sábado, 27 de fevereiro de 2021


Probabilidades: O Jogo da Governação

(Introdução à Secção ‘Política’)

"O bom político é quente no coração e frio na ação:
seja qual for a motivação, quem governa para ser ou parecer bonzinho,
para agradar a uns ou a todos, está condenado a praticar,
maioritariamente, o mal resultante da incompetente governação"


1. Da Razão de Governar com a Razão
2. Um Dia em que a Objetividade Falhou
3. Da Improvável Verdade
4. Demagogia Pura e Dura
5. Notas Finais sobre a Desgovernação


1. Da Razão de Governar com a Razão

Sou tão sensível às necessidades e anseios humanos como qualquer outra pessoa, tirando os mais ou menos sociopatas desta definição.  O que vou dizer não deve, assim, ser confundido com condenável indiferença ou indizível frieza;  apenas considero que, tal como a política deve viver separada das religiões, também o mandato democraticamente conferido aos órgãos de soberania não visa cuidar dos sentimentos e dos estados de alma daqueles que da governação dependem para o funcionamento da sociedade enquanto sistema organizado e, no momento do voto, pedem para ser governados:  passa, simplesmente, por, uma vez legitimada pelo voto a orientação política proposta aos eleitores, se ocuparem os empossados de elaborar e publicar normas que assegurem que esse funcionamento decorrerá de forma eficiente e eficaz, só em função dele devendo, casuisticamente, ponderar-se para que lado deverá, aqui e ali, oscilar a balança das promessas eleitorais.

Errou o rei que no século XVII terá dito: “L’État c’est moi”.  À época, como em todos os tempos e em toda a parte, o Estado somos todos nós, desejavelmente funcionando num sistema devidamente estruturado e coerente, qual máquina bem desenhada, fabricada, montada e oleada;  e  o Direito é o manual de instruções da máquina do Estado que cada um de nós integra na qualidade de cliente, de parceiro ou de fornecedor, àquele cabendo regular e fiscalizar as relações entre todos nós e entre cada dois de nós.

Ora, na fabricação, operação e manutenção de qualquer mecanismo, espera-se que utilizem os seres humanos a cabeça, e não aquilo que lhes bombeia o sangue até aos pulmões.  Por maioria de razão, o mesmo deverá acontecer, e de forma ainda mais isenta e objetiva, com quem propõe ao tal Estado que somos encarregar-se da respetiva governação:  não se pode escrever no papel as leis do coração.

Exemplificando, o ato de roubar constitui crime punível nos termos dos artigos 210º e 211º do Código Penal Português*). Mas roubar não é proibido porque isso não se faz, por ser feio: não é a noção subjetiva de feio, de socialmente condenável, que deve motivar a decisão de punir o roubo, e igual objetividade deve imperar na génese e na aplicação de qualquer outro preceito, penal ou não, em qualquer contexto legal ou circunstancial e em qualquer sede legislativa que consideremos.

Os estados não nos permitem roubar porque privar, pela força, os cidadãos dos seus bens patrimoniais constitui grave atentado à estabilidade emocional, à segurança e, eventualmente, à integridade física daqueles, além de produzir um inevitável impacto negativo, não apenas na situação pessoal da vítima, mas também na qualidade da sua prestação quotidiana em prol dos demais - podendo, até, ficar ela inviabilizada nos casos de violência física ou psicológica extrema.

Outras objeções à conduta criminosa naturalmente militam, entre elas o sério impacto nas contas do Estado produzido pelo muito elevado dispêndio inerente à busca, perseguição e punição de criminosos, já para não falar da indevida alocação de recursos necessários ao funcionamento das forças policiais e dos órgãos judiciários, como as entidades investigadoras e os tribunais - já que optar por deixar o ato impune sempre estará fora de questão, seja pelo efeito multiplicador do exemplo, seja pela probabilidade de repetição do ato pelo mesmo agente, entre outras razões.

Coincidentemente, ocorre que roubar é feio, não se faz;  mas isso é algo que tem a ver com valores morais e ditames religiosos, com a consciência de cada um, coisa que aos detentores do poder não deve interessar enquanto meros legisladores e gestores que são, sem mandato relativamente ao que é do foro íntimo dos cidadãos.

