segunda-feira, 19 de julho de 2021


Castigos Inúteis da COVID

Complicado? Claro que não! É, até, bem simples!

Se não foi por desnorte, incompetência ou desinteresse,
por que será que pelo menos um destes tão simples
como evidentes retoques não foi introduzido no modelo em vigor,
antes tendo-se vindo a insistir, cegamente,
na aplicação continuada de tão descabidas e desnecessárias sanções
a concelhos que já tanto tiveram de sofrer quando para tal havia plena justificação?

 

1. COVID: Cidade Injustiçada
2. Ligeireza e Arbitrariedade Redundam em Castigos Inúteis e Injustos
3. Como Resolver Objetivamente a Questão?


Elvas Injustiçada
1. COVID; Cidade Injustiçada

Há pessoas que falam pelos cotovelos e, algumas delas, não só falam pelos cotovelos como o fazem em voz impossível de deixar de ouvir por alguém que esteja menos de uma boa dúzia de metros afastado. Foi assim que anteontem tomei conhecimento de uma história insólita, quando beberricava, descontraidamente, numa esplanada um líquido qualquer.

O sujeito da voz tonitroante tinha decidido jantar em Elvas, no regresso de uma deslocação profissional algures ao Alentejo.

Procurou na Internet um restaurante que correspondesse às suas preferências, e também pela Internet ficou a sabe que Elvas iria entrar, no dia seguinte, na situação de risco muito elevado de contágio pelo vírus Sars-Cov-2.

Assim, e como quem o atendeu no restaurante, era algo dado à conversa, interessou-se o viajante palrador pelas razões que teriam levado aquele fim de um Alentejo quase imune à doença a apresentar uma tão elevada quantidade de novos doentes COVID, ao que o outro retorquiu que os infetados eram, na sua maioria, jovens finalistas em festejos de final de ano letivo.

Ora, gostando o tuga de comemorar desabrida e descontroladamente como gosta e entendendo que, mesmo nestes tempos terríveis, o que importa é viver plenamente com tudo aquilo a que tem direito, razão não haveria para que o efeito destas folias em Elvas, Alentejo, diferisse, nas devidas proporções, do descalabro estatístico resultante das loucuras que se seguiram à mais do que esperada vitória do Sporting Clube de Portugal na Liga NO, loucuras essas cometidas perante a completa passividade do Ministério da Administração interna e da Câmara Municipal de Lisboa.

Dispôs-se o nosso tagarela a aprofundar a questão, ao que o seu interlocutor no restaurante informou que tinha Elvas atingido, na quinzena que então terminara, uma taxa de incidência superior a 480 novos infetados por cem mil habitantes, razão pela qual os alarmados responsáveis por nos salvar a todos da pandemia tinham decretado novas proibições que iriam, uma vez mais, dar cabo do negócio dos restaurantes, agora operados por pessoas habilitadas, além de servir refeições, também a, sem qualquer formação específica, vigiar a forma como os clientes realizavam os indispensáveis autotestes que lhes confeririam, se negativos, o direito a desfrutar da refeição.

Ligeireza e Arbitrariedade
Mas disse mais o colaborador do restaurante – e aqui começa a nossa história: disse que tudo aquilo era um perfeito disparate que os iria prejudicar sem qualquer razão. E porquê? Porque as aulas tinham terminado semanas antes, a maior incidência de infetados, em números absolutos, tinha chegado a perto de 130 pessoas duas semanas antes, não tendo, no entanto, ultrapassado os 70 na semana seguinte e continuando a diminuir a olhos vistos à data em que começariam a vigorar as novas restrições.

Como Elvas tem uma população de cerca de 23.000 habitantes, os cerca de 130 casos reais absolutos correspondem a cerca de 520 por 100.000 habitantes, donde a decisão de regredir no desconfinamento.

2. Ligeireza e Arbitrariedade Redundam em Castigos Inúteis e Injustos

Fazer qualquer coisa implica esforço, já se sabe; mas não poder fazer implica também, pelas privações que daí advêm, da qual a privação de receitas do já tão martirizado comércio, entre outros setores, não será, por certo, a mais desprezível.

Para que alguém aceite confinar-se, privar-se, para que a lei seja por todos - ou quase todos - aceite e cumprida, tem, também, de ser racional e clara, tem de fazer sentido, para que os destinatários nela vejam algum propósito credível e com uma probabilidade de eficácia que justifique um sacrifício já enorme: não pode, ao invés, ficar nas mãos de amadores incapazes de planear seja o que for com ponderação e seriedade; de pessoas impreparadas, irresponsáveis, precipitadas, politicamente desesperadas, até.

