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terça-feira, 27 de fevereiro de 2024


Das Galinhas Colocadeiras


A erudição não nasce do comum, do geral, pelo que "
colocar" não é,
de modo algum, uma forma genérica supostamente erudita do mais popular "pôr".

Se o facilitismo é, já de si, nefasto e pernicioso,
pior fica, ainda, quando apimentado com a presunção.


Simplicidade, está a tornar-se, cada vez mais, um conceito incompatível com a noção de sucesso no funcionamento do elevador social. O que é simples não exalta, não conta, não tem valor.

Vivemos no mundo dos influencers e seus obedientes escravos seguidores, dos criadores de moda – da moda, que deveria ser o resultado de uma tendência simples e natural -, de gentes que abrem empresas na Internet em frações de segundo, apenas para se dizerem "empresários", e pouco depois as encerram por manifesta falta interesse ou de viabilidade; no mundo daqueles que querem sobressair pela forma, como única via supostamente eficaz para escamotear a endémica falta de substância, de conhecimento, de cultura.

Não espantará, assim, que alguns vejam os arrebiques da linguagem como uma forma fácil de sobressair socialmente, sem se darem conta da figura ridícula que fazem ao proferir palavras que pouco ou nada têm a ver com a suposta verdade que pretendem transmitir. Palavras que, de despropositadas, tornam o discurso rebuscado, barroco, inesperado; palavras que, em lugar de servir para comunicar, interrompem o fluxo das ideias, com evidente prejuízo para a ampla apreensão e para a plena compreensão.

Pior ainda, é que os embasbacados com a “cultura” demonstrada por quem assim tão “bem” fala adiram à nova “moda linguística", sob o olhar complacente, se não aprovador, daqueles a quem competiria zelar pela pureza do idioma, mas que, ao invés, contemplam, embevecidos o que consideram evolução da língua, e não passa, afinal, de simples mudança degenerativa. Ou seja: para pior!

- x –

Vem este arrazoado a propósito da mais ou menos recente condenação à morte da palavra “pôr”. Lembra-se o Leitor de quando, mais recentemente, ouviu na televisão uma ou outra forma deste verbo? E na boca de quem?

Pois não. É que as pessoas já não põem: colocam!

Colocam vidas em risco, dinheiro a prazo, fogo no armazém, palavras na minha boca, uma pedra no assunto; colocam pessoas em causa, em posição delicada ou sob vigilância; colocam imóveis no mercado, colocam os piscas antes de virar o carro, a vida coloca-lhes obstáculos e desafios, os treinadores colocam jogadores no “onze”; colocam alguém ao nível de outrem, e até colocam o Windows 11 no PC.

Esquecem-se - ou jamais souberam - de que o verbo colocar está associado a uma ideia de cuidado, de precisão na colocação ou instalação física de algo.

Ora, isto é bem diferente daquilo que sucede com o verbo pôr, destinado a apenas significar, genericamente, levar a determinado lugar - material ou imaterial -, ou lá deixar ou largar algo, sem especial preocupação quanto às circunstâncias em que é levada a cabo a ação.

Serve, também, o verbo pôr para significar, em linguagem popular, vestir, incluir, acrescentar, expor, atribuir, ficar, chegar, começar e tantas outras ações.

Admitamos que será, porventura, este caráter popular associado ao verbo pôr que leva muitos falantes do português - e, sobretudo, do brasileiro que para cá as telenovelas vão trazendo - a considerar que colocar é, dele, uma forma mais elaborada. Menos simples, mais... sofisticada, pensam eles.

Ora, isto não é verdade. Nem pode ser, já que o próprio verbo pôr, enquanto forma popular, é em si mesmo uma substituição genérica, abrangente, mais cómoda, das diversas formas mais específicas, menos cómodas, mais difíceis; ou mais eruditas, se assim quiserem chamar-lhes. Aquelas de que nem sempre a gente se lembra a tempo e, por isso... coloca, que é mais fácil e dá para tudo. Para cada vez mais.

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A erudição não nasce do comum, do geral, pelo que colocar não é, de modo algum, uma forma genérica supostamente erudita do mais popular pôr. Se o facilitismo é, já de si, nefasto e pernicioso, pior fica, ainda, quando lhe é apimentado com a presunção.

Colocar corresponde a um conceito bem mais definido do que o simples pôr, o qual deve ser, preferencialmente, utilizado em linguagem coloquial, sempre que a ideia de rigor na localização estiver afastada da proposição. Em contrapartida, e com todo o cuidado e precisão, coloca-se um prato sobre a mesa, a loiça no armário, a primeira pedra no terreno de uma construção.

Formula-se ou apresenta-se uma dúvida, mas não se colocaPôr uma camisola é a forma popular de vestir uma camisola, pelo que a alternativa a este pôr não será colocar uma camisola, mas sim vesti-la

Põe-se os piscas do carro, ou liga-se, mas não se coloca os piscas, a não ser durante a montagem do automóvel. Nesse processo, sim: coloca-se os piscas em lugares físicos bem precisos e determinados da carroçaria, de acordo com o projeto.

Como vimos, e contrariando o que sustentam alguns dicionários, colocar não é sinónimo de pôr, mas sim uma especialização do termo, destinada a tornar a ideia mais específica: são palavras de significado relacionado, mas não igual.

A esta conclusão conduz, também, o facto de, para pôr, apresentarem esses e outros dicionários cerca de quatro dezenas de significados, enquanto, para colocar, mais não propõem do que, quando muito, uma escassa dúzia. A serem, de facto, sinónimos, para um e para outro a quantidade de significados seria, presumivelmente, igual ou, pelo menos, razoavelmente equivalente, como é bom de ver.

Não é, porém, o verbo pôr a única vítima desta moda das colocações.

Colocam-nos perguntas, em lugar de as formular ou fazer; colocam artigos na lista, em lugar de incluir; colocam textos em inglês, em lugar de os retroverter; colocam questões, em lugar de as formular – embora até já haja quem faça, questões, sabe-se lá por que estranho processo de fabricação.

Em lugar de apresentar, atribuir, fornecer, dar, fixar, colocam divergências, responsabilidades, garantias, situações, objetivos e tantas coisas mais. Até já há quem coloque baixas médicas - pergunto-me onde! -, em lugar de as apresentar; ou meter, na forma popularmente.

- x -

Tudo isto não passa, naturalmente, de uma reflexão, de uma visão pessoal da problemática enunciada, procurando explicá-la mediante um olhar crítico sobre a sociedade contemporânea, visão essa destinada a ser, por quem com ela não concorde, contestada de forma fundamentada em conhecimento científico - ou, pelo menos, mais válido do que outras meras opiniões.

Certo, certo, parece ser que o esfumar do verbo pôr e dos outros que,  a esmo, com esforço mínimo e a seu bel-prazer, cada qual substitui por colocar irá continuar imparável, paralelamente à ânsia galopante de aparentar saber-se o que se não sabe e de parecer o que se não é.

Continuará, e um dia ouviremos falar de galinhas colocadeiras, as tais que, em vez de, simplesmente, pôr os ovos, de os largar algures no ninho, os colocam num local selecionado.

Com todo o cuidado e precisão.