Quem rege os destinos de um país é, neste plano, comparável ao desenhador ou fabricante de automóveis, que desempenha o seu papel no processo de fazer este ou aquele modelo funcionar:  se o carruncho vai servir para transportar doentes ou para assaltar bancos, é algo que, enquanto desempenha a sua função, o não deve, o não pode preocupar.  Caso contrário, permaneceria inerte, já que automóveis – e tudo o resto, porventura – suscetíveis de servir intuitos criminosos sempre seria pouco ético fabricar.

Pode, então, um governo legislar contra o costume? Tecnicamente, sim, além do que sempre haverá quem diga que a moral não é universal nem objetiva, que cada sociedade tem a sua, e que quem manda tem o poder de, através da lei, a alterar. Mas parece também legítimo assumir que legislar - ainda que racional e objetivamente - contra o costume legitimamente estabelecido não deixará de desencadear a revolta e os custos sociais e económicos a ela inerentes. Nesse sentido, a resposta à pergunta deverá ser “não”.

 

2. Um Dia em que a Objetividade Falhou

O bom político é quente no coração e frio na ação: seja qual for a motivação, quem governa para ser ou parecer bonzinho, para agradar a uns ou a todos, está condenado a praticar, maioritariamente, o mal resultante da incompetente governação. O mesmo acontece com quem, perante as dificuldades, age como se em estado de negação vivesse, especialmente se, na prática política, recusa aceitar, por um lado, que sem pessoas vivas não haverá quem governar e, por outro, que sem saúde as pessoas tendem a não viver muito tempo, pelo que em breve não haverá muito quem governar;  e que resulta, assim inútil e contraproducente cuidar das também importantes questões da educação, da cultura, da economia e da imagem externa de um país antes de assegurar a saúde e, com ela, a sobrevivência de governados que sobejas provas vão dando de as respetivas vidas não saberem governar.

Num texto introdutório como este, seria deslocado desdobrar o praticamente infindável rol de exemplos que, com a maior das facilidades, poderia seguir-se.  Mas deixaria, outrossim, diminuída a triste realidade não referir aquela que acaba por ser, nos tempos que correm, porventura a mais eloquente e grave demonstração do absoluto contrário deste frio mas, desgraçadamente, cada vez mais acertado arrazoado positivista.  Encontramo-la na atitude lamecha, no monumento ao facilitismo - não confundível com liberalismo -, à irracionalidade, ao desnorte e à falta de estratégia e, consequentemente, à falta de firmeza nas sedes legislativa e executiva do Estado Português, plasmados no pouco esclarecido, pouco sensato e nada oportuno aliviar das medidas de contenção da pandemia de COVID-19*) durante o período natalício do ano de 2020.

Um dos maiores pecados da Humanidade é a eterna propensão para se maravilhar até com o mais ínfimo dos seus feitos, e os políticos portugueses ficaram, quase todos eles, ingenuamente – ou convenientemente – extasiados com o exemplo, o milagre da primeira vaga, confundindo o atordoamento pelo medinho rasteiro e inconfundível que fez os ditos portugueses em estado de choque ficar meia dúzia de semanas em casa a maldizer a triste sina, com a lição de civilidade e de cidadania que não deram porque aquilo que não tem ninguém pode dar.  A hipocrisia deste civismo bem se viu nos meses que se seguiram, com as toalhas de praia coladas umas às outras, as festarolas, as jantaradas, enfim, um Verão como qualquer outro, para gáudio do inimigo silencioso que tanto anda na praia, como em casa, como onde quer que um hospedeiro curta a vida.

Se o tão propalado milagre cívico*) o fosse mesmo, teria, bem antes do segundo confinamento, a quantidade de novos casos naturalmente baixado mediante a mera divulgação das recomendações emitidas – apesar da trapalhada comunicacional que as caracterizou -, e não à bruta quando, depois do Natal, tudo estava já perdido*), Portugal tinha ascendido ao primeiro lugar na escala da asneira e, sobretudo, começou, junto dos cívicos governados, a constar que estavam as forças policiais a autuar a sério e as coimas a doer*).

