"Quando a dor é grande, a fraqueza cede ao imparável impulso do coração!"
"Uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade,
arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás.
Saberia levar o "craque" a estar presente, a estar ali, com a família e com os verdadeiros amigos
do malogrado colega, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela morte súbita de um companheiro,
de um suposto amigo. Saberia levar alguém a quem cumpre capitanear a assumir-se e a agir,
se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão"
Afinal, este abdicar da vida significava o quê, quando se tem nada numa infância miserável, e são nulas as perspetivas realistas de alguma coisa que se veja vir a ter? O que perdiam estas crianças de tenra idade condenadas à miséria e ao degredo social?
Perdiam liberdade, claro. Os jogos e brincadeiras, os "toques na bola" ao ar livre com outros miúdos, amigos ou familiares cediam, inevitavelmente, o lugar ao estudo intenso e aturado, à disciplina rígida de sacerdotes que, ao que se diz, quantas vezes os tiranizavam a ponto de explorar a sua incipiente e inocente intimidade.
Muitos dos seminaristas, quiçá a maioria, provinham, assim, de inserções sociais fortemente desfavorecidas, sendo a vertente económica manifestamente a primeira motivação parental para a opção de vida que aos rapazes era imposta, a despeito da falta de vontade e de vocação, da privação da liberdade de escolher, de brincar, de decidir, de escolher, de se relacionar de forma saudável, até no capítulo sexual.
O desfecho da história era, assim, inevitável: ou acabavam, uma vez ordenados, a induzir ou, pelo menos, a potenciar uma eventual homossexualidade latente nos jovens pupilos que lhes eram confiados para formar ou guiar espiritualmente, ou - suprema hipocrisia! - recorriam aos mais ou menos solícitos préstimos das barregãs de clérigos, assim atirando pela janela um dos pressupostos essenciais do ministério católico: a castidade. Ou eram verdadeiros "santos", claro!
Sendo presumivelmente rara a verdadeira castidade, entre a pedofilia e a clerical barreguice se vai, hoje, penosamente arrastando na lama das notícias o que resta de uma outrora dominante e respeitada Instituição, que, provavelmente, nem as reformas corajosas e as decisões aparentemente intrépidas e firmes de alguns Sumos Pontífices conseguirão salvar.
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Mas, entremos no assunto.
Mães e pais que se prezem de o ser desejam o melhor para os seus filhos; e isto de ir para padre, embora, noutros tempos, assegurasse o sustento dos infantes a par do impacto positivo sobre os magros tostões que restavam nos tugúrios mais humildes, já não é, nos nossos dias, coisa que se veja, económica ou socialmente: já não é o "orgulho" dos papás, tenham, eles, ou não, estudado a cartilha do Doutor Spock.
Ser padre não é coisa que se mostre, nos dias que correm, nas redes sociais, na eterna montra mediática que parece ter-se tornado o principal motor de progenitores ególatras, que não param de, por tudo e por nada, pespegar na Internet imagens documentando as quantas vezes discutíveis graça e beleza daqueles que, por alguma razão, geraram e que não são tidos nem achados no consentimento da exploração das suas inocentes imagens.
A par do estigma que a associação a temas como a pedofilia vem lançando sobre a Igreja, a emergência de fontes de rendimento infinitamente mais atraentes e mediáticas, levou a que os pais que, outrora, impingiam os filhos ao cuidado e a expensas dos seminários, destes agora fujam ainda mais depressa do que o Diabo da cruz.
Vivemos numa sociedade pejada de indivíduos que passam o tempo a procurar formas eficazes de eviscerar a carteira do vizinho e de evitar que façam o mesmo às deles, e na qual, em oposição aos pios ensinamentos da doutrina cristã, a dimensão axiológica dos objetivos de vida se mostra cada vez mais mirrada, mais exígua.
Não espanta, pois, que se encare com absoluta naturalidade a materialização da gratidão para com pais que, pelo seu pimpolho, tanto e tantos sacrifícios terão feito: a expetativa de uma suculenta derrama parental tributada sobre o resultado económico da atividade profissional daqueles que geraram, criaram e educaram, ou, a esta ou àquela "academia", entregaram para lhes dar a educação que os pais, não a tendo, não puderam dar.
Não será, porém, com o relativamente magro estipêndio de um sacerdote que, para o bolso de papás elementares e ambiciosos, alguma coisa "de jeito" um dia irá transbordar. Assim sendo, o que fazer para rentabilizar tanto cuidado e sofrimento, real ou imaginário, dedicado aos rebentos durante os melhores anos da vida de quem os gerou?
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Ora, se há algo em que sejam competentes muitos destes miúdos - quantas vezes gerados em miseráveis tugúrios por gente que, amiúde, se reproduz sem a moção da responsabilidade individual e social do facto - é a dar "toques na bola", "arte" que, por si só, não educa: quando muito, acendra, sem esculpir a substância que há em nós.
