sábado, 5 de julho de 2025


O Reverendo Craque, ou a Ausência do Capitão

"Quando a dor é grande, a fraqueza cede ao imparável impulso do coração!"

"Uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade,
arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás.
Saberia levar o "craque" a estar presente, a estar ali, com a família e com os verdadeiros amigos
do malogrado colega, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela morte súbita de um companheiro,
de um suposto amigo. Saberia levar alguém a quem cumpre capitanear a assumir-se e a agir,
se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão
"


Não é de agora.

Desde o tempo em que o futebol não era o que hoje é, se apresentou a Igreja Católica ao ideário dos progenitores mais desfavorecidos como um meio viável de redução das despesas do lar, enquanto instituição de acolhimento, no seminário, de um ou outro rebento de uma família mais ou menos numerosa, assim contribuindo para a melhoria da paupérrima economia familiar.

O que aliciava não era a perspetiva de fazer fortuna, como promete hoje o futebol, mas a garantia de uma vida economicamente estável e sem grandes sobressaltos emocionais. Claro que a questão da vocação, da apetência ou, mesmo, da mera aptidão para a função sacerdotal surgia como uma questão secundária - por vezes, desprezível, até -, à margem da decisão de condenar o inevitavelmente infeliz miúdo a seguir uma indesejada carreira sacerdotal.

Afinal, este abdicar da vida significava o quê, quando se tem nada numa infância miserável, e são nulas as perspetivas realistas de alguma coisa que se veja vir a ter? O que perdiam estas crianças de tenra idade condenadas à miséria e ao degredo social?

Perdiam liberdade, claro. Os jogos e brincadeiras, os "toques na bola" ao ar livre com outros miúdos, amigos ou familiares cediam, inevitavelmente, o lugar ao estudo intenso e aturado, à disciplina rígida de sacerdotes que, ao que se diz, quantas vezes os tiranizavam a ponto de explorar a sua incipiente e inocente intimidade.

Muitos dos seminaristas, quiçá a maioria, provinham, assim, de inserções sociais fortemente desfavorecidas, sendo a vertente económica manifestamente a primeira motivação parental para a opção de vida que aos rapazes era imposta, a despeito da falta de vontade e de vocação, da privação da liberdade de escolher, de brincar, de decidir, de escolher, de se relacionar de forma saudável, até no capítulo sexual.

O desfecho da história era, assim, inevitável: ou acabavam, uma vez ordenados, a induzir ou, pelo menos, a potenciar uma eventual homossexualidade latente nos jovens pupilos que lhes eram confiados para formar ou guiar espiritualmente, ou - suprema hipocrisia! - recorriam aos mais ou menos solícitos préstimos das barregãs de clérigos, assim atirando pela janela um dos pressupostos essenciais do ministério católico: a castidade. Ou eram verdadeiros "santos", claro!

Sendo presumivelmente rara a verdadeira castidade, entre a pedofilia e a clerical barreguice se vai, hoje, penosamente arrastando na lama das notícias o que resta de uma outrora dominante e respeitada Instituição, que, provavelmente, nem as reformas corajosas e as decisões aparentemente intrépidas e firmes de alguns Sumos  Pontífices conseguirão salvar.

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Mas, entremos no assunto.

Mães e pais que se prezem de o ser desejam o melhor para os seus filhos; e isto de ir para padre, embora, noutros tempos, assegurasse o sustento dos infantes a par do impacto positivo sobre os magros tostões que restavam nos tugúrios mais humildes, já não é, nos nossos dias, coisa que se veja, económica ou socialmente: já não é o "orgulho" dos papás, tenham, eles, ou não, estudado a cartilha do Doutor Spock.

Ser padre não é coisa que se mostre, nos dias que correm, nas redes sociais, na eterna montra mediática que parece ter-se tornado o principal motor de progenitores ególatras, que não param de, por tudo e por nada, pespegar na Internet imagens documentando as quantas vezes discutíveis graça e beleza daqueles que, por alguma razão, geraram e que não são tidos nem achados no consentimento da exploração das suas inocentes imagens.

