domingo, 22 de maio de 2022


Signos do Zodíaco: Embuste ou Enigma?


"Não será a influência dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o seu Futuro, mas, quando muito,
a influência cósmica sobre a Natureza ou sobre terceiros que, por sua vez, irão determinar aspetos importantes
do que mais proximamente lhe irá acontecer
"

"Sejam quais forem os objetivos servidos pela Criação, até que ponto fará algum sentido que a Humanidade seja gerida por signos,
em duodécimos?
"

"Que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?"

1. Anátema
2. O Joio e o Trigo
3. A Importância dos Astros sobre a Vida
4. Os Outros e Eu
5. Da Viabilidade Estatística
6. A Mão de Deus?
7. Conclusão

1. Anátema

O espetro de pandemias, guerras e outras calamidades paira, permanentemente, sobre nós. No entanto, impotentes que somos para contra elas eficazmente nos precavermos, preferimos, em tempos de relativa paz - e talvez, sabiamente... -, olhar para o lado e continuar a deambular, tranquilamente por aí, optando por nos preocuparmos apenas quando as coisas acontecem e já pouco ou nada podemos fazer para minimizar o inevitável impacto negativo sobre as nossas vidas e sobre as daqueles com quem interagimos.

A previsão de tão infaustas ocorrências não constitui, porém, o propósito principal das visitas com que alguns insistem em continuar a honrar videntes, astrólogos, quiromantes e outros que, como eles, se dizem adivinhadores do Futuro - acreditem eles próprios nisso ou não.

Lá bem no fundo de quem a tais consultas recorre existe uma mais ou menos secreta esperança de voltar com boas notícias, acerca da família, dos amigos, dos colegas, mas, sobretudo, sobre si próprio: se vai morrer já ou não, como vai, até lá, andar de saúde, e se vai pingar ou não o rico dinheirinho que tanta falta lhe faz. Existe, ainda, a crença de quem entende que, por conhecer, de antemão, os infortúnios que lhe irão cair em cima, melhor se poderá preparar para os suportar.

Este hábito, bem típico e sintomático da insegurança endémica que grassa pelo território português, de ir à bruxa, de recorrer a adivinhos como forma de reduzir a ansiedade gerada pelo medo do desconhecido que aí vem ou está, movimenta, na economia paralela, verdadeiras fortunas despendidas no pagamento de serviços que, na maior parte dos casos, para nada servem. As mais das vezes consistem, de facto, em meros e fantasiosos palpites ou intuições de profetas, de feiticeiros e de outros iluminados, palpites esses sem qualquer substrato lógico ou suporte científico, devendo-se a eficácia média das ditas previsões a uma astuta e, de alguma forma, experiente interpretação da comunicação não-verbal e da história de vida posta a nu pelos consulentes, cuja conversa é, magistralmente, manipulada para o assegurar.

Comunicação não-verbal e história de vida constituem, de facto, excelentes bases para a formulação de hipóteses de evolução do destino a curto prazo, o único em que, afinal, importa acertar, tendo em conta que, no médio e no longo, já a lembrança do que foi dito pelo adivinho há muito estará esquecido - ou que, pelo menos, das palavras exatas já o cliente, entretanto, se esqueceu.

Seja como for, na visão fortemente subjetiva do incauto, o adivinho raramente falha, ainda que os factos futuros contradigam a previsão. É que, sendo o bruxo a última esperança dos desesperados, a simples ideia do falhanço corresponde à extinção da última centelha de algo que os faça continuar a acreditar, a viver.

Destas artes mais ou menos trapaceiras, mais ou menos folclóricas, escarnece, compreensivelmente, quem se acha mais esclarecido. Escarnece ou ignora, despreza, banindo-as sumariamente do discurso e da cogitação. Sujeita-se, assim, a que, por um lado, os que insistem na possibilidade de prever o futuro lhe apontem o mesmo vício de falta de fundamentação que inquina a mera adivinhação oportunista; por outro, a que, liminar e impensadamente, esteja a abdicar do que de válido que nestas coisas ditas esotéricas possa existir.

