à promoção do Web Summit. Ou não será?

Claro está que o ilustre Oficial é senhor de discernimento mais do que suficiente para ter consciência de tudo isto e, mesmo que o não tivesse, certamente não necessitaria de um recém-nascido blogueiro para o aconselhar. Tampouco deixará de saber como, do ponto de vista emocional, lidar com desmandos parolos do género "Você é o meu herói!"*), sempre apetitoso fruto para aqueles que tendem a olhar para a mais ínfima manifestação de mediocridade como uma fabulosa notícia que num canal qualquer não resistirão a pespegar.

Convirá, no entanto, que, por um lado, se não esqueça facilmente da patifaria que, muito recentemente, lhe fizeram ao nomearem-no Chefe do Estado-Maior da Armada*) quando o lugar estava ocupado e continuaria a estar; e, por outro, que tenha presente que a participação em eventos deste impacto político e mediático, porquanto com uma quantidade de espetadores tão reduzida, poderá soltar as habituais más-línguas, que não deixarão de lucrar com a oportunidade de, aqui e ali, deixar mais um artigo de opinião ou de ir mostrar-se a uma estação televisiva que lhes pague bem para se deliciarem a especular sobre um assunto que, naturalmente, assentará em substância nenhuma, o que nem por isso os desencorajará.

Penso que ninguém terá qualquer motivo para duvidar da hombridade, da idoneidade, da retidão e da honestidade do distinto Oficial da Armada. Mas, Senhor Almirante, foi há muito tempo já que a mulher de César descobriu que não basta ser: é preciso parecer.

Sempre.

 

Atualização: Impasse na Carreira de Gouveia e Melo na Armada*) (07nov2021)

quarta-feira, 15 de setembro de 2021


Júlio de Pina Martins




"Um juiz quando veste a toga,
tem de despir as suas convicções
"

Júlio de Pina Martins
Procurador-Geral Adjunto, Visão


Palavras sábias que não podem deixar de ser lembradas perante a imagem de juízes que não apenas violam frontalmente a lei como incitam a que outros o façam, fazendo-se valer da sua condição privilegiada de magistrados para afrontar e humilhar elementos das forças policiais no estrito cumprimento de ordens emanadas visando a manutenção da ordem pública*).

Trata-se de desmandos intoleráveis que devem ser severamente reprimidos, a título de exemplo para quantos pensem que, em lugar de deveres acrescidos, a nobre missão que desempenham lhes confere direitos e privilégios que nenhuma sociedade verdadeiramente democrática alguma vez poderá tolerar.

(continua aqui)

sábado, 14 de agosto de 2021


COVID: O Palácio das Araras

"Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos:
é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada,
que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação
"

          1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas
          2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
          3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
          4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão
          5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

 

Importância da Sustentação Científica
1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas

No Estado de Direito, é entendido como do mais elementar bom senso – e a lei prevê – que um decisor que não domine determinada área do conhecimento recorra à opinião de peritos visando o rigor da decisão a prolatar, bem como a clareza de uma exaustiva e clara fundamentação.

Tal recurso à presumível sapiência de terceiros pressupõe, necessariamente, que o laudo produzido por cada perito consultado se sustente em saber estabilizado e adquirido segundo as regras do método científico, sob pena de acabar o decisor enleado numa amálgama de opiniões díspares que, em lugar de contribuir para o desejado esclarecimento, apenas irão a sua ignorância nestas coisas acabar por aumentar.

Ainda assim - ou seja, mesmo quando os diversos pareceres solicitados se baseiam numa mesma ciência antiga e são redigidos de acordo com os procedimentos preconizados -, não é raro chegarem os respetivos autores a conclusões substancialmente distintas, já que, contrariamente ao que às vezes por aí se diz, conta bem menos o volume do conhecimento do que a efetiva capacidade para corretamente o processar, para, daquele que existir, alguma coisa aproveitar.

A situação agrava-se, evidentemente, quando a ciência consultada não é antiga nem conhecimento, verdadeiramente, existe porque o problema é recente e ninguém domina uma matéria que não houve tempo para, serena e exaustivamente, investigar.

Assistimos, então, a espetáculos tristes por parte de desesperados e desabridos gestores ou governantes que ficam sem saber o que decidir e como manter confiante e tranquila uma população tão ignorante como eles nestes assuntos – e muito bem, porque, se cientistas existem de determinada área, é porque tudo de tudo todos não têm de saber -  e ávida de orientações e esclarecimentos coerentes e seguros, ou que, pelo menos, pareçam fidedignos, que estimulem a vontade de os seguir e de à lei obedecer.

Atarantados, não cessam, pelo contrário, os atores sociais e políticos de ainda mais inquietar os espíritos, lançando na comunicação social o debate tipicamente estéril que, de forma inevitável, nasce do costume de espalhar aos quatro ventos todas as palavras alguém diz, seja lá o que for, seja lá quem for, como que procurando transferir para os desgovernados a obrigação de, em cada caso específico, decidir sobre aquilo que não conhecem, e deixando-os sem saber o que fazer nem em quem, afinal, acreditar.

Políticos escondidos no buraco do avestruz
Inversamente, poderá, também, dar-se o caso de outros desesperados gestores ou governantes se acoitarem no buraco do avestruz, na toca estreita da inação, esperando que peritos e ólogos disto e daquilo se matem e esfolem em debates mais ou menos espalhafatosos mas sempre inconsequentes, esquecendo-se de que, para que da discussão nasça a luz, necessário se torna que ela se processe sobre conhecimento validado e objetivo, e não sobre qualquer sandice que saia da pena ou da boca de quem, pouco ou nada sabendo do assunto, da quantidade do que lhe sai da pena ou da boca depende para viver.


2. Vacina-se os Miúdos ou Não?

Enquanto, na imensa praia da insanidade comunicacional típica do Portugal de todos nós o areal vai, a cada dia que passa, ficando cada vez mais poluído, decisões de sentido inverso vão sendo tomadas em regiões distintas do País. Foi o que aconteceu na Madeira, onde, a despeito da recomendação de sentido contrário da Direção-Geral da Saúde – e não de Saúde, como alguns peritos e alguns ólogos, quiçá por soar mais chic gostam de dizer -, se decidiu inocular os menores com idades entre os 12 e os 16 anos*), independentemente da existência ou inexistência de patologias – direito esse que, diga-se de passagem, à Região Autónoma plenamente assiste, nos termos constitucionais.

