"Ao nosso alcance apenas está saber que essa razão, essa entidade,
existiu ou existe, algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo,
do espaço e do que parece ser material.
Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas por dedução lógica a montante da fé;
e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena negar"
1. As Leis Não Nascem do Nada
2. O Legislador da Natureza
3. A Inevitável e Inacessível Razão na Origem da Criação

Vivemos, ao que me dizem, num estado de Direito que faz parte de um Mundo todo
ele feito de estados de Direito. Ou quase todo. Ou que parece ser todo.
Ora, num estado de Direito, em qualquer estado de Direito digno dessa
designação, vive-se o primado da lei, sendo esta coletivamente considerada
como o sistema de normas destinado a regular as relações sociais para evitar
que nos trucidemos uns aos outros apenas para ter acesso a comida, ou por nos
terem roubado o ou a mais que tudo; ou por cobiça, por vício, por mera
diversão ou por qualquer outra mais ou menos estúpida razão.
No entanto, as leis não aparecem espontaneamente por aí, sem haver quem as
faça; e, como interessa pouco quem foi que, de facto, redigiu ou fez vigorar
esta ou aquela lei, é costume dizer que a lei – toda e qualquer lei – é da
autoria de uma pessoa a quem convencionámos chamar legislador. Isto é
axiomático, definitivo, é assim, porque não pode ser de outra forma: não
existe lei para a qual não tenha, em algum lugar e em algum tempo, havido um
legislador. Depois, para interpretar essas leis, os técnicos que a essas
coisas se dedicam passam a vida a procurar adivinhar, para certas normas, qual
a intenção do respetivo legislador.
Sabemos, também, que nem todas as leis, se inserem no âmbito do Direito
positivo – aquele dos códigos e do Diário da República -, o mesmo podendo
dizer-se dos princípios que subjazem à conceção e elaboração dessas mesmas
leis. De facto, todos nós, os mais comuns dos mortais, numa ou noutra
circunstância do quotidiano invocamos, da Natureza, esta ou aquela lei.
Para parecermos sabedores, ou por sermos conformistas ou porque assim o
sentimos, é, até, frequente comentar esta ou aquela graça ou desgraça que
acontece dizendo algo como: “Pois é, são as leis da Natureza”. Quase
sempre, quando acontece aos outros algo de mau…
2. O Legislador da Natureza

Certamente que não.
Ora, tendo mais acima estabelecido que qualquer lei é elaborada por um
legislador, forçoso se torna concluir que o apreciável acervo de leis naturais
que conhecemos e a imensidão das que desconhecemos vieram, também elas, não do
caos, mas da mente de um legislador.
Sabemos, outrossim, que é sempre privilégio do legislador alterar, derrogar ou
revogar as leis que elabora, o que frequentemente acontece com os diversos
diplomas legais, códigos, qualquer elemento constituinte de um edifício
jurídico.

Como, na verdade, poderemos alterar ou revogar a lei de Newton, o teorema de
Pitágoras, os princípios de Arquimedes, de Pascal? Impossível, e a razão é
evidente a qualquer um: não foram estes ilustres cientistas os respetivos
legisladores, não foram eles que elaboraram estas e todas as outras
leis naturais – as poucas já conhecidas e aquelas quase infinitas cuja
existência nem sequer nos foi, ainda, dado conhecer -, as quais, por
comodidade na referenciação e em exaltação do resultado que convida a seguir o
exemplo, apenas vão sendo batizadas como o nome de quem, na Natureza,
as identifica.
A existência de qualquer lei da Natureza não é suscetível de ser provocada
pelo Homem, sendo meramente constatável através de uma observação
inicial a validar através daquilo a que chamamos
investigação científica - cientes embora de que os ínfimos passos que a
Ciência vai dando não passam de mosaicos, de pequenas partículas de uma
construção infinita e por nós inalcançável, arquitetada por um legislador
supremo que não conhecemos nem sequer vislumbramos porque se não deu, se não
dá e, desolado com o que por cá poderá estar a ver, cada vez menos razões terá
para se dar a conhecer.
Por uma questão de comodidade e para acompanhar a nomenclatura generalizada, a
esse legislador supremo chamarei Deus.

Não professando eu já qualquer religião, não estou, naturalmente, a referir-me
ao Bom Manitu, a Júpiter, a Alá, a Jeová ou ao deus representado no teto da
Capela Sistina. Chamo Deus à razão sobrenatural que criou a ordem
universal em que todos estamos imersos, à qual estamos irremediavelmente
vinculados e da qual nenhum de nós alguma vez poderá escapar, tal como
acontece com os pequeninos átomos do teto aqui por cima. Pode haver quem diga
que sim, mas ainda ninguém me explicou como ou para quê.
Cada um desses pequenos átomos está sujeito a uma virtualmente infindável
quantidade de leis divinas que, no seu conjunto, asseguram a ordem natural,
tal como as leis dos homens formam o Direito.
Nas cidades, não nos apercebemos tão facilmente das maravilhas da Criação. Por cá, praticamente tudo quanto se nos apresenta aos sentidos é produto da criação humana, de um engenho cada vez mais desenvolvido, e servido por uma base de conhecimento cada vez mais vasta. Mas no campo, quem resistirá a maravilhar-se olhando para uma minúscula bolinha castanha e para o enorme pé de couve que uma bolinha semelhante gerou? Ou olhando para uma bolota caída no caminho e, sobre ela, para o gigantesco e centenário sobreiro que de outra bolota nasceu? Serão o engenho e a razão humana alguma vez capazes de produzir algo tão maravilhoso como aquilo que, há milénios para nós infinitos, a Razão sobrenatural programou?
Esta Razão sobrenatural surge-nos como a primeira causa, a causa das causas,
um deus que, assim definido, inegavelmente existe, dotado de
conhecimento e de poder infinitos ou perto disso e nos permite por cá levar a
vida usufruindo dos recursos que quis pôr à nossa disposição: o tempo, o
espaço, a matéria; as leis que os regem, deterioram e regeneram; os outros
seres; o nosso corpo de primatas e a mente e o espírito que dele se servem na
prossecução de um objetivo último que, paradoxalmente, nos não é dado
conhecer.
Para um ser pensante, deve ser esta a angústia maior da vida, a que suscita a
questão primeira, à qual ninguém sabe responder: o que quer de nós este
desconhecido deus, esta Razão universal? Ao nosso alcance apenas está saber
que essa razão, essa entidade – provavelmente, imaterial -, existiu ou existe,
algures ou nenhures, antes ou após a criação do tempo, do espaço e do que
parece ser material. Sabemo-lo, não por um ato de fé, mas
por dedução lógica
a montante da fé; e o que se sabe, não se pode ignorar, nem vale a pena
negar.

Se aceitarmos esta afirmação, restar-nos-á refletir sobre a nossa missão
enquanto Humanidade, sobre a motivação que poderá ter estado na origem da
vida, sobre o que terá motivado a criação de tudo isto a que nos habituámos a
chamar Universo, cuja dimensão ignoramos e sempre ignoraremos, da mesma
forma que a primeira coisa que nos confunde acerca de Deus é a sua dimensão:
por muito inteligentes que nos julguemos, escapará sempre, ao nosso
entendimento, a qualquer veleidade de compreensão.
Com maior utilidade para todos, caberá, antes de tudo, refletir sobre a missão individual de cada um e sobre as razões da diferença marcante do animal que somos relativamente a todas as outras espécies, questões estas que, porque mais próximas nos são, nos permitirão a verdade com menos insucesso procurar.