- x - x -

A evolução das línguas vivas haverá de acontecer, como tudo o resto, no tempo devido e a um ritmo razoável, por oposição à crescente tendência para cada um falar como muito bem lhe apraz, na esperança de que, por artes de adivinhação ou por qualquer outro processo transcendental, o outro entenda o que alguém lhe quer dizer - mesmo que lhe seja dito precisamente o contrário do que acabe por entender.

quinta-feira, 25 de agosto de 2022


O Rio de Nós

Vemos os outros como quem olha o rio.

Contemplamos, letárgicos, o vago tremular uniforme das águas e os lampejos do Sol que elas refletem, como gentes que se movem sem se mexer e nos atiram à cara a diferença que julgam ter.

Excitamo-nos quando, fugaz, um peixe salta a espreitar o Mundo que lhe tira a vida, deleitamo-nos com os círculos efémeros que deixa no espelho tranquilo e se esbatem até ao infinito. Vibramos com novas chocantes, mas logo esquecidas, que nos dizem do podre de nós que mora nos outros, da dor da morte, da pungente desgraça, de coisas de arrepiar. De espíritos esmagados pela torrente de notícias sem novidade, pasmamos ante as lágrimas choradas por quem a desdita fere, ao longo de uma vida para si ou para os seus jamais sonhada, imaginada, sequer.

Arrepiamo-nos quando a pedra atirada ao rio nos salpica; mas não quando a atiramos nós e arrepia outros como nós, que nem vimos que por ali também andavam como nós. 

Afinal, quem os mandou lá estar?

- x -

O rio é lindo; é calmo, e pacífico. Pelo menos, é lindo, calmo e pacífico o que dele vemos .

Mas o que vemos do rio não passa de uma ridícula porção dele.

O rio não é superfície: é massa. Uma gigantesca mole de líquido que a gravidade impele, prenhe de vivos e de mortos, de peixes que nadam e daqueles que iremos almoçar, dos que não foram pescados e apodrecem na lama do leito do rio que corre para o mar, com os ramos, os escolhos e os despojos que para lá não paramos de atirar.

O rio é lindo, mas brutal. É corrente que, à passagem, tudo amassa, moi, tritura, mata, destrói, sem, ao menos, parar para pensar.

A molécula de água é fonte da vida. O rio, é fonte da morte. Também nós, fonte de vida, unidos para ser firmes na defesa, acabamos fonte de morte, sempre a atacar; ou, bem pior, a ignorar.

A riqueza que gostamos de acreditar que em nós habita, dilui-se, fenece à vista de alheias virtudes. Ao fatal anonimato, resistimos tolamente num infindável e frenético vai-vem de imagens e frases que pespegamos na montra social para sobressair, quantas vezes pisando outros para, humilhando-os, o  nosso protagonismo assegurar.

- x -.

Somos lindos, desde que não olhemos o espelho de nós nas águas calmas. Nas do lago que nos é próximo, ou nas do imenso rio que passa e continuará a passar.

quarta-feira, 8 de junho de 2022


O 9 de Maio e o Jubileu de Platina

Outrora olhados como exibições destinadas a ostentar e a demonstrar o poder político e militar de quem reina ou governa, os mais recentes desfiles militares que as televisões nos trouxeram mais parecem tentativas vãs de aparentar um poder debilitado ou praticamente inexistente.

Na Rússia (ainda) de Vladimir Putin, a parada do 9 de Maio não passou de uma vergonhosa encenação que alguém com vergonha teria preferido cancelar, para não lembrar o enorme fiasco de que, na Ucrânia, já então o aparatoso exército vinha padecendo.

No Reino Unido (para sempre) de Isabel II, a parada que integrou as comemorações do Jubileu de Platina não passou de uma hipócrita tentativa de associar as poderosas forças armadas britânicas a um trono completamente esvaziado de poder, "servido" por um governante descredibilizado, de cabelo loiro desgranhado e, ao que parece, de circuitos cerebrais algo desgrenhados, também.

Não deixa de ser verdade que a ânsia de ver, ao vivo, Sua Majestade ainda atrai uns milhares de deslumbrados vindos um pouco de todo o Mundo, o que algum impacto terá nas finanças do Arquipélago. Mas, além do diminuto significado da monarquia no ordenamento político atual, como não relacionar, em extremos opostos, todo aquele efetivamente inútil dispêndio de verbas com a fome que grassa no Planeta, com a miséria causada pelas guerras, com tanta gente que não tem porque não tem como vir a ter aquilo que outros olham com o desdém de quem muito tem e dos outros nem quer saber?

Estas demonstrações de um cada vez mais imaginário poderio servem, afinal, para quê?

Destinam-se a enganar quem?

quinta-feira, 28 de abril de 2022


Columbo: o Triunfo da Originalidade


   "Não é possível voltar a criar o que é verdadeiramente bom e original"


Muito característica do ser humano e, em boa parte parte potenciada pelo impiedoso marketing, a ânsia de ser ou parecer original tende a culminar em produções e produtos artificiosos, sem qualquer correspondência, quer com a realidade, quer, pelo menos, com o mais belo imaginário que, no meio da desgraça, mantém vivos aqueles a quem tais produtos se destinam; e o que se imagina é, invariavelmente, melhor do que aquilo que se vê.

Tudo acaba, quantas vezes, por se resumir a um infindável desfilar de coisas diferentes apenas porque o são, mas que nada têm a ver, na substância ou, mesmo, na forma, com algo remotamente confundível com a tão desejada originalidade.

Como alguém escreveu, "todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil"*).

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Naqueles anos de que se lembram só os mais velhinhos, pura, verdadeira, e despida de artefactos entrou a originalidade em nossas casas quando a então Radiotelevisão Portuguesa *) (RTP) exibiu, ainda a preto e branco, uma sequência de três séries policiais da NBC*) iniciada com McCloud*) (Dennis Weaver), continuada com Columbo*) (Peter Falk) e concluída por McMillan and Wife*) (Rock Hudson e Susan Saint James).

Em muito semelhantes a tantas outras, da primeira e da última destas séries já pouca gente ou ninguém se lembrará, que isto da memória tem muito a ver com o interesse da coisa e com o bem que nos faz à alma - bem mais difícil de contentar do que um corpo que, ainda que momentaneamente, com qualquer petisco, roupinha, perfume e coisas que tais se satisfaz.

Columbo, porém, ficou e perdurará na memória de quantos, ainda sem box ou gravador de video, sem computador e mp4, para não perder pitada do episódio apressavam o jantar; e era, mesmo, importante não perder o início, no qual residia uma das originalidades da série, cujas histórias começavam revelando a identidade do homicida, ao contrário do que é hábito encontrar.

A atenção do espetador era, desta forma, atraída pela dúvida, não quanto a quem era o mau da fita, mas quanto ao processo mental utilizado por um detetive completamente despretensioso, embalado naquela eterna gabardine mais do que gasta que, tal como todas as outras peças de roupa, integrava o guarda-roupa pessoal do Ator.

Por este caracterizada como alguém que parecia acabar de ter sido vitimado por uma inundação, a personagem conduzia um Peugeot 403 descapotável, decrépito e barulhento - o que não o impedia de, constantemente, lhe enaltecer os méritos dizendo que era um automóvel francês.

