quinta-feira, 21 de agosto de 2025


Brief Encounter

Imagem: Wikipedia

Há pessoas, há momentos, há filmes... há coisas que, não sendo grandiosas, saem bem e, talvez por isso, acabam por tocar mais ou menos profundamente os nossos corações, e por nos fazer pensar.

"Brief Encounter" não é um grande filme: não é protagonizado por nomes gigantescos, não é uma grande produção, não é, enfim e como agora dizem, espetacular!

Com toda a simplicidade, retrata uma situação vivida sabe-se lá quantas vezes, por sabe-se lá quanta gente, com esta ou aquela variação, com este ou aquele diferente penar.

Limita-se a ser uma obra de arte, que vale a pena contemplar.

Pode ver aqui
com legendas automáticas disponíveis

sábado, 5 de julho de 2025


O Reverendo Craque, ou a Ausência do Capitão

"Quando a dor é grande, a fraqueza cede ao imparável impulso do coração!"

"Uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade,
arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás.
Saberia levar o "craque" a estar presente, a estar ali, com a família e com os verdadeiros amigos
do malogrado colega, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela morte súbita de um companheiro,
de um suposto amigo. Saberia levar alguém a quem cumpre capitanear a assumir-se e a agir,
se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão
"


Não é de agora.

Desde o tempo em que o futebol não era o que hoje é, se apresentou a Igreja Católica ao ideário dos progenitores mais desfavorecidos como um meio viável de redução das despesas do lar, enquanto instituição de acolhimento, no seminário, de um ou outro rebento de uma família mais ou menos numerosa, assim contribuindo para a melhoria da paupérrima economia familiar.

O que aliciava não era a perspetiva de fazer fortuna, como promete hoje o futebol, mas a garantia de uma vida economicamente estável e sem grandes sobressaltos emocionais. Claro que a questão da vocação, da apetência ou, mesmo, da mera aptidão para a função sacerdotal surgia como secundária - por vezes, desprezível, até -, à margem da decisão de condenar o inevitavelmente infeliz miúdo a seguir uma indesejada carreira sacerdotal.

Afinal, este abdicar da vida significava o quê, quando se tem nada numa infância miserável, e são nulas as perspetivas realistas de alguma coisa que se veja vir a ter? O que perdiam estas crianças de tenra idade condenadas à miséria e ao degredo social?

Perdiam liberdade, claro. Os jogos e brincadeiras, os "toques na bola" ao ar livre com outros miúdos, amigos ou familiares cediam, inevitavelmente, o lugar ao estudo intenso e aturado, à disciplina rígida de sacerdotes que, ao que se diz, quantas vezes os tiranizavam a ponto de explorar a sua incipiente e inocente intimidade.

Muitos dos seminaristas, quiçá a maioria, provinham, assim, de inserções sociais fortemente desfavorecidas, sendo a vertente económica manifestamente a primeira motivação parental para a opção de vida que aos rapazes era imposta, a despeito da falta de vontade e de vocação, da privação da liberdade de escolher, de brincar, de decidir, de escolher, de se relacionar de forma saudável, até no capítulo sexual.

O desfecho da história era, assim, inevitável: ou acabavam, uma vez ordenados, a induzir ou, pelo menos, a potenciar uma eventual homossexualidade latente nos jovens pupilos que lhes eram confiados para formar ou guiar espiritualmente, ou - suprema hipocrisia! - recorriam aos mais ou menos solícitos préstimos das barregãs de clérigos, assim atirando pela janela um dos pressupostos essenciais do ministério católico: a castidade. Ou eram verdadeiros "santos", claro!

Sendo presumivelmente rara a verdadeira castidade, entre a pedofilia e a clerical barreguice se vai, hoje, penosamente arrastando na lama das notícias o que resta de uma outrora dominante e respeitada Instituição, que, provavelmente, nem as reformas corajosas e as decisões aparentemente intrépidas e firmes de alguns Sumos  Pontífices conseguirão salvar.

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Mas, entremos no assunto.

Mães e pais que se prezem de o ser desejam o melhor para os seus filhos; e isto de ir para padre, embora, noutros tempos, assegurasse o sustento dos infantes a par do impacto positivo sobre os magros tostões que restavam nos tugúrios mais humildes, já não é, nos nossos dias, coisa que se veja, económica ou socialmente: já não é o "orgulho" dos papás, tenham, eles, ou não, estudado a cartilha do Doutor Spock.

Ser padre não é coisa que se mostre, nos dias que correm, nas redes sociais, na eterna montra mediática que parece ter-se tornado o principal motor de progenitores ególatras, que não param de, por tudo e por nada, pespegar na Internet imagens documentando as quantas vezes discutíveis graça e beleza daqueles que, por alguma razão, geraram e que não são tidos nem achados no consentimento da exploração das suas inocentes imagens.

A par do estigma que a associação a temas como a pedofilia vem lançando sobre a Igreja, a emergência de fontes de rendimento infinitamente mais atraentes e mediáticas, levou a que os pais que, outrora, impingiam os filhos ao cuidado e a expensas dos seminários, destes agora fujam ainda mais depressa do que o Diabo da cruz.

Vivemos numa sociedade pejada de indivíduos que passam o tempo a procurar formas eficazes de eviscerar a carteira do vizinho e de evitar que façam o mesmo às deles, sociedade essa na qual, em oposição aos pios ensinamentos da doutrina cristã, a dimensão axiológica dos objetivos de vida se mostra cada vez mais mirrada, mais exígua, enfim.

