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sábado, 26 de junho de 2021


Racismo: O Homem Cor de Rosa


"Tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano
por outro que dele difere num aspeto ou noutro,
também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é
ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes
que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente,
são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar
"


     1. O Ideal Cor-de-Rosa
     2. Causas Remotas do Racismo em Portugal
     3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
     4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé
     5. A Aberrante Linguagem Pseudo-Inclusiva
     6. Ambiguidade à Esquerda
     7. O Estafado Chavão das Quotas
     8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?
     9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo
   10. Conclusão


O Homem Cor de Rosa

1. O Ideal Cor-de-Rosa

Partilho do ideal da superioridade do branco.

O branco é alvo, puro, superior, calmo, tranquilo, positivo, alegre, desinfetado e dá até aquela ideia de muito limpinho que fica bem em qualquer lado; e é, por isso, a cor quase sempre escolhida para representar os mais puros sentimentos, as mais angélicas criaturas, os mais sofisticados ambientes e lugares.

O branco resulta da junção de todas as cores, reúne em si quanto de alegre, de puro e por aí fora existe na natureza: o branco é, todo ele, seriedade, honestidade, integridade, generosidade, amabilidade.  O homem branco não comete crimes, acode a quem precisa, não se porta mal, é educado, devendo ser por todos seguido, cuidado, acarinhado, protegido, até privilegiado, preferido, idolatrado.

Quando um dia encontrar um homem branco – entenda-se, de alma branca -, não me vou limitar a olhar para ele:  vou segui-lo, vou observá-lo, vou escutá-lo, vou procurar imitá-lo no que puder. Porque uma alma branca, pura é um exemplo para quantos, como todos nós, a têm de outra cor.

- x -

Acontece, porém, que, tal como ocorre com as almas, também na pele não há homens brancos - a não ser, porventura, um herói wagneriano, o palhaço rico ou um daqueles infelizes que ganham a vida a simular estátuas, contendo as comichões e retendo o fôlego a troco da pequena esmola atirada pelos basbaques do costume para uma esfarelada caixinha de cartão*).

Pela minha parte, tendo, no Verão, para o acastanhado e, no Inverno, para algo a puxar para o cor-de-rosa.  Mas não me importaria de ser até verde como os marcianos, porque, quando falamos da cor da pele, o ideal do homem branco é um perfeito disparate, como o é o do homem preto.  A cor da pele não é, nem faz sentido ser, um ideal.

O problema dos racismos, venham de onde vierem, não me parece estar na cor ou no tom da pele, antes residindo na convicção de alguns, mais centrados em si mesmos, de que os seres humanos se dividem, unicamente, em dois mundos: o mais restrito grupo dos que são como nós, e o dos outros, aqueles que não apreciamos, não valorizamos, nos incomodam, nos inquietam e nos desagradam. Não por qualquer razão específica - como o tom da pele, que até pode ser igual ao nosso -, mas, simplesmente, por não serem como gostaríamos que toda a gente fosse: igual a nós.

Lidamos muito mal com a diferença
A verdade é que, embora sejamos todos diferentes, lidamos muito mal com a diferença, a ponto de nos sentirmos ameaçados por ela. Admiramos e invejamos os que consideramos maiores do que nós, e desprezamos os que consideramos menores do que nós; e tememos os que consideramos ao mesmo nível que nós, mas são diferentes de nós e, se nos apanham distraídos, possivelmente irão subir a pulso por cima de nós.

A par do primário instinto de sobrevivência, mostra a experiência que o patético deslumbre pelo próprio umbigo – seja o seu barrigudo proprietário branco, amarelo, encarnado, preto ou às riscas cor de rosa e azuis - pode, com alguma facilidade, evoluir para patologias sociais com raiz na tendência quase generalizada para nos assustarmos com as diferenças que abalam a concha, a redoma a que é agora uso chamar-se zona de conforto.

Não conhecemos, não estamos habituados, não nos interessa, estamos muito bem assim, vão lá para as terras deles antes que isto acabe por dar para o torto porque com esta gente nunca se sabe” parece exprimir o egoísmo dominante, porventura justificado, em parte, pelo temor alimentado pela desenfreada proliferação de formas de conduta censuráveis nas populações de qualquer parte do Mundo.