Peter Falk era, o tenente Columbo cujo nome próprio nunca chegámos a conhecer - há quem refira Frank... -, o mesmo tendo acontecido com a mulher e o sobrinho, dos quais tanto falava mas jamais nos deixou, sequer, vislumbrar. A quase clonagem entre ator e personagem resultou numa criação inimitável, impossível de qualquer outro intérprete replicar sem desmerecer - o que faz pensar na atual moda dos remakes que, quantas vezes, não passam de fabricações destinadas a exibir meios de produção bem mais sofisticados e dispendiosos do que os da obra original, mas sem a qualidade daquela, sem a veracidade, a consistência, a expressão, despertando muito menos interesse ou emoção.

Columbo não era um ilustre jurisconsulto, ou um detetive particular ao serviço de elites abastadas. Não era "um pedante seco com toda a poeira das bibliotecas, numa camada espessa, a envolver-lhe o coração": apenas um polícia de aspeto pouco cuidado, que, graças a evidentes inteligência, dedicação e tenacidade muito acima da média - e, também, segundo o próprio, à custa de muito ter observado o que os outros faziam e de muito ter lido e aprendido -, não sossegava enquanto não derrotava, pela lógica, os quase sempre elegantes criminosos que, induzidos, primeiro, numa sensação de falsa segurança e, depois, abruptamente desmascarados, acabavam por se render e admitir a autoria do ato.

Para o sucesso da investigação - e da série - não contribuíam rocambolescas perseguições automóveis pela noite de Los Angeles, ou cenas de sexo ou de violência daquelas que no canto superior direito do écran fazem pôr a bolinha. Columbo era o primado da substância, do conteúdo e da mente, sobre o supérfluo, sobre a forma, sobre o vazio hábito de fazer não importa o quê ao serviço da bilheteira da espetacularidade.

Beneficiando, em vários episódios, do talento de Steven Bochco*) - também autor do guião da Balada de Hill Street - nem o estrondoso sucesso do modelo da série levou alguma outra produtora a tentar replicá-la, a aventurar-se num remake cujo fracasso seria inevitável: não é possível voltar a criar o que é, verdadeiramente, bom e original.

Nada é eterno, no entanto, e, com o avançar dos anos, a qualidade dos textos foi-se deteriorando visivelmente nos fim dos primeiros trinta e oito episódios - os únicos exibidos em Portugal -, o que erá levado a que o protagonista se recusasse a continuar, assim terminando a série. Uns dez anos mais tarde - e "porque a mulher já não podia vê-lo andar ali por casa" -, Peter Falk regressaria para cerca de trinta novos episódios; mas, com um Columbo envelhecido e uma série com um sabor a requentado que Portugal nada perdeu por não ter chegado a conhecer.

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Completar-se-ão, em 2023, cinquenta anos sobre a data em que, por cá, Columbo começou a ser exibido. Tenho pena de que, apesar de tantos anos terem passado, os direitos de autor ainda estejam, aparentemente, ainda a inibir a publicação, na Internet, dos episódios da série.

Fica, a título de compensação, uma pequena parte de um episódio*) em que, num restaurante, apresentam ao tenente uma conta, que ele considera exorbitante, de seis dólares por um chili e um iced tea, ao que, depois de a alterar para seis dólares e setenta e cinco cêntimos, o empregado responde "I forgot to add the iced tea".

Fica, também, a ligação para o bem humorado e pouco convencional discurso de Peter Falk*) quando da aceitação, em 1974, do Emmy que lhe foi atribuído.

Fica, sobretudo, a recordação de uma personagem a lembrar, porque, simplesmente, se não pode deixar esquecer.

(leia aqui a sequência do tema)

Imagem: YouTube



domingo, 10 de abril de 2022


Eça de Queiroz: Conde d'Abranhos

A classificação da maior ou menor qualidade de qualquer produção é, sempre, subjetiva, como bem o demonstra a disparidade habitualmente encontrada na crítica cinematográfica.

Com esta ressalva bem presente, atrevo-me a considerar "Conde d'Abranhos", não apenas como uma das melhores séries portuguesas a que alguma vez tive o gosto de assistir, como capaz de ombrear com muito do melhor que lá de fora nos é trazido, em brasileiro, em inglês, francês ou outra língua.

Composta por treze episódios transmitidos, pela primeira vez, no ano 2000, a série inspirou-se no romance póstumo "O Conde de Abranhos - Notas Biográficas por Z. Zagalo", de Eça de Queiroz, do qual é frequentemente citada a passagem “Este governo não há de cair - porque não é um edifício. Tem de sair com benzina - porque é uma nódoa!”, aplicável, segundo uns ou segundo outros, a todos os governos dos quais alguma vez dependeram os destinos das respetivas nações.

No sétimo episódio da série - integralmente disponível no arquivo RTP - ouvimos, nas palavras que o guião pôs na boca de Zagalo: "Um país vazio, que anuncia um país ainda mais vazio. Como se fosse o deserto de tudo. Tão deserto e tão seco, que não há lugar para uma única ideia que seja. Só palavras, palavras. Nada mais que palavras (...). Um país ridículo e analfabeto", imagem que, no tempo de Eça como agora, parece descrever, na perfeição a indisfarçável decadência de valores e de costumes em que as gentes deste nosso ocidental retângulo vêm caindo.

Esta crítica social e política é o mote, e uma constante ao longo da obra e da série, desta sendo justo destacar, além do texto de Francisco Moita Flores e da realização de António Moura Mattos*), as interpretações de Paulo Matos*) (Alípio Abranhos), João d'Ávila*) (Zagalo), Carmen Santos*) (Laura Amado), Filomena Gonçalves*) (Casimira) e Rui Luís*) (Justiniano Amado).

Imagens: arquivo.rtp.pt

Pode ler a obra completa aqui,
ou assistir a toda a série televisiva aqui.

quinta-feira, 31 de março de 2022


Resiliência ou Ignorância?

"Sou resistente
se resisto a deixar-me quebrar por impactos ou tensões com que outros me vêm desinquietar.
Sou resiliente
se, tendo acabado por ceder perante a adversidade, tiver a capacidade para dela inteiramente recuperar
"

"Se ambos os termos, resistência e resiliência, significam a mesma coisa,
como designar a tal capacidade de recuperação?
"


Internet Popularucha
Encontramos frequentemente, por essa Internet, n sítios que dizem ensinar cultura, como tal parecendo entender a mera repetição, por vezes em tom desnecessariamente popularucho, daquilo que, noutros, facilmente se encontraria com substancialmente maior qualidade e, sobretudo, com a devida e consistente fundamentação.

Além de popularucha, a linguagem utilizada aparece, por vezes, de forma descaradamente evidente, como pensada para atrair leitores menos informados mas mais sensíveis aos apelos mediáticos - o que até poderia resultar num contributo válido para a formação de menos instruídas camadas da população, - bem como para a exaltação mais ou menos narcísica de quem por lá escreve e se não coíbe de pespegar, em dimensões particularmente generosas, a sua imagem em fotografias do tipo passe, obtidas, às tiras para recortar, nas máquina automáticas Photomaton.

Em lugar de prestar esse contributo válido, no caso dos textos em que dizem abordar questões da língua portuguesa, leva-os, bem pelo contrário, o mediatismo excessivo a evidenciar o erro em lugar da palavra ou expressão correta,  problemática que foi, recentemente, aflorada num texto, publicado pelo blog Cota Máxima*), cuja leitura recomendo.

