“Quem, com todo o tempo para refletir, decide, friamente,
pespegar na
primeira página uma porcaria destas,
ilusões não deixa quanto ao que
efetivamente pensa,
ao que efetivamente sente, e ao que,
desgraçadamente,
em futuras capas mostradas nas bancas
não teremos
como os olhos deixar de pousar”
1. A “Gaiola Aberta”
2. Ética? O que É Isso?
3. A Responsabilidade Mediática Permanente de quem Representa a República
4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado
5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes
6. Quem Não Quer Ser Lobo…
Existem diversas definições para pasquim. A Infopedia*), por exemplo, adota:
2. panfleto difamatório
3. figurado jornal que publica calúnias e artigos difamatórios
4. pejorativo jornal de pouca qualidade”
Faz-me isto recordar os meus tempos há muito idos em que por aí circulava um
então bem conhecido pasquim, desengraçado, mas supostamente humorístico.
Além de uma ou outra imagem ou trecho em que o Autor lá tinha algum sucesso no
seu estranho propósito de fazer gente adulta rir com vontade de coisas com
piada nenhuma, aquilo não passava de um desfile de ordinarice da mais rasca,
da mais reles, por vezes cruel.
Em nada diferia, diga-se, das ordinarices desoladoramente desengraçadas com
que um cada vez maior e mais medíocre rebanho ansioso de protagonismo fácil
junto de semelhantes seus vai, ao que me dizem, contaminando certas redes
ditas sociais que, afinal e com mais ou menos melaço, muitas vezes não passam,
em lugar de redes, de ratoeiras, de eficazes armadilhas destinadas a capturar
os espíritos mais simples e às quais, nos nossos dias, não é fácil
escapar.
Garantiam a sobrevivência do tal pasquim idiotas como o idiota que aqui
escreve e também, de longe a longe, a lia. Na recém-libertada mocidade de
então, acabávamos por comprar aquilo porque a "Gaiola Aberta" – assim se
chamava a publicação - era, quiçá, o mais evidente sinal da libertação do jugo
da censura que, por tantos e tantos anos, o anterior regime ditatorial impôs a
quem apenas pretendia livremente escrever e ler, falar e ouvir: nesse tempo,
seria impensável abrir a gaiola - ou sair do armário -, fosse
quem fosse que lá não quisesse estar.
Era, até, impensável deixar sair as ideias de quem apenas pretendia sorrir,
sonhar.
Assumidamente, a Gaiola era um periódico sem qualquer conteúdo
jornalístico: era um pasquim! Apenas um pasquim.
Nem mais, nem menos: tal e qual!
2. Ética? O que É Isso?
No futebol, chuta-se impiedosamente a bola com o intuito principal – ou único,
nos dias que correm - de ganhar dinheiro, muito dinheiro mesmo,
desvalorizando-se, para que a coisa renda, os tão nocivos efeitos sociais
colaterais dessa cada vez mais induzida ânsia de sucesso a todo o custo,
efeitos esses bem patentes aos olhos de quem os quiser ver, como o de só
pensar na vitória desportiva, profissional, política ou social, a qualquer
preço, e por quaisquer meios necessários a atingir tão glorioso fim: ser, na
ordem social, Alguém; com maiúscula, claro!
Por outras palavras: pavonear-se.
Desta forma, aquilo a que outrora se chamava
a virilidade do futebol rapidamente degenerou numa crescente profusão
de faltas ad hominem no campo e fora dele, que nem os cartões
encarnados, os jogos de suspensão, os processos de inquérito e as prisões
domiciliárias ou preventivas conseguem, já, eficazmente travar; e aquilo a que
nos referíamos como combate político leal - frente a frente,
olhos nos olhos -, do carril da ética acabou, inexorável e
irremediavelmente, por descarrilar.
- x -
A divulgação, nas redes sociais, de um pequeno filme em que aparece, fortemente etilizado, como que a abanar ao vento em plena rua, um destacado representante de Portugal no mais alto órgãolegislativo da Comunidade Europeia*), talvez não seja, contrariamente ao que por aí se entende e o próprio diz, uma violação da vida privada desse cidadão: a inoportuna manifestação dos vapores do álcool aconteceu na via pública e por ação do próprio, que nesse estado nela se mostrou a quem o quisesse ver, razão pela qual nenhuma prévia expetativa de privacidade, nessas circunstâncias, poderia ter.