A verdade é que, seja por nada de verdadeiramente substancial a crescente panóplia de áreas e de técnicas de adivinhação em si ter, seja pela impossibilidade de, verdadeiramente, se conhecer algo que, desgarrado da ciência, nenhuma teoria objetiva e validada alguma vez poderá produzir, a crendice de uns grassa incólume a par da ganância de outros cujas fortunas continuam a engordar.

Vivemos, entretanto, à sombra do implacável e cego anátema sobre o tema lançando por uma sociedade que se tem por esclarecida e evoluída, mas que, paradoxalmente, continua alérgica a qualquer afloramento de discussão séria sobre uma matéria que considera indigna de ser levada em conta por gente que se tem por sábia, sensata, educada; e, sobretudo, politicamente correta.


2. O Joio e o Trigo*)

A despeito das considerações que antecedem, nada nos impede de, com a objetividade possível, aqui refletir um pouco sobre o tema.

Comecemos, para tal, por separar o que não passa, claramente, de mera fantasia, daquilo que poderá, apesar de tudo, relacionar-se com factores naturais suscetíveis de, em maior ou menor grau, influenciar os indivíduos num Futuro relativamente próximo. Isto, admitindo que, se  sobre os seus comportamentos operarem de forma regular e consistente tais factores, a observação e subsequente análise dos comportamentos por eles influenciados poderão permitir, com um certo grau de confiança, alguma coisa prever.

Ao primeiro conjunto - o da mera crendice, da mera fantasia - pertencem, necessariamente, coisas tão aleatórias e ocas como a predição de acontecimentos com base na disposição de folhas de chá ou de borras de café coladas à chávena, no estado de entranhas de animais mortos para o efeito, ou, ainda, a técnicas mais elaboradas, como o recurso à cartomancia, ou mais folclóricas, como a utilização de uma bola de cristal.

Tão fiáveis e exatos como o são os vaticínios para ganhar a lotaria, todos estes processos não passam, evidentemente, da montra utilizada pelo dito vidente, que para elas distrai a atenção dos incautos que o procuram, enquanto aproveita a conversa para os avaliar segundo o que de si e dos outros vão contando e o modo como o fazem, assim fornecendo dados preciosos a uma previsão para a qual, como já se disse, são essenciais a história do cliente e a leitura da componente não-verbal da comunicação.

Não é fácil errar quando se diz, a quem é pobre, que em breve acabará por receber algum dinheiro sem referir quanto, ou uma fortuna, sem referir quando; ou que - se a conversa o indiciar... -, mesmo continuando pobre, será feliz porque as suas escassas poupanças saberá administrar. Ou, a quem tem filhos, que eles lhe irão dar alegrias e problemas; ou que irá ter alguma doença quem todos os dias respira este infetado ar. Ou que a alguém lançou mau olhado uma vizinha com a qual jamais se conseguiu relacionar.

Como estes, cada vez mais meios de absolutamente enganosa adivinhação existem, já que a criatividade de embusteiros e oportunistas que enriquecem à custa da ignorância e da credulidade alheias não pára de inventar.

Poderia, é verdade, no limite do absurdo estudar-se e medir-se relações de causa-efeito com base em informação estatística. Afigura-se, no entanto, que a recolha da amostra sempre resultaria do processamento de dados fornecidos por inquiridos tão incapazes de os facultar com um mínimo de objetividade como o é, seguramente, quem em tais patetices insiste em acreditar.

Já no segundo conjunto, o que aqui interessa, serão de incluir processos que, sem prejuízo de dificilmente serem suscetíveis de fornecer um retorno válido quanto à confirmação, ou não, dos prognósticos do adivinho, acabam por se apresentar como menos aleatórios, uma vez que partem da observação de factos concretos relacionados, quer com sinais do corpo humano, quer com fenómenos naturais confirmados por evidência científica.

Tal é o caso, quanto aos primeiros, da quiromancia e, quanto aos segundos, da astrologia: a primeira, baseada no indesmentível facto de, por razões que inteiramente desconhecemos, termos linhas na palma da mão; a segunda, pela cientificamente comprovada existência também dos fenómenos astronómicos a cuja observação a astrologia se tem vindo a dedicar.