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Ora, legítimo seria esperar que se ocupassem, pelo menos, estes n sítios - n, porque são muitos... -  de averiguar a exatidão dos significados que ensinam como sendo, numa classificação inaceitavelmente subjetiva, as 25, ou as 10, ou as 15 palavras mais qualquer coisa da língua portuguesa, em lugar de comprometer, de forma ainda mais séria do que aquela com que, a cada passo, nos defrontamos, o parco conhecimento da língua portuguesa detido pela generalidade da população.

A par da narrativa, da performance, das geografias, do elencar, do viral, do incontornável e dos restantes membros da vasta família, resiliência vem-se revelando como um dos termos cuja utilização  uma cada vez maior quantidade de pateticamente presumidos oradores e supostos escritores parece julgar que os eleva social e culturalmente, quando a torto, a direito, a despropósito e ad nauseam, a incluem nas mais elementares orações. 

Não será, assim, de estranhar que, no meio de algumas ou muitas outras coisas bizarras encontradas nesses n sítios de cultura, tenha, num deles, deparado, para o termo resiliência, com o significado de  lutar, não desistir, ser otimista e superar obstáculos e outras coisas que tais.

Em lugar de, como de um sítio dito 'de cultura' poderia esperar-se, limitam-se, assim, a papaguear, de forma absolutamente acrítica, o significado do termo originariamente utilizado pela física do qual, abusiva e erradamente, a psicologia se apropriou.

Como já, noutro texto aqui ironizei, resiliência, apenas ao de leve se parece com tal definição: resiliência é, antes, a capacidade de, após sofrer um impacto ou tensão, um material recuperar a sua forma original - como, no quotidiano, observamos, por exemplo, num elástico ou numa mola.

Aplicado à psicologia, o termo resiliência apenas poderia, assim, corresponder à capacidade de recuperação após um impacto ou tensão potencialmente nocivos da estabilidade emocional de uma pessoa. Não é, pois, confundível com resistência, que, essa sim, define a capacidade de um material resistir às tensões e impactos antes de começar a deteriorar-se ou a alterar a forma, ou de uma pessoa resistir antes de, baixando os braços perante os desafios se deixar afetar pela adversidade com que se depara ou lhe é imposta.

Clarificando: sou resistente se resisto a deixar-me quebrar por impactos ou tensões com que outros me vêm desinquietar. Sou resiliente se, tendo acabado por ceder perante a adversidade, tiver a capacidade para dela inteiramente recuperar.

Trata-se, inequivocamente, de conceitos e de situações bem diferentes, afigurando-se absolutamente descabido sustentar que, utilizar uma ou outra... tanto faz!

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Já aqui escrevi, a propósito do sexo e do género, sobre a apropriação, por parte das ciências sociais, de termos utilizados por outras ciências ou disciplinas, assim lançando nos espíritos uma enorme confusão. Trata-se, ao que tudo parece indicar, de um comodismo excessivo, de um aproveitar o que já existe sem muito pensar no assunto, de uma falta de exigência de rigor vocabular, de uma inaceitável displicência com a comunicação que muitos dizem ser tão cara e importante, a mesma comunicação que não param de enfeitar com palavras caras mas vazias de significação.

A apropriação, pela psicologia, do termo resiliência para exprimir algo que resistência muito bem exprime, não passa, assim, de mais uma tentativa de complicar o que é simples; de confundir o que é claro; de enfeitar o que é linear, exaltando a vaidade própria - e provavelmente negada... - de quem opta por uma expressão vocabular cada vez mais barroca e ridícula, em detrimento da qualidade do discurso, da propriedade da expressão, da precisão na compreensão, em suma, minando uma comunicação que se quer pura e exata; pelo menos, tanto quanto razoável e possível, no meio de toda esta indefinição.

Legítimo será, naturalmente, por que razão haverá alguém de, sobre este assunto, aceitar como bom o que aqui defendo, e não aquilo que os reputados linguistas e cientistas fazem e dizem.

Ora, a resposta é bem simples, e arrima-se em dois pilares essenciais:

  • o pilar linguístico, que assenta na imperiosa necessidade de, para nos entendermos e fazermos entender, não apenas procurar eliminar cada um dos múltiplos focos de ambiguidade que o idioma foi gerando e desenvolvendo, através da ignorância e do facilitismo, da indiferença por tudo quanto, como um idioma, não é visível, não rende euros ou votos, ou prestígio, ou - pensam alguns - status social;

  • o pilar lógico, que torna evidente ao mais distraído que, se ambos os termos, resistência e resiliência, significam a mesma coisa, como designar a capacidade de recuperação?
Sem apresentar fundamentação que, literalmente, arrase qualquer destes alicerces, não será fácil convencer espíritos exigentes e mentes informadas da justeza da utilização da já estafada resiliência para, a propósito de tudo de nada, referir algo que resistência perfeitamente define, sem necessidade de elaborados estudos ou rebuscadas  e pomposas interpretações.

Resistência, qualquer aluno da instrução primária sabe o que é. Resiliência, pelo contrário, é um termo de cujo verdadeiro significado muitos que o utilizam nem desconfiam; e, falar sem saber o que se diz, não será, propriamente, a mais eficaz e fluída forma de comunicar.

Capacidade de RESISTIR Resistência Resistente
Capacidade de RECUPERAR Resiliência Resiliente
Ato ou efeito de RECUPERAR Recuperação -

Primeiro, procura-se resistir. Se não resistimos, mas somos resilientes, depois de quebrar, recuperamos. Uma vez recuperados, voltamos a procurar resistir a novos impactos, e assim sucessivamente.

Temos, assim, um dito PRR, um Plano de Ato ou Efeito de Recuperar e de Capacidade de Recuperar. Para aguentar tolices destas, é, de facto, necessária muita... resistência.

* *
Eis, pois, um bom exemplo de que, na língua portuguesa, como em tudo na vida, não é verdade aquilo que, pelas mais diversas razões, muitos querem fazer-nos crer: que "Tanto Faz"!

Visando, entre outras coisas, alertar para o facto, "Tanto Faz!" é, precisamente, o título do primeiro artigo publicado aqui no Mosaicos em Português.



Não perca, no correspondente separador no topo desta página,
outros artigos polémicos sobre diversos temas relacionados com a

LÍNGUA PORTUGUESA

terça-feira, 15 de março de 2022


Tempos Novos, Mentiras Velhas


"Como não entende o Presidente da Ucrânia que a definição de uma zona de exclusão aérea significaria,
ao primeiro sobrevoo por uma aeronave russa, o imediato desencadear das hostilidades
entre a Aliança Atlântica e o implacável e tirânico agressor?

Por outras palavras, a inevitável eclosão da III Guerra Mundial, num banho generalizado de sangue e de terror?"

"Por cá, apenas 100.000€ do PRR terão chegado a contas bancárias de empresas.
Será que os oligarcas tugas já boa parte dos fundos do PRR andam a arrecadar?
"


"Depois disto, nada será como dantes", não nos cansamos de ouvir dizer.

Se nos esforçarmos, porém, por olhar com alguma objetividade e lucidez para esta questão da operação militar especial russa, seremos levados a acreditar que não será exatamente assim: a mentira e a hipocrisia, designadamente políticas, continuam e, quase seguramente, continuarão a ser as mesmas, e nada nos permite esperar que algo de substantivo mude nessas desgraçadas práticas que, em última análise, poderão estar a alimentar uma guerra da qual poderemos estar a experimentar apenas o início.

