terça-feira, 14 de junho de 2022


Tribunal Constitucional: A Polémica nas Nomeações

 

"Compete ao Tribunal Constitucional discernir o que estava no espírito dos Constituintes, da mesma forma que, a estes,
competiu plasmar no articulado a vontade dos eleitores de então. Aos tribunais de justiça incumbe, num plano não confundível,
interpretar a intenção do legislador
"

"Um conselheiro do tribunal constitucional é, por natureza, um agente político, assim devendo ser, antes de mais,as suas escolhas políticas a condicionar, positiva ou negativamente, a nomeação"

Despolitizar o chamado Tribunal Constitucional, atribuindo a responsabilidade pela escolha a alguém constitucionalmente mais isento ou fazendo depender de cooptação uma maior percentagem dos seus membros,
seria esvaziá-lo do cariz político que é, afinal, a razão de ser da sua manutenção

 

   1. Da Natureza Política das Leis Fundamentais
   2. Da Função Eminentemente Política dos Tribunais Constitucionais
   3. Da Ameaça à Sobrevivência do Tribunal Constitucional


1. Da Natureza Política das Leis Fundamentais

Natureza das Leis Fundamentais
Vem este pequeno a propósito da discussão recentemente lançada a partir da polémica rejeição, pela ala considerada esquerda do Tribunal Constitucional, de um candidato proposto pela ala considerada direita*). A recusa da cooptação terá sido motivada por posições outrora assumidas pelo próprio, uma delas contrária à legalização da interrupção voluntária da gravidez*) e outra favorável à investigação e perseguição dos jornalistas culpados de violações do segredo de justiça.*)

Significa isto que, mesmo após sucessivas votações do conclave, o reconhecidamente ilustre Jurista não foi excluído por incompetência, mas sim, segundo alguns, por delito de opinião, figura absolutamente inadmissível e aberrante em qualquer democracia, antiga ou moderna, genuína ou encenada, tímida ou plena.

Opinam, pois, os mais escandalizados detratores do atual modelo de nomeação dos membros do Tribunal que deveria ser a competência no âmbito da técnica jurídica a prevalecer, e não o posicionamento político - genérico ou relativo a temas específicos - do jurista proposto para o lugar*).

Com o devido respeito, será de recordar, a quem assim entende, que a lei fundamental, constituinte, de qualquer estado exibe cariz eminentemente político, e não jurídico, operando esta vertente unicamente enquanto garante do rigor técnico, lógico, estrutural do diploma: não cabe, nem é possível, a qualquer jurista apreciar a legalidade substantiva do articulado, uma vez que a Constituição a todas as leis se sobrepõe, e todas elas condiciona.

Quanto ao caráter político, se dúvidas houver, atente-se nas designações*): Constituição Política da Monarquia Portuguesa de 1822 e Constituição Política da República Portuguesa em 1838, 1911 e 1933. O adjetivo política foi omitido, unicamente, na Carta Constitucional da Monarquia Portuguesa, de 1826, e… na Constituição da República Portuguesa, de 1976.

Ora, não basta a anfibológica opção pela supressão, da designação, de um adjetivo essencial para dela eviscerar a característica a ele correspondente. O caso das constituições é, aliás, paradigmático quanto a este aspeto, uma vez que, independentemente os malabarismos oportunistas sofridos pelas respetivas designações, sempre se tratará de acervos articulados de normas essenciais à estruturação política dos estados; ou seja, em democracia, da mais ou menos cristalina expressão da vontade popular, do cardápio das normas essenciais pelas quais irão reger-se a governação e o funcionamento daquele.

Compreende-se, naturalmente, que a intensidade do debate político nos dois anos imediatamente subsequentes à Revolução de 1974 haja recomendando aos padrinhos da Constituição a supressão do adjetivo política, quiçá com o intuito de não lançar mais combustível numa fogueira então já de si bastante difícil de controlar. Mas mais difícil será entender quem, agora, parece negar que deve ser eminentemente político o posicionamento do órgão judiciário que sucedeu ao incontestavelmente político e, por muitos, malquisto Conselho da Revolução.*)

A assim não ser, qual o sentido de, em lugar de essa competência ficar nos tribunais supremos, que a exerceriam com pendor necessariamente apolítico, criar um tribunal autónomo para a exercer? 


2. Da Função Eminentemente Política dos Tribunais Constitucionais

Sendo as constituições, como vimos, diplomas essencialmente políticos e tendo qualquer tribunal constitucional ou equivalente a missão de exercer fiscalização*), preventiva ou sucessiva, material ou formal, abstrata ou concreta, do cumprimento dos preceitos constitucionais, torna-se difícil aceitar que devam os respetivos conselheiros ser escolhidos, antes de mais, pela competência técnica, e não pela conformidade ideológica com a orientação política do texto que irá determinar toda a atividade profissional por eles desenvolvida na vigência do mandato.

Por outras palavras, num país, como Portugal, cuja Constituição foi elaborada por uma maioria de esquerda - que, de forma porventura indelével e a despeito das revisões entretanto ocorridas, nela gravou o seu cunho -, só de forma muito forçada poderá considerar-se delito de opinião o facto de alguém não ser admitido como membro do Tribunal que a fiscaliza como inevitável consequência das posições políticas que defende: o Tribunal Constitucional não é o garante da – possível - legalidade objetiva das decisões dos restantes tribunais e, a montante, da produção do legislador: é, exclusivamente, o garante da conformidade das mesmas com a vontade política expressa pelos constituintes democraticamente eleitos.

