sábado, 21 de agosto de 2021


Talibãs e Talitugas

"Para a semana há reunião da concelhia.
Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.
Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!
Hádes vir também!"

O medos dos Talibãs

Sozinhos no vazio, sentimos medo.

Quando o vazio somos nós, domina-nos o pânico.

Com o pânico, vem o oportunismo de outros, vazios como nós, mas que têm a vantagem de uma ou outra habilidade a que chamam competência e com a qual se propõem, para nos salvar do avassalador vazio, preencher a nossa vida e, ao mesmo tempo, o ego ou a carteira deles..

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O grande sonho da maior parte de nós é ter dinheiro: muito, mas muito, dinheiro, como se fôssemos um daqueles ídolos que gostam de relaxar na gaiola (perdão, marquise) da cobertura (perdão, da penthouse, que com estas coisas não se brinca…), enquanto contemplam, numa tela (perdão, écran) panorâmica o anúncio em que uma progenitora balbucia, por entre a resplandecente dentadura que não é dela, uma catadupa de sons ininteligíveis num anúncio de uns óculos belíssimos mas tão acessíveis que até podem ser comprados por nós, pobretanas vazios e ridículos, que, em hipnótico desvelo, nos embasbacamos a contemplar riquíssimos pategos não  menos  vazios e ridículos – que, naquilo que importa, pouco ou nada valem -, pela simples razão de terem sido tão bem sucedidos depois de, coitaditos, terem nascido tão pobrezinhos.

Ou como uma qualquer histérica e desbocada milionária que viva do vigor de umas cordas vocais que pareçam apenas vibrar para e com a brejeirice, que se ache maravilhosa e cujo maior sonho da vida seja trepar por cima daqueles empecilhos que a não deixavam brilhar e acabar a mandar neles; e numa coisa grande, assim como, sei lá, uma televisão.

Ou como outros como eles que, não sendo habilidosos na política, o sejam – e de que maneira! – com os milhões dos outros, até ao momento em que nem os bancos, nem as associações desportivas, nem os poderes públicos consigam continuar a olhar para o lado porque alguém se terá descaído e propagou aquele vírus tinhoso, comichoso, chato e incómodo chamado informação.

Se não pudermos ser ricos e famosos como eles, enfim, ao menos termos o dinheirito suficiente para mostrar aos outros palermas que somos mais ricos do que o pai daquele rapaz que é colega do meu e só teve férias num acampamento daquilo lá da escola - não me lembra agora o nome – e ainda queria ser um tipo importante na secção do partido cá do bairro, como eu.

A estes tolos ambiciosos, serve muito bem a miragem do dinheiro ganho ao jogo, em que o bom do bestializado tuga das jolas e dos pistachos baralha, parte, dá e eructa alarvemente quando a vida lhe corre mal; e, ao jogar, fica mais pobre, muito mais pobre, de dinheiro e de intrínseco valor.

O Jogo é uma treta
Outros de nós, com alguns estudos e miolos mas nem por isso menos anestesiados tugas do que os outros, topam logo, matreiros, que isso do jogo é uma treta, e que o que é a gente ir para aquele partido para onde também foi o habilidoso lá do bairro que hoje manda em tanta coisa, veste e come aquilo que quer, tem a casa e o carro pagos, viaja por todo o Mundo, toda a gente conhece, tem motorista e até vai à televisão, enquanto o burro do meu homem o mais que recebe são as ordens do patrão, a troco de uns miseráveis trocos ao fim do mês que lá deram para a consola nova de jogos para o miúdo mas o passe social é, cá em casa, o principal meio de locomoção.

Ou era, porque vieram aí uns senhores com um contrato para assinar e vamos ter um carro daqueles elétricos*) que entregam cá na Sexta-feira*), para irmos, no Sábado, à reunião da concelhia e, depois, ter com aquele primo da Trudes que pinta uns quadros e até nos convidou para… ai! como é aquilo… qualquer coisa que acaba em age… ah!, pois, a inauguração.

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No fim da extensa lista que aqui não teria lugar, há aqueles de nós que não têm dinheiro, não têm miolos, não têm estudos, não acreditam no elevador social da política, não têm o que quer que seja além da enorme vontade de que alguém lhes diga que são alguém. Pelo menos, algo mais do que o outro que mora ao lado e cuja única afinidade connosco é o vazio imenso, o vazio de tudo, um vazio tão grande que não temos dinheiro para preencher com casotas, com ferrares, com trapos, com palmeiras, piscinas e long drinks; só, mesmo, com os pistachos e as jolas. Um vazio tão grande que já nem pode ser preenchido pelas emoções primárias que põem milhões aos urros e à batatada dentro e fora de um estádio de futebol.