A par do estigma que a associação a temas como a pedofilia vem lançando sobre a Igreja, a emergência de fontes de rendimento infinitamente mais atraentes e mediáticas, levou a que os pais que, outrora, impingiam os filhos ao cuidado e a expensas dos seminários, destes agora fujam ainda mais depressa do que o Diabo da cruz.

Vivemos numa sociedade pejada de indivíduos que passam o tempo a procurar formas eficazes de eviscerar a carteira do vizinho e de evitar que façam o mesmo às deles, e na qual, em oposição aos pios ensinamentos da doutrina cristã, a dimensão axiológica dos objetivos de vida se mostra cada vez mais mirrada, mais exígua.

Não espanta, pois, que se encare com absoluta naturalidade a materialização da gratidão para com pais que, pelo seu pimpolho, tanto e tantos sacrifícios terão feito: a expetativa de uma suculenta derrama parental tributada sobre o resultado económico da atividade profissional daqueles que geraram, criaram e educaram, ou, a esta ou àquela "academia", entregaram para lhes dar a educação que os pais, não a tendo, não puderam dar.

Não será, porém, com o relativamente magro estipêndio de um sacerdote que, para o bolso de papás elementares e ambiciosos, alguma coisa "de jeito" um dia irá transbordar. Assim sendo, o que fazer para  rentabilizar tanto cuidado e sofrimento, real ou imaginário, dedicado aos rebentos durante os melhores anos da vida de quem os gerou?

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Ora, se há algo em que sejam competentes muitos destes miúdos - quantas vezes gerados em miseráveis tugúrios por gente que, amiúde, se reproduz sem a moção da responsabilidade individual e social do facto - é a dar "toques na bola", "arte" que, por si só, não educa: quando muito, acendra, sem esculpir a substância que há em nós.

Uma "arte" que, tratando-se de "craques", de "heróis da Seleção", é apreciada quase universalmente, pelas mais diversas pessoas, movidas pelas mais distintas motivações: embasbacada e subserviente admiração por quem tem o que jamais poderão ter, idolatria, fanatismo, tacanhez intelectual, alarve ignorância, aparência de proximidade, de intimidade com a vedeta, ou simples oportunismo político rasteiro por parte de gente sem qualquer elevação espiritual ou intelectual.

Enchem os comentadores e treinadores a boca, aos quatro ventos, com a suposta "humildade" dos futebolistas, coisa que boa parte destes nem desconfia o que seja, não passando alguns de narcísicos egocêntricos, senhores de inenarrável hipocrisia plasmada no sorriso amarelo, fabricado, cínico, com que, nos jogos "grandes", alguns balbuciam o Hino que nem sabem de cor, e entram em campo de mãos dadas com empolgadas criancinhas que neles veem aquilo que querem ser quando forem "grandes", porque os papás, avós e tios disseram que assim é que deve ser, que - para todos, é claro... - assim é melhor.

Acaso terá em si uma réstia de humildade um ególatra empado em sacos de dinheiro a pavonear-se em iates de luxo, enquanto adeptos e outros penam as mágoas de uma terrível pandemia? Será humildade, com o imoral e desproporcionado estipêndio, colecionar e ostentar automóveis milionários, com os quais qualquer fan apenas poderá sonhar? Entrajar-se, intumescido de vaidade, com o que há de mais caro, mesmo que o alfaiate não consiga disfarçar a fealdade, o ar embrutecido, que se quer escamotear? Passear, uns deles, amantes, outros, companheiras, mais ou menos influenciadoras da moda, sempre enfeitadas com a mais alta joalharia, de gosto a condizer com aquilo que são? Será humildade arrogar-se ares de quem manda em tudo e em todos, desde o "balneário" aos responsáveis pelo clube ou pela Seleção?

Será, por fim, que tão deletérias "qualidades" se deixam obnubilar ou subvalorizar perante uma técnica futebolística apurada e esforçadamente desenvolvida de, perante a tenaz oposição de mais ou menos competentes adversários, conseguir introduzir uma bola numa rede, para gáudio da população?