3. A Importância dos Astros sobre a Vida

Tendência para nos desculparmos
Não obstante a proverbial tendência para nos desculparmos, sacudindo para a envolvente natural e humana as causas dos erros que cometemos e a responsabilidade pelo mal que nos acontece, há que reconhecer que, nem a Natureza, nem os outros humanos são, na maior parte dos casos, os principais culpados do nosso por vezes lastimável e danoso desempenho.

Muito mais do que uma ou os outros, somos nós mesmos, esta nossa personalidade edificada sobre inúmeros pilares de entre os quais se destacam a genética e a educação, quem origina, quem provoca os acontecimentos que protagonizamos ou em que participamos e, inevitavelmente, as inerentes consequências. Somos, pois, os causadores da maior parte do mal ou do bem que nos acontece, também o sendo os outros no respeito que lhes diz.

Assim sendo - ou seja, se, não descurando a vital importância dos impactos naturais, a nossa vida é, maioritariamente, influenciada pelo desempenho de outros animais, humanos ou não -, como poderá alguém não considerar a simples possibilidade de prever comportamentos alheios algo de sumamente atraente, interessante, relevante? Importante, até?

Prever, sim, mas apenas se for possível fazê-lo com fundamentos sólidos, preferencialmente científicos.

Sem com isto se pretender, naturalmente, significar que a Ciência permite predizer com exatidão seja o que for, almeje-se, pelo menos, uma antevisão com a probabilidade possível, sempre preferível ao pouco sério recurso à leitura das folhas de chá e a outras tontices que, a velocidades astronómicas, se vão disseminando aqui e ali.

Como vimos, quer a quiromancia, quer a astrologia, se apresentam como suscetíveis de tratamento estatístico, mediante a observação da ocorrência de factos relativamente aos quais poderá existir correlação válida com aspetos da personalidade; e, por via dela, do comportamento de cada ser humano enquanto influenciador do bem-estar ou do mal-estar de um mais ou menos significativo conjunto de terceiros.

A tal correlação existir, estaríamos, na verdade, perante uma provável ação direta - mas não fatal ou de efeitos inevitáveis - da movimentação e consequente disposição dos corpos celestes sobre o comportamento dos humanos; o que, à partida, não se mostra estranho ou, muito menos, choca, se nos lembrarmos da relação bem real entre as fases da Lua e as marés, ou da forma como as estações do ano operam, por exemplo, no desenvolvimento das plantas e na vida sexual das espécies animais.

Duvidar destas relações conhecidas entre os astros e o vai-vem dos mares ou o quotidiano das espécies seria negar o conhecimento obtido de dados empíricos conhecidos desde tempos imemoriais, e de informação entretanto validada deles extraída.

De outra forma dito, negar o papel, firmemente estabelecido, que os astros desempenham sobre alguns aspetos da vida terrena seria lançar no caos toda a teoria científica. 

Por outro lado, admitir esse papel, reconhecê-lo, para alguns aspetos da vida, impede-nos de, objetiva e fundamentadamente, simplesmente o negar cegamente no que se refere a outros.

Resta, pois, dizer que, embora não disponhamos de informação credível que permita confirmar tal hipótese, a possibilidade e, até, a probabilidade de os astros influenciarem múltiplos aspetos do comportamento humano é bem real e, como tal, não deve ser descurada, menosprezada e, muito menos, desprezada, como alguns tendem a fazer.


4. Os Outros e Eu

Desta nebulosa de dúvida, uma quase certeza emerge, porém: a de que, a existir influência cósmica sobre alguma vertente do Futuro, apenas se afigura possível que ela incida, seja, diretamente, sobre o comportamento dos indivíduos, seja sobre eventos da Natureza determinantes do mesmo, como acontece, no primeiro caso, com as ações e reações de outros animais e, no segundo, com as estações do ano. O que, por absoluta inexistência de substrato lógico ou científico, não pode, de modo algum, se tido por credível, é que, arrimando-se no que quer que seja ou se esforce por inventar, alguém venha, algum dia, a prever os números que irão sair no loto do clube da aldeia, no Euromilhões ou na lotaria das variáveis que, sob tantos aspetos, influenciam a vida de cada um de nós.