Não espanta, pois, que se encare com absoluta naturalidade a materialização da gratidão para com pais que, pelo seu pimpolho, tantos e tantos sacrifícios terão feito: a expetativa de uma suculenta derrama parental tributada sobre o resultado económico da atividade profissional daqueles que geraram, criaram e educaram, ou, a esta ou àquela "academia", entregaram para lhes dar a educação que os pais, não a tendo, não puderam dar.

Não será, porém, com o relativamente magro estipêndio de um sacerdote que, para o bolso de papás elementares e ambiciosos, alguma coisa "de jeito" um dia irá transbordar. Assim sendo, o que fazer para  rentabilizar tanto cuidado e sofrimento, real ou imaginário, dedicado aos rebentos durante os melhores anos da vida de quem os gerou?

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Ora, se há algo em que sejam competentes muitos destes miúdos - quantas vezes gerados em miseráveis tugúrios por gente que, amiúde, se reproduz sem a mais elementar noção da responsabilidade individual e social do facto - é a dar "toques na bola", "arte" que, por si só, não educa: quando muito, acendra, sem esculpir a substância que há em nós.

Uma "arte" que, tratando-se de "craques", de "heróis da Seleção", é apreciada quase universalmente, pelas mais diversas pessoas, movidas pelas mais distintas motivações: embasbacada e subserviente admiração por quem tem o que jamais poderão ter, idolatria, fanatismo, tacanhez intelectual, alarve ignorância, aparência de proximidade ou de intimidade com a vedeta, simples oportunismo político rasteiro por parte de gente sem qualquer elevação espiritual ou intelectual.

Enchem os comentadores e treinadores a boca, aos quatro ventos, com a suposta "humildade" dos futebolistas, coisa que boa parte destes nem desconfia o que seja, não passando alguns de narcísicos egocêntricos, senhores de inenarrável hipocrisia plasmada no sorriso amarelo, fabricado, cínico, com que, nos jogos "grandes", alguns balbuciam o Hino que nem sabem de cor, e entram em campo de mãos dadas com empolgadas criancinhas que neles veem aquilo que querem ser quando forem "grandes", porque os papás, avós e tios disseram que assim é que deve ser, que - para todos, é claro... - assim é melhor.

Acaso terá em si uma réstia de humildade um ególatra empado em sacos de dinheiro a pavonear-se em iates de luxo, enquanto adeptos e outros penam as mágoas de uma terrível pandemia? Será humildade, com o imoral e desproporcionado estipêndio, colecionar e ostentar automóveis milionários, com os quais qualquer fan apenas poderá sonhar? Entrajar-se, intumescido de vaidade, com o que há de mais caro, mesmo que o alfaiate não consiga disfarçar a fealdade, o ar embrutecido, que se quer escamotear? Passear, uns deles, amantes, outros, companheiras, mais ou menos influenciadoras da moda, sempre enfeitadas com a mais alta joalharia, de gosto a condizer com aquilo que são? Será humildade arrogar-se ares de quem manda em tudo e em todos, desde o "balneário" aos responsáveis pelo clube ou pela Seleção?

Será, por fim, que tão deletérias "qualidades" se deixam obnubilar ou subvalorizar perante uma técnica futebolística apurada e esforçadamente desenvolvida de, perante a tenaz oposição de mais ou menos competentes adversários, conseguir introduzir uma bola numa rede, para gáudio da população?

Poderá a valia da técnica fazer esquecer uma postura desgraçada, uma despudorada, constante  e deliberada manipulação?

Nem todos são assim. Talvez nem a maior parte seja assim. Esperemos que não.

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Pelo que dizem, o Diogo não era assim. O André, não era assim. Por isso mesmo, quando nos deixaram, causaram tanta emoção, tão sentida emoção. A família, também, certamente, assim não é, ou não poderia ter-lhes transmitido tão sólidos valores e formação.

Já noutros, uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade, arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás. Saberia levar o "craque" a estar presente, a não se escudar em desculpas esfarrapadas e malcheirosas, a estar ali, com os colegas, com a família, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela súbita extinção do companheiro, pelo estúpido desperdício da vida do filho, do amigo, do irmão. Saberia levar alguém, a quem cumpre capitanear, a dar-se ao incómodo da deslocação, a assumir-se e a agir, se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão.

Evitar, à família enlutada, a pressão mediática causada pela presença da estrela nas cerimónias fúnebres? Faz sorrir, o cinismo, a prosápia, quando quase todos os astros de um dos mais prestigiados clubes ingleses deixaram lares e resorts onde veraneavam para vir homenagear o colega e amigo. Ou, todos eles juntos, valeriam menos do que o rutilante Capitão?

Conseguiria a fama, a desmedida notoriedade da vedeta ofuscar a comoção popular, a dor da família enlutada? Claro que não!

Evitar que pressão mediática? No verdadeiro circo montado em torno da família, como e onde haveria espaço para maior pressão? Bem poderia ter ido incógnito, discreto - se ainda sabe o que isso seja... -; mesmo a tosquenejar, quiçá, da noite mal dormida, poderia ter levado uma máscara ou um capuz, ou tapado a cara com a mão. Quando a dor é grande, a fraqueza cede ao imparável impulso do coração!

No sólio de que mansão terá ficado a preguiçar? Em que estância balnear se terá ficado a bronzear? A vergonha é, agora, tanta, que alguns fanáticos já montam imagens de arquivo para forjar provas de uma inexistente deslocação! O que irá, por estes dias, na alma do tresnoitado Capitão?

Poderá haver, para a falta, uma verdadeira, legítima e absolutamente atendível explicação; mas importa, nesse caso, que seja dada sem demora.

Embora, mesmo assim, sempre fique no ar um não sei quê a lembrar... uma falta sem justificação.

In memoriam Diogo Jota e seu Irmão