"Inexistindo tal identidade [de competências], a suposta igualdade de
oportunidades
sempre resultará em claro e inconstitucional abuso de
ilegitimamente invocados direitos,
já que não apenas implicará um
efetivo logro das legítimas expetativas do eleitorado,
como privará do
não menos legítimo direito a ocupar o cargo
aqueles entre os quais
possam manifestar-se tais competências e aptidões"
1. Qualquer Um é Candidato?
2. Desiguais Competências Geram Ilusória Igualdade
3. Requisitos Mínimos de Instrução
4. Da Dignidade do Alto Cargo de Presidente da República
Portuguesa
5. Comparação com Outros Órgãos de Soberania
6. Mofa Despudorada
7. Limitação Abusiva
8. Propostas
1. Qualquer Um É Candidato?
Uma breve mirada a certas candidaturas à eleição para Presidente da República
Portuguesa, quase nos leva a crer que a importante questão da capacidade
eleitoral passiva parece, cada vez mais, unicamente ligada à maior ou menor
facilidade em recolher assinaturas de proponentes do que, como cumpriria, à
aptidão para o exercício do alto cargo que cada candidato se propõe
desempenhar.
Tal ideia fica, substancialmente, reforçada quando, questionado quanto à
sua efetiva capacidade para o eficaz cumprimento do mandato, um candidato -
admitamos que com desadequada ingenuidade - responde, sem hesitar, que isso
da competência não tem qualquer importância, uma vez que nas altas funções
sempre se faria assessorar. Nem se apercebe, pelos vistos, tão
lustrada pessoa de que, se o assessor é que é competente, deverá ser este, e
não aquela, o candidato, nenhuma falta assim fazendo no alto magistério, à
República, o autor de tão brilhante conclusão.
Talvez seja verdade que, como há algum tempo ouvi no cinema, “às vezes são as pessoas de quem nada se espera, que fazem as coisas que
ninguém consegue imaginar”; mas não, certamente, pessoas tão impreparadas como quem tão corajosa e
brilhante posição se não coíbe de sustentar.
A dignidade do cargo de Presidente da República exige que seja ocupado por
alguém cuja superioridade de espírito seja inquestionável e cuja postura
assegure a manutenção e, até, a elevação da dignidade do posto: não pode ser
aviltada por candidaturas de qualquer comediante involuntário ou acidental,
amador ou profissional, mas sem habilitações literárias mínimas ou,
porventura, até com patente insuficiência intelectual; tampouco
por candidaturas de indivíduos sem qualquer convicção política além da
permanente exaltação da própria imagem, seja por mera prosápia, seja com
inconfessáveis fins de valorização económica da mesma; e isto é transversal
a qualquer profissão, e desde cidadãos que mal aprenderam a ler até letrados
e intelectualoides sem estrutura moral ou política, passando pela
aspiração à Presidência por parte de espalhafatosos e deseinteressantes
apresentadores de programas pimba na televisão*), histriónicos e
principescamente pagos, que não hesitam em, como se de rascunhos se tratasse,
desonrar, rasgar contratos que valem milhões. Isto, para não falar daqueles
que, um pouco por todo o Mundo, sem qualquer mérito ou aptidão, acabam por ser
eleitos apenas pelo alarido partidário, pelo marketing, pela falta
de alternativa credível ou para operar em função de quem lá em casa lhes dá as
instruções.
Tais candidaturas de pessoas manifestamente mal preparadas, seja do ponto
de vista intelectual, seja do cultural ou do educacional, insultam o
trabalho e o esforço de quantos – por vezes oriundos de meios bem
desfavorecidos – durante toda uma vida se prepararam para uma ação política
sustentável e consistente e se vêm, agora, igualados ou, mesmo,
ultrapassados por desenfreados arrivistas, ansiosos pela exaltação do ego de
um à custa da paciência e do património de todos.
2. Desiguais Competências Geram Ilusória Igualdade
A igualdade de oportunidades é um ativo inestimável da democracia quando
aplicada a cidadãos identicamente competentes para o
desempenho de uma mesma função e, sob todos os aspetos, identicamente aptos ao mesmo. Todavia, inexistindo tal identidade, a suposta
igualdade de oportunidades sempre resultará em claro e inconstitucional
abuso de ilegitimamente invocados direitos, já que não apenas implicará um
efetivo logro das legítimas expetativas do eleitorado, como privará do não
menos legítimo direito a ocupar o cargo aqueles entre os quais possam
manifestar-se tais competências e aptidões.