Continuará, não obstante, ao alcance do vidente prever, com razoável probabilidade, que alguém irá receber uma herança, desde que, na conversa com o cliente, se inteire da existência de um abastado, idoso e doente ascendente, e a integre, depois, numa combinação astral ou imaginariamente maléfica para a saúde do dito infeliz.

Estaremos, no entanto, neste caso em presença, não de uma previsão específica de que se irão encher de ouro os bolsos do descendente, mas de uma previsão de que a vida do autor da herança em breve irá terminar, assim não se relacionando o recebimento da herança com uma previsão diretamente feita ao Futuro do cliente do adivinho - vinda do nada ou de inspiração cósmica ou divina -, mas feita à provável evolução do estado do enfermo, que qualquer um de bom senso poderia fazer.

Se determinada combinação astral for propícia termos hoje um dia chuvoso e tristonho, mais provável se torna que tomemos decisões menos empenhadas, menos lúcidas, logo, menos eficazes, e que, como consequência delas, a nossa vida se complique. Num dia tépido e ensolarado, pelo contrário, tudo parece bem menos complicado, e a vida corre melhor. Mas, isto nada tem a ver com combinações astrais, antes com o privilégio de poder contar com um dia de Sol.

Da mesma forma, se outra combinação astral favorecer a vida e a disposição da pessoa a quem mais dedicamos a nossa atenção e carinho, bastará ao adivinho conhecer o respetivo signo para nos dar a boa nova de que seremos "felizes no amor": não porque o nosso signo o diga, mas pelo que, relativamente a outros aspetos da vida, disser o signo da pessoa amada - caso isto dos signos nos afete de alguma maneira.

O que dizer, então, do que nos espera sempre que, supostamente, os astros não forem propícios à disposição de um funcionário de cujo poder discricionário depende a emissão de licença ou autorização do Estado para qualquer ação que queiramos empreender ou obra que pretendamos realizar? Ou de um juiz que os nossos atos ou interesses irá julgar?

Todas estas e outras decisões se fundamentam, idealmente, na estrita aplicação do direito; mas, sendo materialmente impossível que a lei preveja todas as combinações e variantes possíveis para idênticas situações, sempre haverá o decisor de recorrer à hermenêutica e, segundo o seu melhor critério - inevitavelmente influenciável pela disposição no momento... -, colmatar lacunas e os preceitos interpretar.

Eis, pois, a mais importante distinção a reter: não será a influência direta dos astros sobre o próprio que, algum dia, permitirá, a ele ou a outrem, prever o próprio Futuro, mas, quando muito, a influência cósmica sobre a Natureza e sobre a vida dos terceiros que, por sua vez, irão operar em aspetos importantes do que mais proximamente lhe irá acontecer.

5. Da Viabilidade Estatística

Pelo menos dois obstáculos de monta se opõem a um tratamento estatístico minimamente fiável da astrologia: por um lado a impossibilidade prática de classificar, de forma significativa e abrangente, todas as vertentes da vivência humana; por outro, o facto de não haver como, objetivamente, validar os dados recolhidos e a informação colhida do respetivo processamento.

A qualidade desta validação não passaria do nível básico atribuível à de artigos científicos que por aí andam acerca da personalidade de cada um, baseando-se em traços fisionómicos, estruturas corporais ou aspetos comportamentais. Buscam os estudos que redundam em tais artigos extrair conclusões supostamente firmes de respostas naturalmente subjetivas fornecidas por familiares, amigos e conhecidos do objeto do inquérito; e, em certos casos, até de respostas dadas pelo próprio. Pergunta-se a alguém que tem o nariz com este ou aquele formato "Considera-se uma pessoa honesta?", ele responde "Sim" - todos responderão "Sim"... -, e conclui-se que quem tem um nariz de assim ou assado é honesto; e, como ninguém irá admitir que não é honesto, o mesmo acontecendo, necessariamente, com quem tiver qualquer outro tipo de nariz.

