"Quando lhe perguntavam o que pensava da economia da aldeia, dizia
que ninguém do povo não devia ser pobre;
quando lhe perguntavam sobre a saúde, que todos os meninos do povo
deviam ser saudáveis;
e quando lhe perguntavam sobre o mar dizia que todos os meninos do
povo deviam poder ir à praia nadar"
Era uma vez um menino que nasceu numa aldeia por onde corria uma ribeira
que tinha rãs.
Os pais tinham pouco dinheiro e o menino não ia à escola.
Como ele, muitos outros meninos do povo não podiam ir à escola; mas, ao contrário dele, alguns outros meninos esforçaram-se, mesmo assim, por
aprender fora da escola e chegaram, até, a dirigentes do Clube dos Meninos da
Aldeia.
Ora, como acontece com meninos pouco inteligentes que procuram, com a
esperteza, compensar o que da outra lhes falta, tratou o menino de pensar na
melhor maneira de se salientar, de sobressair, de se exibir.
Pensou, pensou… e, de tanto
pensar, pensou que era filósofo, como acabava por acontecer com boa parte de
outros meninos que também passavam o tempo a pensar.
Vai daí, arranjou uma folha de papel, muito grande, muito grande, onde ia
escrevendo as suas ideias, que lhe pareciam cada vez mais brilhantes, e das
quais ele achava que era uma pena que todos os outros meninos não tomassem
conhecimento para, assim, viverem mais felizes por aprenderem com ele, que
pouco ou nada sabia.
Depois de escrever cada pérola de sabedoria, dobrava a folha e punha-a num
bolso do casaco, contente com a sua habilidade.
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De tanto pensar, um dia, pensou, até, que, quando subia o passeio do lado
direito da sua rua, os carros estacionados desse lado ficavam à sua esquerda,
e que, quando descia a rua, os mesmos carros que, quando a subia, ficavam à
sua esquerda, continuavam, ao descer, à esquerda também.
Animado com tão espantosa descoberta, e porque se tratava de esquerda e de
direita, achou-se predestinado à Política.
Lá arranjou, então, meia dúzia de amiguinhos também do povo a que dizia
pertencer, e com eles fez um grupinho de apoio que conseguiu as assinaturas
necessárias a que o menino pudesse candidatar-se a Presidente do Clube dos
Meninos da Aldeia. É que ele
achava que, se os outros que lá estavam e, dentro ou fora da escola, tinham
estudado para se preparar para o desempenho do alto cargo, ele, embora fosse
burrinho e nem competência tivesse para mandar nos seus poucos brinquedos,
também tinha o direito de lá estar.
- x -
Ora, para a presidência do Clube, havia, além do presidente atual, outros
meninos candidatos, os tais que tinham estudado e que seria mais provável
estarem à altura do que a função lhes exigia do que o menino armado em
filósofo que mal duas frases seguidas sem chavões – ou pérolas tiradas do
papel que sempre trazia no bolso - conseguia articular.
Tinha, por essa altura, a rádio local organizado conversas dos outros meninos candidatos, dois a dois, sobre as propostas que as respetivas candidaturas tinham a apresentar. Mas, como o menino da nossa história não dava duas para a caixa e já ninguém estava para o aturar, a rádio lá conseguiu desenterrar um qualquer critério jornalístico pacífico e plausível para, sem parecer muito mal, o menino não ser convidado a participar.
Isso, sim!! O menino tanto se
queixou, tanto se lastimou, que a rádio lá arranjou uns minutos para, numa
frequência menos ouvida, pôr o menino a, um a um, abusar da paciência dos
outros meninos candidatos, sempre com aquele ar de ingenuidade bacoca e
deslumbrada com o papel que estava a representar.
Todo contente, lá levou no bolso a grande folha de papel dobrado que, orgulhosamente, até mostrou ao atual presidente do Clube e recandidato, o qual que só lhe faltou tratar por tu; e lá despejou, para indisfarçável embaraço e tédio de cada um dos outros meninos e dos senhores da rádio que os entrevistavam, a habitual e infindável série de lugares comuns e de brocardos tirados da sua cabecinha pobre, respondendo, qual verdadeiro político e por falta de ideias das quais conseguisse falar trinta segundos seguidos, sempre ao lado daquilo que ainda lhe conseguiam perguntar.
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Claro está que o menino não foi eleito, e até teve menos votos do que da outra
vez em que tinha obrigado os outros a ouvi-lo falar, porque, ao contrário do
que dizia esperar, foram muito poucos os meninos parvos que caíram na asneira
de sair de casa para nele votar.
Claro está, também, que valeu a pena candidatar-se – se valeu ! -, já que tal
lhe permitiu, não só massajar vigorosamente o ego, como ganhar estatuto junto
dos poucos meninos vaidosos, egoístas e espertalhões da tal aldeia onde havia
rãs e de outras terras por ali perto. Tudo isto, à custa do tempo sem qualquer interesse que fez perder à rádio
local, do sacrifício da paciência dos que o ouviram – ou leram no jornal do
Clube – e do dinheirão que, pelo duvidoso privilégio de ouvir as suas pérolas,
a todos indiretamente fez pagar.
Afinal, para aqueles dias serem tão bons para o menino, por que não haviam
todos os outros meninos de colaborar ? Até ia parecer que não gostavam dele. Mas gostavam, claro: de tão
brilhante menino filósofo, como não gostar ?
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Como já não era a primeira vez que se candidatava, e aquilo até foi giro, o menino não tem, de então para cá, parado de continuar a encher a folha onde escreve as suas ideias mais vazias e disparatadas.
É que, agora, o grupo de meninos que o apoiou nas eleições já se juntou num
partido que até dá vontade de rir, de meninos como ele que querem ajudá-lo a
mandar.
E as eleições para as secçõezinhas do Clube não vão tardar…
Uma coisa é certa: a história do
menino que brincava com as rãs não vai aqui acabar e, se não alteram
rapidamente os Estatutos do Clube para o travar, ainda todos nós vamos ter
muito que lhe aturar.