Quem ainda não tem trinta e cinco anos, espera uns anitos e há de vir a
tê-los; quem não tem habilitações, estuda uns anitos e há de vir a tê-las -
a menos que lhe falte, mesmo, aquilo que a qualquer um é necessário para as
obter e cuja falta impossibilita, objetiva e inevitavelmente, num Estado de
Direito a ascensão a tão alto e exigente cargo.
Assim, a peregrina ideia de pugnar pela eliminação do
limite mínimo de idade de trinta e cinco anos para que um cidadão
português possa candidatar-se à Presidência da República*) – passando a poder fazê-lo ao completar os dezoito anitos que o tiram do colo
dos papás ou dos avós - só pode vir da cabeça de quem não faz a mais pequena
ideia do que diz, numa clara demonstração de inadequabilidade do próprio para
o desempenho do cargo; ou por parte de quem, temendo que algum outro
critério que lhe seja desfavorável ou impeditivo venha a ser introduzido na
Lei Fundamental, se antecipe propondo a eliminação do único filtro de índole
pessoal que, atualmente, nela diferencia o candidato a Presidente da República
dos candidatos a outros cargos públicos.
O mesmo acontece, necessariamente, no que diz respeito à ideia de
pretender que jovens integrem o Conselho de Estado: *) os jovens existem, não para dar conselhos, mas para os tomar,
para a sua vida futura, de quem já há mais tempo por ela passa. Jovens no
órgão consultivo do Presidente da República poderiam, é certo, trazer à
política contributos criativos e ideias inovadoras, mas podem muito bem fazer
isso mesmo nas
juventudes partidárias*), que para isso mesmo existem: para divulgar as primícias dos que, quiçá, um
dia nos hão de governar.
O Presidente necessita de conselhos, e não de ideias. Alguém que não saiba
a diferença entre uns e outras, precisará, talvez, de a própria educação
empenhadamente aprimorar.
3. Requisitos Mínimos de Instrução
Quem tantas e tão interessantes alterações propõe, mais
não faz, como deve ser evidente, do que contribuir para a completa
desvalorização do ideal de serviço público. Ninguém deve servir seja onde
for porque, supostamente, de tal tem o direito ou
a vontade - ou acha que sim e por que não? -, mas por
entender que está entre os mais aptos a prestar esse serviço, a desempenhar
essa função. Se um ou outro infeliz o não entende, a Constituição que lho
diga, já que os eleitores devem ter, do Estado, uma razoável mas
expressiva garantia de competência por parte de quem se candidata ao alto
lugar, como, aliás, a qualquer lugar de qualquer organização, e ao de
Presidente da República por maioria de razão.
Em democracia, “
o povo é quem mais ordena”
*), sim; mas ordena no voto, e importa, sobremaneira que, sobretudo na
eleição presidencial, esse voto incida, inevitavelmente, em pessoa que
detenha as necessárias qualificações e aptidões - tanto quanto,
objetivamente, seja possível apurar.
Ao fixar a idade mínima em trinta e cinco anos, a própria Constituição está
a criar o precedente da exigência de qualificações diferenciadas, ao
estabelecer que, antes de mais sob o ponto de vista da maturidade
desejavelmente associável à idade, nem todos os indivíduos são igualmente
competentes para a função. Ora, parece recomendar o mais elementar bom senso
que, além do limite de idade, se fixe balizas complementares suficientemente objetivas, como, por exemplo
requerer, no mínimo o ensino secundário completo ou, até, o primeiro grau do
ensino superior para que alguém possa candidatar-se à eleição.
O facto de alguém não ter podido estudar por deficiência económica – e de,
mais tarde, mesmo tendo tido essa possibilidade, ter, porventura, decidido
não a aproveitar – de modo nenhum afasta a conclusão pela
incapacidade objetiva para o desempenho do cargo; e, não a afastando,
torna fortemente abusiva a invocação do princípio da igualdade, seja com que
fundamento for.
Ninguém merece ser Presidente da República só porque lhe
dá na gana: ou se está habilitado a exercer o cargo, ou não.
Pela minha parte, também gostaria de poder tratar doentes, mas, para tal
não me tendo formado ou preparado, ninguém me deixaria - e muito bem! -
pôr-lhes a mão.
