domingo, 6 de fevereiro de 2022


Era Uma Vez... Onze Porquinhos

Penso que foi num livro de Miss Marple, não me lembro em qual, que Agatha Christie definiu planta invasora como uma planta que está onde não devia estar.

Veio-me esta definição à memória quando passei, há dias, por uma dessas localidades portuguesas que, nem meia dúzia de milhares de almas lá tendo, se não coíbem de, garbosamente, ostentar o inútil título de cidade *), apenas para se sentirem os munícipes mais cheios de si, e parecerem eficazes os autarcas que a elevação conseguiram à custa de outrora vigente e inenarravelmente demagógica legislação.

Numa pastelaria engraçada, de bom aspeto exterior e interior, meia dúzia de criaturas indescritíveis, notoriamente sujas, de vestes deliberadamente rasgadas e enxovalhadas, rostos bem vermelhos e inchados, ululavam um insuportável palavreado, para gáudio dos próprios e considerável incómodo de quem, a pouco e pouco, se apressava a pôr-se a andar dali para fora. Estavam os seis sozinhos, em torno de duas mesas onde pontificava dúzia e meia de garrafas de cerveja vazias.

Tudo aquilo me fez lembrar a definição de plantas invasoras, e o velhinho dístico que dantes se via nos locais públicos: "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO".

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Quem por aqui passa regularmente, sabe bem o que penso do partido Chega!, de quem por lá pontifica*) e daquilo que representa. Conhece, também, a minha posição relativamente ao racismo*), o que torna insuspeito o que vou dizer.

Um deputado da nação é, sempre e para todos os efeitos, um deputado da nação, independentemente do partido que representa, bem como da ideia mais ou menos favorável ou simpática que, sobre este, possamos ter. Eleitas em eleições livres, exige o mais elementar respeito pela democracia que estas pessoas sejam tratadas - e nos tratem - com toda a deferência formal que o seu estatuto lhes confere e exige; além do que, evidentemente, mesmo enquanto cidadãos não podem ser gratuita e impunemente insultadas por um patego qualquer.

Independentemente do ensino que lhe tiver sido ministrado e dos títulos académicos que possa deter, bem como da causa que disser defender, entendo que não passa, assim, de um alarve sem um mínimo de formação e de educação, de um apóstata da democracia, quem, na sequência da recente eleição legislativa ousa escrever que "vamos ter 11 suínos na AR, entre eles, um terrorista assassino de extrema-direita. A luta não será na AR, mas na rua! Preparem-se!"*).

Quem assim pensa, diz e age, não é um ativista, nem um político, nem, como diriam os pretensos suínos, um português de bem *): no que me diz respeito, não passa de um arruaceiro histérico, sem crédito, de um danoso passivo no balanço da causa anti-racista, de alguém que, eivado de ódio, agiu com indisfarçável hipocrisia, apenas visando a promoção da própria imagem junto de radicais que a possam apreciar, nem se dando conta de a estar, afinal, a assassinar aos olhos de quantos a Organização pretende sensibilizar.

Além do mais, ou falou antes de tempo, ou anda distraído: são doze, e não onze, os porquinhos do seu conto de encantar.

Integrado numa Organização que promove a luta contra o racismo, quem assim pensa e age faz-me lembrar, precisamente, o discurso desbragado do Presidente do Chega!; faz-me lembrar aquela meia dúzia de arruaceiros de pastelaria na minúscula cidade, as plantas invasoras, alguém que está onde não deveria estar.

Trata-se, apenas, de alguém que deveria ter ficado à porta da Organização que representa, à qual deveria ser "RESERVADO O DIREITO DE ADMISSÃO", para que gente desta o trabalho dos outros não viesse, recorrentemente*), depreciar.

Por quanto tempo, ainda, irá por lá ficar? Quousque tandem*) teremos de o aturar?

* *

O dano impacto brutal que, vindas de onde vêm, pérolas de sabedoria como esta trazem à nobre causa antirracista é evidente e não necessita de qualquer desenvolvimento, restando manifestar estupefação pelo facto de as organizações em que os autores militem não terem, ainda, cuidado da respetiva expulsão.

Da causa em si, muito há, pelo contrário, a dizer. Não apenas a dizer, mas a arrumar ideias, a estruturar, já que, sem uma inequívoca conceptualização e definição de fundo, dificilmente haverá como a defender.

[continua aqui]

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