quarta-feira, 13 de julho de 2022


Pois É, São outra Vez os Pirómanos, Coitados...

Neste triste caso, é inútil culpar os juízes.

Com a educação e formação de que beneficiaram, sobre a qual me dispenso de voltar a opinar, vêem à frente um desgraçado de aspeto miserável e ar alucinado, e tendem a aplicar-lhe a pena mínima. Suspensa, claro. Depois, apanha-se à solta e, o mais tardar, no ano seguinte volta ao mesmo, seja doente mental ou não.

Quem roubar, furtar, destruir propriedade alheia ou causar dano físico relevante a terceiro é, por via de regra, encarcerado, e por longos anos, especialmente se do ato resultar a morte.

Como entender, então, que a conduta de um criminoso que ateia um incêndio florestal seja punida com pena de prisão de um a oito anos*), sabendo-se que, tratando-se de réu primário, quase garantidamente será suspensa na sua execução por igual período? Ou seja, que o criminoso será libertado, ficando livre para reincidir, sempre na esperança de não voltar a ser apanhado?

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Um incêndio florestal causa muito mais dano às pessoas e às coisas do que um ato isolado. Causa, sobretudo, dano de uma forma descontrolada, de evolução imprevisível, como imprevisível é antever a dimensão dos estragos.  Mas é, invariavelmente, enorme.

Já que os sucessivos governos são patentemente inaptos para proceder a reformas estruturais - quaisquer que sejam, entre tantas absolutamente necessárias -, ao menos promovam uma minúscula alteração da lei, fixando a pena mínima nuns mais do que razoáveis seis anos, por forma a garantir que, provados os factos, o juiz manda, mesmo, prender, impedido que fica de aplicar pena mais branda, designadamente uma que viabilize a suspensão na execução.

Claro que ninguém pode prever que no ano tal ou tal as condições meteorológicas irão ser estas ou aquelas. Pois se nem os cientistas conseguem, quantas vezes, fazer previsões para o dia seguinte!

Existe, no entanto, uma colossal diferença entre prever uma ocorrência e precaver-se contra a respetiva eventualidade. Precaver é criar condições para evitar a ocorrência ou, na impossibilidade, para minorar os seus efeitos nocivos; e, isso, está muito mais ao alcance dos mortais do que adivinhar que vem aí uma onda de calor ou uma tempestade.

Ainda no campo da prevenção, tratar de tornar as matas públicas espaços seguros com largos aceiros*) a intervalos de alguns quilómetros, assim evitando a propagação dos incêndios, seria, seguramente, muito mais eficaz e menos dispendioso do que, todos os anos, condenar-nos a assistir, impotentes, à destruição de florestas e dos bens que nelas se encontram; à destruição de vidas e à degradação da saúde de bombeiros e de outros profissionais ligados ao combate aos incêndios.

Ora, em vez disso, continua o Estado a preferir manter-se inerte na única vertente em que, falhando tudo o resto, seria muito simples e rápido criar condições para reduzir as ignições dolosas por parte de pessoas perturbadas ou ao serviço de interesses económicos bem conhecidos.

Vamos continuar muito humanistas relativamente a um punhado de doidos ou de autênticos javardos ao serviço de quem lhes paga, permanecendo inaceitavelmente desumanos para com os milhares que, todos os anos, os incêndios espoliam nas suas vidas, saúde e propriedade?

A quantidade de ignições acidentais reduziu-se, de forma muito expressiva, nos últimos anos. Como admitir, então, que o fogo posto continue, em boa parte, a ser responsável por um descalabro destes?

De que serve rasgar aceiros e gastar milhões em meios de combate aos fogos, se os loucos e os criminosos continuam, impunemente, por aí à solta?

Ainda alguém se espanta por o pequeno Portugal ter tantos e tão grandes incêndios?

O comodismo ou a falta de coragem para modificar uma única norma desfasada e obsoleta será, provavelmente, uma das principais, se não a principal razão.


sábado, 9 de julho de 2022


Vila Verde

Vila Verde - Campo da Feira

Imagem: Wikipedia

"Villa Verde, a séde d'esta parochia, d'este concelho e d'esta comarca, é uma povoação muito antiga, alegre, vistosa, bem situada e bem servida por estradas a macadam de toda a ordem; tem um bom largo para as suas grandes feiras,— bons estabelecimentos commerciaes e bons edifícios entre os quaes avultam os seus novos e magestosos paços do concelho;— é finalmente uma povoação de muita vida e muito importante(...), e mais importante será em praso breve: mas toda a sua importância data de 1855, ou da creação d'este grande concelho pelo decreto de 24 d'outubro do dicto anno. 