Claro que o ideal teria sido, nas datas em que as comemorações eram previsíveis, vigiar o cumprimento da lei que já proibia os ajuntamentos para evitar novas doenças COVID. Tal não tendo acontecido, não pode pôr-se em causa que, no interesse de todos, teria sido necessário reagir quando se ultrapassou o patamar legalmente fixado, e isto independente de a tal contagem absoluta de cento e vinte ser cientificamente válida para o efeito ou não, coisa que não estou, de perto nem de longe, habilitado a discutir.

O que não há como entender são duas coisas muito simples.

A primeira, qual a utilidade de agir só ao fim de uma quinzena, isto é, quando o vírus já fez criação mais do que suficiente para assegurar uma, para ele, saudável e profícua expansão pelo sistema respiratório de umas boas centenas ou milhares de exemplares da tão descuidada e irreverente população tuga; e da outra, vítima ajuizada e inocente, também.

Independentemente da variação
Como entender, de facto, que decisões tão graves e tão penalizadoras para a economia de empresários, de consumidores, de todo o Estado, sejam tomadas com base em médias estáticas relativas a um período de tempo tão tardio e independentemente da variação ao longo do mesmo, alegando meras dificuldades na explicação de um critério, como iremos ver?

Evidentemente, se, por mera hipótese, no primeiro dia de uma quinzena, determinado concelho registar uma contagem de, por exemplo, cento e quarenta infetados e, no derradeiro, apenas noventa e sete, sendo a média móvel dos sete últimos dias consistentemente inferior ao longo da segunda semana, estamos perante uma situação obviamente resolvida ou em vias disso, jamais se justificando, em tal cenário, qualquer novo confinamento ou outra imposição.

A Elvas, valeu, apesar dos festejos que não soube evitar, ter uma população responsável que não esperou que as novas medidas restritivas fossem decretadas para, espontânea e rapidamente, pôr cobro à indesejada evolução. Mesmo assim, e graças a modelos obsoletos e, desde o início, descabidos, não teve como evitar o implacável e imerecido castigo, a exemplo, mais do que provavelmente, de muitos outros concelhos na mesma situação de serem punidos, não por a propagação do vírus estar a aumentar, mas por estar prestes a terminar!

Ora, se como na esplanada ouvi ao animado conversador, a quantidade de pessoas infetadas pelo Sars-Cov-2 na segunda semana da quinzena era inferior em cerca de metade à da primeira, que justificação poderá, em tal cenário, alguém invocar para impor novas medidas de restrição? Para tamanha incompetência e arbitrariedade, onde procurar explicação?

- x -

Traz-nos isto à segunda coisa que não há como entender: que, caso não se queria recorrer à análise da evolução da média móvel, os indicadores estatísticos utilizados nesta aparência de governação não estejam sujeitos a uma, ainda que elementar, ponderação em função do dia da quinzena, mais próximo do início ou do fim, em que cada leitura é registada.

Não seria lógico que os primeiros dias tivessem um peso reduzido na decisão e os últimos um peso incomparavelmente maior, assim se tornando fácil ajustar, de forma automática e objetiva, o número relevante para a decisão final conforme estivesse a aumentar ou a diminuir a quantidade de novas infeções?

Fatídica Quinzena em Elvas
De facto, os números dessa desnecessariamente fatídica quinzena em Elvas perdem todo significado perante o facto de a sequência de leituras diária significar, insofismavelmente, que estariam em queda abrupta as infeções – a comprovar-se, já se sabe, a exatidão daquilo que ouvi naquela ocasião. Mas, mesmo que não se comprove, haverá múltiplas situações destas por esse País fora, e é delas que aqui, em abstrato, aqui me ocupo, tendo como mote o exemplo de Elvas, independentemente de os tais valores que ouvi por alto estarem certos ou não.

3. Como Resolver Objetivamente a Questão?

A parte mais triste disto tudo é que, segundo li na imprensa, terá o Governo rejeitado este critério fundamental da aceleração ou desaceleração do contágio*), que teria, muito facilmente, evitado estas situações profundamente injustas e injustificadas que a tantos a própria sobrevivência dos negócios poderão custar, apenas aplicando o do nível de incidência, o dos concelhos circundantes e o do surto localizado.

A justificação terá sido a de que o critério da aceleração do contágio seria pouco objetivo, ou difícil de explicar.

Numa abordagem apenas destinada a ilustrar quão fácil seria, até para um amador como quem aqui escreve, dotar o critério rejeitado da necessária objetividade e facilitar a correspondente explicação, aqui deixo aqui duas sugestões muito simples de aplicar, e que os especialistas facilmente afinarão.