Esquecemo-nos de que recear alguém ou a sua influência é sentirmo-nos inseguros perante esse alguém – logo, inferiores a ele -, o que à partida anula qualquer veleidade de supremacia de determinado grupo social ou étnico sobre outro ou outros, já que, quem teme algo ou alguém, nunca pode considerar-se-lhe superior; nem é.

Lembremo-nos, também, de que, não só não existem homens pretos ou brancos ou de qualquer outra cor absolutamente definida, como muitas vezes é, na prática, no que toca a negros e brancos quase impossível discernir onde acaba o castanho e começa o cor-de-rosa ; e vice-versa. A despeito da altura, do peso, da cor da pele e do mau feitio ou não tão mau assim, ninguém é o que quer que seja além da própria essência e dos acertos que a vida nela fez.

Penso, assim, que haveria, para uns e outros, uma certa vantagem em procurar esgravatar um pouco as profundezas das causas, das origens de tão tenebrosa problemática, de toda esta estupidez racista - cientes, embora, do eventual dano para a oportunidade única que a sua exploração política oferece a certos partidos que desesperam na demanda de causas que lhes permitam equilibrar-se numa cada vez mais periclitante balança eleitoral.

Causas Remotas do Racismo em Portugal

2. Causas Remotas do Racismo em Portugal

Racismo Não!” é boa ideia, está muito bem; mas, se for dirigido a seres inteligentes, há que explicar por que é que “Racismo Não!”, ou não passaremos do impasse, do preconceito rasteiro, da parvoíce do “ambos temos razão, porque tu dizes que sim e eu digo que não”: os pretos não gostarão dos brancos porque não, os brancos não gostarão dos pretos porque não, tal como um sportinguista não gosta do Benfica e um benfiquista não gosta do Sporting. "Porque não! *)"

Emoções à flor da pele, instintos, palermices. Onde leva isto? Não leva. São, apenas, manifestações tíbias de cérebros em permanente hibernação, que não levam a parte alguma, a não ser à mútua destruição.

No tempo em que os Up WithPeople *) cantavam What Color Is God’s Skin? *), um tuga cor de rosa olhava para um preto e associava-o, imediatamente a um dos mais indiferenciados trabalhadores da construção civil, dotados de menores ou de nenhumas habilitações ou literárias ou profissionais.

Esquecia-se, naturalmente, o mesmo homem cor de rosa de que era, precisamente, assim que o mais comum cidadão de qualquer país desenvolvido e recetor de imigrantes portugueses olhava para ele*), logo o associando aos mesmos baldes de massa e à picareta que ele, por sua vez, ao preto tinha por hábito associar – quando não ia ao ponto de lhos atirar à cara para o humilhar.

Esta eructação de impulsos primários e selváticos que a civilização, supostamente, serviria para anular ou, pelo menos, atenuar nos humanos, não passa, pois, de presunção e água benta, de um complexo de superioridade – ou será o contrário? - que tem muito mais a ver com diferenças económicas, sociais e culturais do que com um mais ou menos pigmentado tom de pele. Ou alguém se lembra de ouvir queixar-se de ser vítima de racismo um daqueles abastados cidadãos de origem africana que para cá vêm fazer grandes vidas e assoalhar a riqueza, fazendo os tugas pelintras babar-se de inveja, e os não tão pelintras bajulá-los na tentativa desesperada de captar-lhes os milhões que, em certos casos, por processos bem portugueses aprenderam a ganhar?

De África – porque o racismo em Portugal tem mais a ver com brancos europeus e pretos africanos -, parece existir a ideia distorcida de que só para cá vêm os muito pobres e ignorantes ou os muito ricos e poderosos, porque só de uns e de outros se fala: uns como matéria-prima de quem tudo faz para se salientar agitando freneticamente a bandeira do racismo, os outros também nem sempre pelas melhores razões.

Up With People
Bem sabemos, porém, que não é assim: residem hoje em Portugal milhares de pessoas que para cá migraram vindas dessas paragens ou que desses primeiros migrantes descendem, e vivem hoje integradas na sociedade e na cultura portuguesas sem que isso implique o esquecer e, muito menos, o renegar das origens que legitimamente cuidam de perpetuar e de divulgar na sua nova terra. Divulgar, mas em plena liberdade, entenda-se, sem impor, já que, tal como não posso ser obrigado a gostar de cachupa*) ou a ouvir com agrado música africana, ninguém é obrigado a gramar o meu Beethoven, ou a deliciar-se com umas sardinhas acabadinhas de assar; e a ninguém assiste o direito de, a pretexto do direito de impingir a sua cultura, uns ou outros incomodar.