Poderão, até, estar essas mentiras e hipocrisias a aproximá-la, perigosamente, do irreversível e irracional extremo que ninguém quer nomear.

Vejamos...

- x -

Independentemente da maior ou menor perversidade e desumanidade das suas verdadeiras e por todos nós desconhecidas intenções, ninguém livra, já, o Presidente da Federação Russa*) do labéu de aldrabão.

As reiteradas garantias iniciais de que todo aquele aparato militar na fronteira não passaria de uma movimentação legítima de tropas em exercícios - no que, diga-se de passagem, só alguém muito, mas mesmo muito, ingénuo conseguiria acreditar... -, desvalorizaram qualquer verdade que as suas subsequentes afirmações e protestos possam conter, nomeadamente naquilo que se refere à questão vital de estar ele com pretensões expansionistas ou, muito mais simplesmente, apenas a querer arrasar, na Ucrânia, toda e qualquer instalação militar.

O que, em qualquer caso, parece certo, é que, seja devido a chã incompetência, seja por também por lá andarem habilidosos como os que por cá temos ou tivemos no Arsenal do Alfeite*) - e, talvez, uns quantos outros dos quais não se fala ou deixou de se falar... -, as forças militares russas estão bem longe dos níveis de eficácia que se lhes atribuía, em boa parte devido à obsolescência e à fraca qualidade do seu equipamento militar, cuja substituição por outro mais moderno jamais terá sido concretizada devido a possíveis desvios de verbas destinadas à instituição militar.

Que grossa fatia das fabulosas fortunas dos oligarcas não terá escorrido, diretamente, dessas supostas aquisições de armamento? Quantos salões dos luxuosos iates não terá o povo russo pagado através de impostos destinados ao esforço de guerra ou patacoada similar?

- x -

Por muito que não possam deixar de nos comover a destruição maciça do edificado e, sobretudo, a quantidade considerável de inocentes vítimas cujas vidas se perderam ou ficaram, para sempre, despedaçadas, tampouco é transparente e cristalina a intenção do mediático Presidente da República Popular da Ucrânia*) - não sei porquê, causa-me sempre arrepios, esta designação república popular.

Não deixando de ser verdade que o homem é um político amador, um ator de profissão, de olhos duros e desapaixonados, não pode, de modo algum, admitir-se que alguém que ocupa tão proeminente posição na hierarquia de um estado se não haja rodeado de assessores que, oportunamente, lhe chamem a atenção para as graves e, até, terríveis consequências daquilo que propõe ou pede, caso seja posto em prática.

Certo é que, por cá, também temos uma atriz de profissão, também ela de olhos duros e desapaixonados, que, em lugar de conversar ou discursar normalmente, declama monocórdicas e circulares diatribes, supostamente em defesa de causas de que o Movimento que, supostamente, coordena se apropriou como desejáveis - mas cada vez menos eficazes - tábuas de salvação de uma organização mortalmente ferida pela mais recente manifestação da mesma vontade popular que diz proclamar.

Mas, contrariamente ao que sucede com a lusitana e pouco relevante atriz e com a débil mas bem conhecida força política em que ainda milita, o Presidente da Ucrânia representa, de facto, que ideologia? Quem, na sua retaguarda, cavalgará, incógnito, a oportunidade única proporcionada por uma guerra que, admitamos, talvez ele não tenha provocado, mas a cuja génese poderá não ser totalmente alheio, apesar das suas enfáticas e ásperas palavras que a televisão nos traz a casa e que seria politicamente incorreto não apoiar?

Além das manifestamente abusivas pretensões iniciais de imediata admissão à NATO e à União Europeia, as quais pediu, exigiu, até se cansar, como não entende o Presidente da Ucrânia que a definição de uma zona de exclusão aérea significaria, ao primeiro sobrevoo por uma aeronave russa, o imediato desencadear das hostilidades entre a Aliança Atlântica e o implacável e tirânico agressor?

Por outras palavras, a inevitável eclosão da III Guerra Mundial, num banho generalizado de sangue e de terror?

Num tal cenário, potencialmente dantesco dado o risco da confrontação com armas nucleares, o foco da atenção do aparentemente depauperado exército russo seria, inevitavelmente, desviado para outras paragens, assim atenuando, ou desistindo, de uma possível intenção de invadir a Ucrânia. Mas, a que custo incomensurável para todo o Mundo e, por arrasto, também para a própria Ucrânia?

O que anda este homem a pedir? O que anda o Presidente da Ucrânia, efetivamente, a fazer?

A defender a Europa, como apregoa? Certamente não. O quê, então?

Ou será de dar razão a quem pensa que tudo isto não passa de uma disputa entre dois frios, ambiciosos e intransigentes Vladimiros, que não hesitam em, um pela força, outro pela sedução, pela persuasão, tudo e todos sacrificar aos respetivos desígnios de notoriedade e glorificação?

A História tirará a sua conclusão...

- x -

Por cá, vamos assistindo a uma sucessão de iniciativas solidárias promovidas pelas autarquias ou por elas patrocinadas, consistindo, mormente, no envio de camiões e mais camiões repletos sabe-se lá de que roupas velhas e consumíveis em fim de prazo, além, naturalmente, de dádivas genuínas de uns quantos bem-intencionados e daquele punhado que continua a pensar que será esta uma boa forma de eliminar umas quantas teias de aranha das mais ou menos pesadas consciências.

Mas, digam-me lá? Será necessário todo este aparato televisivo?

Se o que se pretende é, efetivamente, dar, ajudar, não seria bem mais eficiente, económico, mais civilizado, mais discreto, mais genuíno, centralizar a recolha e encaminhamento das dádivas, em lugar de agir como se de rasteira propaganda autárquica se tratasse, alimentada, já se sabe, por aquele patego clubismo de poder dizer que aquele camião cheio de tralha foi enviado pela gente cá da terra?

A menos, claro, que legitimamente desconfiem da bondade dessa centralização, e do mais do que provável descaminho de bens em que, em menor ou maior escala, ela redundasse. O que pensar, porém, da intervenção de autarquias no processo, órgãos quantas vezes já eivados de beneméritos processados e, até, condenados por corrupção e desvios de fundos relacionados com catástrofes para nós tão relevantes como, por exemplo, os fogos de Pedrógão, em toda a sua força devastadora?

Será por isso que alguns dos próprios promotores genuinamente empenhados dessas iniciativas se sentam ao volante dos camiões e os donativos lá vão, diretamente, entregar? Para terem a certeza de que lá irão chegar?

- x -

Ainda por cá, mas lá mais acima, também tudo na mesma, a fazer fé nos dados supostamente fidedignos que nos trouxe o comentador social-democrata de telejornal de Domingo num canal generalista - e que no próprio Partido lá vai espetando uma ou outra farpa, quanto mais não seja para disfarçar.

Ao que parece, de cerca de 16.600.000.000€ que o Plano de Recuperação e Resiliência*) ao nosso Torrão Natal terá atribuído, apenas 4.600.000.000€ foram, até agora, aprovados e, destes, apenas 400.000.000€ (reparem na redução de zeros...) terão sido destinados a particulares e empresas portuguesas, tendo a fatia do Obélix cabido, como seria de esperar, ao faminto Estado.