- x -

A primeira, consiste na observação da evolução, ao longo da quinzena (duas semanas) e, a partir do dia em que tal seja possível, da média móvel dos últimos sete dias (sete, para incluir, obrigatoriamente, os desvios próprios dos fins de semana): registando-se uma diminuição constante da média móvel ao longo do período (Quadro 1 infra, Cenário A), não serão aplicadas quaisquer novas restrições, independentemente da média geral absoluta e estática apurada no termo da quinzena.

Quadro 1

Caso esta simulação correspondesse a dados reais de Elvas (com uma população de cerca de 23.000), a média real de 115,64 das duas semanas corresponderia a cerca de 503 novos infetados por cem mil habitantes [(115,64 : (23.000 : 100.000)].

No entanto, no Cenário A do Quadro 1, cada uma das médias móveis nos últimos sete dias - de 124,43 > 121,86 > 119,57 e assim sucessivamente até 106,86 - teria sido, consistentemente, inferior à anterior, pelo que nenhum agravamento da situação haveria de ser aplicado a este concelho com mais de 480 novos infetados por cem mil habitantes.

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Quantidade de Novos Casos Registada em Cada Dia
A segunda (Quadro 2), afeta, a cada um dos dias da quinzena, uma ponderação, que começa em 1,00 no primeiro dia e é multiplicada por 1,50 por cada dia que passa (1,50 no segundo dia, 2,25 no terceiro e assim sucessivamente). Por este valor de ponderação - a ser afinado por quem entende da matéria - é multiplicada a quantidade de novos casos registada em cada dia, assim resultando a quantidade relativa ao primeiro dia da quinzena (1,00 no exemplo) muitíssimo menos relevante do que a do décimo quarto (194,62).

Para o cálculo da média será, assim, utilizado esse valor ponderado, em lugar do absoluto, o que fará com que, no Cenário A do Quadro 2, os 140 casos do primeiro dia tenham um peso de 140 (140 x 1) e os 97 do último dia tenham um peso de 18,878 (97 x 194m92); ou seja: que conte muito mais a redução efetiva do número de casos no último dia do que o valor mais elevado no primeiro, como deve contar numa situação clara de progressivo controlo da infeção.

A soma destas quantidades ponderadas é, então, dividida pela soma das ponderações, do que resulta, no Cenário A (incidência da doença a descer), uma média diária ponderada de 103,46, substancialmente diferente da média aritmética não ponderada de 115,64 resultante da aplicação do modelo que suponho ser o atualmente utilizado – pelo menos, assim está descrito de forma simplista. 

Quadro 2

Esta retificação ao modelo determinaria que não mais fossem, indevida e injustificadamente, aplicadas restrições sem qualquer utilidade prática em concelhos onde, apesar de a média da quinzena ser superior ao limiar mínimo estabelecido para que as medidas não sejam agravadas, a incidência de novos contágios estaria, inequivocamente, a descer.

Novamente no caso de a simulação se referir a Elvas, a média ponderada dos 14 dias de 103,46 corresponderia, desta vez, a 449 casos por cem mil habitantes [(103,46 : (23.000 : 100.000)], assim não havendo lugar a qualquer agravamento da classificação de risco.

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É, até, bem simples!
Em suma: qualquer que fosse, destes dois, o critério complementar aplicado – ou ambos -, sempre ficaria salvaguardada a posição dos concelhos bem comportados, ou seja, daqueles que, tendo passado por uma situação de alguma gravidade durante um curto período de tempo, rapidamente lhe houvessem posto cobro de forma espontânea, assim resultando injusta e abusiva qualquer punição que, a destempo, viesse a ser-lhes aplicada.

Complicado? Claro que não! É, até, bem simples!

Se não foi por desnorte, incompetência ou desinteresse, por que será que pelo menos um destes tão simples como evidentes retoques não foi introduzido no modelo em vigor, antes tendo-se vindo a insistir, cegamente, na aplicação continuada de tão descabidas e desnecessárias sanções a concelhos que já tanto tiveram de sofrer quando para tal havia plena justificação?

Para cúmulo, sendo a explicação a dificuldade de explicação do critério, num governo que dá emprego a não poucos assessores de comunicação!

Mistérios de uma agora gasta e há muito desnorteada governação...

Sic transit gloria mundi...

1 comentário:
  1. Uma boa perspetiva! Efetivamente há medidas desconexas que não fazem sentido e parecem ser tidas nos gabinetes sem se aplicar à realidade.

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