Quando o vazio somos nós, domina-nos o pânico.
Com o pânico, vem o oportunismo de outros, vazios como nós, mas que têm a
vantagem de uma ou outra habilidade a que chamam competência e com a qual se
propõem, para nos salvar do avassalador vazio, preencher a nossa vida e, ao
mesmo tempo, o ego ou a carteira deles..
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O grande sonho da maior parte de nós é ter dinheiro: muito, mas muito,
dinheiro, como se fôssemos um daqueles ídolos que gostam de relaxar na
gaiola (perdão, marquise) da cobertura (perdão, da penthouse,
que com estas coisas não se brinca…), enquanto contemplam, numa tela
(perdão, écran) panorâmica o anúncio em que uma progenitora balbucia,
por entre a resplandecente dentadura que não é dela, uma catadupa de sons
ininteligíveis num anúncio de uns óculos belíssimos mas tão acessíveis que
até podem ser comprados por nós, pobretanas vazios e ridículos, que, em
hipnótico desvelo, nos embasbacamos a contemplar riquíssimos pategos
não menos vazios e ridículos – que, naquilo que importa, pouco
ou nada valem -, pela simples razão de terem sido tão bem sucedidos depois
de, coitaditos, terem nascido tão pobrezinhos.
Ou como uma qualquer histérica e desbocada milionária que viva do vigor de
umas cordas vocais que pareçam apenas vibrar para e com a brejeirice, que se
ache maravilhosa e cujo maior sonho da vida seja trepar por cima daqueles
empecilhos que a não deixavam brilhar e acabar a mandar neles; e numa coisa
grande, assim como, sei lá, uma televisão.
Ou como outros como eles que, não sendo habilidosos na política, o sejam –
e de que maneira! – com os milhões dos outros, até ao momento em que nem os
bancos, nem as associações desportivas, nem os poderes públicos consigam
continuar a olhar para o lado porque alguém se terá descaído e propagou
aquele vírus tinhoso, comichoso, chato e incómodo chamado
informação.
Se não pudermos ser ricos e famosos como eles, enfim, ao menos termos o
dinheirito suficiente para mostrar aos outros palermas que somos mais ricos
do que o pai daquele rapaz que é colega do meu e só teve férias num
acampamento daquilo lá da escola - não me lembra agora o nome – e ainda
queria ser um tipo importante na secção do partido cá do bairro, como
eu.
A estes tolos ambiciosos, serve muito bem a miragem do dinheiro ganho ao
jogo, em que o bom do bestializado tuga das jolas e dos
pistachos baralha, parte, dá e eructa alarvemente quando a vida lhe
corre mal; e, ao jogar, fica mais pobre, muito mais pobre, de dinheiro e de
intrínseco valor.
Ou era, porque vieram aí uns senhores com um contrato para assinar e vamos ter um carro daqueles elétricos*) que entregam cá na Sexta-feira*), para irmos, no Sábado, à reunião da concelhia e, depois, ter com aquele primo da Trudes que pinta uns quadros e até nos convidou para… ai! como é aquilo… qualquer coisa que acaba em age… ah!, pois, a inauguração.
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No fim da extensa lista que aqui não teria lugar, há aqueles de nós que não têm dinheiro, não têm miolos, não têm estudos, não acreditam no elevador social da política, não têm o que quer que seja além da enorme vontade de que alguém lhes diga que são alguém. Pelo menos, algo mais do que o outro que mora ao lado e cuja única afinidade connosco é o vazio imenso, o vazio de tudo, um vazio tão grande que não temos dinheiro para preencher com casotas, com ferrares, com trapos, com palmeiras, piscinas e long drinks; só, mesmo, com os pistachos e as jolas. Um vazio tão grande que já nem pode ser preenchido pelas emoções primárias que põem milhões aos urros e à batatada dentro e fora de um estádio de futebol.