Não pode, porém, ignorar-se que, se a disparidade de critérios e de fundamentações que grassa Europa fora é, já de si, sintomática do desnorte que por aí reina na ciência destas coisas, torna-se, para a fiabilidade do que cientificamente é dito, simplesmente catastrófico que, para salvaguardar particularidades da economia de determinada Região ou por mera ânsia de protagonismo político, sobre questão são importante e sensível como a vacinação de menores se não entenda uma região autónoma com o poder central - por muito débil que este possa ser mau grado o folclore gerado por cada vez mais frequentes e indisfarçáveis tiques ditatoriais.

Mais grave, porém, será o facto de a Direção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos terem posições diametralmente opostas sobre este tema da vacinação de menores*).

Note-se que se trata de entidades que, desejavelmente, não estão a proferir opiniões de natureza política: em ambas pontificam cientistas das mesmas áreas do conhecimento que estariam, supostamente, a pronunciar-se de forma sensata, ponderada e cientificamente sustentada sobre matérias da sua especialidade, visando, unicamente, proporcionar aos tais mais ou menos desesperados governantes os elementos necessários à tomada de decisões políticas - decisões essas que acabam por quase sempre tardar, por ficarem os governantes à deriva num confuso oceano de contraditórias opiniões.

>A Cereja no Topo do Bolo
A cereja no topo do bolo da descrença popular vem-nos do facto de,
dentro da própria Ordem, os médicos não se entenderem quanto ao que devem recomendar*); e, cereja ainda mais saborosa, que, dias mais tarde e, ao que consta, por atuação direta do Senhor Presidente da República no exercício da magistratura de influência para a qual por todos nós foi mandatado, a Direção-Geral da Saúde lá acabe, a contragosto, por dar o dito por não dito e passe a dizer que, ah!, afinal, as coisas não são assim tão simples e os miúdos sempre são todos para vacinar!

Bonito!

Não obstante, entende o Senhor Primeiro-Ministro que não se trata de ziguezague - como, à manobra, um definhado partido da oposição chamou à cambalhota -, mas sim de "evoluir na decisão"*)... mais propriamente, evoluir precisamente para a decisão contrária, com os mesmos dados disponíveis e, praticamente, uma semana depois.

Fala-se muito de linguagem inclusiva, mas esta é simplesmente exclusiva, na medida em que exclui do seu entendimento os olhos e os ouvidos de pessoas minimamente inteligentes e de boa fé, que apenas procuram entender o que se passa, sem estar preocupadas com votos ou campanhas eleitorais, como, por maioria de razão, a um Governo conviria em tempo de tão graves e sensíveis decisões.


3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social

No século passado, era eu ainda mais miúdo do que os miúdos cuja vacinação tanta celeuma hoje levanta, levava-me a minha Mãe ao Palácio das Araras, no Jardim Zoológico de Lisboa.

Cá de fora, pouco se dava por isso. Mas, uma vez lá dentro, o diálogo entre humanos tornava-se completamente impossível, tal era a chinfrineira saída dos bicos das animadas e tagarelas aves.

O mesmo se passa hoje com a vozearia que, sobre assuntos relacionados com a COVID, por aí vai nos jornais e televisões, resultando numa chinfrineira muda, vazia de mensagem, já que ninguém ouve nem ninguém se faz ouvir, com um mínimo de respeito e de credibilidade, no meio de tanto alarde, de tanta vontade de se pôr em bicos de pés a dizer “eu é que tenho razão!” quando lá se arranja maneira de, uma vez mais e ganhando ou não uns trocos, aparecer na televisão.

Manifestamente, não se baseiam estes discordantes palradores em dados cientificamente recolhidos e validados, uma vez que, em quantidade e com fiabilidade suficientes, os não há: proferem palavras tiradas da mera dedução lógica a partir de algumas notícias e elementos insuficientemente interpretados e testados. Ou seja: deitam-se a divinhar, como, mais coisa, menos coisa, qualquer um de nós seria capaz de fazer.

Missão de Informar De nada vale o brocardo segundo o qual, quando um burro zurra – digamos assim -, os outros baixam as orelhas: todos sabem que ninguém sabe, mas todos fazem por parecer que sabem, porque, para esta gente, é “vergonha” não saber.

Mas a título de quê e com que legitimidade ou direito tanto palra esta gente toda?

Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará, nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão

Estruturalmente, a democracia é um regime político muito fraco, dada a facilidade com que se usa e abusa na interpretação dos direitos, garantias e liberdades constitucionalmente reconhecidos, invocando-os para tudo e mais alguma coisa em proveito exclusivo de um indivíduo ou de um grupo restrito, sem que alguém tenha a coragem de a tal se opor. Se o fizer, o mais certo será deparar-se com acusações de ser fascista, ditador e mais isto e mais aquilo, como sempre acontece quando alguém procura, no exercício de direitos ou de deveres e com a melhor das intenções, moderar o exercício das amplas liberdades da democracia por parte de quem delas abusa e volta a abusar.

Já, a propósito dos festejos da vitória do Sporting na Primeira Liga de futebol, aqui falei sobre a confusão entre, por um lado, o direito de cada um manifestar as suas posições e ideais políticos e, por outro, invocar tal direito para atividades que nada têm com os direitos garantidos na Constituição.

O abuso da liberdade de expressão em tempo de pandemia é claramente, mais um destes casos.

Na verdade, aquilo a que diariamente assistimos nas televisões não é o exercício do direito de livremente exprimir posições políticas sobre o assunto, posições essas que, efetivamente, todos têm o direito de manifestar e todos têm o direito de conhecer.

O que se escreve nos jornais e passa nas televisões são conclusões meramente técnicas e, quase sempre, não fundamentadas sobre matéria científica que apenas meia dúzia de portugueses se encontra em condições de escutar e interpretar. Para a multidão restante, são coisas sem qualquer interesse prático, sem conteúdo político, apenas destinadas a preencher tempo de antena quando nenhuma catástrofe ou desastre espetacular em Portugal fornece matéria para vender anúncios, e cujo principal efeito é espalhar a confusão, descredibilizar as decisões e convidar, por desconhecimento ou descrédito, à prática de sucessivas infrações.

Direção-Geral da Saúde
Não se trata, neste caso de, ao espalhar por aí palavras a esmo, a Direção-Geral da Saúde, a Ordem dos Médicos, os epidemiologistas, os outros istas, os ólogos, os espertalhões, os jornais e as televisões estarem no exercício de qualquer direito previsto na constituição, designadamente o direito à liberdade de expressão: trata-se, antes e muito evidentemente, de uma clara violação do dever social de contenção, de reserva, sobre temas que não são do interesse da generalidade de uma população que tudo quanto quer é saber o que é para fazer, porque é isso que importa: é isso que, se cumprido, poderá ainda ter alguma eficácia e, da COVID e do seu Exmº Vírus, em alguma medida evitar maior propagação.

