"Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar
continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao
interesse de todos?”
“Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra
pelos olhos e ouvidos:
é uma vozearia ignorante, pedante,
oportunista e, por vezes, desesperada,
que apenas contribui para
agravar a já catastrófica situação"
1. Da Importância da Sustentação
Científica das Opiniões Formuladas
2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
4. Missão de Informar versus Liberdade de
Expressão
5. Pluralismo no
Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão
No Estado de Direito, é entendido como do mais elementar bom senso – e a
lei prevê – que um decisor que não domine determinada área do conhecimento
recorra à opinião de peritos visando o rigor da decisão a prolatar, bem como
a clareza de uma exaustiva e clara fundamentação.
Tal recurso à presumível sapiência de terceiros pressupõe, necessariamente,
que o laudo produzido por cada perito consultado se sustente em saber
estabilizado e adquirido segundo as regras do método científico, sob pena de
acabar o decisor enleado numa amálgama de opiniões díspares que, em lugar de
contribuir para o desejado esclarecimento, apenas irão a sua ignorância
nestas coisas acabar por aumentar.
Ainda assim - ou seja, mesmo quando os diversos pareceres solicitados se baseiam numa mesma ciência antiga e são redigidos de acordo com os procedimentos preconizados -, não é raro chegarem os respetivos autores a conclusões substancialmente distintas, já que, contrariamente ao que às vezes por aí se diz, conta bem menos o volume do conhecimento do que a efetiva capacidade para corretamente o processar, para, daquele que existir, alguma coisa aproveitar.
A situação agrava-se, evidentemente, quando a ciência consultada não é
antiga nem conhecimento, verdadeiramente, existe porque o problema é recente
e ninguém domina uma matéria que não houve tempo para, serena e
exaustivamente, investigar.
Assistimos, então, a espetáculos tristes por parte de desesperados e desabridos gestores ou governantes que ficam sem saber o que decidir e como manter confiante e tranquila uma população tão ignorante como eles nestes assuntos – e muito bem, porque, se cientistas existem de determinada área, é porque tudo de tudo todos não têm de saber - e ávida de orientações e esclarecimentos coerentes e seguros, ou que, pelo menos, pareçam fidedignos, que estimulem a vontade de os seguir e de à lei obedecer.
Atarantados, não cessam, pelo contrário, os atores sociais e políticos de
ainda mais inquietar os espíritos, lançando na comunicação social o debate
tipicamente estéril que, de forma inevitável, nasce do costume de espalhar
aos quatro ventos todas as palavras alguém diz, seja lá o que for, seja lá
quem for, como que procurando transferir para os desgovernados a
obrigação de, em cada caso específico, decidir sobre aquilo que não
conhecem, e deixando-os sem saber o que fazer nem em quem, afinal,
acreditar.
2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
Enquanto, na imensa praia da insanidade comunicacional típica do Portugal de todos nós o areal vai, a cada dia que passa, ficando cada vez mais poluído, decisões de sentido inverso vão sendo tomadas em regiões distintas do País. Foi o que aconteceu na Madeira, onde, a despeito da recomendação de sentido contrário da Direção-Geral da Saúde – e não de Saúde, como alguns peritos e alguns ólogos, quiçá por soar mais chic gostam de dizer -, se decidiu inocular os menores com idades entre os 12 e os 16 anos*), independentemente da existência ou inexistência de patologias – direito esse que, diga-se de passagem, à Região Autónoma plenamente assiste, nos termos constitucionais.
Não pode, porém, ignorar-se que, se a disparidade de critérios e de
fundamentações que grassa Europa fora é, já de si, sintomática do desnorte
que por aí reina na ciência destas coisas, torna-se, para a fiabilidade do
que cientificamente é dito, simplesmente catastrófico que, para
salvaguardar particularidades da economia de determinada Região ou por mera
ânsia de protagonismo político, sobre questão são importante e sensível como
a vacinação de menores se não entenda uma região autónoma com o poder
central - por muito débil que este possa ser mau grado o folclore gerado por
cada vez mais frequentes e indisfarçáveis tiques ditatoriais.