As coisas não acontecem porque a gente quer:  acontecem, porque as fazemos acontecer, e, se os políticos existem, é porque as pessoas necessitam de quem as governe, de quem por elas faça o que não sabem fazer.  Em lugar de confiar em quem precisa de ser governado – em boa parte dos casos por, sem os irresistíveis créditos bancários e não tão bancários, nem a sua vida privada saber orientar -, um governo deve analisar os dados, ouvir, refletir, ponderar.  Depois, decidir tendo em vista o bem objetivo da generalidade dos governados, e não acarinhar a hipócrita pieguice de quem diz morrer de saudades dos velhos em cima de quem não põe a vista desde o anterior Natal;  e isto aplica-se não só aos governos, como a quem lhes faz oposição e concordou com a abstrusa decisão de desconfinar, talvez “por prevalecer o número dos votos mais que o peso das razões”.

 

3. Da Improvável Verdade

Não é verdade que as probabilidades interessem só aos jogadores.  Nem principalmente, até.

Dado que a certeza absoluta não existe, jamais qualquer governo poderá basear nela a sua atuação.  Governar é gerir probabilidades, pelo que é inadequado e incompetente o governo que nelas não acerta e se desculpa por o Futuro não poder prever.

Os jogadores baseiam as probabilidades deles em dados inconsistentes, reconhecidamente aleatórios e que só proporcionam ganhos a quem tem uma grande falta de azar.  Já dos governos exige-se que planeiem partindo de hipóteses sustentadas em informação científica proveniente das mais diversas áreas do conhecimento e propiciadora de expetativas realistas de sucesso incomparavelmente maiores do que as de qualquer jogador.

Exige-se, também, que ajam:  de nada interessa um governo que parece achar que, se deixar a janela aberta, a mosca acabará por sair.  A mosca, talvez.  O vírus, não sai.

Eram sobejamente badaladas as nefastas consequências da forma hiperliberal com que certo país de dimensão semelhante ao nosso encarou a pandemia*), adotando táticas de pseudo-combate consideradas tão escandalosamente ineficazes que as mais altas personalidades do Estado tiveram, depois, que se desculpar*) – apesar de o escandaloso resultado ser, em termos agregados, muito próximo do português, pelo qual ainda ninguém ouvi desculpar-se.

Por cá, existia, desde meados do Verão, sério e fundado alarme da comunidade científica quanto a novas vagas e a mais contagiosas e mais letais estirpes.  Relatos não faltavam do ambiente vivido em Portugal de costas para o vírus, sempre de grande bonomia e descontração.

Tudo isto recomendava que, nas diversas vertentes, muito maiores restrições à atividade e à liberdade por via legislativa fossem impostas a fim de evitar a catástrofe social e económica que se seguiu ao confinamento dos primeiros meses de 2021 e relativamente à qual, à data em que escrevo, ninguém tem, ainda, a mais pálida ideia da verdadeira dimensão.

O facto de tão eficaz se haver revelado o confinamento cumprido logo a seguir ao Natal demonstra bem que, tivessem sido tomadas medidas respeitando os alertas inequívocos da generalidade da comunidade científica, teria ele funcionado - e poupado sequelas e vidas – no período do Natal.  Em claro detrimento da vida e da saúde, optou-se, ao invés, por proteger a educação, a economia e a imagem, com base na conveniente tese contrária defendida por poucos ou por um só cientista, contra os muitos restantes.

Consequentemente, pouco ou quase nada foi feito, quiçá na esperança pueril de que as coisas se resolvessem;  e, se algo corresse mal, sempre haveria um ou outro cientista subserviente, desalinhado ou criativo cujas teorias incompreensíveis para a esmagadora maioria poderiam ser desenterradas em defesa do indefensável -  como lá por fora acontecera.

Resultou, pois, inevitavelmente desastrosa a clamorosa cedência natalícia às coisas do coração e da eleição, em intolerável detrimento da razão, prova acabada de que, tal como os vírus, a demagogia está por toda a parte, e com idêntica ou maior capacidade de se replicar.

Acontece que, em democracia, mesmo a demagogia – aqui disfarçada de incuráveis otimismo e confiança – não pode servir para dissimular a verdade.  Asneira feita, só mesmo não sabendo o que é governar e gerir – nomeadamente a comunicação - poderá alguém procurar justificar-se com pérolas como “planeámos, mas não para uma coisa desta dimensão”, ou “se soubéssemos da variante inglesa, teríamos endurecido o Natal”.

