Explosões? Tiros? Muito déja vu...
Há várias décadas que estamos imunizados contra o horror de tudo isso.
Então não passámos os mais recentes anos a contemplar, durante horas a fio, filmes de guerra, históricos ou de ficção, com mais ou menos conteúdo e mais ou menos efeitos especiais, mas sempre brutais, com imagens em tudo semelhantes às que hoje nos trazem do conflito?
Tudo isso se passa lá bem longe, na realidade distante ou para lá da ainda mais distante fronteira da imaginação.
Os mais de nós jamais sentiram na carne o impacto de uma bala ou de um estilhaço, assim podendo permitir-se o luxo de maldizer coisas tão mais graves como uma forte dor de dentes, uma nova borbulha na cara ou o comichar da mais ligeira cutânea erupção, sem esquecer as recorrentes cefaleias típicas daquelas alturas em que, inexoravelmente, se aproxima o terrível momento de fazer aquelas coisas chatas que não podemos deixar de fazer.
Há mortos? Muitos? Sim, mas não morre tanta gente a cada instante? Por esta ou por aquela causa, ou simplesmente de velhice ou de doença; e ainda bem, ou o que seria da Humanidade num ainda mais sobrepovoado planeta?
Refugiados? Pois. Mas, olhe: se têm de fugir, é porque andaram a incomodar os poderes instituídos, ao ninguém os mandou. Ou não estão para ficar a lutar pela pátria deles e, depois, a gente que os ature por cá a dar cabo do sossego da nossa.
Guerra? Que guerra?
Vemos as terríveis imagens da desgraça enquanto nos deliciamos com a mesma beberragem que acompanha os filmes de horror. Depois de tanta desgraça e de tanta ameaça, acontece-nos agora o mesmo nada que então.
Para quê tanta conversa, tanta preocupação?
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A esta indiferença abjeta nos conduziu um estilo de vida confortável, comparativamente idílico face ao inimaginável que caracteriza o agora de quem vive os horrores de uma invasão, provocada pelo delírio de um louco, empurrado ou não por qualquer outra menos evidente, menos clara personagem ou razão.
Ah, mas estamos de férias, no Verão! A solo ou com a famelga, na tasca da praia, em casa com os amigos, com o uisque no copo, com a mine e os pistachos, ou com o chouriço e o garrafão, chateados com as férias da bola, indispensável para começar uma bela discussão.
Digam lá: acaso a guerra nos vai tirar isto? Claro que não!
Vão cair bombas em Lisboa? Nucleares? Não brinquem! Isso não passa de notícias falsas, para nos espevitar a adrenalina e fazer palpitar o adormecido coração!
A guerra, pois... É chato, mas vai tudo acabar bem; e eles, lá, os outros, que aguentem, que a gente também já cá aguentou muita coisa... no tempo dos reis e isso, sei lá...
São coisas que acontecem, mas passam. Tudo passa, e a gente cá continua na nossa Terrinha. Ou não?
Eu cá, de tanta coisa sobre essa guerra, até já me aborrece só de olhar para a televisão.
O pior é que agora nem há bola. Vou falar de quê? Fingir que sou um perito em quê? Na guerra?
Cruzes! Já não basta a inflação! Ou a guerra acaba, ou ainda entro eu em depressão...
Quando a trampa bater na porta, acordam logo.
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