3. O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro

Defendem, por aí, certos partidos políticos emergentes a alegada supremacia branca, invocando terem estudos supostamente científicos concluído que, em média, a população negra é dotada de um quociente intelectual inferior ao do homem cor de rosa – ou ariano, expressão porventura suscetível de mais lhes agradar.

Ora, nos anos já não tão recentes, em que tais estudos terão sido levados a cabo, bem assim poderia acontecer, atendendo a que, durante tempos esquecidos, a segunda população alarvemente explorou a primeira e dela abusou, negando-lhe, entre tantas outras coisas, o acesso à educação e à formação, logo, a meios essenciais ao adequado desenvolvimento das capacidades intelectuais latentes.

Não nos esqueçamos de que, tal como acontece com os músculos, o cérebro também só se desenvolve se for estimulado, se trabalhos exigentes lhe forem solicitados, o que não é, seguramente, compatível com a brutalidade da escravatura e, abolida esta, com a exploração do trabalho braçal mal remunerado e apartado de qualquer formação, específica ou não – do qual, atualmente e por razões alheias à cor da pele, podem queixar-se pretosbrancos e de qualquer outra cor, sem distinção.

A serem esses estudos efetivamente científicos, e a ser acertada e validada a respetiva conclusão, esse défice, em média, de capacidade intelectual nada teria, pois, a ver com a raça, com a cor da pele, mas sim com a vida miserável imposta a seres humanos por seres supostamente humanos que, em lugar de pedir desculpa, ainda daqueles o infortúnio vêm mofar.

O Escandaloso e Falso Mito da Inferioridade Intelectual do Negro
Acontece, porém, que, mesmo nos já estereotipados e preconceituosos inícios do século XX, se escrevia que “a raça negra não é certamente das mais mal dotadas da humanidade. O negro tem, geralmente, uma imaginação viva, aprende depressa, é sangüíneo, sensual, não é mau no fundo, é muito impulsivo mas pouco perseverante. Assinala-se o seu gôsto do extravagante e o desordenado das suas ideias; aliás falta-lhe a energia necessária para tirar partido das suas capacidades intelectuais. Os negros não são selvagens: formam estados e têm até grandes cidades. As guerras crueis e o tráfico de escravos perturbam-lhes o estado social1.

Ademais, se é verdade que não foi entre a população negra que, mormente por falta de condições, primeiro singraram a investigação científica e o desenvolvimento industrial, não nos esqueçamos de que tal epifania também não terá acontecido, propriamente, em Portugal... o que não impede que, com o andar do tempo, cada vez mais migrantes africanos e portugueses europeus se tornem proeminentes na ciência, na técnica, na gestão bancária e em altos cargos políticos de projeção universal.

Como os tempos recentes parecem vir, insofismavelmente, demonstrando, a situação inicial de eventual maior capacidade – efetiva, prática, oportunista - da população cor de rosa, acaba, até, por se inverter em presença de negros em situações de igualdade de oportunidades e de circunstâncias, tornando legítimo acreditar que, com a explosão da Internet e com o acesso generalizado à informação que ela proporciona – lida por olhos pretos, castanhos, verdes, azuis e outros -, tudo tenderá a homogeneizar-se; e tenderá, também, a desaparecer a última motivação para a existência dessa coisa insana chamada racismo.

 

4. Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

A própria necessidade de alguns passarem a vida a dizer que existe racismo sugere que ele cada vez menos é sentido, cada vez mais nos olhamos como iguais, e que, abstraindo da exploração mediática levada a cabo por certos partidos políticos e seus satélites, não é já tão intensa assim a implementação, na sociedade, do abominável estigma.

Existem, no entanto, obstáculos sérios à diluição e, desejavelmente, à erradicação da própria ideia de racismo, até chegar ao ponto de dele passarmos a falar como hoje nos referimos à tuberculose ou a outro mal extinto qualquer. Se, tão cedo, se não extinguir completamente, isso bem poderá ficar a dever-se à exaltação do racismo que acaba por acontecer como reação a excessos no ataque ao racismo, ao permanente radicalismo com que o tema é tratado por aqueles que se ensoberbecem ou politicamente sobrevivem à custa do combate que, de forma mais ou menos arrojada, dizem fazer-lhe.