Afinal, o que queremos, verdadeiramente, quando vamos ao médico? Simplesmente, que nos passe a receita e instrua quanto à posologia. Às discussões técnicas, que nos poupe e as tenha em local próprio e com os colegas de profissão!

É no INFARMED, e não na praça pública, que deve ter lugar o debate entre cientistas que falem a mesma língua e que, nesse e noutros fora da especialidade, expressem livremente as suas opiniões, procurando chegar ao bom porto de alguma válida e, finalmente, eficaz conclusão, na falta da qual o Governo ficará desobrigado de seguir o resultado da difusa e inaproveitável discussão - mas, mesmo assim, obrigado a decidir com base no bom senso e segundo os mais altos e saudáveis ditames da administração.

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos: é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada, que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação.


5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

Bem, dir-se-á, mas, no INFARMED isso já é feito, os especialistas já debatem estes temas antes e durante as famosas reuniões.

Pois sim, mas o que, aparentemente, acontece, é que, convenientemente, não são convidados cientistas de todas as tendências para essas reuniões, assim restando aos excluídos e ignorados badalar cá por fora as razões pelas quais discordam das conclusões.

A assim não ser, isto é, se existe o cuidado de garantir que participam nas reuniões especialistas com as mais diversas visões do problema, serão os vencidos no debate que, dando mostras de ausência, nos seus espíritos, da mais elementar noção de ética, vêm publicamente - e de forma mais ou menos equívoca – destilar o fel que, da derrota no debate, lhes ficou. Ou, então, os medíocres que querem, à viva força, ser alguém mas nada de útil têm a acrescentar e já ninguém tem paciência para ouvir, sem que por isso se coíbam de bater à porta desta ou daquela estação televisiva onde lá acabam por encontrar alguém que, por sua vez, conhece alguém que, a troco de uns minutos a encher com alardeada erudição uma antena desprovida de interesse, lá arranjam maneira de, no próximo jantar em família, exibir o vídeo de mais aquela vez em que as importantes criaturas foram à televisão.

- x -

Os editores dos jornais e os diretores de informação das televisões prestariam bem mais válido e sério serviço público se, em tempos tão complicados e difíceis, se recusassem a incentivar e a amplificar a chinfrineira destas araras que nos enchem olhos e ouvidos com a sua ignorante confusão; se pensassem um pouco menos em tiragens e em audiências e se abstivessem de dar eco a quem o não merce - ainda que substituindo o interminável rosário de opiniões dos entendidos por cacofónicas crónicas futebolísticas com vocabulário mais ou menos anedótico ou por mais um programas pimba apresentados por gente cada vez mais mal preparada e mais desinteressante.

Agiriam, assim, em defesa do legítimo interesse do público que os sustenta e a quem se dirigem, em lugar de dar palco a quem, falando daquilo que supostamente sabe sem, efetivamente, algo saber, apenas perturba a paz social, desacredita o legislador e as leis que produz, e assim torna ainda mais incerto e confuso o que já tão difícil é entender.

Em circunstância nenhuma será boa ideia aumentar a depressão e o pânico numa martirizada população e em desnorteados governantes que, manifestamente, não fazem a mais pequena ideia do que ainda poderão fazer, sem meter o pé na argola e sem dar cabo da próxima eleição.

segunda-feira, 19 de julho de 2021


Castigos Inúteis da COVID

Complicado? Claro que não! É, até, bem simples!

Se não foi por desnorte, incompetência ou desinteresse,
por que será que pelo menos um destes tão simples
como evidentes retoques não foi introduzido no modelo em vigor,
antes tendo-se vindo a insistir, cegamente,
na aplicação continuada de tão descabidas e desnecessárias sanções
a concelhos que já tanto tiveram de sofrer quando para tal havia plena justificação?

 

1. COVID: Cidade Injustiçada
2. Ligeireza e Arbitrariedade Redundam em Castigos Inúteis e Injustos
3. Como Resolver Objetivamente a Questão?


Elvas Injustiçada
1. COVID; Cidade Injustiçada

Há pessoas que falam pelos cotovelos e, algumas delas, não só falam pelos cotovelos como o fazem em voz impossível de deixar de ouvir por alguém que esteja menos de uma boa dúzia de metros afastado. Foi assim que anteontem tomei conhecimento de uma história insólita, quando beberricava, descontraidamente, numa esplanada um líquido qualquer.

O sujeito da voz tonitroante tinha decidido jantar em Elvas, no regresso de uma deslocação profissional algures ao Alentejo.

Procurou na Internet um restaurante que correspondesse às suas preferências, e também pela Internet ficou a sabe que Elvas iria entrar, no dia seguinte, na situação de risco muito elevado de contágio pelo vírus Sars-Cov-2.

Assim, e como quem o atendeu no restaurante, era algo dado à conversa, interessou-se o viajante palrador pelas razões que teriam levado aquele fim de um Alentejo quase imune à doença a apresentar uma tão elevada quantidade de novos doentes COVID, ao que o outro retorquiu que os infetados eram, na sua maioria, jovens finalistas em festejos de final de ano letivo.

Ora, gostando o tuga de comemorar desabrida e descontroladamente como gosta e entendendo que, mesmo nestes tempos terríveis, o que importa é viver plenamente com tudo aquilo a que tem direito, razão não haveria para que o efeito destas folias em Elvas, Alentejo, diferisse, nas devidas proporções, do descalabro estatístico resultante das loucuras que se seguiram à mais do que esperada vitória do Sporting Clube de Portugal na Liga NO, loucuras essas cometidas perante a completa passividade do Ministério da Administração interna e da Câmara Municipal de Lisboa.

Dispôs-se o nosso tagarela a aprofundar a questão, ao que o seu interlocutor no restaurante informou que tinha Elvas atingido, na quinzena que então terminara, uma taxa de incidência superior a 480 novos infetados por cem mil habitantes, razão pela qual os alarmados responsáveis por nos salvar a todos da pandemia tinham decretado novas proibições que iriam, uma vez mais, dar cabo do negócio dos restaurantes, agora operados por pessoas habilitadas, além de servir refeições, também a, sem qualquer formação específica, vigiar a forma como os clientes realizavam os indispensáveis autotestes que lhes confeririam, se negativos, o direito a desfrutar da refeição.

Ligeireza e Arbitrariedade
Mas disse mais o colaborador do restaurante – e aqui começa a nossa história: disse que tudo aquilo era um perfeito disparate que os iria prejudicar sem qualquer razão. E porquê? Porque as aulas tinham terminado semanas antes, a maior incidência de infetados, em números absolutos, tinha chegado a perto de 130 pessoas duas semanas antes, não tendo, no entanto, ultrapassado os 70 na semana seguinte e continuando a diminuir a olhos vistos à data em que começariam a vigorar as novas restrições.

