Ninguém conclua, das linhas que se seguem, que não estou, como qualquer
português deve estar, grato ao, a partir de amanhã, ex-Vice-Almirante que,
recentemente, desempenhou funções como coordenador da assim designada
task force da vacinação anti-COVID. Claro que estou!
Tal não me obriga, porém, a deixar-me ofuscar pelo brilho do sucesso da
reconhecidamente válida ação por ele desenvolvida enquanto executante do
enunciado atual - que não encontro, se é que existe... - do Plano Nacional de Vacinação*) iniciado em 1965 com a aceitação, pelo Estado Português, de um
donativo da Fundação Calouste Gulbenkian destinado à vacinação contra a
poliomielite*),
difteria*),
tétano*) e
tosse convulsa*) (Decreto-Lei n.º 46533, de 09 de Setembro de 1965)*), continuado com a implementação do velhinho mas, então,
indispensável Boletim Individual de Saúde (Decreto-Lei n.º 46621, de 27 de Outubro de 1965)*), (Decreto-Lei n.º 46628, de 11 de Novembro de 1965)*) e assim sucessivamente.
Não me ofusca, pelo menos, a ponto de evitar que fique perplexo, desagradado
e apreensivo com o que leio nas entrelinhas das recentes respostas do amanhã
promovido a Almirante, como "o futuro a Deus pertence", "não se deve dizer 'dessa água não beberei'" ou "até lá muita coisa pode acontecer", produzidas quando interpelado acerca de uma
eventual candidatura futura à presidência da República.
A ter, de facto, sido proferido este
chorrilho de lugares-comuns*), há que questionar, antes de mais, a capacidade para o desempenho de tão
altas funções por parte de um cidadão que, ainda há poucos meses atrás - e,
porventura, antes de o terem aconselhado a ter tento na língua - sobre o
mesmo assunto dizia coisas de sentido contrário, tão claras e sem margem
para dúvidas como "Não sou político", ou "vou tirar esta farda, mas é para vestir outra. Eu sou militar, não
tenho jeito para político. Fecho essa porta”*).
Tudo isto é muito estranho. Principalmente, tratando-se de um militar, de
uma pessoa que pertence à elite de uma estrutura conhecida pela solidez da
palavra dada. Enfim...
- x -
Mas há mais.
Enquanto desempenhou as referidas funções, o Senhor Almirante notabilizou-se
como executante privilegiado, como mero coordenador de esforços e de
boas-vontades.
Não como gestor; muito menos, como um velho sábio a exercer uma magistratura de influência
presidencial. Nem me parece, dada a sua notória apetência pela ação, talhado para tal.
Como explicar, então, que alguém que se assume como não político, que
desempenhou funções que em nada se assemelham àquelas que de um presidente
da República será de esperar, abra agora uma porta,
pelo próprio há pouco inequivocamente fechada para sempre, para, mais ano, menos ano, vir a candidatar-se ao lugar?
Já se sabe que, pelo menos até agora, ninguém, num dos partidos políticos do
costume, se tem vindo a perfilar como candidato às mais altas funções do
Estado. Já se sabe, também, que não se vislumbra quem poderá ter carisma
suficiente para, sem fazer muito triste figura, as desempenhar na sombra do
atual Presidente da República, o qual dificilmente alguém, num futuro mais
ou menos próximo, poderá, no plano mediático, sequer sonhar em igualar. O
que suscita, inevitavelmente, a pergunta:
qual dos partidos estará a piscar o olho ao Almirante? Quem o estará a
empurrar?
Além do mais, começa, como vimos, a dar a ideia de que o talvez putativo
Candidato tem uma imagem bastante difusa de si próprio, o que não convém ao
mais alto magistrado da nação: disse, em tempos de que já não parece
lembrar-se, não ser um político, mas a recente inversão de marcha nos seus
projetos futuros acaba de demonstrar que, embora inábil, afinal, o é.
No entanto, diz quem é sensato que a imortalidade, quando já está garantida, mais vale defender do que
desbaratar. Por isso, a sério, alguém lhe diga que, mesmo quando movidos pelas
melhores intenções, se não somos ou não nos sentimos competentes - ou alguma
coisa nos diz que, mais ou menos suavemente, estão a passar-nos a mão pelo
pelo -, bem melhor faremos, no interesse daqueles que, supostamente, iríamos
servir, em em não insistir em avançar; em não nos tornarmos...
mais um daqueles.
Honesta fama est alterum patrimonium