Será que os oligarcas tugas já boa parte dos fundos andam a arrecadar?

O caso poderá ser particularmente gritante, se acreditarmos ser verdade que, dos tais 400.000.000€, apenas 100.000€ do PRR (outra vez esta coisa dos zeros...) terão chegado a contas bancárias de empresas: as mesmas empresas às quais continuadamente o Governo apela para que assegurem a recuperação e a dinamização da nossa rastejante economia, para que, com o sucesso delas - das empresas - possam, ufanos, os nossos políticos lá por fora acenar.

A guerra, a cruel e desnecessária, guerra, muita coisa, é certo, irá mudar.

Mas, com a mentira, com a dissimulação, com a hipocrisia, não irá, seguramente, acabar.

* *

O assunto da eventual possibilidade de adesão da Ucrânia à Comunidade Europeia é cada vez mais polémico. Traz, entretanto, à balha questões estruturais da União que importa, antes de mais, abertamente discutir e resolver.

Tal é o caso, por exemplo, da obsoleta e contraproducente exigência da unanimidade nas mais importantes decisões.

[continue a ler aqui].

domingo, 13 de março de 2022


"Baking News"

Habitualmente traduzida como "notícias de última hora", a expressão inglesa "breaking news" exprime, mais propriamente, uma interrupção, uma quebra (break) do curso normal da programação de um canal de radiofonia ou de televisão, devida à superveniência do conhecimento, pelo emissor, de informação cuja divulgação justifique tal sobressalto.

Os critérios para a classificação de determinada notícia como "breaking news" são, necessariamente, subjetivos, além de fortemente condicionados pela apetência do auditório pela respetiva natureza e, consequentemente, pelos inerentes interesses comerciais que cada vez mais nos surgem como o verdadeiro motor das decisões táticas a cada momento tomadas pelos responsáveis pela gestão corrente das diversas estações.

Caso bem conhecido e que ainda hoje permanece na memória de muitos é, corria o ano de 2007, o da saída abrupta de estúdio por parte de um comentador da SIC Notícias*) que viu o seu comentário político interrompido pela inadiável e importantíssima cobertura da chegada ao aeroporto de um então bem sucedido treinador de futebol.

Para alguns aparentemente no mesmo patamar, temos, agora, a invasão da Ucrânia pela Rússia a ameaçar a segurança da Europa e, desta vez, a objetivamente mais do que justificar que qualquer notícia relevante e de última hora sobre o tema ere uma imediata interrupção da regular programação.

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No entanto, quem, por gosto discutível ou pontual falta de alternativa, passar parte do dia com o aparelho sintonizado na frequência do canal recentemente rebatizado como CNN Portugal, ouvirá, inúmeras vezes ao longo do dia, papaguear algo como "Boa tarde, eu sou a Maximiana e estamos em 'breaking news' na CNN Portugal" (o nome fictício da locutora foi propositadamente escolhido dada a facilidade com que as evidentes artificialidade e impropriedade da designação e da mensagem poderiam levar-nos a confundi-la com uma rábula de um programa humorístico como o Crime na Pensão Estrelinha *) ou o Humor de Perdição *)).

O que nos traz, de imprevisto, de inesperado, de importante, de novo, aquilo que se segue a tão espampanante introdução?

As mais das vezes, a partida, o trânsito ou a chegada de mais um entre tantos camiões com ajuda humanitária generosamente recolhida em Portugal; a chegada de mais um desolado grupo de deslocados da guerra; a comovente história do pequeno Alexis que, na fuga, apenas conseguiu trazer consigo o mais pequeno dos seus já poucos brinquedos; o aproveitamento fácil e indecoroso da fragilidade das vítimas para as pôr a chorar diante das câmaras, ou a pungente história de um Oleg que, perdido nas agruras da guerra, não tem como encontrar a irmã ou outro ente querido do seu coração.

Tudo isto é triste, é dramático, é chocante, claro. A menos que sejamos bestas apenas comparáveis aos abomináveis agressores, tudo isto nos toca profundamente, e não deixa de ser instrumentalmente relevante na congregação e na mobilização de esforços para valer a quem tanto de nós necessita.

Mas, o que tem a ver com "breaking news" toda esta informação já mais do que requentada, passada até à nausea, sempre com as mesmas imagens de fundo - ainda conseguem ver "em direto" aquela explosão de um míssil russo a destruir um edifício administrativo em Kharkiv*)

De manhã à noite, e seja lá o que for que transmita que tenha, ainda que remotamente, a ver com a invasão da Ucrânia, é, para a mais sensacionalista do que informativa CNN Portugal, notícia de última hora, ou assim é anunciada a fatias menos cultas, menos atentas e menos inteligentes da população espetadora, as únicas que, numa postura predominantemente acrítica, ainda conseguirão absorver, sem reagir, tão enganadoras e intensas mensagens que, supostamente, ajudarão o recauchutado Canal a vender alguma publicidade.

Em vez de breaking news, servem-nos baking news, destinadas a entorpecer, a cozinhar em lume brando as meninges de quem as vê e ouve, intercaladas pelos anúncios que, esses sim, aqui e ali as vêm interromper.

Ávidos de verdadeiras notícias, lá continuamos assim pregados à têvê...

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quarta-feira, 2 de março de 2022


Aquilino Ribeiro


 

"O janotismo nas sociedades primárias
é sempre um trunfo certo"

Aquilino RIbeiro*)   
(Quando os Lobos Uivam)      


Por alguma estranha razão, quando leio coisas destas, lembro-me logo de certas pessoas que deambulam sem rumo a exibir os glúteos nas redes sociais, os bólides à porta dos estádios, as toilettes nos chamados picadeiros, os milhões sabe-se lá como amealhados, e outras tantas foleiradas de cultivadores da própria imagem, quantas vezes pendurados, com as suas famílias, no crédito necessário à aquisição destas máscaras e fantasias que não dispensam no seu eterno e humanamente desolador Carnaval dos Animais.

Lembro-me, também, daqueles políticos profissionais que nada mais fizeram na vida do que ser políticos profissionais, o que quer que tal coisa possa querer dizer; e temo o efeito que um governo recheado de pessoas destas - alcandoradas ao poleiro, não por especial competência ou mérito, mas como forma de retribuição pelos serviços prestados à maioria absoluta instituída - possa vir a provocar sobre um país conformado, anestesiado e em estado de negação quanto à manifesta irresponsabilidade de quem parece obstinar-se em aplicar tão irresponsável critério à escolha daqueles por quem tão grandes responsabilidades irá distribuir.

Na situação em que o Mundo se encontra, e em pleno período crítico de aplicação de fundos externos generosamente distribuídos,Portugal carece de rigor, de princípios, de disciplina, de valores.

Tudo isto é incompatível com a simples ideia de ter irredutíveis janotas a governar.

sábado, 5 de fevereiro de 2022


Acerca da Língua que Falam no Brasil

"Há muito que se não fala português no Brasil, antes um idioma estrangeiro,
aparentado com o português da Europa, mas muito próprio e intimamente ligado à cultura,
também ela muito própria, de um País Irmão
"

"O português europeu atravessa um subserviente e galopante processo de quase patológica permeabilização, não apenas a vocábulos, mas a sistemáticas violações da própria construção frásica, das mais elementares regras gramaticais"


Nestes tempos em que, por tudo e por nada, se fala de igualdade – mesmo a despropósito, mesmo quando aquilo com que se acena chamando-lhe igualdade, com igualdade pouco ou nada tem a ver -, cada vez mais se procura disfarçar com uniformizadas e supostamente identitárias roupagens as diferenças estruturais entre os seres.