Como Elvas tem uma população de cerca de 23.000 habitantes, os cerca de 130 casos reais absolutos correspondem a cerca de 520 por 100.000 habitantes, donde a decisão de regredir no desconfinamento.

2. Ligeireza e Arbitrariedade Redundam em Castigos Inúteis e Injustos

Fazer qualquer coisa implica esforço, já se sabe; mas não poder fazer implica também, pelas privações que daí advêm, da qual a privação de receitas do já tão martirizado comércio, entre outros setores, não será, por certo, a mais desprezível.

Para que alguém aceite confinar-se, privar-se, para que a lei seja por todos - ou quase todos - aceite e cumprida, tem, também, de ser racional e clara, tem de fazer sentido, para que os destinatários nela vejam algum propósito credível e com uma probabilidade de eficácia que justifique um sacrifício já enorme: não pode, ao invés, ficar nas mãos de amadores incapazes de planear seja o que for com ponderação e seriedade; de pessoas impreparadas, irresponsáveis, precipitadas, politicamente desesperadas, até.

Claro que o ideal teria sido, nas datas em que as comemorações eram previsíveis, vigiar o cumprimento da lei que já proibia os ajuntamentos para evitar novas doenças COVID. Tal não tendo acontecido, não pode pôr-se em causa que, no interesse de todos, teria sido necessário reagir quando se ultrapassou o patamar legalmente fixado, e isto independente de a tal contagem absoluta de cento e vinte ser cientificamente válida para o efeito ou não, coisa que não estou, de perto nem de longe, habilitado a discutir.

O que não há como entender são duas coisas muito simples.

A primeira, qual a utilidade de agir só ao fim de uma quinzena, isto é, quando o vírus já fez criação mais do que suficiente para assegurar uma, para ele, saudável e profícua expansão pelo sistema respiratório de umas boas centenas ou milhares de exemplares da tão descuidada e irreverente população tuga; e da outra, vítima ajuizada e inocente, também.

Independentemente da variação
Como entender, de facto, que decisões tão graves e tão penalizadoras para a economia de empresários, de consumidores, de todo o Estado, sejam tomadas com base em médias estáticas relativas a um período de tempo tão tardio e independentemente da variação ao longo do mesmo, alegando meras dificuldades na explicação de um critério, como iremos ver?

Evidentemente, se, por mera hipótese, no primeiro dia de uma quinzena, determinado concelho registar uma contagem de, por exemplo, cento e quarenta infetados e, no derradeiro, apenas noventa e sete, sendo a média móvel dos sete últimos dias consistentemente inferior ao longo da segunda semana, estamos perante uma situação obviamente resolvida ou em vias disso, jamais se justificando, em tal cenário, qualquer novo confinamento ou outra imposição.

A Elvas, valeu, apesar dos festejos que não soube evitar, ter uma população responsável que não esperou que as novas medidas restritivas fossem decretadas para, espontânea e rapidamente, pôr cobro à indesejada evolução. Mesmo assim, e graças a modelos obsoletos e, desde o início, descabidos, não teve como evitar o implacável e imerecido castigo, a exemplo, mais do que provavelmente, de muitos outros concelhos na mesma situação de serem punidos, não por a propagação do vírus estar a aumentar, mas por estar prestes a terminar!

Ora, se como na esplanada ouvi ao animado conversador, a quantidade de pessoas infetadas pelo Sars-Cov-2 na segunda semana da quinzena era inferior em cerca de metade à da primeira, que justificação poderá, em tal cenário, alguém invocar para impor novas medidas de restrição? Para tamanha incompetência e arbitrariedade, onde procurar explicação?

- x -

Traz-nos isto à segunda coisa que não há como entender: que, caso não se queria recorrer à análise da evolução da média móvel, os indicadores estatísticos utilizados nesta aparência de governação não estejam sujeitos a uma, ainda que elementar, ponderação em função do dia da quinzena, mais próximo do início ou do fim, em que cada leitura é registada.

Não seria lógico que os primeiros dias tivessem um peso reduzido na decisão e os últimos um peso incomparavelmente maior, assim se tornando fácil ajustar, de forma automática e objetiva, o número relevante para a decisão final conforme estivesse a aumentar ou a diminuir a quantidade de novas infeções?

Fatídica Quinzena em Elvas
De facto, os números dessa desnecessariamente fatídica quinzena em Elvas perdem todo significado perante o facto de a sequência de leituras diária significar, insofismavelmente, que estariam em queda abrupta as infeções – a comprovar-se, já se sabe, a exatidão daquilo que ouvi naquela ocasião. Mas, mesmo que não se comprove, haverá múltiplas situações destas por esse País fora, e é delas que aqui, em abstrato, aqui me ocupo, tendo como mote o exemplo de Elvas, independentemente de os tais valores que ouvi por alto estarem certos ou não.

3. Como Resolver Objetivamente a Questão?

A parte mais triste disto tudo é que, segundo li na imprensa, terá o Governo rejeitado este critério fundamental da aceleração ou desaceleração do contágio*), que teria, muito facilmente, evitado estas situações profundamente injustas e injustificadas que a tantos a própria sobrevivência dos negócios poderão custar, apenas aplicando o do nível de incidência, o dos concelhos circundantes e o do surto localizado.

A justificação terá sido a de que o critério da aceleração do contágio seria pouco objetivo, ou difícil de explicar.

Numa abordagem apenas destinada a ilustrar quão fácil seria, até para um amador como quem aqui escreve, dotar o critério rejeitado da necessária objetividade e facilitar a correspondente explicação, aqui deixo aqui duas sugestões muito simples de aplicar, e que os especialistas facilmente afinarão.

- x -

A primeira, consiste na observação da evolução, ao longo da quinzena (duas semanas) e, a partir do dia em que tal seja possível, da média móvel dos últimos sete dias (sete, para incluir, obrigatoriamente, os desvios próprios dos fins de semana): registando-se uma diminuição constante da média móvel ao longo do período (Quadro 1 infra, Cenário A), não serão aplicadas quaisquer novas restrições, independentemente da média geral absoluta e estática apurada no termo da quinzena.

Quadro 1

Caso esta simulação correspondesse a dados reais de Elvas (com uma população de cerca de 23.000), a média real de 115,64 das duas semanas corresponderia a cerca de 503 novos infetados por cem mil habitantes [(115,64 : (23.000 : 100.000)].