Excessos no Ataque ao Racismo e Tiros no Pé

Para começar: porquê esta mania de evitar dizer pretos ou negros, preferindo cidadãos de origem africana? Será que quem assim fala também vê filmes de “cowboys e cidadãos de origem americana”?

Eu, que sou cor de rosa, cara-pálida, não fico particularmente feliz quando dizem que sou branco ou, sequer, caucasiano, mas não me sinto por isso discriminado, perseguido. Importa a forma como trato os outros e eles me tratam. O resto, a forma como, sem má intenção, me chamam, não tem qualquer importância.

Dado que, com já disse, não há, entre os humanos, pretos nem brancos, nenhum dos termos tem correspondência na realidade, pelo que incomodarmo-nos com estes pormenores de linguagem não passa de tiros no pé, de atroz e primária patetice, fortemente favorável à causa de quem pretende, da essência do tema, desviar-nos a atenção.

Cidadãos de origem africana é, além de ridículo, fortemente inexato e discriminatório relativamente aos outros negros: não importa, então, o racismo dirigido, por exemplo, a negros timorenses ou jamaicanos? Ou estará, quem utiliza aquela expressão, a referir-se, também, aos brancos africanos? Que importa ser eu um cidadão de origem europeia ou de outro continente qualquer? E que importa chamarem-me brancocaucasiano ou cara-pálida, ou outros serem chamados pretosnegros ou de cor?

Ou vamos ter de adotar designações como a localidade Paço dos Cidadãos de Origem Africana *), a Rua do Poço dos Cidadãos de Origem Africana *)… a Loja do Gato de Origem Africana *)? Ou vamos a Sintra comprar queijadas à Casa do Cidadão de Origem Africana *)? Vamos ter de mudar o nome da nossa Avó Branquinha? Ou da Dona Branca *)? Deverá a personagem de Walt Disney passar a chamar-se Mancha de Origem Africana *)?

O que importa não é o vocábulo utilizado, mas a intenção com que um termo é escrito ou proferido: referirmo-nos a alguém como branco ou como preto ou como qualquer que seja a cor, é um inaceitável ato racista e discriminatório se o fizermos com acinte. Já falar, genericamente, de brancos ou de pretos, ou de um branco ou de um preto pode, em certos casos, não passar de uma incorreção verbal, concetual - e, se quisermos, social -, apenas nessa medida censurável, como tantas outras incorreções.

A expressão “bando de preto safado” não passa de uma demonstração abjeta de racismo primário e virulento; mas punir um desportista apenas porque chamou a um amigo “meu preto querido” é radical tontice*), perseguição intolerável que mais não faz do que desvalorizar a causa nobre do combate à discriminação.


A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva
5. A Aberrante e Contraproducente Linguagem Inclusiva

A propósito, toda esta imbecilidade da aberração gramatical chamada linguagem inclusiva *) dos “amigues”, do ”cartão de cidadania” ou do “Cart@o de Cidad@o” – como já escrevi*)–, e dos “cidadãos de origem africana” não passa de uma invenção destinada a, de forma contraproducente, potenciar uma ação já de si tímida e ineficaz, que se resume a apelos aparentemente desesperados por parte desta nova geração de partidos mendicantes, que não perdem um pretexto para procurar confundir exigência vã com causa verdadeira, assim procurando captar a esmola de mais um precioso voto junto dos seus mais ou menos esgrouviados e aluados simpatizantes.

Nestas coisas, como em tantas outras e sem desvalorizar o rigor da expressão, o que conta é o conteúdo e a intenção com que é expresso, o que se diz, e não tanto a forma como se diz.

A simples ideia de inclusão é, aliás, aberrante e contraproducente, já que, pelo simples facto de existir, ela própria reconhece a existência de diferenças entre pessoas: não é necessário esforçarmo-nos por incluir o já faz parte por ser genuinamente igual. No caso do intolerável racismo, ao falar de cidadãos de origem africana, o que estamos, efetivamente – e impropriamente -, a dizer é: "pessoas que, como nasceram em África e têm a pele escura, não são como nós".

Será que, agora, além de preto dizer negro também é racismo? Que, em vez de chocolate preto ou negro, vou ter de passar a pedir chocolate de origem africanamesmo sabendo que o cacau que maioritariamente o compõe é originário da América do Sul*)?