Compete-lhe, pois, discernir o que estava no espírito dos Constituintes, da mesma forma que, a estes, competiu plasmar no articulado a vontade dos eleitores de então. Aos tribunais de justiça incumbe, por sua vez e num plano não confundível, interpretar a intenção do legislador.

Se, em qualquer momento eleitoral, os votantes  vierem a pretender uma Constituição de direita, nada mais terão a fazer do que neste quadrante político votar expressivamente, a ponto de possibilitar uma revisão profunda a partir da qual deverá, então sim, passar o Texto Fundamental a ser fiscalizado por uma maioria de direita, nessas circunstâncias mais apta a interpretá-lo, da mesma forma que, atualmente, uma maioria fiscalizadora de esquerda potencialmente o fará bem melhor.

Não deixa, evidentemente, de ser verdade que sempre deverá condenar-se, veementemente, qualquer campanha mediática lançada, seja por que motivo for, contra a personalidade de um candidato a conselheiro do Tribunal Constitucional, tal como o é qualquer outra ação que, independentemente do objetivo, a este não hesite em sacrificar o direito de qualquer cidadão a uma imagem isenta de calúnias e de mais ou menos torpes insinuações.

Não deixa, por outro lado, de causar perplexidade que eminentes juristas venham, publicamente, indignar-se pelo agora sucedido na cooptação de um elemento por pares cuja função é a de supervisionar a atuação política dos agentes do Estado: opinam aqueles juristas como se de uma discriminação por delito de opinião se tratasse numa candidatura a qualquer outro lugar, em qualquer organização, numa empresa indiferenciada ou, por maioria de razão, num órgão de comunicação social.

Mas não é disso que se trata: um conselheiro do Tribunal Constitucional é, por natureza, um agente político, assim devendo ser, antes de mais, as suas escolhas políticas a condicionar, positiva ou negativamente, uma eventual nomeação

 

3. Da Ameaça à Sobrevivência do Tribunal Constitucional

Mesmo sem proceder a um rigoroso inventário, a nível mundial, dos tribunais constitucionais existentes – ou de órgãos com exclusiva missão equivalente -, não será arriscado dizer que são muito poucos os países que optaram por separar, do poder judicial, a fiscalização da constitucionalidade, claramente pretendendo eles, com a medida, dotar de um cunho político muito próprio a fiscalização do cumprimento das respetivas constituições, políticas que todas elas são.

Nos restantes países, a fiscalização integra, num plano predominantemente técnico, as atribuições exclusivas dos tribunais, designadamente dos tribunais superiores, que, por cá, apenas exercem a fiscalização concreta da constitucionalidade. Escusado será dizer, que, neste caso, sim: seria um gravíssimo e preocupante atentado à independência dos tribunais de justiça que fossem admitidos ou recusados, em função das suas opiniões, os seus indispensavelmente isentos e imparciais magistrados.

Tratando-se, no entanto, de um órgão estruturalmente político e cuja missão é, exclusivamente, política, resulta, de facto, difícil de entender a menos nítida concetualização presente no espírito de quem entende que a autonomia do poder judicial fica comprometida pelo facto de os conselheiros do Tribunal Constitucional serem escolhidos por políticos militantes, como o são os parlamentares.

Este Tribunal não aplica a justiça, tampouco integra a hierarquia do sistema judiciário. Corresponde, antes, a um órgão paralelo, com atribuições, competências e jurisdição bem definidas e bem distintas das dos tribunais de justiça, aos quais – a esses, sim – compete aplicar a justiça e zelar pela legalidade das decisões, designadamente administrativas.

O equívoco latente dever-se-á, possivelmente, a uma escolha menos feliz do substantivo tribunal para designar o órgão. Mais claro e evidente teria ficado o seu importante papel caso se tivesse adotado, para o órgão que sucedeu ao Conselho da Revolução, a designação Conselho Constitucional, como acontece em França*), alteração que, desde já, aqui se propõe. Teria, assim, ficado claramente definida a evidente e inegável diferença de objetivos e de funções entre este Conselho por cá chamado Tribunal e aqueles que, tribunais, verdadeiramente são; e, embora sem vestir a beca, teriam os venerandos membros conservado o direito a assento no mesmo sólio e a ser chamados conselheiros, como acontece com os membros do de qualquer conselho, de Estado*) ou não.

A distinção nos objetivos é, aliás, fundamental à sobrevivência do órgão, independentemente da designação que se lhe dê: despolitizar o chamado Tribunal Constitucional, atribuir a responsabilidade pela escolha de quem o integra a alguém constitucionalmente mais isento como, por exemplo, o Presidente da República, ou fazendo depender da cooptação uma maior percentagem dos seus membros seria esvaziá-lo do cariz político que é, afinal, a razão de ser da sua manutenção.

Tal opção apenas faria algum sentido no caso de se pretender atenuar o pendor político da fiscalização. Em tal caso, porém, seria bem mais avisado suprimir, de uma vez, o órgão e integrar nos independentes e isentos supremos tribunais as suas competências e atribuições.

No caso contrário, melhor será deixar as coisas como estão…


Lembra-se do saudoso Contra-Informação?

NÃO PERCA a hilariante carta que "Acabado Silva"
escreveu aos seus pais vinte e cinco anos atrás!


Veja AQUI, no Mosaicos em Português



"As saudades que eu tenho do poder
Já são tantas que até me fazem mal
"
"Acabado Silva", Junho de 1997    
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