Se qualquer condutor pudesse defender-se dizendo “foi sem querer”,
ninguém iria para a cadeia por conduzir com um grão na asa; ou, neste caso…
com um melão.
Por outro lado, atento o direito que qualquer um tem de ponderar, no momento de votar, se o faz, ou não, num eleito que foi visto no estado que sabemos, é difícil entender como pode alguém pensar que a divulgação das imagens não é de interesse público*); e pouco importa quantos assistiram à cena ao vivo e a cores, já que, mesmo sem filme, estas coisas andam de ouvido em ouvido com tanta facilidade como as pombinhas da Catrina andam de mão em mão.
3. A Responsabilidade Mediática Permanente de Quem Representa a
República
Ninguém é obrigado a ocupar lugares em órgãos legislativos ou da governação.
Se o faz, há que saber comportar-se com a dignidade esperada por quem o elegeu
para a função; e estar ciente de que, embora não trabalhe vinte e quatro horas
por dia, é, durante as vinte e quatro horas do dia, o português investido
nessa obrigação, assim estando vinculado a cuidar de uma reputação que, por
ser ele quem é, inevitavelmente repercute os impactos por ela eventualmente
sofridos em toda a população.
Mesmo não ocupando qualquer cargo, todos devemos ter em conta que, como alguém
já escreveu, “a vida consiste em vários fatores importantes e fundamentais, entre os
quais se encontra o decente e inteligente domínio dos apetites que
partilhamos com os cães. O homem não uiva do alto de um outeiro, de manhã à
noite, nem tritura com voracidade os alimentos que lhe atiram. Come
alimentos bem confecionados, quando os pode obter, e satisfaz os seus
anseios consoante lhe indica a prudência”.
Pode, pois, sem exagero, dizer-se que o pequeno filme transmite um espetáculo
degradante, uma tenebrosa imagem do País veiculada por alguém que, mais do que
muitos, foi mandatado, contratado e é principescamente pago para a
dignificar.
- x -
Mas o que talvez mais choque da parte de quem pôs o triste filme a circular é
a premeditação da decisão de o conservar anos a fio, à espera da
oportunidade perfeita para, causando o maior dano possível às aspirações
políticas do visado, o divulgar.
Tamanha frieza, tão implacável premeditação, apenas se entende no quadro de
uma luta pelo poder hoje travada sem quartel sem ética, sem grande coisa além
do fedor a lixo que habitualmente a caracteriza.
4. A Ética Jornalística de Um Defunto Ressuscitado
Mudando completamente de assunto… há que dizer que, por muito fraca que possa
ser a qualidade de determinada publicação, por muito execrável que possam ser
os propósitos ou as ideias que impulsionam a divulgação deste ou daquele
conteúdo, a pretensão de um pasquim se considerar parte da
imprensa escrita de modo nenhum belisca a dignidade e o prestígio da
profissão jornalística.
Afinal, a prensa da tipografia imprimia no papel qualquer escrito com que lá
se o quisesse esborratar, da mesma forma que a impressora dos nossos dias não
apenas reproduz as letras que um jornalista digno desse título produz, não se
negando, também, a dar corpo a títulos e capas mais ou menos tonitruantes que
qualquer alarve para lá queira mandar.
Qualquer um tem, pois, direito a imprimir o que bem lhe aprouver, desde não
torne público o que não deve, como notícias ou declarações falsas ou ofensivas
da dignidade de outrem, sobretudo, neste último caso, quando, tal como em
certas faltas do futebol, a divulgação apenas visa atingir o indivíduo, sem
qualquer interesse ou finalidade digna do ponto de vista social.
