quinta-feira, 28 de abril de 2022


Columbo: o Triunfo da Originalidade


   "Não é possível voltar a criar o que é verdadeiramente bom e original"


Muito característica do ser humano e, em boa parte parte potenciada pelo impiedoso marketing, a ânsia de ser ou parecer original tende a culminar em produções e produtos artificiosos, sem qualquer correspondência, quer com a realidade, quer, pelo menos, com o mais belo imaginário que, no meio da desgraça, mantém vivos aqueles a quem tais produtos se destinam; e o que se imagina é, invariavelmente, melhor do que aquilo que se vê.

Tudo acaba, quantas vezes, por se resumir a um infindável desfilar de coisas diferentes apenas porque o são, mas que nada têm a ver, na substância ou, mesmo, na forma, com algo remotamente confundível com a tão desejada originalidade.

Como alguém escreveu, "todo o escritor que é original é diferente. Mas nem todo o que é diferente é original. A originalidade vem de dentro para fora. A diferença é ao contrário. A diferença vê-se, a originalidade sente-se. Assim, uma é fácil e a outra é difícil"*).

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Naqueles anos de que se lembram só os mais velhinhos, pura, verdadeira, e despida de artefactos entrou a originalidade em nossas casas quando a então Radiotelevisão Portuguesa *) (RTP) exibiu, ainda a preto e branco, uma sequência de três séries policiais da NBC*) iniciada com McCloud*) (Dennis Weaver), continuada com Columbo*) (Peter Falk) e concluída por McMillan and Wife*) (Rock Hudson e Susan Saint James).

Em muito semelhantes a tantas outras, da primeira e da última destas séries já pouca gente ou ninguém se lembrará, que isto da memória tem muito a ver com o interesse da coisa e com o bem que nos faz à alma - bem mais difícil de contentar do que um corpo que, ainda que momentaneamente, com qualquer petisco, roupinha, perfume e coisas que tais se satisfaz.

Columbo, porém, ficou e perdurará na memória de quantos, ainda sem box ou gravador de video, sem computador e mp4, para não perder pitada do episódio apressavam o jantar; e era, mesmo, importante não perder o início, no qual residia uma das originalidades da série, cujas histórias começavam revelando a identidade do homicida, ao contrário do que é hábito encontrar.

A atenção do espetador era, desta forma, atraída pela dúvida, não quanto a quem era o mau da fita, mas quanto ao processo mental utilizado por um detetive completamente despretensioso, embalado naquela eterna gabardine mais do que gasta que, tal como todas as outras peças de roupa, integrava o guarda-roupa pessoal do Ator.

Por este caracterizada como alguém que parecia acabar de ter sido vitimado por uma inundação, a personagem conduzia um Peugeot 403 descapotável, decrépito e barulhento - o que não o impedia de, constantemente, lhe enaltecer os méritos dizendo que era um automóvel francês.

Peter Falk era, o tenente Columbo cujo nome próprio nunca chegámos a conhecer - há quem refira Frank... -, o mesmo tendo acontecido com a mulher e o sobrinho, dos quais tanto falava mas jamais nos deixou, sequer, vislumbrar. A quase clonagem entre ator e personagem resultou numa criação inimitável, impossível de qualquer outro intérprete replicar sem desmerecer - o que faz pensar na atual moda dos remakes que, quantas vezes, não passam de fabricações destinadas a exibir meios de produção bem mais sofisticados e dispendiosos do que os da obra original, mas sem a qualidade daquela, sem a veracidade, a consistência, a expressão, despertando muito menos interesse ou emoção.

Columbo não era um ilustre jurisconsulto, ou um detetive particular ao serviço de elites abastadas. Não era "um pedante seco com toda a poeira das bibliotecas, numa camada espessa, a envolver-lhe o coração": apenas um polícia de aspeto pouco cuidado, que, graças a evidentes inteligência, dedicação e tenacidade muito acima da média - e, também, segundo o próprio, à custa de muito ter observado o que os outros faziam e de muito ter lido e aprendido -, não sossegava enquanto não derrotava, pela lógica, os quase sempre elegantes criminosos que, induzidos, primeiro, numa sensação de falsa segurança e, depois, abruptamente desmascarados, acabavam por se render e admitir a autoria do ato.

Para o sucesso da investigação - e da série - não contribuíam rocambolescas perseguições automóveis pela noite de Los Angeles, ou cenas de sexo ou de violência daquelas que no canto superior direito do écran fazem pôr a bolinha. Columbo era o primado da substância, do conteúdo e da mente, sobre o supérfluo, sobre a forma, sobre o vazio hábito de fazer não importa o quê ao serviço da bilheteira da espetacularidade.

Beneficiando, em vários episódios, do talento de Steven Bochco*) - também autor do guião da Balada de Hill Street - nem o estrondoso sucesso do modelo da série levou alguma outra produtora a tentar replicá-la, a aventurar-se num remake cujo fracasso seria inevitável: não é possível voltar a criar o que é, verdadeiramente, bom e original.

Nada é eterno, no entanto, e, com o avançar dos anos, a qualidade dos textos foi-se deteriorando visivelmente nos fim dos primeiros trinta e oito episódios - os únicos exibidos em Portugal -, o que erá levado a que o protagonista se recusasse a continuar, assim terminando a série. Uns dez anos mais tarde - e "porque a mulher já não podia vê-lo andar ali por casa" -, Peter Falk regressaria para cerca de trinta novos episódios; mas, com um Columbo envelhecido e uma série com um sabor a requentado que Portugal nada perdeu por não ter chegado a conhecer.

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Completar-se-ão, em 2023, cinquenta anos sobre a data em que, por cá, Columbo começou a ser exibido. Tenho pena de que, apesar de tantos anos terem passado, os direitos de autor ainda estejam, aparentemente, ainda a inibir a publicação, na Internet, dos episódios da série.

Fica, a título de compensação, uma pequena parte de um episódio*) em que, num restaurante, apresentam ao tenente uma conta, que ele considera exorbitante, de seis dólares por um chili e um iced tea, ao que, depois de a alterar para seis dólares e setenta e cinco cêntimos, o empregado responde "I forgot to add the iced tea".

Fica, também, a ligação para o bem humorado e pouco convencional discurso de Peter Falk*) quando da aceitação, em 1974, do Emmy que lhe foi atribuído.

Fica, sobretudo, a recordação de uma personagem a lembrar, porque, simplesmente, se não pode deixar esquecer.

(leia aqui a sequência do tema)

Imagem: YouTube



2 comentários:
  1. Esta série policial, apesar da idade, continua muitíssimo agradável de ver pela actualidade dos casos que o detective Columbo desvenda com toda a tranquilidade e competência. Não a sabia tão antiga.
    Ando a rever, sempre que tenho a sorte de me sentar frente ao televisor e sintonizo o Canal Memória.
    Não se resiste a um sorriso meio divertido, meio terno, quando ele diz "Isto tenho de contar à minha mulher" :))
    Bom fim-de-semana.

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    1. Mosaicos em Português28 de abril de 2022 às 16:11

      Boas notícias. Não sabia que a RTPM estava a transmitir.
      Bom fim-de-semana.

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