No entanto, no Cenário A do Quadro 1, cada uma das médias móveis nos últimos sete dias - de 124,43 > 121,86 > 119,57 e assim sucessivamente até 106,86 - teria sido, consistentemente, inferior à anterior, pelo que nenhum agravamento da situação haveria de ser aplicado a este concelho com mais de 480 novos infetados por cem mil habitantes.

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Quantidade de Novos Casos Registada em Cada Dia
A segunda (Quadro 2), afeta, a cada um dos dias da quinzena, uma ponderação, que começa em 1,00 no primeiro dia e é multiplicada por 1,50 por cada dia que passa (1,50 no segundo dia, 2,25 no terceiro e assim sucessivamente). Por este valor de ponderação - a ser afinado por quem entende da matéria - é multiplicada a quantidade de novos casos registada em cada dia, assim resultando a quantidade relativa ao primeiro dia da quinzena (1,00 no exemplo) muitíssimo menos relevante do que a do décimo quarto (194,62).

Para o cálculo da média será, assim, utilizado esse valor ponderado, em lugar do absoluto, o que fará com que, no Cenário A do Quadro 2, os 140 casos do primeiro dia tenham um peso de 140 (140 x 1) e os 97 do último dia tenham um peso de 18,878 (97 x 194m92); ou seja: que conte muito mais a redução efetiva do número de casos no último dia do que o valor mais elevado no primeiro, como deve contar numa situação clara de progressivo controlo da infeção.

A soma destas quantidades ponderadas é, então, dividida pela soma das ponderações, do que resulta, no Cenário A (incidência da doença a descer), uma média diária ponderada de 103,46, substancialmente diferente da média aritmética não ponderada de 115,64 resultante da aplicação do modelo que suponho ser o atualmente utilizado – pelo menos, assim está descrito de forma simplista. 

Quadro 2

Esta retificação ao modelo determinaria que não mais fossem, indevida e injustificadamente, aplicadas restrições sem qualquer utilidade prática em concelhos onde, apesar de a média da quinzena ser superior ao limiar mínimo estabelecido para que as medidas não sejam agravadas, a incidência de novos contágios estaria, inequivocamente, a descer.

Novamente no caso de a simulação se referir a Elvas, a média ponderada dos 14 dias de 103,46 corresponderia, desta vez, a 449 casos por cem mil habitantes [(103,46 : (23.000 : 100.000)], assim não havendo lugar a qualquer agravamento da classificação de risco.

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É, até, bem simples!
Em suma: qualquer que fosse, destes dois, o critério complementar aplicado – ou ambos -, sempre ficaria salvaguardada a posição dos concelhos bem comportados, ou seja, daqueles que, tendo passado por uma situação de alguma gravidade durante um curto período de tempo, rapidamente lhe houvessem posto cobro de forma espontânea, assim resultando injusta e abusiva qualquer punição que, a destempo, viesse a ser-lhes aplicada.

Complicado? Claro que não! É, até, bem simples!

Se não foi por desnorte, incompetência ou desinteresse, por que será que pelo menos um destes tão simples como evidentes retoques não foi introduzido no modelo em vigor, antes tendo-se vindo a insistir, cegamente, na aplicação continuada de tão descabidas e desnecessárias sanções a concelhos que já tanto tiveram de sofrer quando para tal havia plena justificação?

Para cúmulo, sendo a explicação a dificuldade de explicação do critério, num governo que dá emprego a não poucos assessores de comunicação!

Mistérios de uma agora gasta e há muito desnorteada governação...

Sic transit gloria mundi...

sábado, 5 de junho de 2021


Sporting: Direito de Comemoração?

"Ao aceitar, apesar de tudo, manter-se em funções, poderá o infeliz e desajeitado
Ministro da Administração Interna estar a fazer um enorme favor ao amigo que o nomeou,
mas é incomensurável o dano que, nessas mesmas funções,
causa a cada um dos desgovernados que agora somos"


   1. Direito de Manifestação ou Direito de Comemoração?
   2. O Imperativo Legal de a Câmara Municipal de Lisboa Impedir as Comemorações
   3. O Improviso Quase Encomendado
   4. Desmandos a Mando do Futebol
   5. Hooligans à Portuguesa
   6. Os Poderes Políticos Foram Eleitos, Nomeados e Mandatados para quê?


1. Direito de Manifestação ou Direito de Comemoração?

Mais do que uma necessidade, a desambiguação vocabular*) constitui imperativo de quantos primam por fazer-se entender na significação estrita que quiseram exprimir, mormente em questões de índole jurídica ou política, por serem das que mais expressivamente afetam a vida e o bem-estar individual e coletivo e, no caso de que aqui trataremos, dando especial relevo às relacionadas com a preservação da saúde e da vida num cenário de epidemia ou de pandemia - de COVID-19 ou de qualquer outra que, a mais ou menos breve trecho, não deixará de vir.

Refletirei brevemente sobre a diferença entre os substantivos objeto e objetivo, reflexão essa antecedida de outra sobre o que se entende, por um lado, por direito de reunião ou direito de manifestação e, por outro lado, por direito de promover ajuntamentos de pendor mais ou menos chauvinista, destinados à glorificação de sucessos desportivos, ou a exaltar as assim chamadas conquistas de um ou outro clube de futebol.

Exemplificarei com aquilo que ocorreu em Lisboa*) e um pouco por todo o Portugal*) no dia em que se soube que, ao fim de dezanove anos de jejum, o campeão nacional português de futebol de 2020/2021 iria ser o Sporting Clube de Portugal.

- x -

A diferenciação entre o direito de reunião e o direito de manifestação não mereceu, por parte dos Constituintes de 1976,  ser contemplada no Diploma Fundamental. No entanto, enquanto o direito de reunião não tem uma conotação necessariamente política, pode significar o que quisermos, o direito de manifestação radica na própria ideia de democracia, parecendo inegável ser dirigido à divulgação e salvaguarda dos direitos políticos de cidadãos que pretendam fazer valer, junto de terceiros, os seus pontos de vista, na defesa de causas que, num quadro democrático, lhes mereçam atenção e dedicação.

Dificilmente fará, assim, qualquer sentido confundir com manifestação um ajuntamento magno de adeptos de uma associação desportiva ou qualquer outra de cariz mais ou menos lúdico, visando o simples alarde da vitória de umas dezenas de milionários que passaram boa parte do ano – e da vida - a procurar enfiar uma bola de dimensões relativamente ínfimas numa rede imensa, mesmo que esteja ela zelosamente defendida por um abnegado guardador.