Mais grave, porém, será o facto de a Direção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos terem posições diametralmente opostas sobre este tema da vacinação de menores*).
Note-se que se trata de entidades que, desejavelmente, não estão a proferir opiniões de natureza política: em ambas pontificam cientistas das mesmas áreas do conhecimento que estariam, supostamente, a pronunciar-se de forma sensata, ponderada e cientificamente sustentada sobre matérias da sua especialidade, visando, unicamente, proporcionar aos tais mais ou menos desesperados governantes os elementos necessários à tomada de decisões políticas - decisões essas que acabam por quase sempre tardar, por ficarem os governantes à deriva num confuso oceano de contraditórias opiniões.
Bonito!
Não obstante, entende o Senhor Primeiro-Ministro que não se trata de ziguezague - como, à manobra, um definhado partido da oposição chamou à cambalhota -, mas sim de "evoluir na decisão"*)... mais propriamente, evoluir precisamente para a decisão contrária, com os mesmos dados disponíveis e, praticamente, uma semana depois.
Fala-se muito de linguagem inclusiva, mas esta é simplesmente exclusiva, na medida em que exclui do seu entendimento os olhos e os ouvidos de pessoas minimamente inteligentes e de boa fé, que apenas procuram entender o que se passa, sem estar preocupadas com votos ou campanhas eleitorais, como, por maioria de razão, a um Governo conviria em tempo de tão graves e sensíveis decisões.
3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
No século passado, era eu ainda mais miúdo do que os miúdos cuja vacinação
tanta celeuma hoje levanta, levava-me a minha Mãe ao Palácio das Araras, no
Jardim Zoológico de Lisboa.
Cá de fora, pouco se dava por isso. Mas, uma vez lá dentro, o diálogo entre
humanos tornava-se completamente impossível, tal era a chinfrineira saída
dos bicos das animadas e tagarelas aves.
O mesmo se passa hoje com a vozearia que, sobre assuntos relacionados com a
COVID, por aí vai nos jornais e televisões, resultando numa chinfrineira
muda, vazia de mensagem, já que ninguém ouve nem ninguém se faz ouvir, com
um mínimo de respeito e de credibilidade, no meio de tanto alarde, de tanta
vontade de se pôr em bicos de pés a dizer “eu é que tenho razão!”
quando lá se arranja maneira de, uma vez mais e ganhando ou não uns trocos,
aparecer na televisão.
Manifestamente, não se baseiam estes discordantes palradores em dados cientificamente recolhidos e validados, uma vez que, em quantidade e com fiabilidade suficientes, os não há: proferem palavras tiradas da mera dedução lógica a partir de algumas notícias e elementos insuficientemente interpretados e testados. Ou seja: deitam-se a divinhar, como, mais coisa, menos coisa, qualquer um de nós seria capaz de fazer.
De nada vale o brocardo segundo o qual, quando um burro zurra – digamos
assim -, os outros baixam as orelhas: todos sabem que ninguém sabe, mas
todos fazem por parecer que sabem, porque, para esta gente, é
“vergonha” não saber.
Mas a título de quê e com que legitimidade ou direito tanto palra esta
gente toda?
Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?
Estruturalmente, a democracia é um regime político muito fraco, dada a
facilidade com que se usa e abusa na interpretação dos direitos, garantias e
liberdades constitucionalmente reconhecidos, invocando-os para tudo e mais
alguma coisa em proveito exclusivo de um indivíduo ou de um grupo restrito,
sem que alguém tenha a coragem de a tal se opor. Se o fizer, o mais certo
será deparar-se com acusações de ser fascista, ditador e
mais isto e mais aquilo, como sempre acontece quando alguém procura, no
exercício de direitos ou de deveres e com a melhor das intenções, moderar o
exercício das amplas liberdades da democracia por parte de quem delas
abusa e volta a abusar.
