André Ventura*)
(Entrevista à RTP - 01.12.2001)
Não entenderá o Presidente eleito e, regularmente, auto-demitido e reeleito do Chega! que, numa democracia representativa - cuja verdadeira natureza, apesar de se apresentar a eleições, parece ter significativa dificuldade em entender -, a vontade do povo se encontra plasmada, acima de tudo e antes de mais, na Constituição da República?
Doutorado que é em direito, não se aperceberá de que a alarvidade que disse equivale a perguntar se vale mais a vontade de roubar do que as disposições penais que tal ato proíbem?
Que tipo de gente insistirá, tendo alternativa, em confiar o voto a alguém com pensamentos como este, subversivos da ordem pública, da paz e da estabilidade que a todos são essenciais e estruturantes da vida em sociedade?
Poderá, por mero capricho, um cidadão ou grupo de cidadãos fazer, impunemente, prevalecer os ditames da sua vontade à letra da lei ou do próprio Texto Constitucional?
- x -
A prática política e as sucessivas declarações do mesmo género permitem excluir que se tenha tratado de um lapso - aliás sempre deslocado em pessoa de tão viva e aguda inteligência. A enormidade da ideia contida na pergunta não pode, assim, deixar de suscitar as mais sérias dúvidas quanto à verdadeira motivação do Autor ao deixar o Partido Social Democrata para fundar o Chega!.
Este partido é, inegável e assumidamente, nacionalista e de extrema-direita. Mas, sê-lo-á, também, o seu Fundador? Até que ponto poderá um outrora quadro destacado de um partido democrático inverter, no seu íntimo, de forma tão fraturante e do dia para a noite, o seu posicionamento político?
Qualquer pessoa, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que faz. Qualquer político, para ser eficaz, tem de acreditar naquilo que diz.
Perante os resultados até agora conseguidos e com tamanha rapidez, dificilmente poderá considerar-se ineficaz o Presidente do Chega! Ficam, no entanto, as perguntas: quais serão os seus verdadeiros propósitos? Estará, afinal, a ser eficaz em quê?
Será, como se apresenta, um genuíno radical, empenhado em defender uns estranhos, aberrantes, anquilosados e patéticos ideais?
Será, quem sabe, um genuíno democrata que terá, em dado momento, decidido manipular uma crescente mole humana que ia surgindo na extrema-direita, inicialmente com um discurso firme e agressivo para depois, insinuando-se junto do PSD, a neutralizar?
Será, como alguns pretendem, um mero oportunista sem escrúpulos, um perigoso ditador unicamente interessado na exaltação da própria imagem e na rápida ascensão ao exercício do poder - eventualmente como ministro da justiça... -, manipulando e usando tudo e todos ao serviço desse desiderato?
Pouco importa, de facto.
Do que não pode haver dúvida é de que se trata de uma personagem de ambiguidade perigosa, politicamente escorregadia, despudorada e subversiva a ponto de insinuar que deve a vontade do legitimamente descontente povo português sobrepor-se, por ilegítima, antidemocrática e injustificada ação direta, aos preceitos que essa mesma vontade popular, expressa no voto, na Constituição fez plasmar.
Preside, assim, a um partido que dói ver merecer um lugar no boletim de voto da supostamente democrática eleição de quem nos irá governar.
Outros artigos polémicos sobre POLÍTICA estão disponíveis no correspondente separador no topo desta página. NÃO PERCA! |