"ARRÁBIDA — a mais alta serra do Alemtejo, comarca de Setúbal, a Thebaida
dos capuchos arrabidos. E' composta de pedra calcarea e termina no Cabo do
Espichel, onde está, junto á praia, a gruta de Santa Margarida, que tem
formosas stalatites e stalagmites. Tem 640 metros acima do nivel do mar.
E' palavra árabe, Arrabdá, significa habitação de gado, logar de pastagem.
Dizem alguns que o nome actual d'esta serra vem do latim, Rábidus;
alludindo â braveza e raiva com que o mar aqui bate na costa. Outros,
finalmente, derivam este nome da antiquíssima cidade de Arábriga, que
existiu na raiz da serra, entre Setúbal e Gezirabra. Os romanos lhe
chamavam Mons-barbaricus, e já antes d'elles se lhe dava o nome de
Promontório barbarico. O nome actual foi-lhe incontestavelmente posto
pelos mouros. Diz-se que o nome de Barbarico se lhe pôz, pela grande
barbaridade dos sárrios primeiros habitadores d'esta serra.
Tem seu principio na freguezia da Ajuda, termo de Setúbal. Tem 35
kilometros de comprido e 6 de largo. Tem altos e baixos, e em um dos seus
outeiros, chamado Castello de Olivede ou Olivete, ha vestígios de uma
antiga fortaleza. Tem mais os altos chamados, Cabeça-Gorda, Cabeço-
de-Visão, Matta-da-Louriceira e Monte-Formosinho (onde, segundo a
tradição, existiu um templo de Apollo, do qual ha ruinas.) Também na
vertente d'esta serra, onde hoje está a fortaleza do Outão, dizem que
houve um templo dedicado a Neptuno. Em 1644, mandando D. João IV
accrescentar esta fortaleza (sendo as obras dirigidas por Martim de
Albuquerque, conde de Alegrete) nas escavações se achou parte de uma
estatua de mármore, com versos em louvor de Neptuno e uma estatua de
metal, do mesmo deus; entre as ruinas de um edifício que mostrava ser
templo d'esta divindade, entre as quaes haviam muitas architraves e
pedaços de columnas de mármore fino e inscripções latinas; nas quaes se
dava áquelle sitio o nome de Promontório de Neptuno. (Vê-se pois que
Promontório Barbario não era nome commum a toda a serra, mas só á parte
que corre desde o Outão até Cezimbra.) Também por essa occasião
appareceram muitas medalhas de cobre, dos imperadores Vespasiano, Tito e
Adriano. Manuel da Silva Mascarenhas, superintendente d'estas obras do
forte, deu as medalhas, a estatua de mármore e os cippos a D.Pedro de
Alencastre, arcebispo de Braga. A estatua de metal (sem Mascarenhas o
saber) a fundiram para fazer artilheria para a mesma fortaleza. arbaridade
bastante (diz o padre Cardoso, e diz bem) para se dar a esta serra o nome
de Promontório dos Bárbaros, se já o não tivesse.
(...) Na ladeira da serra que olha para o mar, e quasi no meio d'ella,
está o convento de capuchos franciscanos, chamados arrabidos, fundado em
1522 por frei Martinho de Santa Maria (castel bano) filho dos condes de
Santo Estevam dei Puerto ; ao qual fez doação d'esta serra D. João de
Alencastre, primeiro duque de Aveiro e parente do dito frade. Aqui viveu
S. Pedro de Alcantara. Este frei Martinho morreu no hospital de Lisboa, a
2 de janeiro de 1545. Não é este convento um edificio continuado, como os
outros; mas compõe-se de varias cellas (ou pequenos cubículos) espalhadas
por diversas partes da montanha, mas todas dentro de um dilatado muro, que
lhe serve de clausura, á maneira das antigas hauras do Egypto e Palestina.
Eram pobríssimos estes cubículos, e tão estreitos que apenas lhe cabe uma
pessoa. A egreja é pobre como o convento, e só tem trez altares. Desde o
cabeço chamado Monte Cabrão se veem muitas capellinhas, sendo a mais
notável a que em 1650 fez D. Antonio d'Alencastre, 6. filho do duque
d'Aveiro D. Alvaro; a qual lhe custou 16 mil crusados. Tem casas para o
ermitão. Perto do convento ha umas casas que eram dos duques d'Aveiro. Na
raiz da serra, a bastante distancia do convento, está uma lapa com um
altar de Santa Margarida, virgem martyr, onde cabem mais de 500 pessoas.
Os povos de Seixal e Arrentella lhe fazem uma grande festa no seu dia. A
um kilometro d'esta lapa, para o lado de Setúbal, mandou D. Pedro II fazer
uma fortaleza em 1670, para que os mouros não viessem inquietar os frades
e captivaros como até allí faziam. Defronte da lapa se levanta,
sobranceiro ao mar, o Penedo do Duque".
Pinho Leal, in "Portugal Antigo e Moderno"
Livraria Editora de Matos Moreira & Companhia - Lisboa, 1873 - vol.1,
págs 238KK-238MM