Já, a propósito dos
festejos da vitória do Sporting na Primeira Liga de futebol, aqui falei sobre a confusão entre, por um lado, o direito de cada um
manifestar as suas posições e ideais políticos e, por outro, invocar tal
direito para atividades que nada têm com os direitos garantidos na
Constituição.
O abuso da liberdade de expressão em tempo de pandemia é claramente, mais
um destes casos.
Na verdade, aquilo a que diariamente assistimos nas televisões não é o
exercício do direito de livremente exprimir posições políticas sobre o
assunto, posições essas que, efetivamente, todos têm o direito de manifestar
e todos têm o direito de conhecer.
O que se escreve nos jornais e passa nas televisões são conclusões
meramente técnicas e, quase sempre, não fundamentadas sobre matéria
científica que apenas meia dúzia de portugueses se encontra em condições de
escutar e interpretar. Para a multidão restante, são coisas sem qualquer
interesse prático, sem conteúdo político, apenas destinadas a preencher
tempo de antena quando nenhuma catástrofe ou desastre espetacular em
Portugal fornece matéria para vender anúncios, e cujo principal efeito é
espalhar a confusão, descredibilizar as decisões e convidar, por
desconhecimento ou descrédito, à prática de sucessivas infrações.
Afinal, o que queremos, verdadeiramente, quando vamos ao médico?
Simplesmente, que nos passe a receita e instrua quanto à posologia. Às
discussões técnicas, que nos poupe e as tenha em local próprio e com os
colegas de profissão!
É no INFARMED, e não na praça pública, que deve ter lugar o debate entre
cientistas que falem a mesma língua e que, nesse e noutros fora da
especialidade, expressem livremente as suas opiniões, procurando chegar ao
bom porto de alguma válida e, finalmente, eficaz conclusão, na falta da qual
o Governo ficará desobrigado de seguir o resultado da difusa e
inaproveitável discussão - mas, mesmo assim, obrigado a decidir com base no
bom senso e segundo os mais altos e saudáveis ditames da administração.
Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos
olhos e ouvidos: é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por
vezes, desesperada, que apenas contribui para agravar a já catastrófica
situação.
5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na
Televisão
Bem, dir-se-á, mas, no INFARMED isso já é feito, os especialistas já
debatem estes temas antes e durante as famosas reuniões.
Pois sim, mas o que, aparentemente, acontece, é que, convenientemente, não
são convidados cientistas de todas as tendências para essas reuniões, assim
restando aos excluídos e ignorados badalar cá por fora as razões pelas quais
discordam das conclusões.
- x -
Os editores dos jornais e os diretores de informação das televisões prestariam bem mais válido e sério serviço público se, em tempos tão complicados e difíceis, se recusassem a incentivar e a amplificar a chinfrineira destas araras que nos enchem olhos e ouvidos com a sua ignorante confusão; se pensassem um pouco menos em tiragens e em audiências e se abstivessem de dar eco a quem o não merce - ainda que substituindo o interminável rosário de opiniões dos entendidos por cacofónicas crónicas futebolísticas com vocabulário mais ou menos anedótico ou por mais um programas pimba apresentados por gente cada vez mais mal preparada e mais desinteressante.
Agiriam, assim, em defesa do legítimo interesse do público que os sustenta
e a quem se dirigem, em lugar de dar palco a quem, falando daquilo que
supostamente sabe sem, efetivamente, algo saber, apenas perturba a paz
social, desacredita o legislador e as leis que produz, e assim torna ainda
mais incerto e confuso o que já tão difícil é entender.
Em circunstância nenhuma será boa ideia aumentar a depressão e o pânico numa martirizada população e em desnorteados governantes que, manifestamente, não fazem a mais pequena ideia do que ainda poderão fazer, sem meter o pé na argola e sem dar cabo da próxima eleição.
Desculpe só hoje me ter apercebido do seu comentário. Logo que puder lerei este seu artigo, confirme sugerido. Cumprimentos.
ResponderEliminarhttps://fiel-inimigo.blogspot.com/2021/08/a-gestao-da-pandemia-e-as-criancas-em.html
Muito grato pela resposta. Aguardo, com o maior interesse, a sua opinião.
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