Tudo isto, sem falar no pequeno problema de a decisão de voltar a dar
vida a um representante da imprensa escrita há muito amortalhado ser tarefa à
partida economicamente inviável - um mamute não tem graça -, que nem valerá
muito a pena tentar. Sobretudo no Verão, em que a cabeça dos editores parece
que, de tanto procurar notícias de que valha a pena falar, mais cedo ou mais
tarde acabará por estourar.
- x -
Ressurgiu, há semanas, na imprensa portuguesa, uma publicação em papel que,
logo no primeiro número, até quem lá escreve afirma ser estranha e que
pretenderia, ao que parece, dinamizar a imprensa escrita em Portugal.
Vá lá saber-se porquê, acabou por nascer às portas do Verão, a tal altura em
que, no defeso da bola, sobre outros assuntos só mesmo um grande
alarido consegue tirar os Portugueses da água ou levá-los a, entreabrindo
primeiro um olho, depois ou outro, interromper a sestazinha na esplanada
enquanto destilam uma bem acompanhada caneca ou imperial.
Talvez por isso mesmo, ainda o renascido mamute andava de cueiros, logo uma
capa absolutamente despropositada e jornalisticamente arrepiante veio, a troco
de uns trocos nas tabacarias e de mais uma ou outra tão necessária quanto
modesta fatura de publicidade, irreversivelmente minar quaisquer pretensões de
qualidade e imparcialidade de quem foi uma publicação pioneira no género e
outrora respeitada, até pela distinção que então se reconhecia a fundadores e
colaboradores – alguns dos quais ainda por lá andam, o que não deixa de tornar
ainda mais surpreendente tão tenebrosa evolução.
A badalada capa alardeava, nem mais, nem menos, do que a existência do tal
pequeno filme sobre o andar periclitante do tal deputado europeu, obtido nas
circunstâncias que se conhece, o que, por si só, sugere grande dificuldade em
encontrar temas interessantes, bem como fontes fidedignas que com o dito
jornal ainda aceitem colaborar.
A não ser do vil metal, a troco de quê? Seguindo que critério
jornalístico?
Com que ganho social?
Além de todos os epítetos que a decisão de publicar tal capa me merece, a
associação torpe e indesculpável de um momentâneo, porquanto condenável, passo
em falso à orientação sexual do embriagado é, além de tirada a ferros, também
desinteressante, ilógica, inexistente: não passa de uma manobra rasteira com
objetivos que não será difícil descortinar, além de ser, esta sim, uma
inaceitável intrusão no mais íntimo da vida privada de alguém que sobre ela
tem sabido manter a reserva e o decoro – mérito que a alguns dos seus maiores
críticos se não poderá, talvez, associar.
5. O Importante Papel Social de Leitores e Anunciantes
Nos tempos do anterior regime, não se falava porque não se podia falar. Agora,
fala-se demais porque o Estado diz não ter como controlar.
Claro que a censura prévia é uma perversão do jornalismo e, possivelmente, a
negação maior da democracia. Mas tal não legitima que alguém se distraia do
dever de, independentemente da existência ou não de ilícito criminal, depois
da publicação de uma capa como esta os seus autores e editores
responsabilizar.
Não basta, contudo, que outros políticos venham, supostamente consternados e solidários, alardear veementescondenações de demonstrações de vileza deste jaez*): a sociedade civil tem a obrigação de, em termos efetivos, condenar e procurar neutralizar comportamentos como este – embora não necessariamente perdendo as estribeiras e formulando apreciações injuriosas acerca das mães dos “palermas que aparecem aqui a dizer que até não gostam muito dele mas não gostam do vídeo”, e especificando, com todas as letras onde o apoio dispensado devem enfiar*), o que sugere que, qual infeção por vírus, esta coisa dos descontrolos tende a alastrar.
- x -
Acontece, todavia, que, parafraseando alguém, não é possível viver em dois
mundos diferentes: para se viver legalmente é necessário aceitar os códigos e
a ética. Se quisermos viver numa selva caótica, teremos de pagar caro pela
escolha. Depende de nós.
Assim sendo, quem, em presença de capas destas, optar por continuar a dar
dinheiro a troco de anúncios a quem no-las impinge sujeita-se a ser desses que
terão de pagar caro pela escolha, uma vez que se torna solidariamente
responsável pelo que mais dali vier, já que, ao contratar publicidade, está a
assegurar a viabilidade comercial de quem, sem tais receitas, não teria como
continuar para aí a dizer mal.