Sabiam, sim, já que desde Agosto se não falava de outra coisa.  Só não souberam de forma efetiva, porque não quiseram, porque não lhes conveio saber;  mas, não faz mal, não é feio, já que talvez tenha alguma razão quem escreveu que “a linguagem da política é concebida para a ocultação da verdade”.

Não nos esqueçamos no entanto de que, por mais forte que seja o poder, a Incapacidade para admitir o erro é sinal de bem fraca autoridade.

 

4. Demagogia Pura e Dura

Existe, é verdade, a promessa eleitoral de se ser fiel a determinados princípios e de seguir uma também determinada linha política – além de ser recomendável honrar eventuais cedências pré ou pós-eleitorais.  Mas, tal como acontece com a generalidade das obrigações, honrar um compromisso apenas é exigível se se mantiverem as condições em que é assumido:  se um edifício arde ou colapsa, não podem os inquilinos legitimamente esperar que os proprietários mantenham os contratos de arrendamento – os quais, aliás, a própria lei se encarrega de fazer caducar.

Como podem, pois, num quadro de sucessivos colapsos dos edifícios social e sanitário, de imposição de estados de calamidade, de emergência e sei lá mais de quê, alguns desmiolados dizer “nem menos um direito por causa da pandemia”, dichote impróprio entre tantos outros que palavras nem encontro para qualificar?

Como, na mesma linha e para procurar conservar uma nada convincente aparência de igualdade onde não é devida e para fazer o frete a radicais sem argumentos válidos que esbracejam para se manter à tona da representação parlamentar, pode um governo supostamente moderado insistir em, quando há muito se sabia da proliferação de novas e mais contagiosas e letais estirpes do vírus, manter em funcionamento um sistema de ensino presencial que ocupa cerca de um quinto dos portugueses ?  Especialmente sabendo-se que o alardeado milagre cívico não passa de uma balela e que dois milhões de seres humanos, em muitos casos sem máscara, distanciamento social ou uma borrifadela de gel, entre a escola e o pavilhão das festas foram por aí largados a passear ?

Há que admitir que a génese da desigualdade não esteja no governo, neste ou naquele;  mas onde quem manda inequivocamente falha a responsabilidade de a atenuar é em, depois de, fanfarronando, se propor gastar meio milhar de milhão de euros a informatizar quem, quando esta história triste começou, ainda não tinha computador, preferiu apostar que a tal mosca acabava por sair da sala e não os comprou, fazendo com que as vítimas da desigualdade continuassem a não os ter quase um ano depois.

Não é possível deixar de evocar aquela história do Magalhães*).  Não o Fernão, o outro, que, há anos atrás, também ia ser distribuído como a tábua de salvação da mais desfavorecida população…  Viu-se.

A conclusão pela desigualdade, na telescola, por parte de quem computador não tem parte do princípio de que as aulas servem para alguma coisa, apesar da indisciplina lamentável, da duvidosa qualificação de parte de docentes que resistem à própria avaliação, da instabilidade e aleatoriedade dos programas deixados à sorte, cada um fazendo o que pode para ensinar o que bem entende por aqui e por acolá – mesmo coisas que não tinha nada que ensinar.

Esquece-se, porém, quem manda de que, mesmo com aulas presenciais, muito maior desigualdade ocorre, a todo o tempo e há muitos anos, por falta de meios informáticos, por quase absoluta falta de acesso à mais eficiente forma de aquisição da informação com que os ensinamentos do professor podem ser complementados.

A preocupação dos órgãos legislativos e governativos deveria, mesmo antes de a pandemia emergir, estar em atempadamente distribuir os tais computadores*) – Magalhães ou outros -, e não em, uma vez mais atirar poeira demagógica aos olhos de quem não pode deixar de contemplar tão grande desilusão, enquanto se enterra, em gigantes empresariais moribundos ou falecidos, muitas vezes mais do que o tal meio milhar de milhão.

De uma maneira geral não há, neste país, quem realize.  Pensa-se e divaga-se com facilidade mas, chegados à hora das realizações, das provas reais, poucos são os que resistem à seriedade dos problemas”.  Ao que parece, sempre assim foi, já que, decididamente, este pensamento não nasceu num adepto da liberdade, quase levando a crer que, de alguns dos atuais males em democracia, se padecia também na ditadura de então.