4. Da Dignidade do Alto Cargo de Presidente da República Portuguesa
Questão não menos essencial é a da idoneidade, designadamente por parte de
prospetivos candidatos apontados, por um magistrado como tendo vendido a
própria personalidade ou mercadejado com um alto cargo anteriormente
desempenhado - independentemente do rigor técnico-jurídico da decisão.
Sem prejuízo do princípio sagrado da presunção de inocência, há que dizer
que, atenta a especificidade do cargo de Presidente da República, o eventual
benefício em mandatar – ou deixar candidatar-se - pessoa eventualmente
competente, mas sobre a qual impendam fundadas suspeitas de prática de
crimes cometidos no exercício de funções públicas, seria largamente
subjugado pelo provável dano irreparável que, ainda que por uma mera questão
de imagem, a ascensão ao mais alto cargo da República não deixaria de causar
a esta, assim comprometendo a proporcionalidade e o equilíbrio de forma
evidente até ao mais desinformado dos cidadãos.
Que partidos políticos aparentemente mais atrativos para indivíduos com tal
perfil ou intenções se ralem pouco com os danos que a atuação criminosa
deles possa causar-lhes, não será de estranhar, mormente quando tais pessoas
representem um capital de votos considerável; mas, no caso da República, há
que introduzir na Constituição norma que limite a capacidade eleitoral
passiva de anunciados ou esperados candidatos entretanto arguidos por
suspeitas da prática de crime grave ou de crime cometido no exercício de
funções públicas.
Considerar, sequer, a possibilidade de eleição de gente nestas condições,
mais não será do que achincalhar o Estado que todos somos, apenas por se não
haver travado a tempo uma catástrofe que, há muito, poderá estar a
anunciar-se com crescente, porquanto encapotado, vigor.
5. Comparação com Outros Órgãos de Soberania
Pode, sem dúvida, argumentar-se que também para que alguém possa
candidatar-se ou ser nomeado para outros cargos políticos deveriam ser
exigidas idênticas qualificações.
Em boa verdade, não faz, de facto, grande sentido que no Parlamento – o
local onde, por excelência, se fala, se parla – tantos deputados haja
que, ou não falam, ou não sabem fazê-lo sem ler as palavras de quem lhes
escreve aqueles paupérrimos, intermináveis e sensaborões aranzéis (havendo,
até, muito quem nem numa comissão de inquérito seja incapaz de falar sem
ler). Não fará, também, sentido que para lá sejam eleitas pessoas
que não conseguem assegurar à fala a indispensável entoação e fluidez,
acabando por barbaramente torturar os seus pares e quantos pela televisão
seguem os trabalhos, com balbucios quantas vezes impossíveis de descodificar.
Não obstante - e discursos à parte - no que se refere à responsabilidade, o
deputado eleito não passa de um elemento de um coletivo que decide por
maioria, assim ficando bastante diluídos e controlados os eventuais efeitos
nefastos da eventual incompetência ou irresponsabilidade individual. O mesmo
podendo dizer-se de um Primeiro Ministro, cuja atividade é influenciável e,
de alguma forma, sindicável pelo Conselho de Ministros, para já não falar do
exercício de algum controlo por outros órgãos de soberania.
Também no desempenho de funções autárquicas a questão da capacidade
individual não é tão premente - exceto, porventura, no que se refere às
maiores câmaras municipais -, uma vez que a quantidade de governados é bem
menor, a autonomia mais restrita e supostamente mais controlada, além do
que, no caso das mais pequenas juntas de freguesia, quase basta eleger quem
consiga governar as coisas do clube lá da terra ou, até, a economia do
lar. Isto, mesmo não havendo muitos capazes de o fazer bem ou
que, sendo-o, estejam interessados em fazê-lo ou estejam nas boas graças
deste partido ou daquele – já que, ao que parece, as candidaturas
espontâneas são cada vez mais malquistas neste nosso torrão natal. Isto,
apesar de não deixar de ser preocupante que, em entrevista recente a um
programa humorístico, um dos principais candidatos ter afirmado que "quero muito ser presidente da Câmara Municipal de Lisboa", o que permitirá, facilmente, questionarmo-nos quanto à ténue fronteira
entre o espírito de missão e o querer, a ambição individual.
Caso bem diferente, e apesar da natureza semipresidencialista do regime, é
o do Presidente da República, o único português que, simultaneamente,
“garante a independência nacional, a unidade do Estado e o regular
funcionamento das instituições democráticas e é, por inerência, Comandante
Supremo das Forças Armadas”.