Situações com normalização

A moda aparece, naturalmente, como a manifestação por excelência desta prática, como uma tentativa de parecermos o que não somos, mas gostaríamos de ser. Nomeadamente iguais àqueles que cada um idolatra ou admira ou, mais simplesmente, que este novo exército de assim chamados influencers as mais fracas personalidades manipula, em mais ou menos chorudo proveito próprio e a seu bel-prazer.

Situações há, naturalmente, em que a normalização das roupagens é válida, indispensável até, como no caso das forças armadas ou de segurança e de outras organizações orientadas por um, legítimo ou não, objetivo comum. A farda surge, nestes casos, como uma forma de facilmente identificarmos as pessoas nelas filiadas e, também, como a manifestação de uma identidade de missão, de partilha de objetivos, de proximidade cultural, enfim, do que quer que seja que, uns com os outros, nos possa fazer parecer.

Será, assim, absolutamente descabido, patético, até, que, num esforço à partida vão de aparentar identidades que não têm, elementos de grupos distintos, pessoas de diferentes organizações, com diferentes missões, objetivos ou, até, credos vistam a mesma farda ou ostentem os mesmos símbolos. Tal opção, em nada contribuirá, evidentemente, para convencer quem quer que seja da efetiva existência de uma igualdade ou proximidade apenas desejada ou sonhada, apenas servindo, bem pelo contrário, para lançar uma indesejável, mas inevitável, confusão junto de quantos em tais preparos os verão.

Trata-se de uma questão do mais elementar bom senso, tão evidente e pacífica, que não necessitará de ulterior desenvolvimento ou discussão.

- x -

O idioma que falamos é a farda, a roupagem cultural e civilizacional que envergamos.

Com mais ou menos pronúncia daqui ou dali, a língua mãe constitui, não apenas um identificador da nossa provável origem geográfica, como da cultura no seio da qual viemos ao Mundo e, pelo menos em determinada fase da vida, continuámos a viver.

Fenómenos de aculturação
Não é por, em determinada idade ou etapa da existência, aprendermos a falar, também, inglês que passamos a ser ingleses; isto, sem prejuízo de, com o correr do tempo, podermos acabar por absorver aspetos da cultura própria dos países onde se fala algum idioma que formos aprendendo, mormente se, simultaneamente ou não, acabarmos por lá passar algum tempo.

Fenómenos de mais ou menos acentuada aculturação, num e noutro sentido, inevitavelmente ocorrem, também, entre os países responsáveis pelos primórdios da diáspora europeia*), por um lado, e as colónias, de agora ou de outrora, por outro.

Dada a considerável distância que as separava dos países colonizadores e por serem as viagens tão difíceis e demoradas e, durante séculos, assim terem permanecido, novas culturas, substancialmente diferentes das autóctones e das europeias, emergiram dessas colónias inicialmente subjugadas aos ditames e costumes do invasor.

Após conturbados tempos de confronto e, por fim, de forçada harmonização, natural se torna que hajam culminado, na maior parte dos casos, em anseios de independência e na sua concretização.

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Um dos aspetos essenciais desta diferenciação cultural terá sido a degeneração ou imperfeita aprendizagem locais da língua materna dos colonizadores, a pontos de, não raramente, já pouco ter ela a ver com a que continua a falar-se na Europa, seja em parte significativa do vocabulário, seja na construção frásica ou na generalidade daquilo que à gramática possa interessar.

Tal é o caso inequívoco do idioma atualmente falado no Brasil, caracterizado por um liberalismo quase caótico relativamente aos mais elementares cânones da língua falada e escrita em Portugal.

As rotas seguidas por um outro idioma – porque de dois bem distintos já se trata - mostram-se a tal ponto divergentes que, praticamente, fazem secar, na América, as raízes portuguesas do idioma, não apenas por força da distância geográfica entre o Brasil e Portugal, como da significativa dispersão geográfica e diversidade cultural da República Federativa, que tornam praticamente impossível evitar, a nível linguístico e entre os seus diversos Estados, a propagação de cada vez maiores arbitrariedades e deturpações.

O idioma falado no Brasil encontra-se, assim, num particularmente intenso processo de formação baseado na degenerescência da língua portuguesa que lhe serviu de base, enquanto o português europeu atravessa um subserviente e galopante processo de quase patológica permeabilização, não apenas a vocábulos, mas a sistemáticas violações da própria construção frásica, das mais elementares regras gramaticais, o qual, finalmente, vai sendo objeto de algumas, embora pontuais e tímidas, chamadas de atenção*).

As próprias matérias de jornais brasileiros*) que, dando conta do facto*), referem que uma das causas residirá na “influência de youtubers brasileiros, os mais assistidos pelos miúdos portuguesesdemonstra bem, num só parágrafo, que ponto atingiu, já, a diferenciação.

Não é verdade, porém, que só entre os jovens o fenómeno se verifique, nem que tenha começado agora esta evolução. Assim entender, seria olvidar o efeito dramático produzido, décadas atrás, pela transmissão, quase em contínuo, de telenovelas brasileiras nos principais canais generalistas da televisão portuguesa, que, desta forma, deram azo a que muita gente começasse, com toda a naturalidade, a dizer que o personagem virou isto ou aquilo, que é impossível não adorá-la ou que é muito péssima, e já não saiba, sequer, ao certo onde por o se numa oração.

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Esta modesta amostra não passa de uma ínfima fração do problema que vivemos no dia a dia, e que não resulta, unicamente, de uma patega excrescência da ação de um governante mais exibicionista ou que tenha querido deixar a sua marca através da celebração de um suposto acordo ortográfico desconexo, arbitrário e elaborado ao arrepio da mais elementar lógica.

Um acordo que os brasileiros nem cumpriram… e para quê? Acaso iriam passar a escrever electrónico em lugar de eletrônico? Para quê, então, fingir que, quanto a esta ideia parva de homogeneizar o que não pode ser homogeneizado, alguma coisa de válido alguém, de facto, pretende ou alguma vez pretendeu fazer?

Arbitrário até na estrutura, o Acordo não passou, em boa verdade, de uma também arbitrária tentativa de impor a diversos países uma das tais fardas, uma roupagem que nos convencesse da existência de uma razoável homogeneidade cultural única entre todos países cujos idiomas nasceram do português. Como se fosse verdade tal besteira.

Dizer que existem traços comuns estruturais, evidentes, entre culturas do Brasil, dos PALOP, de Timor e de Portugal não passa de um discurso politicamente correto, mas vazio; de um despudorado atirar de poeira aos olhos - mas, apenas, de quem os tiver fechados, já que, ainda que, entreabrindo-os, inevitavelmente o contrário constatará.

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Há muito que se não fala português no Brasil, antes um idioma estrangeiro, aparentado com o português da Europa, mas muito próprio e intimamente ligado à cultura, também ela muito própria, do País Irmão, porque, indelevelmente ligados pela História, Brasil e Portugal são e serão países irmãos.

Mas, gémeos, não são: jamais serão. Sobretudo tendo em conta quem, para os governar, livre e democraticamente os brasileiros escolheram na mais recente eleição*).