Poderá a valia da técnica fazer esquecer uma postura desgraçada, uma despudorada, constante  e deliberada manipulação?

Nem todos são assim. Talvez nem a maior parte seja assim. Esperemos que não.

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Pelo que dizem, o Diogo não era assim. O André, não era assim. Por isso mesmo, quando nos deixaram, causaram tanta emoção, tão sentida emoção. A família, também, certamente, assim não é, ou não poderia ter-lhes transmitido tão sólidos valores e formação.

Já noutros, uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade, arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás. Saberia levar o "craque" a estar presente, a não se escudar em desculpas esfarrapadas e malcheirosas, a estar ali, com os colegas, com a família, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela súbita extinção do companheiro, pelo estúpido desperdício da vida do filho, do amigo, do irmão. Saberia levar alguém, a quem cumpre capitanear, a dar-se ao incómodo da deslocação, a assumir-se e a agir, se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão.

Evitar, à família enlutada, a pressão mediática causada pela presença da estrela nas cerimónias fúnebres? Faz sorrir, o cinismo, a prosápia, quando quase todos os astros de um dos mais prestigiados clubes ingleses deixaram lares e resorts onde veraneavam para vir homenagear o colega e amigo. Ou, todos eles juntos, valeriam menos do que o rutilante Capitão?

Conseguiria a fama, a desmedida notoriedade da vedeta ofuscar a comoção popular, a dor da família enlutada? Claro que não!

Evitar que pressão mediática? No verdadeiro circo montado em torno da família, como e onde haveria espaço para maior pressão? Bem poderia ter ido incógnito, discreto - se ainda sabe o que isso seja... -; mesmo a tosquenejar, quiçá, da noite mal dormida, poderia ter levado uma máscara ou um capuz, ou tapado a cara com a mão. Quando a dor é grande, a fraqueza cede ao imparável impulso do coração!

No sólio de que mansão terá ficado a preguiçar? Em que estância balnear se terá ficado a bronzear? A vergonha é, agora, tanta, que alguns fanáticos já montam imagens de arquivo para forjar provas de uma inexistente deslocação! O que irá, por estes dias, na alma do tresnoitado Capitão?

Poderá haver, para a falta, uma verdadeira, legítima e absolutamente atendível explicação; mas importa, nesse caso, que seja dada sem demora.

Embora, mesmo assim, sempre fique no ar um não sei quê a lembrar... uma falta sem justificação.

In memoriam Diogo Jota e seu Irmão

Se não concorda, comente. Se concorda... comente também!

sábado, 22 de março de 2025


A Falácia da Maioria Absoluta

Resulta uma eventual maioria absoluta apenas de uma anormalmente ampla convergência de opiniões quanto à lista escolhida - e não do facto de os votantes expressamente terem pretendido ser governados em tal maioria

"Os votantes não podem, de modo algum, ser aqui responsabilizados pelo resultado
porque, simplesmente, ninguém lhes perguntou o que queriam

"Contraria-se assim, manifestamente, a vontade popular: perverte-se, pela via eleitoral,
a própria essência da democracia que a mesma via deveria servir


É sempre assim, quando se fala em eleições: alguém começa a pedir maioria absoluta, e outrem a pedir que não a demos a quem a pede. Uns, com o argumento da necessidade de estabilidade política e económica, os outros com o do risco inerente às inevitáveis manifestações mais ou menos ditatoriais na governação por partidos assim alcandorados no poder.

Passadas as eleições, se a dita maioria acontece e as coisas correm bem, vá de se vangloriar os que governam; se corre mal, é ouvir da deleitada oposição o inevitável “nós bem dissemos” - expressão que, na boca de alguns, chega a parecer mais gratificante para quem a profere do que o teria sido o contrário da desgraça que possa ter acontecido.

Em qualquer caso, a vanglória ou a censura  sempre vem acompanhada de “os Portugueses quiseram”, ou “os Portugueses não deixaram”.