Não nos esqueçamos de que a intensidade do risco tende a variar no sentido
inverso da quantidade de decisores - apenas um, no caso que aqui nos ocupa -
donde a enormidade do risco de um mandato conferido a um cidadão
notoriamente inadequado, risco tremendo que a Constituição deveria,
sensatamente, anular, para, evitar que mais tarde e como recentemente
aconteceu lá mais a Oeste e na outra margem do Atlântico,
ninguém tenha a mais pálida ideia de como a situação resolver.
6. Mofa Despudorada
Se um qualquer palerma que recolha menos de uma dúzia assinaturas – das
quais, ainda por cima, apenas metade delas válidas – puder, impunemente,
propor-se desempenhar as funções de Presidente da República Portuguesa,
teremos o cargo banalizado e a secretaria do Tribunal atulhada com a rápida
e incontrolável proliferação de candidaturas sem qualquer sustentação
política ou base social. Isto, para não falar do belo maço de
folhas agrafadas que, para cada um lá poder ter a carantonha impressa, acabaria por ter cada
boletim eleitoral*).
Pegando a moda, podem estas candidaturas chegar, até, aos largos milhares,
só porque alguém acha giro mostrar aos amigos ou aos netos
que também é ou foi candidato; ou considera in ter o
retrato impresso num boletim eleitoral; ou porque algum canal de televisão
ávido de maior receita publicitária decidiu explorar, através da produção de
mais um concurso popularucho, o filão de desafiar os telespetadores a ver
quem consegue reunir mais assinaturas para se candidatar.
Não será tempo de travar a falta de vergonha de um ou outro despudorado
narcisista entretido a gozar com a cara de cada um dos restantes
portugueses?
Não confundamos a eleição presidencial com o campeonato da Primeira Liga,
com a Taça de Portugal ou com um daqueles concursos em que os concorrentes,
mais a família toda e mais a gente da terra vão mostrar-se na
televisão.
Impõe-se haver mecanismos constitucionais e legais que cortem cerces as
investidas de quem mais não pretende do que brincar com estas muito sérias
coisas da eleição.
7. Limitação Abusiva
Se o eleitorado decidiu reconduzi-lo no cargo, em tais circunstâncias
qualquer limitação de poderes, além de potencialmente contraproducente,
nenhum sentido me parece fazer, pelo que entendo que o tema merecerá, pelo
menos, aprofundada reflexão.
8. Propostas
Constitui obrigação do legislador e de todos os cidadãos preservar, dentro
do que é objetivamente possível, a dignidade do mais alto magistrado de uma
nação.
Assim, pelo que antecede e pelo que possa valer, aqui deixo as seguintes
propostas de alteração à legislação:
Código Penal (artigo novo)
1. Todo aquele que apresentar, às instâncias competentes, processo de
candidatura ao cargo de Presidente da República contendo uma quantidade de
assinaturas inferior em, pelo menos, vinte e cinco por cento ao mínimo
exigido por lei é punido com pena de prisão de um a oito anos.
2. Na mesma pena incorrerá quem se candidatar ao mesmo cargo com recurso a
assinaturas inválidas ou não autenticáveis em quantidade superior a vinte
e cinco por cento do total constante do processo no momento da
apresentação.
3. À pena de prisão acresce a de multa igual a um por cento do salário
mínimo nacional por cada assinatura em falta ou irregular fora do limite
mínimo estabelecido nos números anteriores, não podendo a pena de multa
ser suspensa na sua execução.
Constituição da República Portuguesa
Artigo 122º - São elegíveis os cidadãos eleitores, portugueses de origem, maiores de 35
anos e detentores de habilitação académica mínima igual ou equivalente ao
primeiro grau do ensino superior e que, na data da apresentação da
candidatura, se não encontrem na situação de arguido por suspeitas da
prática de crimes puníveis com pena de prisão superior a três anos ou de
crimes cometidos no exercício de funções públicas.
Artigo 172º, n.º 4 (novo) - O disposto no número 1. não se aplica ao Presidente da República
reeleito, a partir do dia seguinte ao da publicação dos resultados
eleitorais.
A exigência de habilitações no proposto artigo 122º, destina-se, além do
que já foi dito, a evitar que acabem certos candidatos por ter de, um dia,
ao
amigo dom Beltrão e ao aio Afonso Mendes*), abrir o coração em desolada admissão, por haverem causado dano irreparável
à generalidade da população.
“Entram-se todos e se acaba a farsa”.