sexta-feira, 25 de março de 2022


Vladimir Putin Morreu. Leva-nos com Ele?

Em memória da extinta cidade mártir de Mariopol

Aquilo que o Presidente da Federação Russa pretendia representar aos olhos do Mundo esboroou-se nuns poucos dias de indizível e gélida barbárie: de indiferença perante o sofrimento causado a milhões de inocentes em nome da exaltação do ego de um psicopata formado nas hostes do KGB*), e da multiplicação dos proventos económicos da sua coorte, militar ou não militar.

Refém de um ror de operações plásticas pensadas para lhe permitir parecer quem não é; refém de incontáveis mansões, iates e do mais que comprar lhe aprouver; refém de grandiosos e parolos cenários em que exibe a agora depauperada imagem que, décadas a fio, julgou cultivar - quando, no íntimo, todos escarneciam dele e inventavam manobras arriscadas para a fera amansar -, é este o execrável tirano que ordenou o martírio dos ucranianos e que, com ele, se recusa a parar.

Demonstrado que está, à saciedade, que o rei vai nu, que aquela figurinha que nem andar sabe, ridícula, desengonçada, mesquinha, sem planta, cometeu erros tão inesperados e inacreditáveis numa operação arrastada mas que, em toda a sua maldade, deveria ter sido simples e fulminante, nada resta da personagem que ele julgava estar a criar. O respeitado, sofisticado e admirado Vladimir Vladimirovitch que, nos seus sonhos mais loucos, Putin imaginou e idealizou, simplesmente morreu, e não sabe já como fazer-se ressuscitar.

O atual Presidente da Federação Russa não passa, assim, de um indivíduo básico, mal formado, sádico e, quanto a sofisticação, ao nível rasteiro de um daqueles craques da bola que gastam, em mansões e mais mansões, em iates e mais iates e no mais que lhes aprouver comprar, os milhões amealhados à custa de submissos basbaques que vivem do magro salário ao fim do mês. Craques que, com totais desplante e frieza, se não coíbem de continuar a exibir, na Internet, a faustosa riqueza*), os óculos caros da mamã, os hábitos espalhafatosos da irmã, enquanto outros são bombardeados ou metralhados, são desalojados, espoliados dos seus bens, e morrem; e sofrem; e choram, quantas vezes sem um ombro amigo onde se amparar.

Como se tal não bastasse, a longevidade física do dito Presidente poderá agora estar, também ela, seriamente comprometida, a fazer fé no que pode ler-se sobre o seu periclitante estado de saúde, não apenas mental, mas físico.

Ora, isto, é sério, muito sério. Não apenas para ele - que, como pessoa, interessa menos que nada -, mas para toda a Humanidade que, imprudentemente, caiu nas mãos de um maníaco do poder já mais do que ciente do irreparável trambolhão que acaba de dar, queda da qual jamais poderá, por meios legítimos, recuperar. De um maníaco que sabe muitíssimo bem que a única forma de se tornar inesquecível não é o mero recurso a armas químicas, ou lançar a III Guerra Mundial: será estender a mão e premir o botão nuclear!

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Desfasado no tempo, cada vez mais só, hirto, irredutível, doente, escarnecido, ostracizado, ridicularizado, o que tem, afinal, a perder Vladimir Putin a perder com uma guerra nuclear? Nada. Da forma como o este aramamento está partilhado entre o Leste e o Oeste, quem premir o botão mata, é certo; mas, não menos certo é que comete, ao mesmo tempo, suicídio inevitável - a menos que o faça do avião presidencial, teoricamente imune a impactos de deflagrações de ogivas nucleares.

Indiferente ao homicídio e à tortura, que lhe importa o suicídio? A personagem Vladimir, o Grande que criou, morreu. O corpo estará, quiçá, prestes a segui-la. Até agora, apenas conseguiu que, por uns tempos, todos falem dele. Resta-lhe, para ficar na História de um planeta morto, ser, dessa morte, simultaneamente o orgulhoso agente e o causador.

Esquecer-se-á de que, para que o botão nuclear seja ativado, outros tarados terão de concordar com ele; e que nem todos estes terão assento no avião presidencial?

Poderão ser, assim, estes corruptos autómatos acenadores de cabeças a nossa única esperança? Ou estarão os sequazes  do Presidente também prontos, não apenas a assassinar os seus, mas a suicidar-se em nome da sacrossanta imagem de um perigoso e egocêntrico vaidoso que, diz-se, deixaram de olhar como um indiscutível patrão?

As próximas semanas ou meses, se existirem, o dirão... Dirão se chegou, afinal, o momento em que até os crimes de guerra deixam de interessar, por deixar de haver quem os irá julgar.

* *

Do lado ucraniano, nem tudo parece serem rosas, também...

