sexta-feira, 28 de janeiro de 2022


Arrábida: A mais alta serra do Alentejo

 

Portinho da Arrábida

"ARRÁBIDA — a mais alta serra do Alemtejo, comarca de Setúbal, a Thebaida dos capuchos arrabidos. E' composta de pedra calcarea e termina no Cabo do Espichel, onde está, junto á praia, a gruta de Santa Margarida, que tem formosas stalatites e stalagmites. Tem 640 metros acima do nivel do mar. E' palavra árabe, Arrabdá, significa habitação de gado, logar de pastagem. Dizem alguns que o nome actual d'esta serra vem do latim, Rábidus; alludindo â braveza e raiva com que o mar aqui bate na costa. Outros, finalmente, derivam este nome da antiquíssima cidade de Arábriga, que existiu na raiz da serra, entre Setúbal e Gezirabra. Os romanos lhe chamavam Mons-barbaricus, e já antes d'elles se lhe dava o nome de Promontório barbarico. O nome actual foi-lhe incontestavelmente posto pelos mouros. Diz-se que o nome de Barbarico se lhe pôz, pela grande barbaridade dos sárrios primeiros habitadores d'esta serra.

Tem seu principio na freguezia da Ajuda, termo de Setúbal. Tem 35 kilometros de comprido e 6 de largo. Tem altos e baixos, e em um dos seus outeiros, chamado Castello de Olivede ou Olivete, ha vestígios de uma antiga fortaleza. Tem mais os altos chamados, Cabeça-Gorda, Cabeço- de-Visão, Matta-da-Louriceira e Monte-Formosinho (onde, segundo a tradição, existiu um templo de Apollo, do qual ha ruinas.) Também na vertente d'esta serra, onde hoje está a fortaleza do Outão, dizem que houve um templo dedicado a Neptuno. Em 1644, mandando D. João IV accrescentar esta fortaleza (sendo as obras dirigidas por Martim de Albuquerque, conde de Alegrete) nas escavações se achou parte de uma estatua de mármore, com versos em louvor de Neptuno e uma estatua de metal, do mesmo deus; entre as ruinas de um edifício que mostrava ser templo d'esta divindade, entre as quaes haviam muitas architraves e pedaços de columnas de mármore fino e inscripções latinas; nas quaes se dava áquelle sitio o nome de Promontório de Neptuno. (Vê-se pois que Promontório Barbario não era nome commum a toda a serra, mas só á parte que corre desde o Outão até Cezimbra.) Também por essa occasião appareceram muitas medalhas de cobre, dos imperadores Vespasiano, Tito e Adriano. Manuel da Silva Mascarenhas, superintendente d'estas obras do forte, deu as medalhas, a estatua de mármore e os cippos a D.Pedro de Alencastre, arcebispo de Braga. A estatua de metal (sem Mascarenhas o saber) a fundiram para fazer artilheria para a mesma fortaleza. arbaridade bastante (diz o padre Cardoso, e diz bem) para se dar a esta serra o nome de Promontório dos Bárbaros, se já o não tivesse.

(...) Na ladeira da serra que olha para o mar, e quasi no meio d'ella, está o convento de capuchos franciscanos, chamados arrabidos, fundado em 1522 por frei Martinho de Santa Maria (castel bano) filho dos condes de Santo Estevam dei Puerto ; ao qual fez doação d'esta serra D. João de Alencastre, primeiro duque de Aveiro e parente do dito frade. Aqui viveu S. Pedro de Alcantara. Este frei Martinho morreu no hospital de Lisboa, a 2 de janeiro de 1545. Não é este convento um edificio continuado, como os outros; mas compõe-se de varias cellas (ou pequenos cubículos) espalhadas por diversas partes da montanha, mas todas dentro de um dilatado muro, que lhe serve de clausura, á maneira das antigas hauras do Egypto e Palestina. Eram pobríssimos estes cubículos, e tão estreitos que apenas lhe cabe uma pessoa. A egreja é pobre como o convento, e só tem trez altares. Desde o cabeço chamado Monte Cabrão se veem muitas capellinhas, sendo a mais notável a que em 1650 fez D. Antonio d'Alencastre, 6. filho do duque d'Aveiro D. Alvaro; a qual lhe custou 16 mil crusados. Tem casas para o ermitão. Perto do convento ha umas casas que eram dos duques d'Aveiro. Na raiz da serra, a bastante distancia do convento, está uma lapa com um altar de Santa Margarida, virgem martyr, onde cabem mais de 500 pessoas. Os povos de Seixal e Arrentella lhe fazem uma grande festa no seu dia. A um kilometro d'esta lapa, para o lado de Setúbal, mandou D. Pedro II fazer uma fortaleza em 1670, para que os mouros não viessem inquietar os frades e captivaros como até allí faziam. Defronte da lapa se levanta, sobranceiro ao mar, o Penedo do Duque".

Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno"
Livraria Editora de Matos Moreira & Companhia - Lisboa, 1873 - vol.1, págs 238KK-238MM
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