* *

Sempre há, no entanto, que reconhecer que, acordo ortográfico à parte, a degeneração vocabular e a propensão fácil à descontrolada polissemia não é, exclusivamente, importada, nomeadamente do Brasil.

Por cá, e sem ajuda externa, vamo-nos aproximando, a passos largos, do dia em que qualquer palavra significa qualquer coisa, a ponto de quase deixarmos de nos fazer entender.

(siga aqui a continuação)


A gramática de um idioma define-se pela estrutura lógica,
e não pela utilização mais ou menos própria que, aqui ou ali,
um ou outro escritor dela fará


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LÍNGUA PORTUGUESA

domingo, 2 de janeiro de 2022


60.000 Candidatos a Operador de "Call-center"


"Sessenta mil candidatos a bolsas de estudo receberam o pagamento relativo ao mês de Dezembro", ouvi há dias já não sei em que estação de televisão. Não sei se terão, também, noticiado os pagamentos relativos aos meses anteriores, nem se irão massacrar-nos com outras notícias igualmente desinteressantes nos meses que se seguem.

Não é novidade a figura ridícula de quem não tem notícias com interesse para dar, nem reportagens prontas para entrar no ar quando escasseia a matéria-prima das picardias políticas, dos fora de jogo que não eram, dos que eram e não chegaram a ser e das catástrofes que, felizmente parece que só acontecem por esse mundo fora. Mas mais ridícula tal figura se torna ainda por anunciar, como se de grande coisa se tratasse, algo que não passa de chamariz para o embuste em que continuam a cair os infelizes estudantes que, ou saem da universidade com notas altas - mesmo muito altas - e lá acabam por se orientar lá por fora, ou, com uma muito maior frequência e probabilidade, irão parar a um call-center, tábua de salvação para os que, simplesmente, tiveram aquelas notas que, não sendo excecionais, revelam, pelo menos, que andaram na escola a fazer o que se esperava que andassem a fazer.

Para estes, todos sabemos que, ao nível dos conhecimentos adquiridos, não existe emprego compatível para todos, ou, sequer, para a maior parte; muito menos, na respetiva área de formação. Mas, como é preciso mostrar números lá para fora, ninguém lhes diz que vão ficar atrasados na vida profissional indiferenciada em que outros começam a singrar e a ganhar o sustento antes deles: eles que correm desesperadamente pelo canudo que permitirá, um dia, aos babados e mais ou menos parolos mamãs e papás, convidar os vizinhos, parentes e amigos para uma grande festa, com um enorme bolo que diz: "Temos Doutor!".

Será esse, para muitos, o ponto alto da carreira académica. O derradeiro, também...

Em Portugal, "Licenciado", quer dizer "igual a todos os outros que se arrastam pelos call-centers", sonhando com a maravilhosa vida há muito imaginada... que jamais chegarão a ter.

domingo, 26 de dezembro de 2021


Gouveia e Melo: Mais Um Daqueles?


"A palavra que reténs nos teus lábios é tua escrava;  a que dizes fora de propósito é tua senhora".

Ninguém conclua, das linhas que se seguem, que não estou, como qualquer português deve estar, grato ao, a partir de amanhã, ex-Vice-Almirante que, recentemente, desempenhou funções como coordenador da assim designada task force da vacinação anti-COVID. Claro que estou!

Tal não me obriga, porém, a deixar-me ofuscar pelo brilho do sucesso da reconhecidamente válida ação por ele desenvolvida enquanto executante do enunciado atual - que não encontro, se é que existe... - do Plano Nacional de Vacinação*) iniciado em 1965 com a aceitação, pelo Estado Português, de um donativo da Fundação Calouste Gulbenkian destinado à vacinação contra a poliomielite*), difteria*), tétano*) e tosse convulsa*) (Decreto-Lei n.º 46533, de 09 de Setembro de 1965)*), continuado  com a implementação do velhinho mas, então, indispensável Boletim Individual de Saúde (Decreto-Lei n.º 46621, de 27 de Outubro de 1965)*) (Decreto-Lei n.º 46628, de 11 de Novembro de 1965)*) e assim sucessivamente.

Não me ofusca, pelo menos, a ponto de evitar que fique perplexo, desagradado e apreensivo com o que leio nas entrelinhas das recentes respostas do amanhã promovido a Almirante, como "o futuro a Deus pertence", "não se deve dizer 'dessa água não beberei'" ou "até lá muita coisa pode acontecer", produzidas quando interpelado acerca de uma eventual candidatura futura à presidência da República.

A ter, de facto, sido proferido este chorrilho de lugares-comuns*), há que questionar, antes de mais, a capacidade para o desempenho de tão altas funções por parte de um cidadão que, ainda há poucos meses atrás - e, porventura, antes de o terem aconselhado a ter tento na língua - sobre o mesmo assunto dizia coisas de sentido contrário, tão claras e sem margem para dúvidas como "Não sou político", ou "vou tirar esta farda, mas é para vestir outra. Eu sou militar, não tenho jeito para político. Fecho essa porta*).

Tudo isto é muito estranho. Principalmente, tratando-se de um militar, de uma pessoa que pertence à elite de uma estrutura conhecida pela solidez da palavra dada. Enfim...

- x -

Mas há mais.

Enquanto desempenhou as referidas funções, o Senhor Almirante notabilizou-se como executante privilegiado, como mero coordenador de esforços e de boas-vontades. Não como gestor; muito menos, como um velho sábio a exercer uma magistratura de influência presidencial. Nem me parece, dada a sua notória apetência pela ação, talhado para tal.

Como explicar, então, que alguém que se assume como não político, que desempenhou funções que em nada se assemelham àquelas que de um presidente da República será de esperar, abra agora uma porta, pelo próprio há pouco inequivocamente fechada para sempre, para, mais ano, menos ano, vir a candidatar-se ao lugar?

Já se sabe que, pelo menos até agora, ninguém, num dos partidos políticos do costume, se tem vindo a perfilar como candidato às mais altas funções do Estado. Já se sabe, também, que não se vislumbra quem poderá ter carisma suficiente para, sem fazer muito triste figura, as desempenhar na sombra do atual Presidente da República, o qual dificilmente alguém, num futuro mais ou menos próximo, poderá, no plano mediático, sequer sonhar em igualar. O que suscita, inevitavelmente, a pergunta: qual dos partidos estará a piscar o olho ao Almirante? Quem o estará a empurrar?

Além do mais, começa, como vimos, a dar a ideia de que o talvez putativo Candidato tem uma imagem bastante difusa de si próprio, o que não convém ao mais alto magistrado da nação: disse, em tempos de que já não parece lembrar-se, não ser um político, mas a recente inversão de marcha nos seus projetos futuros acaba de demonstrar que, embora inábil, afinal, o é.

No entanto, diz quem é sensato que a imortalidade, quando já está garantida, mais vale defender do que desbaratar. Por isso, a sério, alguém lhe diga que, mesmo quando movidos pelas melhores intenções, se não somos ou não nos sentimos competentes - ou alguma coisa nos diz que, mais ou menos suavemente, estão a passar-nos a mão pelo pelo -, bem melhor faremos, no interesse daqueles que, supostamente, iríamos servir, em em não insistir em avançar; em não nos tornarmos... mais um daqueles.

Honesta fama est alterum patrimonium