No campo da astrologia, as questões seriam, talvez, do género "Nestes últimos dias, tem tido sorte aos amores?" e, se a maioria dos nascidos sob o signo do Carneiro responder "Não", concluir-se-á que, estando a Lua e Vénus em conjugação com isto ou daquilo, os ditos indivíduos terão propensão para ser infelizes no amor... fazendo tábua rasa de coisas tão simples como factos de natureza política, social, ou económica que poderão estar a afetar toda a gente, independentemente do signo em que tiver nascido. Já para não falar, obviamente, dos diferentes e eminentemente subjetivos graus de exigência quanto à felicidade de cada um, da própria noção de felicidade e de um não mais acabar de subjetividades que inviabilizariam qualquer validação científica, por muito rigorosa que a seleção de inquéritos pudesse ser.

A despeito de alguma correlação efetiva que, de facto, possa existir entre os astros e algum aspeto da nossa vida, o facto de ela jamais poder vir a ser conhecida com uma, ainda que mínima, base científica desaconselha que continuemos a falar de astrologia assentes, unicamente, na intuição ou na observação de amostras ínfimas extraídas meramente do conhecimento direto e da experiência de vida de adivinhos de agora ou de tempos há muito idos.

Neste contexto de validação impossível, que razoável contrapartida terá o serviço do astrólogo a oferecer ao expressivo desembolso económico de quem o vai procurar?


6. A Mão de Deus?

Independentemente da possibilidade ou impossibilidade de validação, o exercício da influência dos astros, direta ou indiretamente, sobre os humanos suscitará, inevitavelmente, questões quanto à forma como a Razão Criadora de tudo e de todos, gere o Universo. Isto, claro está, partindo do princípio de que esse Criador ainda existe; e de que, a existir, continua a interferir na evolução da Sua obra, designadamente nos destinos da Humanidade.

De facto, sejam quais forem os objetivos na génese do Mundo - seja ele o que for... -, até que ponto fará algum sentido que seja a nossa vida gerida ou influenciada por signos, em duodécimos, em doze fatias de dimensão presumivelmente idêntica, correspondentes aos nascidos em cada um dos signos do Zodíaco? Ou não passarão os signos de uma fantasia e, no que diz respeito ao que possa ser determinado pelo Cosmos, haverá outras formas de classificar mais consentâneas com a realidade?

Certo é que, enquanto a quiromancia, por exemplo, se foca, inteiramente, no caso específico do indivíduo que detém esta ou aquela combinação - única - de linhas nas palmas das mãos, enquanto a fisiognomonia se centra no conjunto - único - de traços fisionómicos de um indivíduo -, a astrologia parte do pressuposto do exercício da ação benéfica ou maléfica de corpos celestes sobre conjuntos imensos de pessoas formados por um duodécimo da Humanidade, se não determinando o respetivo destino em lotes, pelo menos assim o tornando mais provável em detrimento da individualidade, da originalidade e, consequentemente, da riqueza da evolução das espécies.

A esta afirmação opõem-se os que dizem que a revelação do desconhecido relativo a determinado indivíduo apenas é possível mediante recurso a um mapa astral, o que gera, para o respetivo autor, chorudos proventos e um acréscimo de credibilidade para aquilo que afirma, já que, além da proverbial ingenuidade cultivada na crendice popular, os mais simples tendem a acreditar e a confiar em tudo aquilo que vê como complicado e, sobretudo... caro, que só alguns podem pagar.

Como pode, porém, dar-se alguma credibilidade a mapas astrais baseados, simplesmente, no posicionamento relativo de uma ínfima quantidade de corpos celestes no momento do nascimento de um indivíduo, ignorando, completamente, variáveis tão importantes como a genética, a geografia e a inserção social?

Sempre poderá, é verdade, argumentar-se que, tal como cada um de nós foi plantado em diferentes circunstâncias de tempo, de meio e de lugar - cabendo-lhe, independentemente delas e em benefício dos semelhantes, desenvolver as próprias qualidades e combater os inevitáveis defeitos -, também o facto de a data do nascimento se situar neste ou naquele signo implicará uma disparidade dos desafios que, por influência astral, cada qual terá de enfrentar.