A estes de nós, resta a ilusão da transcendência, da elevação daquela ilusão a que chamam espírito, não por qualquer manifestação do mesmo, mas pela sensação de pertença a quem um dia, algures, nos há de compensar de tanto sofrimento, a quem devemos cega obediência, ainda que à custa das maiores atrocidades e violências sobre o próximo, embora sem saber o que essa providencial divindade ao certo quer de nós.

Ou melhor: sabemos porque nos disseram, porque nos disse alguém que fomos ouvir falar naquela reunião prenhe de elementar misticismo e havida num ambiente de paupérrima encenação, em que um chefe religioso de olhos esbugalhados, aura impiedosa e sorriso cínico nos enviou a fazer explodir em bombas uma interpretação espúria e despudoradamente manipulada da mensagem do Além.

A missão consiste em impor, pela força, a mensagem aos resistentes, privando-os das formas mais elementares de liberdade que apenas subsistem nas vidas e nas mentes retrógradas e estúpidas dos alucinados ideólogos e promotores.

Terra atrasada com um punhado de bestas
Para o conseguir, numa terra atrasada e com a voz da maioria emudecida pelas armas de um punhado de bestas, mobilizam eles outras mentes gananciosas e estultas com ocas promessas de imortalidade – ou de, caso adiram, simplesmente os deixarem viver… -, eliminando os mais fracos, cativando os rapazes, espezinhando as mulheres – coisa que, por cá, não há de chocar muito certos magistrados de tribunais superiores que escrevem coisas que nos poderiam levar a pensar que essa coisa de maltratar mulheres é assim mesmo, e até está muito bem*).

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Quando a divindade tornada fera implacável inventada por uma torpe interpretação das escrituras pede com mais força que os bravos alarves aniquilem os detratores daquilo a que chamam fé, os americanos não gostam do exagero não autorizado nas conversações – três mil conterrâneos mortos, caramba, é demais! -  e entram por ali dentro para garantir que os outrora aliados ficam sossegadinhos pelo menos durante um prazo razoável para que aquele disparate do estupor do Bin Laden em Setembro se desvaneça um pouco da memória das dóceis e ditas civilizadas formigas dos States, tão dóceis como as que civilizadas não são - no resto do Mundo, claro.

Enquanto lá estão a aplicar o corretivo, ocupam pela força, impõem as suas regras, libertam… os corpos, apenas os corpos.

Por ser nada mais do que a restrição da liberdade dos corpos, a mudança resultante da ocupação é ilusória e efémera. Os invasores não educam, não procuram aproximar-se, entender, dedicar àqueles que andam naquilo contrariados uma palavra amiga, um diferente olhar, enfim, algo que os afaste do arrepiante caminho que escolheram ou os obrigaram a trilhar (não muito mal comparando, até faz lembrar a recente legislação publicada sobre a alimentação nas escolas cá da terrinha, feita à pressa e que, em lugar de educar, se limita a proibir).

Depois, cansam-se os americanos de esbanjar dólares com a presença militar, os aliados e também fazem contas aos euritos, aquilo já não faz sentido, eles já devem ter aprendido a lição, e… Butes? Bora lá!

Começa, então, a debandada daqueles que acreditaram ter vivido o ideal da liberdade, o maior sonho das suas pobres vidas prestes a acabar pela força, ou a ser brutalmente desalojadas pela fuga num avião de carga americano qualquer, possibilidade única de sobreviver para ir alimentar o mesmo sonho noutra terra também qualquer.

O que os aliados europeus parecem não ter, ainda, entendido é que o impacto causado pelo drama brutal e pungente destes candidatos a refugiados acontece, sobretudo na Europa: ninguém foge para países ainda mais pobres e subjugados por tiranos... ou por terra ou num bote para os riquíssimos Estados Unidos da América. Afinal... America First!

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Por cá, as autárquicas estão aí à porta e, com elas, a vazia e desoladora campanha habitual.

Para a semana há reunião da concelhia.

Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.

Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!

Hádes vir também!

* *

A par de toda esta triste figura que não passa, afinal, do resultado de uma necessidade quase compulsiva de seguir os ídolos, a moda, continuam estas pessoas a querer passar por originais, diferentes, alguém digo de se contemplar com admiração.

(leia aqui o desenvolvimento)


2 comentários:
  1. é verdade,quem fica de "arrumar os brinquedos" depois dos EUA terminarem as suas brincadeiras, acabam por ser quase sempre os europeus. Assim à primeira até diria "mas quem é que os vai contrariar?", só que não me parece que, pelo menos os líderes, o façam contrariados. Tanto que também participam nas brincadeiras. Afinal de contas, os líderes europeus, quando chega a hora de arcar com consequências, estão para os seus cidadãos como os EUA para a Europa.

    - The Polis

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    1. Precisamente.
      Obrigado pela visita. Espero voltar a vê-lo por cá.

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