Até áquella data esta villa pertenceu ao extincto e antiquíssimo concelho de Villa Chã, que soffreu diversas modificações desde a sua creação até que foi extincto pelo decreto de 24 d'outubro de 1855, passando para este de Villa Verde, com outras muitas, as 9 freguezias que o constituíam e eram as seguintes:— esta de Villa Verde e as de S. Miguel e S. Thiago de Carreiras, Doçãos, Nevogilde, Esqueiros, Travassos, Loureira e Barbudo, hoje extincta e annexa á de Parada. 

Em 1706 já Villa Verde tinha uma importante feira no dia 13 de cada mez e suppomos que era a séde do concelho de Villa Chã, villa e povoação antiquíssima, outr'ora muito honrada e privilegiada(...).

Feiras
1.a — Annual em Villa Verde, no dia de Santo Antonio, 13 de junho. 
2.a — Annual na mesma villa, a 13 de dezembro, dia de Santa Luzia. 
3.a — Annual em Pico de Regalados nos dias 6, 7 e 8 de novembro. 
4.a — Annual em Prado, nos dias 20 e 21 de janeiro. 
5.a — Annual em Prado também, nas sextas feiras de quaresma. 

Para gado somente
6.a— Annual na freguezia de Duas Egrejas, nos dias 11 e 12 de dezembro, denominada feira de Santa Luzia de Penella. 

Para gado muar e cavallar somente
7.a — Bi-mensal ou de 15 em 15 dias, em Villa Verde, aos sabbados. 
8.a — Bi-mensal também aos sabbados e alternada com a feira supra, no Pico de Regalados, de 15 em 15 dias. 
9.a — Mercado de diversos géneros na freguezia de Rio Mau, em todos os domingos posteriores ás feiras de Villa Verde.

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Pela sua população e riqueza e pelas intimas relações que o prendem aos de Amares e Terras de Bouro, que formam a grande comarca de Villa Verde ou por assim dizer um todo, são estes tres concelhos os mais desordeiros e revolucionários de todo o nosso paiz.

Tem havido n'estes 3 concelhos grandes desordens, verdadeiras batalhas, muitas mortes e ferimentos, sendo necessário por vezes intervir a força armada, grandes destacamentos e batalhões inteiros! E não hesitam em reagir contra a mesma tropa os homens e as mulheres, como succedeu na revolução de 1846 a 1847, na qual as mulheres d'este districto de Braga, nomeadamente as d'estes tres concelhos e dos de Vieira e da Povoa de Lanhoso, tanto se distinguiram, que a dita revolução tomou o nome de Maria da Fonte, virago minhota, que se tornou lendária! 

Differentes concelhos e freguezias disputam a gloria de lhe terem dado o berço, mas já hoje não se sabe com ceríesa qual foi a sua terra natal (...).

São muito vivas n'estes povos do Minho as crenças religiosas, pelo que uma grande parte das maiores desordens a que se teem abalançado, expondo o sangue e a vida, provieram de bem ou mal entendidas affrontas ás suas crenças, por não lhes permittirem os enterramentos nas egrejas, obrigando-os a fazerem as inhumações em adros abertos, na falta de cemitérios locaes. 

Por vezes não foi necessário mais nada para immediatamente subirem aos campanários dos sinos da paroehia, onde se dava o conflicto, e tocarem a rebate. O mesmo toque se repetia instantaneamente nas parochias circumvisinhas, por serem muito próximas e não haver entre ellas as grandes distancias que se notam em outras provincias, nomeadamente na do Alemtejo. 

O povo — homens e mulheres, — acudia logo em chusma e armado; as mulheres tomavam sempre a iniciativa e, — mesmo na presença das auctoridades— tractavam de sepultar o cadáver na egreja. As auctoridades reclamavam força; — intervinham então os homens — e por vezes a tropa e as auctoridades foram de vencida na lucta; mas por vezes também a tropa, quando se achava em força superior, obrigava o povo a ceder, sendo porém raro terminar o conflicto sem fogo, pancadaria, ferimentos e mortes — em ambos os campos !..."

Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno" - Vol.11 pág.1103-1107
Livraria Editora de Tavares, Cardoso & Irmão - Lisboa, 1886
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