Uma "arte" que, tratando-se de "craques", de "heróis da Seleção", é apreciada quase universalmente, pelas mais diversas pessoas, movidas pelas mais distintas motivações: embasbacada e subserviente admiração por quem tem o que jamais poderão ter, idolatria, fanatismo, tacanhez intelectual, alarve ignorância, aparência de proximidade, de intimidade com a vedeta, ou simples oportunismo político rasteiro por parte de gente sem qualquer elevação espiritual ou intelectual.
Enchem os comentadores e treinadores a boca, aos quatro ventos, com a suposta "humildade" dos futebolistas, coisa que boa parte destes nem desconfia o que seja, não passando alguns de narcísicos egocêntricos, senhores de inenarrável hipocrisia plasmada no sorriso amarelo, fabricado, cínico, com que, nos jogos "grandes", alguns balbuciam o Hino que nem sabem de cor, e entram em campo de mãos dadas com empolgadas criancinhas que neles veem aquilo que querem ser quando forem "grandes", porque os papás, avós e tios disseram que assim é que deve ser, que - para todos, é claro... - assim é melhor.
Acaso terá em si uma réstia de humildade um ególatra empado em sacos de dinheiro a pavonear-se em iates de luxo, enquanto adeptos e outros penam as mágoas de uma terrível pandemia? Será humildade, com o imoral e desproporcionado estipêndio, colecionar e ostentar automóveis milionários, com os quais qualquer fan apenas poderá sonhar? Entrajar-se, intumescido de vaidade, com o que há de mais caro, mesmo que o alfaiate não consiga disfarçar a fealdade, o ar embrutecido, que se quer escamotear? Passear, uns deles, amantes, outros, companheiras, mais ou menos influenciadoras da moda, sempre enfeitadas com a mais alta joalharia, de gosto a condizer com aquilo que são? Será humildade arrogar-se ares de quem manda em tudo e em todos, desde o "balneário" aos responsáveis pelo clube ou pela Seleção?
Será, por fim, que tão deletérias "qualidades" se deixam obnubilar ou subvalorizar perante uma técnica futebolística apurada e esforçadamente desenvolvida de, perante a tenaz oposição de mais ou menos competentes adversários, conseguir introduzir uma bola numa rede, para gáudio da população?
Poderá a valia da técnica fazer esquecer uma postura desgraçada, uma despudorada, constante e deliberada manipulação?
Nem todos são assim. Talvez nem a maior parte seja assim. Esperemos que não.
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Pelo que dizem, o Diogo não era assim. O André, não era assim. Por isso mesmo, quando nos deixaram, causaram tanta emoção, tão sentida emoção. A família, também, certamente, assim não é, ou não poderia ter-lhes transmitido tão sólidos valores e formação.
Já noutros, uma humildade verdadeiramente "humilde" saberia, nas horas difíceis, na hora da verdade, arredar a inveja, o receio de ser ultrapassado, os complexos de quem a idade vai deixando para trás. Saberia levar o "craque" a estar presente, a não se escudar em desculpas esfarrapadas e malcheirosas, a estar ali, com os colegas, com a família, nas horas de dor, de estupefação, de incredulidade pela súbita extinção do companheiro, pelo estúpido desperdício da vida do filho, do amigo, do irmão. Saberia levar alguém, a quem cumpre capitanear, a dar-se ao incómodo da deslocação, a assumir-se e a agir, se não como um bom e "humilde" colega e amigo, pelo menos como um verdadeiro Capitão.
Evitar, à família enlutada, a pressão mediática causada pela presença da estrela nas cerimónias fúnebres? Faz sorrir, o cinismo, a prosápia, quando quase todos os astros de um dos mais prestigiados clubes ingleses deixaram lares e resorts onde veraneavam para vir homenagear o colega e amigo. Ou, todos eles juntos, valeriam menos do que o rutilante Capitão?
Conseguiria a fama, a desmedida notoriedade da vedeta ofuscar a comoção popular, a dor da família enlutada? Claro que não!
Evitar que pressão mediática? No verdadeiro circo montado em torno da família, como e onde haveria espaço para maior pressão? Bem poderia ter ido incógnito, discreto - se ainda sabe o que isso seja... -; mesmo a tosquenejar, quiçá, da noite mal dormida, poderia ter levado uma máscara ou um capuz, ou tapado a cara com a mão. Quando a dor é grande, a fraqueza cede ao imparável impulso do coração!
No sólio de que mansão terá ficado a preguiçar? Em que estância balnear se terá ficado a bronzear? A vergonha é, agora, tanta, que alguns fanáticos já montam imagens de arquivo para forjar provas de uma inexistente deslocação! O que irá, por estes dias, na alma do tresnoitado Capitão?
Poderá haver, para a falta, uma verdadeira, legítima e absolutamente atendível explicação; mas importa, nesse caso, que seja dada sem demora.
Embora, mesmo assim, sempre fique no ar um não sei quê a lembrar... uma falta sem justificação.
In memoriam Diogo Jota e seu Irmão
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