Não se alegue, pois, que nada se pode fazer por não haver censura prévia: a
censura do mercado, seja do lado das empresas anunciantes, seja do lado
do público comprador dos jornais, é, sempre será, o maior garante da
qualidade, do rigor e da moralidade do que lemos e ouvimos nos meios de
comunicação, bem como um forte incentivo à hombridade e idoneidade de quem com
estes colabora em funções jornalísticas, editoriais ou de direção.
6. Quem Não Quer Ser Lobo…
A divulgação, por uma criatura maldosa, do filme na Internet pode, no limite
dos limites, entender-se – mas, nunca, aceitar-se – dada a proximidade das
eleições internas no partido político do visado às quais, presumivelmente ele
irá candidatar-se.
Mas a que propósito sai do prelo - e do nada - a publicação de uma tal capa?
Que utilidade para a generalidade dos leitores em férias terá uma aparição
tal?
Não deixa de ser verdade que uma publicação não pode ser avaliada, e muito
menos julgada, por uma simples capa. Mas não é menos verdade que, sobre o que
se publica ou não, há muito tempo antes para pensar; e que, quem, com todo o
tempo para refletir, deliberadamente pespega na primeira página uma porcaria
destas, ilusões não deixa quanto ao que efetivamente pensa, ao que
efetivamente sente, e ao que, desgraçadamente, em futuras capas mostradas nas
bancas não teremos como os olhos deixar de pousar.
O que vai dentro do jornal e na última página, só lê quem quer.
A mensagem na capa, em letras garrafais, não temos a liberdade de ignorar,
por, simplesmente, não termos como para ela deixar de olhar.
Porque está em parangonas. Porque está lá para impressionar.
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Esclareça-se que, do que dela conheço, a pessoa visada me não merece
particular simpatia, uma vez que admiro a vivacidade no debate televisivo
apenas quando não resvala, recorrentemente, para um protagonismo exagerado ou
para a emotividade excessiva e esganiçada, que sempre acabam por se revelar
formas de apresentar ideias seriamente comprometedoras da correta perceção do
conteúdo.
Assim, ao condenar a perseguição discriminatória e estupidamente abusiva de
que foi vítima, não estou a insurgir-me contra o ataque a este ou àquele,
antes contra o aproveitamento abjeto de situações sem interesse jornalístico,
promovido por gente que, a meus olhos, de jornalista demonstra ter muito
pouco, antes se me afigura ambiciosa, oportunista e vaidosa, desprovida de
ideal.
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Honra lhe seja feita, a “Gaiola Aberta” sempre foi um pasquim, e nunca quis
passar por outra coisa.
Nem mais, nem menos: tal e qual!
Pode-se concordar ou discordar do seu artigo, porque cada um tem a sua unica maneira de ver e entender as coisas, mas o que nao se pode é dizer que este artigo nao tem uma excelente exposicao de factos e ideias muito bem argumentadas e claras, e nessa perspectiva a tarefa dos que venham a discordar deste excelente artigo nao se torna nada facil muito embora, tal como disse, sendo cada pessoa unica e tendo a sua unica maneira de achar o "amarelo" lindo ou feio, tambem nao é impossivel que venha a discordar do que aqui foi escrito. Da parte que me toca como dizem os ingleses, "I really enjoyed" e os factos e argumentos aqui apresentados satisfazem a minha logica.
ResponderEliminarParabens, congratulations. Well done.
Acho que ganhou aqui um fa dos seus escritos. E eu que adoro ler, mas abestenho-me a maior parte das vezes de comentar, para o fazer é porque há uma certa magia naquilo que li.
Uma vez mais os meus sinceros agradecimentos pela generosidade da sua avaliação do trabalho que no Mosaicos procuro fazer. Será sempre um grande gosto vê-lo por cá.
ResponderEliminarTudo farei para, em cada Sábado, lhe trazer um novo artigo de fundo, que, estou certo, não deixará de divulgar.