Os Portugueses! Disparate!

Os Portugueses nada tiveram a ver com isso! Estes velhos chavões, além de estafados, são absolutamente falsos, resultando pouco séria a tentativa que exprimem de responsabilizar os eleitores pelos efeitos de uma eventual maioria absoluta, ou da sua inexistência.

Os votantes não podem, de modo algum, ser aqui responsabilizados pelo resultado porque, simplesmente, ninguém lhes perguntou se queriam ser governados em maioria absoluta: a vontade que exprimiram no boletim resume-se, afinal, à escolha da lista de candidatos que cada um entende que deverá vencer a eleição, resultando uma eventual maioria absoluta apenas de uma anormalmente ampla convergência de opiniões quanto à lista escolhida - e não do facto de os votantes expressamente terem pretendido ser governados em tal maioria.

Por outras palavras: a maioria absoluta é obra do acaso, e não da manifestação claramente expressa da vontade dos votantes; e é assim, simplesmente, porque ninguém lhes perguntou!

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Ainda que o povo não queira que, de determinado ato eleitoral, resulte uma maioria absoluta, o sistema eleitoral impõe-na como fruto de uma fortuita concentração anormal de votos que os Constituintes de 1975 não previram, e nenhuma das subsequentes revisões da Lei Fundamental contemplou.

De facto, ainda hoje se lê, no número 5 do seu artigo 113º, que “a conversão dos votos em mandatos far-se-á de harmonia com o princípio da representação proporcional”. Esta ideia é complementada pelo número 1 do artigo 149º, segundo o qual “os Deputados são eleitos por círculos eleitorais geograficamente definidos na lei (…), por forma a assegurar o sistema de representação proporcional e o método da média mais alta de Hondt na conversão dos votos em número de mandatos”.

Ou seja: no boletim de voto, ninguém afirma, claramente, que pretende ser governado por um único e dominante partido. A despeito de qual possa ser a vontade popular, nos termos da Constituição e da Lei, tal apenas acontece, ou não. Por mero acaso, ainda que à revelia da vontade popular.

Que assim é, facilmente se comprova pelas conclusões de sondagens em que os inquiridos são convidados a informar se pretendem que o seu partido de eleição deverá, ou não, governar sozinho. Nesta*), por exemplo, se revela que mais de quatro quintos dos portugueses não pretende uma maioria absoluta a governá-los, embora, no atual sistema eleitoral, não tenham como evitá-la caso a contagem dos votos o determine. Contraria-se assim, manifestamente, a vontade popular: perverte-se, pela via eleitoral, a própria essência da democracia que a mesma via deveria servir.

O caso da maioria absoluta saída da eleição de 2022 para a Assembleia da República apresenta-se como um bom exemplo desta perversão do direito de escolher: o temor de uma votação expressiva no Chega, aliado ao notório desnorte de um Partido Social Democrata então titubeante, terá levado a uma votação maciça no Partido Socialista, a qual acabaria por resultar numa maioria absoluta que nem ele, aparentemente, esperava; e, a fazer fé nos 83% de portugueses que nas sondagens se afastaram de tal desiderato, nem os eleitores pretendiam.

Houve maioria absoluta em 2022, quando mais de quatro quintos dos eleitores a não queriam!

É a isto que se chama "democracia"?

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Absolutismo e democracia são, à partida, conceitos incompatíveis. Por isso mesmo, o poder quase absoluto com que, em maioria absoluta, é mandatado um partido político ou coligação apenas deve ser conferido mediante a vontade expressa dos eleitores, e a sua recusa através da expressão, pelos mesmos, da vontade do contrário.

Adotámos, todavia, – e muitos outros connosco - um mecanismo eleitoral em que se impõe ou nega maiorias absolutas à revelia da vontade dos eleitores, o que, inequivocamente, viola o princípio do “respeito da vontade do povo português” consagrado no preâmbulo da Constituição.

Não tem de ser assim!  Não deve ser assim!