Estas explosões de cariz irracional e primário promovidas, de forma rotineira, por claques nascidas do fanatismo de uns poucos que parecem pouca ou nenhuma ideia ter do que por aqui aos outros andam a fazer - e, por assim dizer, descarregam, nos infelizes que pertencem a outro clube, as excrescências humorísticas do sucesso a que chamam “nosso” e que, por instantes, quase os faz esquecer a futilidade das sua vidas sem rumo –, enquadram-se, portanto, não no direito de manifestação, mas no direito de reunião que, no final da década de setenta do século passado, pelos Constituintes, terá, também ele, sido mais mais associado ao direito de reunião política e democrática do que ao das comemorações mais ou menos alarves, dos banquetes ou das festas de aniversário mais ou menos parolas, sobre os quais, porventura por manifesto demérito de tais eventos, nem lhes terá parecido necessário ou útil regular.

Há que lamentar, também aqui, aquela que parece ser uma ideia generalizada por parte de quem legisla, essa de não se ter, amiúde, o cuidado mínimo de clarificar o que se entende por cada conceito ou termo técnico-jurídico utilizado, antes deixando ao mal preparado cidadão a tarefa de adivinhar – porque para mais não sabe - nos termos do art.9º do Código Civil*), e aos tribunais o cuidado de, mais tarde, interpretar quando a coisa dá para o torto e pouco ou nada haverá, já, a fazer para o dano evitar. Depois, fica toda a gente muito admirada com o entupimento do sistema judiciário com coisas que, com um pouco de cuidado, até teria sido bastante fácil evitar.

Entendeu-se, pois, nos conturbados anos da génese desta já não tão jovem democracia, que o direito de reunião era algo suficientemente próximo do direito de manifestação para nem justificar que fosse contemplado em norma distinta, assim tendo o texto do art.45º acabado por dizer, sob a epígrafe “Direito de reunião e de manifestação”, que “1. Os cidadãos têm o direito de se reunir, pacificamente e sem armas, mesmo em lugares abertos ao público, sem necessidade de qualquer autorização” e que “2. A todos os cidadãos é reconhecido o direito de manifestação”.

Não obstante, o art.1º do Decreto-Lei 406/74, de 29 de Agosto, é bem claro ao interpretar o texto constitucional no sentido de que esses direitos de reunião e de manifestação apenas são reconhecidos “para fins não contrários à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas”, explicitando o n.º 2 do seu art.3º que “As autoridades competentes só poderão impedir as reuniões cujo objeto ou fim contrarie o disposto no artigo 1.º (…) *)".

Reza, por fim, o n.º 1 do art.5º que “As autoridades só poderão interromper a realização de reuniões, comícios, manifestações ou desfiles realizados em lugares públicos ou abertos ao público quando forem afastados da sua finalidade pela prática de atos contrários à lei ou à moral ou que perturbem grave e efetivamente a ordem e a tranquilidade públicas, o livre exercício dos direitos das pessoas ou infrinjam o disposto no n.º 2 do artigo 1.º


2. O Imperativo Legal de a Câmara Municipal de Lisboa Impedir as Comemorações

O que, antes de mais, haverá que clarificar é, sob o ponto de vista vocabular, a destrinça entre objeto e fim, conceitos muitas vezes confundidos dada a semelhança terminológica entre objeto e objetivo (substantivo significando finalidade, fim), mas que, porque a letra da lei os separa, haverá, também, que na interpretação assim fazer.

Afastando-nos da tendência para a ligeireza e o facilitismo por parte de quem entende que qualquer coisa pode significar tudo e mais alguma coisa, dir-se-á que, enquanto por finalidade ou fim se designa o objetivo, a motivação, a razão pela qual determinado ato é praticado ou um processo desencadeado, por objeto entende-se aquilo sobre que esse ato ou processo incide ou sofre os seus efeitos sem, todavia, constituir a finalidade do mesmoObjeto é toda a coisa, o assunto, a substância que são afetados pela concretização das medidas que visam a prossecução do objetivo. Todas as pessoas que estão próximas ou que, de alguma forma, podem ver afetados os seus legítimos direitos são, desta forma, objeto de uma comemoração que, mesmo indiretamente, os afete, mas não são o seu objetivo, o qual mais não é, afinal, do que a exaltação, apenas por uns quantos, de determinado acontecimento que noutros tão pouca euforia suscitará.

As pessoas, todas as pessoas próximas, são, então, objeto, ainda que involuntário, de qualquer reunião que tenha, como objetivo, uma comemoração como a que há dias aconteceu em Lisboa, às portas do Estádio José de Alvalade e pela rua fora, até ao Marquês de Pombal*).

Dito isto, nos termos do citado n.º 2 do art.3º do Decreto-Lei 406/74 as autoridades poderão – e deverão, já que de um poder vinculado se trata – impedir a realização de reuniões ou manifestações sempre que, não apenas o objetivo*) declarado seja contrário “à lei, à moral, aos direitos das pessoas singulares ou coletivas e à ordem e à tranquilidade públicas”, mas também quando, pelas suas características ou natureza, previsivelmente resultem no afrontamento de qualquer destes valores junto de quem se torna objeto*) involuntário da comemoração.

Exemplificando, se o promotor de determinado evento entrega à entidade competente um aviso prévio nos termos do art.2º do mesmo Decreto-Lei, tem esta o poder-dever de impedir o evento desde que, fundamentando, conclua que o direito dos cidadãos à segurança sanitária em tempos de pandemia será seriamente comprometido pela realização do evento nos moldes previstos, ou que dela resultem danos à ordem e à tranquilidade pública.

Saliente-se que, contrariamente ao que por aí se tem dito para alijar responsabilidades evidentes, nada têm estas disposições a ver com qualquer estado de calamidade ou de emergência, sendo de aplicação genérica, mesmo em conjunturas consideradas normais.

Assim, dúvida não pode existir de que a autoridade do Estado jamais e de forma alguma estará limitada na defesa da ordem e na salvaguarda dos direitos dos cidadãos contra os desmandos de meia dúzia de alarves que preferem ignorar que têm o direito a quase tudo, mas não àquilo que a lei expressamente, no interesse de todos, proíbe.

A Constituição é o garante da democracia, não um pretexto para a claquocracia, para a chauvinocracia ou para a futebolocracia, que em tanta coisa, hoje em dia, parecem mandar e tanto temor junto do poder político suscitar.

- x -

Refira-se, ainda, que embora a redação original do n.º 1 do art.2º dissesse que deveria ser avisado “o governador civil do distrito ou o presidente da câmara municipal, conforme o local da aglomeração se situe ou não na capital do distrito”, com a extinção do cargo de governador civil a capacidade para receber o aviso passou a ser exclusiva dos presidentes da câmara (cf. art.2º da Lei Orgânica n.º 1/2011, de 30 de Novembro*)), assim inexistindo qualquer dúvida ou uidade relativamente a ela.

