"Bem melhor do que o título Plano de Recuperação e Resiliência
teria sido a menos espampanante escolha do título Plano de Recuperação e Resistência
para significar que, graças ao dito plano, a economia, após recuperar,
seria
capaz de suportar futuros impactos sem sofrer nova quebra"
Oriunda do latim aequitas, -atis (equidade) e tenens, -entis (o que ou aquele que detém), equitenência equivale ao inglês equitenence e, embora pouco divulgada, além do significado vocabular, o termo releva no campo da sociologia na medida que esta está relacionada com algumas palavras essenciais à compreensão da cada vez mais complexa realidade social em que nos vemos respirar.
Há, também, quem utilize resiliência apenas para enfeitar designações de planos de recuperação, quando, na circunstância recuperação e resiliência significam, praticamente, a mesma coisa.
Bem melhor do que o título Plano de Recuperação e Resiliência teria
sido a menos espampanante escolha do título
Plano de Recuperação e Resistência para significar que, graças ao dito
plano, a economia, após recuperar, seria capaz de suportar futuros impactos
sem sofrer nova quebra.
Mas, afinal, quem se importa? E resiliência é bem mais elaborado do que resistência, até tem mais uma sílaba, e demonstra que conhecemos mais uma palavra difícil… que não sabemos o que quer dizer.
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Esta preocupante tendência linguística para a inconsequente e irresponsável
turbulência, tem, também, a ver com uma
equitenosa propensão de certas pessoas para, por se considerarem de
particular excelência, de qualquer mais ou menos medíocre instituto ou
associação aspirarem à presidência. Uma vez alcançado o poder –
equitenente objeto de desmesurada apetência -, independentemente da
inexistência da recomendável competência, é ele exercido com aquilo a que, em
equitenoso assomo de verbal incontinência, qualquer
equitenólogo rapidamente classificaria como ética degenerescência.
A despeito da tendência para manter a aparência, quem dessas organizações
ocupa a presidência rapidamente passa a padecer de grave equitenose,
dedicando-se, de preferência, a discursar com particular truculência, enquanto
deixa processos e procedimentos em eterna e abandonada pendência para se
dedicar a atividades relativas a outas presidências que ocupa por inerência –
por vezes com um grande rasto a pestilência, mas com alegada inocência -,
deixando os ignorados administrados na maior efervescência, enquanto,
despeitados, lavram pelas redes sociais comentários da maior contundência e
passam noites inteiras a digitar na sua pacata residência.
Mas com o que tem, afinal, a ver este equitenencial e intragável
arrazoado acerca da equitenência?
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Equitenência significa... nada. Absolutamente nada, como
inevitavelmente se conclui da vacuidade do esvaziado escrito que antecede.
Se com todas as ências que acabo de referir equitenência algo tem a ver é com a simples terminação em ência, o que sempre é mais do que alguns significados por aí atribuídos, às palavras difíceis, por dicionários que entre si competem na quantidade de sinónimosque, quase ao peso, para cada vocábulo que se pretende definir nos são apresentados, em desenfreada epidemia polissémica.
Não me perguntem qual o processo criativo elaborado pelo qual cheguei ao termo
equitenência: não existe. Dei, simplesmente, comigo a pensar nele, no
que poderia significar; como às vezes sucede com um daqueles temas melódicos
que, vá lá saber-se porquê, às vezes parecem não querer sair-nos do
ouvido.
Pesquisei, e encontrei... nada de nada, fosse em que idioma ou dicionário
fosse, do mais elaborado ao mais elementar.
Dei, pois, comigo a refletir como é fácil, sem conteúdo ou base conceptual, um
palerma qualquer gerar neologismos prenhes daquela presunção bacoca que nos
leva a, avidamente, procurar palavras complicadas para com elas convencer quem
nos ouve de que somos os mais eruditos letrados que é possível encontrar; ou,
no mínimo, que com outros ilustrados podemos, sem dificuldade, competir
ou ombrear.
Como escreveu um presbítero português que, no século XVIII, ensinava a estudar, “estão persuadidos que a eloquência consiste na afectação e singularidade e, por esta regra, querendo ser eloquentes, procuram de ser mui afectados nas palavras, mui singulares nas ideias, e mui fora de propósito nas aplicações”*). Afinal, é tão mais belo e tão simples ser... simples! Dizer resistência, quando não se trata de resiliência...
Apesar da terminação coincidente, equitenência nada tem, bem pelo contrário, a ver com a cada vez mais escassa benevolência; com a envolvência e carinho que nos merece o próximo; com a inocência de uma mente adulta que, em certas coisas, se quer infantil; com a permanência e constância com que devemos manter-nos junto de quem do nosso cuidado necessita; com a desejável florescência e desenvolvimento de tudo quanto é bom; com a discreta transcendência de nós próprios, escondendo-a dos outros; com a deferência para com os que nos merecem respeito, que são todos. Equitenência nada tem a ver com a continência nos nossos apetites e anseios; com a paciência para com os que estão ainda a aprender o que outrora aprendemos nós; com a prudência que a experiência aconselha para as mais simples decisões da vida; com a previdência na gestão do Futuro de cada um; com a consciência com que deve exercer o seu mister o verdadeiro profissional.
Digo que equitenência tem a ver com nada disto, porque, como a
inventei, devo saber…
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Massajando um pouco a origem latina, quisesse eu atribuir um significado a equitenência, poderia escolher, por exemplo, a teimosia de alguns em se aterem à ideia parva de que todos somos iguais em tudo, numa abusiva extensão da ideia de equidade (aequitas) inerente ao princípio da igualdade de oportunidades e de direitos, que inevitavelmente desvalorizado se torna por via de tal ideia.
O princípio, esse sim, deveria ser sagrado em qualquer texto constitucional, deveria ser honrado na aplicação do sistema legal… e deveria ser salvaguardado de deturpações ilegítimas por quem dele, para algumas duvidosas e radicais causas, ilegítimos dividendos não dessa de procurar obter.
Nega este mal cheio punhado de pessoas a mais visível evidência, esquecendo, numa altura em que se fala de solidariedade e de entreajuda, que, se fôssemos mesmo iguais - estruturalmente, potencialmente -como pretendem, qualquer um de nós seria capaz de fazer o que todos os outros fazem, pelo que raramente necessitaríamos dessa ajuda uns dos outros.
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Ora, pensando bem, vou antes adotar o termo equitenente para significar alguém que tem um poucochinho de cada uma daquelas ências de que primeiro falei, as dos ditos poderosos. Como o termo não existe, tenho a certeza absoluta de que ninguém, mas ninguém mesmo, me irá entender; e ao mesmo tempo, a certeza quase absoluta de que, como a ignorância é, para muitos, indizível vergonha, muito poucos mo irão dizer.
Por fim, deixo aos equitenentes mais vivazes a possibilidade de dizer
que foram eles que inventaram o conceito de equitenência.
Prometo que não vou dizer…