No entanto, a assim ser, a questão essencial do propósito da Criação apenas se tornará mais confusa, tudo se complicando à medida que novos parâmetros e critérios cientistas e adivinhos forem sendo capazes de imaginar; e, seja qual for o vaticínio resultante da aplicação dessa complicada teia de influências, sempre a individualidade acabará prejudicada, uma vez que, por pequenas que se tornem as fatias da população abrangida, sempre haverá mais do que uma nascida à mesma hora, do mesmo dia do mesmo ano, e no mesmo lugar.

7. Conclusão

Ao contemplar a imensidão do Cosmos face à ridícula pequenez do planeta que habitamos, não poderemos deixar de nos questionar até que ponto será legítimo e aceitável enunciar a mera hipótese de tudo aquilo nada mais servir do que o exercício de manipulação ou, pelo menos, de influência por parte de quem tudo possa ter criado, por qualquer razão que nos não é dado descortinar.

Assim não sendo, como explicar a existência de um Espaço virtualmente infinito onde, além da que encontramos na Terra, de nenhuma outra vida inteligente sabermos ainda, a não ser as que povoam o nosso imaginário e algumas obras de ficção?

Como poderemos conhecer a razão de ser do Universo, se desconhecemos até a da nossa Criação?

Validar cientificamente uma teoria astrológica, ou similar poderia ser um importante contributo para uma melhor compreensão da vida e da função que nela se espera que desempenhemos. Parecem, no entanto, inultrapassáveis até os mais próximos e elementares obstáculos a tal validação.

Resta assim, aos mais crédulos, na sua desenfreada busca da felicidade que não sabem o que é continuar a ir à bruxa, e a esbanjar rios de dinheiro a procurar debelar a angústia e os mais ou menos dramáticos estados de aflição...

(continua aqui)

sexta-feira, 13 de maio de 2022


Lisboa a Quarenta à Hora


"O que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar"

"Nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece,
quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação?
"

"Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda,
demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!",
ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar
"


Aliada aos maus tratos verbais recebidos - quer das bancadas das diversas assembleias ditas democráticas, quer de uma imprensa ávida de palavras fortes que vendam publicidade, quer, também, da ululante mole que, em manifestações sediças e rançosas a que já ninguém liga, faz coro com os dichotes cacafónicos expelidos por ferrugentos megafones -, a cada vez menos prestigiante imagem que, por muito boas razões, a generalidade da população tem da política e dos seus mais destacados agentes tem, como efeito imediato e indissociável, o progressivo desinteresse dessas andanças por parte de quem lhes poderia, ainda, emprestar uma réstia de credibilidade, de eficácia e de desinteressada dedicação.

O défice de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana que encontramos nas hordas de filisteus que, cada vez mais, vão ocupando cargos eletivos nas diversas instâncias decisórias dos destinos da Nação amiúde os leva, por sua vez, a acreditar que, se os eleitores não agem da forma cívica como, ingénua ou desesperadamente, os políticos pensam que todos os cidadãos gostariam de se comportar, tal se deve à endémica falta de condições recorrentemente apontada como desculpa já mais do que esfarrapada para quando as coisas correm mal; ou, simplesmente, não correm, como acontece nas mais das ocasiões.

Deixaram-se, assim, certos executivos mais recentes da Câmara Municipal de Lisboa convencer, anos atrás, de que a solução para certos males que apoquentam os alfacinhas e os envergonhavam e envergonham lá fora seria uma vistosa sementeira de ciclovias na Cidade das Sete Colinas, elevações estas que poucos ciclistas teriam apetência ou, até, capacidade para subir a pedalar.

No imaginário destas pessoas, de um momento para o outro os automóveis passariam a ficar na garagem, à porta de casa, ou, pelo menos, nos parques dissuasores da periferia; a circulação tornar-se-ia fluída; o estacionamento, acessível por toda a cidade; o ar, cristalino e límpido por toda a parte; e Lisboa tornar-se-ia um paraíso para os habitantes e para os exércitos de turistas que a vêm financiar.