Não é, pelo exposto, verdade que “Dentro do que é o nosso quadro de competências, a Câmara de Lisboa não tem de autorizar manifestações, nem reuniões. Ou elas acontecem espontaneamente ou tentam organizar-se com os promotores"*) . Ocorre antes que, longe de corresponder a uma inconstitucionalidade material, a delimitação casuística, por parte das câmaras municipais, do direito de manifestação no quadro da legislação já referida é um imperativo legal, que em nada diminui a extensão e alcance do conteúdo essencial dos preceitos constitucionais (cf nr.3 do art.18º da Constituição da República Portuguesa).

Por fim, perante um desfilar de cidadãos fortemente etilizados numa altura em que o consumo de bebidas alcoólicas era proibido na via pública, perante milhares de indivíduos colados uns aos outros e sem qualquer proteção na cara, numa altura em que o distanciamento social é obrigatório, tal como o uso de viseira ou máscara, estes factos constituem razão mais do que suficiente para obrigar as autoridades a determinar às forças de segurança que ponham cobro ao evento ao abrigo do que diz o n.º 1 do art.5º do Decreto-Lei 406/74 – ou nos termos, já que se trata, como vimos, de um poder vinculado.

Ponham cobro”, desde que, naturalmente, lhes disponibilizem os meios adequados*).


3. O Improviso Quase Encomendado

A competência para o desempenho de funções de gestão ou políticas é medida, essencialmente, pela capacidade de integrar, no planeamento da ação, uma precisa antevisão do resultado e a eficaz mobilização dos meios necessários à sua consecução. Bem pelo contrário, dizer que “Uma vitória do Sporting seria sempre uma realidade muito difícil para a cidade de Lisboa *) é como se o Presidente da Câmara encarasse os efeitos mais do que previsíveis da vitória, no campeonato da Primeira Liga de futebol e decorridos tantos anos de jejum, de um dos principais clubes desportivos da Capital com a mesma dose de fatalidade com que contempla o cíclico entupimento de sarjetas e bueiros nas estações do ano em que a chuva molha a sério: simplesmente não sabe o que há de fazer, que medidas há de tomar.

Seria, é verdade, impossível prever com precisão o momento exato em que se declararia a pandemia, mas era inevitável que algo como o que aconteceu entre a Segunda Circular e o Marquês de Pombal sucedesse após quase duas décadas sem vencer o Campeonato por parte de um Clube preponderante num desporto que representa, para muitos, a última esperança de um pouco de euforia na vitória, para esquecer o quotidiano das suas vidas desgraçadas  e em permanente derrota.

Não é, precisamente, esse o papel do Presidente da Câmara, saber o que deve fazer? Não terá, por acaso, ouvido falar da tragédia de Hillsborough*) e do que se lhe seguiu? Como pode, então, assistir impávido e omisso a um ajuntamento selvático, quase com contornos de tumulto, pondo em risco a ordem pública e a salvaguarda do direito à saúde de parte significativa dos munícipes?

Falta de planeamento, falta de reflexos pela Administração, paralisia política no momento, trapalhice e confusão generalizadas em plena pandemia, com fé quase absoluta na eficácia de vacinas ainda incompletamente testadas, são conclusões que sintetizam bem o que se terá passado.

Apesar da desolação das alternativas disponíveis, perante resultados previsivelmente fracos  nas já bem próximas eleições autárquicas, depois de pareceres negativos da Direção-Geral da Saúde e de preocupações veemente expressas pela Polícia de Segurança Pública – cujo email a Câmara alegadamente leu apenas dois dias depois de ter sido enviado -, temos a Tutela, o Partido Socialista e o sucessor tacitamente indigitado do seu Secretário Geral a procurar sacudir a água do capote e alijar responsabilidades, escudando-se, indevidamente, numa lei que, por acaso, até é bastante clara e não dá cobertura às habituais esquivas e golpes de rins. Ou a ficar em silêncio, como, uma vez mais, o eterno e irremediavelmente desajeitado Ministro da Administração Interna*).

Ante a previsível balbúrdia, pensaram, e reuniram, e pensaram, e pensaram horas estiradas sem atinar com a solução, “sempre num cenário muito difícil, que era o de saber que haveria vários milhares de pessoas na rua*), coisa que nem lhes passou pela cabeça impedir, já que tal ato de coragem politicamente irresponsável iria, sem qualquer dúvida, várias dezenas de milhar de votos custar a quem há muito se empenha desesperadamente em, procurando evitar a morte política inevitavelmente ligada à derrota, à tona de água esbracejar.

Se um écran gigante não serve para agregar multidões à sua volta, serve para quê?  E foi pedida licença? Se foi, a quem competia autorizar? Quem autorizou? Porquê?


4. Desmandos a Mando do Futebol

Uma das utilidades sociais do desporto é o facto de permitir drenar a animosidade naturalmente latente em cada indivíduo, assim não sendo se estranhar que o extravasar de emoções aconteça, por vezes, sob a forma de violência bestial e selvagem vinda de brutos acéfalos, indiferentes a quaisquer tentativas ou formas de sensibilização, e que apenas podem ser controlados pela força.

Aquilo a que assistimos pela televisão não são manifestações de alegria, porque não se sabe, sequer, o que é alegria na selva moral onde vivem aqueles bandoleiros desperados, no seu deserto intelectual. Já se sabe que não têm culpa da má sorte que os persegue; que a culpa é um bocadinho de cada um de nós ou de todos nós; que, no estado a que, por nossa causa, chegaram já não têm recuperação possível e por aí fora. Mas, independente de tudo quanto, a seu respeito, possam dizer e possa dizer-se têm de ser controlados; e, se não houver como os controlar, têm de ser punidos, judicialmente afastados do nosso convívio, por magistrados apolíticos e não rendidos aos encantos do assim chamado desporto rei ou de qualquer dos seus clubes, independentemente da dimensão. Não é em vão que futebol é futebol, e o resto são meras modalidades das quais, na maior parte das  vezes, até estranhamos ouvir falar.

Somos economicamente escravos do futebol porque futebolistas e seus treinadores são, por assim dizer, o único produto que lá fora nos granjeia alguma daquela notoriedade essencial à captação de massas de turistas notoriamente parolos, mas cujos sacos de dinheiro são vitais para a atenuação possível do desequilíbrio crónico da balança de pagamentos de um pequeno país que pouco mais sabe fazer do que sorrir ao cámon para assegurar o seu sustento sem ter de pedinchar demasiado lá fora nem aumentar, cá dentro, os impostos a ponto de comprometer, num dos mais corruptos países da Europa e do Mundo, o acesso à panela da República por parte dos mais ou menos crónicos penduras de tão disponível  e cobiçado maná.