5. Notas Finais sobre a Desgovernação

A missão dos políticos reside em elaborar leis que, naquilo que é prático, pela sua racionalidade, razoabilidade e clareza contribuam para eliminar o receio dos nossos corações.

Não basta a um governo ter uma certa razão:  quem se propõe gerir os destinos de uma nação proclama a própria aptidão para, em tempos fáceis ou difíceis, fazer o que é certo, após avaliar com objetividade e isenção.

Imprevistos, sempre os houve, mas ter de improvisar, de gerir a mudança em nada se assemelha a desgovernar.  O desgoverno apenas acontece quando falta o substrato, quando o que parece não é, e o que é lá não parece estar.  Inexoravelmente, a ausência de um sólido arrimo na razão conduz ao primado da politiquice,  do clientelismo político e, acima de tudo, ao pânico do futuro impacto económico e dos dissabores que a qualquer político ele traz.

Por parte dos desgovernados, tal falta leva à insegurança e à incompreensão do sentido das normas, uma e outra decorrentes da constante inflexão do sentido das decisões, confusamente explicadas por falas desnorteadas e disparatadas, que nada têm a ver com verdadeiros discursos, já que, longe de dar forma a quem racionalmente discorresse sobre as situações apresentadas, amiúde mais não plasmam do que desesperadas, impreparadas e ziguezagueantes tentativas de encontrar adequado itinerário cognoscitivo que conduza a uma sábia decisão.  Mais não conseguem, ao invés, do que atirar, àqueles que os contrataram para que os governassem, contraditórios mosaicos de um caleidoscópio de decisões fatalmente ineficazes, quantas vezes arbitrárias e de indiscerníveis sustentáculos político, administrativo e intelectual.

A democracia não é, por definição o regime em que um povo vive condicionado por indivíduos sem estratégia que se vão equilibrando no bote do poder mediante uma gestão da coisa pública eminentemente casuística, pintalgada de tiques autoritários e constantes remendos legislativos.  Uma coisa é ser um político hábil;  outra, um bom governante.  O primeiro assenta que, nem uma luva, ao próprio e ao partido;  o segundo, serve muito melhor à República e à população.

Jamais os ideais políticos, mas apenas a competência, o empenhamento e o bom senso alguma vez governarão eficazmente um país, tornando-se evidente que a vacuidade crescente do ato político decorre da cada vez menor competência para governar, materializada na falta de objetividade e de razão de ser do mesmo.  Tal falta é o fruto amargo de uma visão global deficiente, de uma estratégia incipientemente esboçada e conducente, a prazo, à generalização do caos que muitos confundem com a verdadeira liberdade, com uma fantasiosa igualdade, direito que, despudoradamente, alguns pretendem estender muito além daquilo que é igual.

 
Sobretudo em situações de catástrofe, nada resolve a inércia atuante, processo quiçá inventado e desenvolvido em Portugal.  Omnia videre, multa dissimulare, pauca corrigere“ poderá ter funcionado no século VI;  mas, agora, decididamente não.  Não, quando a consequência imediata de olhar para o lado ou de confiar na sorte é a perda de vidas pela qual, ainda que por negligência, um governo é responsável e que, contrariamente ao prejuízo económico, nada poderá fazer para proporcionar reparação.

A mais sólida manifestação do poder é não ter de o exercer, mas tal milagre apenas é possível depois de as seringas da educação e da formação terem feito jorrar para dentro de uns setenta por cento da população a vacina contra a portuguesinha propensão à sistemática e espertalhona violação de determinados e indispensáveis princípios, só assim se conseguindo, talvez, uma razoável imunidade de grupo com a inoculação.

Porque, princípios, há, sim.  Muitos, sérios, e estruturantes de qualquer país civilizado.  O menor de todos não será que, com o que é dos outros, como a saúde pública e a coisa pública, não se brinca.  Faz-se o que se tem de fazer.  Se não se sabe o que fazer, põe-se lá outros a governar.

Nenhum governo pode passar a vida a fazer a vida esperar.

Sic transit gloria mundi

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