Ora, como o português quer saber é dele mesmo e o carrinho porta-a-porta é requisito indispensável, não só àquilo que considera qualidade de vida, mas, tal como a piscina no relvado da vivenda decorada com águias ou leões, aquilo que lhe dá um status, um mais do que parolo pseudo-estatuto social, o bom resultado foi, já se sabe, o de sempre: nenhum.

- x -

Acontece, porém, que aqueles dos autodenominados políticos que não passam de impreparados e ineptos indivíduos não entendem estas coisas. Embasbacam-se, incrédulos, quando lhes dizem que o problema da boa gente lusitana não é tanto a falta de meios ou de condições, como a imensa e já estrutural falta de formação, de educação e de conhecimento da natureza humana, a mesmíssima que afeta os ditos decisores que o são apenas por estarem inscritos num ou noutro partido, por outro modo de vida não lhes terem conseguido arranjar.

Vai daí que a solução para povoar as até então ineficazes ciclovias de Lisboa passou a ser - pasme-se! - semear ainda mais algumas destas ineficazes ciclovias de Lisboa, desta vez pondo-lhes mesmo ao lado bicicletas elétricas, a fim de procurar convencer a utilizá-las quem por esses montes e vales se recusava a pedalar.

Começou, por isso, Lisboa a encher-se de ciclistas, e a ver automóveis e motorizadas desaparecer do horizonte visual e olfativo das aflitas e intoxicadas famílias da Capital? Claro que não!

O trânsito continuou caótico, nauseabundo, às zonas de estacionamento verde, amarela e encarnada vieram juntar-se a castanha e a negra - penso que, tal como operação militar especial, o termo negra ninguém irá censurar...*) -, e, tal como dantes, os níveis de poluição não param de aumentar.

Não deixa de ser verdade que, principalmente nas horas de ponta, lá circulam por essas dispendiosas ciclovias uns quantos cidadãos. Circulam, mas de forma não controlada nem fiscalizada. Circulam, mas caótica e irresponsavelmente saindo das ditas vias e pedalando sobre os passeios, ignorando semáforos, atravessando artérias à toa, assim pondo em risco a segurança dos transeuntes, às mãos e aos pés de absolutos ignorantes das disposições do Código da Estrada, que nem exame de código necessitam de fazer, para mais os atrair para cima da miraculosa e impoluta bicicleta. Para facilitar...

Feitas as contas, evidente se tornou, pois, a inutilidade de andar por aí a espalhar mais um ror de ciclovias numa terra cujos habitantes não gostam, nem alguma vez irão gostar, de pedalar.

- x -

Chegado a esta conclusão, o irresistível e inigualável prazer que o Partido da Maioria Absoluta parece experimentar sempre que estende a mão à já irrisória extrema-esquerda portuguesa redundou, uma vez mais, numa demonstração da brilhante e fulgurante demagogia a que o Partido Socialista há muito nos vem a habituar: reduzir em mais dez quilómetros por hora a velocidade máxima de circulação automóvel em Lisboa*).

Do ponto de vista da despesa, a ideia é genial, já que o custo é praticamente nulo, além de uma ou outra campanha na comunicação social. Fora isso, poucos são os sinais de trânsito que terão de ser alterados, já que se trata de uma medida de aplicação genérica, e não pontual. Assim, quando se constatar que foi mais uma ideia abstrusa que fracassou perante a monolítica falta de educação e de consciência social dos destinatários, pelo menos ninguém poderá assacar à insignificante força política proponente denominada "Livre" qualquer responsabilidade pelo custo; ou, se alguém o fizer, ela facilmente a descartará.

Mas, por que é, afinal, que a medida vai falhar?

Muito simplesmente porque, como qualquer um entende, a maior parte da poluição saída do tubo de escape não ocorre quando um veículo circula a uma velocidade estabilizada, como acontece em horas de baixa densidade de tráfego, seja essa velocidade de quarenta, de cinquenta ou, até, de oitenta quilómetros por hora: o que, verdadeiramente, polui o ar as cidades é o constante pára-arranca, as horas esquecidas passadas nos engarrafamentos, o desespero de quem vê o tempo útil esvair-se enquanto procura, em vão, um lugar para estacionar.