Não se diga, porém, que este analfabetismo social e cultural se deve, unicamente, aos famosos quarenta e oito anos de obscurantismo: contei, já, quarenta e sete da suposta época esclarecida e não vejo jeitos de o domínio social e político dos tugas da bola dar sinais de começar a claudicar.

5. Hooligans à Portuguesa

Podemos apiedar-nos, sentir-nos culpados até às lágrimas pela desdita desta gente eticamente enviesada e que, a cair etilizada, de tronco nu, arrastada pela polícia brada, perante as câmaras de televisão e na voz teatral, fininha e esganiçada do popular Zé Chunga que “eu não fiz mal a ninguém”.

Podemos bater no peito as vezes que quisermos, sentir o mais genuíno e premente impulso de correr a salvá-los ou, mais simplesmente, a confortar os seus amargurados e desesperançados corações: têm, mesmo assim, de ser segregados, contidos, em nome do bem maior da segurança de todos os outros que aqueles que aceitam funções governativas juraram proteger e defender, por imperativo constitucional, e independente do impacto no resultado eleitoral.

Num tempo em que ainda se testa a eficácia das vacinas, a simples existência de seres ditos humanos que, nesta ocasião como em tantas outras como, por exemplo, num convívio sem distanciamento ou máscara, não hesitam em nos expor, a todos, a novos surtos ou, mesmo, vagas da pandemia a despeito do sofrimento e da morte dos que foram infetados e dos que, agora, ficaram em risco de o ter sido - sem esquecer a dedicação e abnegação de quantos trabalharam para os evitar - diz bem da maldade, da indiferença, da baixeza de um punhado não tão pequeno daqueles tugas primários e broncos, independentemente do grau de instrução, cujo voto conta tanto como o de qualquer outro, mas que não passam de acéfalos alarves centrados no próprio umbigo, objetivamente feio mas, para eles, tão precioso e digno.

Não se trata de um epifenómeno, mas de uma demonstração da essência daquilo em que, dia a dia, a utilização que temos vindo a fazer do progresso e da técnica está a fazer descambar a civilização como – ainda - a conhecemos; de uma antevisão do futuro se nenhuma medida de fundo no sistema educativo for tomada para o evitar, se nada de eficaz for feito em prol destas pessoas, para dar repouso ao seu desespero latente, para romper neles a crosta do torpor, da indiferença e da inconsciência que, cada vez mais, os afasta dos demais.

Que mensagem estavam, afinal, aqueles indivíduos a tentar passar, que ideal pretendiam, ao abrigo do direito de manifestação, estar a manifestar?

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Os autodenominados manifestantes não expressaram concordância ou discordância com o que quer que fosse. Quando muito, reuniram-se na expressão mais pobre do termo, já que nenhum assunto ali foi tratado. Mais simplesmente, ajuntaram-se amontoaram-se para fazer barulho. Nada mais.

Um mar de gente que, tal como as baleias vão morrer à praia, os usos e o instinto guiaram, amalgamados e sem máscara, para o inevitável Marquês de Pombal. Uma celebração apenas para tornar célebre o feito de meia dúzia de privilegiados, um ajuntamento sem qualquer conteúdo intelectual ou ideológico, uma festarola perigosa nestes tempos de preocupação sanitária e económica, que, como tal, deve ser encarada.

Proponho, assim, a introdução, na Constituição, de um art.45º n.º 3 especificando que “os direitos de manifestação e de reunião não abrangem os eventos de caráter particular, os de índole meramente lúdica nem os relativos a comemorações de âmbito limitado a associações de natureza não política nem sindical, os quais serão regulados nos termos gerais e nos da legislação especial aplicável”.


6. Os Poderes Políticos Foram Eleitos, Nomeados e Mandatados para quê?

A esquálida atuação do poder político contra esta mole humana destacou meios policiais em tão parca quantidade que amiúde se viram forçados a recuar, a reagrupar, a tomar medidas para se proteger.

Com polícias agredidos e feridos, seria de esperar que alguém fosse chamado a pagar por tais crimes. Estamos, porém, em Portugal, paraíso dos brandos costumes, e os políticos e os politiqueiros bem sabem que assim é, pelo que, com a desorientada ação ou com a crónica tendência para a inação, pouco ou nada estão, afinal, a arriscar.

Estamos, também, no Portugal que vai, como sempre, ficar impávido perante o Rt de 1,1 ontem registado no Continente e que acaba de determinar a exclusão da zona verde - sem quarentena obrigatória - na classificação do Reino Unido, automaticamente implicando uma catástrofe económica para o turismo, sobretudo para o Algarve onde o cancelamento de reservas se não fez esperar.

Falta, agora, saber o impacto das comemorações, no Porto, da final da Champions, que fará com que o Presidente da Câmara Municipal do Porto poucas razões tenha, também, para se gabar. Falta, esclarecer, por que foi permitida a presença dos hooligans na Cidade Invicta para uma final entre duas equipas ingleses, quando, em Coimbra, só a uns quantos convidados foi permitido assistir à final da Taça de Portugal.

Portugal continua à deriva, entregue a uma equipa governativa incompetente e totalmente dependente de um Primeiro-Ministro que continua ausente, aproveitando a oportunidade única de campanha eleitoral que a Presidência Portuguesa da União Europeia representa para as suas aspirações a um importante cargo europeu.

Ao aceitar, apesar de tudo, manter-se em funções, poderá o infeliz e desajeitado Ministro da Administração Interna estar a fazer um enorme favor ao amigo que o nomeou, mas é incomensurável o dano que, nessas mesmas funções, causa a cada um dos desgovernados que agora somos.

Por sua vez, o Presidente da Câmara Municipal de Lisboa demonstrou, uma vez mais, não ter a mais ínfima qualidade para almejar o alto cargo de primeiro-ministro, furtando-se a agir com determinação e firmeza quando as circunstâncias, inegavelmente, o exigiam. Faz lembrar aqueles miúdos que limpam as mãos à camisola branca para ninguém ver que estavam sujas, porque ninguém lhes disse - nem têm discernimento para entender - que a porcaria se vê muito melhor na roupa do que nas mãos.

Contas feitas, e porque o que importa é a gente divertir-se e conviver, lá irá a incompetência impor-se nas eleições aí à porta, um pouco como naqueles eventos de certas associações desportivas em que apenas há dois competidores inscritos e um deles, por falta de comparência do outro, o título de Campeão lá acaba por ganhar.

Ut flatus venti, sic transit gloria mundi