A estes de nós, resta a ilusão da transcendência, da elevação daquela
ilusão a que chamam espírito, não por qualquer manifestação do mesmo, mas
pela sensação de pertença a quem um dia, algures, nos há de compensar de
tanto sofrimento, a quem devemos cega obediência, ainda que à custa das
maiores atrocidades e violências sobre o próximo, embora sem saber o que
essa providencial divindade ao certo quer de nós.
Ou melhor: sabemos porque nos disseram, porque nos disse alguém que
fomos ouvir falar naquela reunião prenhe de elementar misticismo e havida
num ambiente de paupérrima encenação, em que um chefe religioso de olhos
esbugalhados, aura impiedosa e sorriso cínico nos enviou a fazer explodir em
bombas uma interpretação espúria e despudoradamente manipulada da mensagem
do Além.
A missão consiste em impor, pela força, a mensagem aos
resistentes, privando-os das formas mais elementares de liberdade que apenas
subsistem nas vidas e nas mentes retrógradas e estúpidas dos alucinados
ideólogos e promotores.
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Quando a divindade tornada fera implacável inventada por uma torpe interpretação das escrituras pede com mais força que os bravos alarves aniquilem os detratores daquilo a que chamam fé, os americanos não gostam do exagero não autorizado nas conversações – três mil conterrâneos mortos, caramba, é demais! - e entram por ali dentro para garantir que os outrora aliados ficam sossegadinhos pelo menos durante um prazo razoável para que aquele disparate do estupor do Bin Laden em Setembro se desvaneça um pouco da memória das dóceis e ditas civilizadas formigas dos States, tão dóceis como as que civilizadas não são - no resto do Mundo, claro.
Enquanto lá estão a aplicar o corretivo, ocupam pela força, impõem as suas
regras, libertam… os corpos, apenas os corpos.
Por ser nada mais do que a restrição da liberdade dos corpos, a mudança resultante da ocupação é ilusória e efémera. Os invasores não educam, não procuram aproximar-se, entender, dedicar àqueles que andam naquilo contrariados uma palavra amiga, um diferente olhar, enfim, algo que os afaste do arrepiante caminho que escolheram ou os obrigaram a trilhar (não muito mal comparando, até faz lembrar a recente legislação publicada sobre a alimentação nas escolas cá da terrinha, feita à pressa e que, em lugar de educar, se limita a proibir).
Depois, cansam-se os americanos de esbanjar dólares com a
presença militar, os aliados e também fazem contas aos
euritos, aquilo já não faz sentido, eles já devem ter aprendido a
lição, e… Butes? Bora lá!
Começa, então, a debandada daqueles que acreditaram ter vivido o ideal da
liberdade, o maior sonho das suas pobres vidas prestes a acabar pela força,
ou a ser brutalmente desalojadas pela fuga num avião de carga americano
qualquer, possibilidade única de sobreviver para ir alimentar o mesmo sonho
noutra terra também qualquer.
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Por cá, as autárquicas estão aí à porta e, com elas, a vazia e
desoladora campanha habitual.
Para a semana há reunião da concelhia.
Tenho de mandar lavar o carro novo que tá parado à porta.
Aquilo é giro, pá, e tu mereces melhor do qu’ó que tens!
Hádes vir também!
* *
A par de toda esta triste figura que não passa, afinal, do resultado de uma necessidade quase compulsiva de seguir os ídolos, a moda, continuam estas pessoas a querer passar por originais, diferentes, alguém digo de se contemplar com admiração.
é verdade,quem fica de "arrumar os brinquedos" depois dos EUA terminarem as suas brincadeiras, acabam por ser quase sempre os europeus. Assim à primeira até diria "mas quem é que os vai contrariar?", só que não me parece que, pelo menos os líderes, o façam contrariados. Tanto que também participam nas brincadeiras. Afinal de contas, os líderes europeus, quando chega a hora de arcar com consequências, estão para os seus cidadãos como os EUA para a Europa.
ResponderEliminar- The Polis
Precisamente.
EliminarObrigado pela visita. Espero voltar a vê-lo por cá.