Quantas vezes ultrapassará os vinte ou trinta quilómetros por hora a velocidade de circulação nas horas de ponta, quando a poluição mais acontece? Nessas horas em que o ar se pinta de partículas castanhas e cinzentas enquanto os motores queimam, inutilmente, preciosas toneladas de combustível perante a impotência e incompetência camarárias para fazer face ao comodismo e à falta de educação de quem, tendo alternativa, por aí anda a circular?

- x  -

Por falar em alternativa, a alternativa disponível ao Estado e à Autarquia para por termo a este lastimável estado de coisas seria, como todos sabemos, dotar a Cidade de uma rede de transportes públicos digna desse nome. Uma rede atrativa, económica, confortável, eficiente e digna de todos os encómios que cada um de nós gostaria de lhe poder associar.

Em vez disso, e porque estas coisas são caras, levam tempo, Roma e Pavia não se fizeram num dia e toda a lista de argumentos à disposição do mamute socialista de cuja cultura é característica essencial o bem típico hábito indígena de procrastinar, temos uma rede de autocarros lenta, aborrecida, atrasada, entediada, onde abanam ao sabor das curvas milhares de portugueses que nem um carrito hiper-usado têm dinheiro para comprar, porque, se tivessem, seria nele que se iriam deslocar; e uma rede de metropolitano que, comparada com outras europeias mais parece a de um comboio de brincar. Da rede de amarelos da Carris que ficam horas parados na calçada para não arrancar o farolim de trás de um selvagem mal estacionado, nem vale a pena falar.

Os táxis, os ubers e quejandos estão pela hora da morte e poluem tanto como qualquer outro automóvel, pelo que nenhum bem a este quadro negro vêm acrescentar.

- x -

O partido extremista que propôs e, sabe-se lá como, fez o pusilânime Partido da Maioria Absoluta aprovar a ridícula e aberrante medida de reduzir ainda mais a velocidade em Lisboa, tem a liberdade no nome, mas não no coração. Tamanha e inane arbitrariedade, digna das mais abjetas ditaduras de extrema-esquerda, demonstra bem que para, enquanto extremista, ainda mais se assemelhar ao "Chega!", ao "Livre" apenas falta um ponto de exclamação ao nome acrescentar.

Qual partido de extrema-direita, não hesitou o suposto "Livre" em fazer limitar, ainda mais, aos lisboetas a liberdade e a fluidez de circulação nas horas menos complicadas, unicamente a troco da fútil esperança num protagonismo desbragado que redundasse num magro punhado de votos numa próxima eleição, e em nada contribuindo para melhorar a situação nas horas de ponta em que os trabalhadores deixam as suas casas e a elas regressam depois, com as paciências esgotadas e ansiosos por, finalmente, repousar.

A moda, tida por politicamente correta por quem apenas a sua paróquia governa, de aproveitar o mais ínfimo pretexto para, por medo da crítica ou por mais ou menos inconfessável interesse, impor, aos veículos motorizados, reduções drásticas na velocidade de circulação conduz, por vezes, a aplicações tão excessivas e descabidas que acabam por tornar o politicamente correto em eleitoralmente perigoso, dada a desrazoabilidade ou mera inutilidade das decisões tomadas, bem como o manifesto desequilíbrio entre os interesses em presença.

A bárbara redução do limite de velocidade nas cidades não é, seguramente, o caminho adequado à resolução dos prementes problemas da circulação automóvel, do estacionamento e da poluição atmosférica.

Para os eleitores, a resposta está em encontrar quem saiba, queira e tenha a coragem necessária a implementar uma eficaz, eficiente, económica e confortável rede de transportes públicos que, efetivamente, incentive a imobilização do parque automóvel por parte dos habituais utilizadores.

Como tão providencial criatura parece inexistir no qualitativamente muito limitado recheio das forças políticas atuais, inevitável se torna que despropositados cuidados paliativos como este se tornem irresistíveis para os mais incompetentes daqueles que se dedicam à governação.

Para os lisboetas, para os portugueses, os problemas do trânsito nas cidades continuarão, assim, sem solução.

Tal como o problema da poluição...

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