Maioria absoluta de votos é coisa diferente de maioria absoluta de deputados: esta é a que verdadeiramente conta, e não parece acertado deixá-la ao sabor de um resultado meramente acidental obtido na eleição!

A observância estrita da decisão do eleitorado - e, consequentemente, a legitimação da sua plena responsabilização – apenas se viabilizará se, do boletim de voto, constar a pergunta “Deve a lista vencedora governar com maioria absoluta?”, ou outra de semelhante teor, seguida de duas caixas de validação facultativa: SIM e NÃO.

Só assim estaremos, ao votar, a expressar, inequívoca e deliberadamente, a vontade de conceder, ou não, tal maioria: quem dela fosse adepto votaria SIM, quem não fosse votaria NÃO; e, no caso de indiferença, ambas as caixas em branco ficariam.

Contados os votos, se ganhasse o SIM mas a lista vencedora não tivesse ultrapassado os cinquenta por cento dos eleitos, automaticamente seria atribuído à lista vencedora o mínimo necessário para formar maioria, rateando-se os sobrantes pelas restantes listas, na proporção dos votos obtidos - com ou sem a aplicação do Método de Hondt. Ganhando o NÃO mas tendo a mesma lista ultrapassado a metade dos votos, seriam estes reduzidos até metade menos um dos eleitos, distribuindo-se, daqueles, os sobrantes pelas restantes listas.

(Um aperfeiçoamento importante deste modelo seria a adoção preferencial da pergunta “Deve a lista em que votou governar com maioria absoluta?. No entanto, a necessidade de associar a resposta unicamente à lista votada no mesmo boletim complicaria excessivamente a contagem dos votos, a ponto de a tornar impraticável até à plena adoção do voto eletrónico)

Esta inovadora forma de eleger o Parlamento, uma assembleia ou câmara municipal ou junta de freguesia, não beliscaria, de forma alguma, a essência da democracia, uma vez que continuaria a ser a vontade soberana do povo a decidir, já não apenas QUEM governaria, mas COMO, com que força e autonomia governaria. Bem pelo contrário: ao tornar bem mais clara e pura a expressão da vontade popular, substancialmente a reforçaria!

Então, sim: o aumentado poder de decisão do eleitorado permitiria responsabilizá-lo, fundadamente, pelos males ou benefícios de uma eventual maioria absoluta, ou da falta dela.

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Será assim tão difícil de implementar o que aqui se propõe?

Claro que a eleição de deputados por cada distrito não facilita, mas a prestimosa colaboração de credenciados matemáticos permitiria, certamente, ultrapassar os obstáculos e tornar Portugal o país pioneiro de uma abordagem verdadeiramente democrática da eleição.

Não sejamos, porém, ingénuos a ponto de acreditar na viabilização futura desta prática, nem imaginemos que nada disto ocorreu, já - amiúde, até - aos responsáveis políticos: o principal obstáculo à implementação do que aqui se preconiza não é a imposição constitucional quanto à simples e direta proporcionalidade - facilmente ultrapassada numa revisão constitucional -, nem o facto de ninguém se ter lembrado desta nova forma de eleger em democracia.

Sucede, antes, que, para aprovar a alteração às normas constitucionais, seria necessário o amplo consenso dos partidos mais votados, precisamente aqueles que mais teriam a perder com a alteração do sistema eleitoral, ou não se opusessem, atualmente, oitenta por cento dos portugueses a uma maioria absoluta. É que a apetência pelo poder absoluto é grande, e as maiorias também absolutas são, em democracia, a única forma de o conseguir.

Não obstante, e pelo que possa valer, aqui fica a proposta, que é, também, um desafio.

Afinal, por que não aproveitar agora, quando a dispersão de votos praticamente impede a formação de maiorias absolutas no Parlamento, para alterar a Constituição por forma a acomodar o novo modelo?

A maioria absoluta é uma variável decisiva em qualquer governação que dela beneficie. Não faz, assim, qualquer sentido deixá-la depender de um mero acaso. Deve, antes, depender, unicamente, da vontade expressa e bem explícita dos eleitores.