(continua aqui)

quinta-feira, 24 de março de 2022


Mário Machado e a Juíza de Instrução Criminal

Corre por aí uma onda de indignação pelo facto de, no quadro da aplicação da medida de coação de termo de identidade e residência com apresentações quinzenais à autoridade policial, uma juíza de instrução criminal haver dispensado do dever de apresentação às autoridades o arguido num processo criminal por posse de arma proibida*).

Pondo de parte qualquer consideração de ordem subjetiva relativa à pessoa do arguido - e com a ressalva de que desconheço os textos completos, quer do requerimento, quer da oposição, quer decisão -, parece-me improvável que a agora mediatizada magistrada pudesse haver decidido de outra forma.

Antes de mais, não estando aqui em causa uma autorização para se ausentar do país - note-se bem que jamais foi exigida a entrega do passaporte... -, o único efeito prático da dispensa de apresentação às autoridades foi, salvo melhor opinião, o de permitir uma estada no estrangeiro por um período superior a duas semanas.

Apenas isto; e apenas isto relativamente a um indivíduo que, independentemente das desgraçadas ideias que alardeia e das pesadas condenações anteriores por atos com elas relacionadas, já pagou a dívida à sociedade mediante o cumprimento das penas em que foi condenado, apenas sendo, agora, arguido relativamente à eventual prática de um crime de baixa gravidade, como o é o de posse de arma proibida, punível, nos termos do art.86º do Código Penal Português, com prisão até três anos ou multa até 360 dias..

Neste quadro, com que fundamento poderia a juíza ter recusado um pedido, não para se deslocar à Ucrânia ou onde quer que fosse fora de Portugal, mas apenas para por lá permanecer mais do que os quinze dias de intervalo que lhe foram fixados?

Para lá da emotividade de uma sociedade e da exploração por uma comunicação social ávida de notícias, a verdade é que:

  • para todos os efeitos legais, o arguido é presumível inocente até ao trânsito em julgado de decisão condenatória;

  • sair de Portugal, sempre pode: o pedido visa, unicamente, a possibilidade de permanência além de duas semanas em missão humanitária junto de um país invadido ao qual Portugal presta auxílio e apoio;

  • risco de fuga nunca entenderam os tribunais que existisse, ou outra teria sido a medida de coação aplicada - e a decisão ora criticada tal risco, decididamente, não gerou;

  • da prática dos dois outros crimes que lhe são atribuídos - de incitamento ao ódio racial e à violência - era, à data do despacho, um mero suspeito.

Ora, a juíza de instrução fundamentou o despacho dizendo que dada “a situação humanitária vivida na Ucrânia e as finalidades invocadas pelo arguido para a sua pretensão, o arguido poderá deixar de cumprir a referida medida de coação enquanto estiver ausente no estrangeiro”, o que é consentâneo com os pontos acima enumerados: negar o pedido mais não seria, ao que tudo parece indicar, do que uma decisão arbitrária, subjetiva, politicamente motivada e, do ponto de vista estritamente técnico, notoriamente violadora, pelo menos, do princípio constitucional da proporcionalidade.

Mostra-se, assim, absolutamente ridículo, falso e manipulatório da opinião pública que estejamos perante uma "decisão que autoriza Mário Machado a ir lutar para a Ucrânia"*), ou que o assumido neonazi foi "autorizado pelo tribunal a combater na Ucrânia"*), ou que se pergunte por que razão Mário Machado foi autorizado a sair do país, ou qualquer outra mais ou menos insidiosa patacoada do género, aparentemente apenas destinada a vender assinaturas de jornais ou minutos de publicidade nas televisões, ou devida ao simples facto de, quem a escreveu, nem a parte relevante da fundamentação do despacho se ter dado ao cuidado de ler.

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Ninguém é mais crítico do que quem aqui escreve quanto àquilo que, em crescendo, a magistratura judicial portuguesa de si tem vindo a dar a conhecer, bem como das aberrantes e desumanas ideias defendidas pelas extremas mais extremas da política nacional ou internacional.

Mas, no momento em que começamos, impiedosamente, a crucificar inocentes servidores públicos pelo simples facto de terem proferido decisões acertadas, apenas como forma de exaltar os ânimos ou de desviar as atenções dos leitores e espetadores de coisas bem mais graves e preocupantes que se passam nos meandros da política portuguesa - como, por exemplo, as relacionadas com a formação do próximo governo constitucional; no momento em que tomamos conhecimento de perplexidades relacionadas com o despacho da juíza de instrução por parte de mediáticos juristas de quem se espera uma análise objetiva e fria das disposições da lei, não há como calar mais uma muito séria palavra de alerta para os perigos da prosápia e da excessiva e, por vezes, enviesada mediatização.