Ou irão chamar-me racista se não gostar de chocolate negro? E, se não gostar de chocolate branco, também vão? Chocolate negro parece ser a alternativa dita inclusiva a chocolate preto. E a alternativa inclusiva a chocolate branco? Qual é? Chocolate alvoCor de rosa?

O que há de condenável em preto que não há em negro, quando, com qualquer dos termos, queremos significar precisamente a mesma coisa? Ou entre branco e alvo? Ou entre o cidadão de origem europeia e o cidadão de origem africana?


6. O Estafado Chavão das Quotas

Depois, se não se vê assim tantos negros na Polícia, isso deve-se, muito provavelmente, ao facto de, com toda a naturalidade e toda a legitimidade, uma menor quantidade deles se ter interessado por uma profissão que, pelos vistos, mais seduz os cor de rosa como eu, hipótese elementar que, de tão natural, apenas poderá ser afastada da mente do homem médio em presença de prova que demonstre que, às forças de segurança, concorreram muitos cidadãos de origem africana e que foram eles rejeitados sem válida razão.

Ou será que, para ficarem mais garridas as cores das bandeiras de certos movimentos e partidos, todos, independentemente da cor da pele, devemos interessar-nos igualmente por todas as profissões? Vamos começar a impor quotas também para obrigar igual quantidade de negros, amarelos, encarnados, brancos e verdes a dedicar-se a cada ocupação, a isso chamando combate ao racismo estrutural e institucional? Ensandeceram todos?

Combate ao Racismo Estrutural e Institucional
Se é abatido um branco ou um negro relativamente conhecido*), mas com reduzida notoriedade, será de estranhar ou de nos revoltarmos pelo simples facto de os meios de comunicação não haverem dado ao facto uma cobertura sensacional? A comunicação social vive, hoje em dia, da espetacularidade da notícia, que lhe assegura o ganha-pão, não lhe interessando fazer favores à causa deste ou daquele, nem a injustificada discriminação positiva exaltaria tal causa como quer que fosse - além do que é, manifestamente, abusivo conotar com racismo a expressão “volta para a tua terra”, também usual e frequente entre caucasianos autóctones que, com razão ou sem ela, se sentem incomodados por alguma atitude de caucasianos forasteirospor parte de tugas xenófobos dirigindo-se a brancos estrangeiros*).

Será, digam-me lá, com patetices destas que pretendem, junto de seres um bocadinho menos irracionais, romper a crosta da indiferença, acender a chama da adesão? O que importa é proibir a discriminação, e não, mediante a imposição de quotas, promover a incompetência e a desmotivação.

Fala esta boa gente, dos movimentos e dos partidos, de liberdade e de autodeterminação…

 

7. Ambiguidade à Esquerda

Não vejo qualquer mal em, num dia por ano, as camisolas dos jogadores de futebol intervenientes em desafios televisionados ostentarem, em lugar do nome de cada um, os dizeres “Racismo Não *); já a defesa cega e repetitiva ad nauseam de slogans associados a uma causa só a prejudica, como os partidos radicais e as associações vocacionadas*) bem deveriam saber.

Por outro lado, se seres humanos superiores existirem, serão certamente aqueles que se aproximam dos outros neles buscando afinidades intelectuais e espirituais, assim procurando enriquecer-se culturalmente, e não os que se furtam a, ao menos, encará-los só porque são diversos a capacidade económica, os dotes intelectuais, o substrato cultural, o local de residência, as vestes que envergam, o tom da epiderme, assim se envolvendo numa demonstração das mais básicas intolerância e estupidez, próprias dos espíritos pequeninos que por aí vemos embrulhados qualquer cor de pele.

Aliás, para lugares de responsabilidade, há por aí muito cor de rosa que, num processo de recrutamento e seleção, eu rejeitaria ao primeiro olhar, e muito cidadão de origem africana que contrataria sem hesitar; e, já agora, o inverso também é verdadeiro.

Ambiguidade à Esquerda
A diferença não reside na cor da pele, do cabelo ou dos olhos: está no espelho da alma que, seguindo dizem e toda a gente sabe, é o olhar; e tudo poderia ser bem mais fácil para certos políticos não inscritos, de ressabiados olhos esbugalhados de jactância e que para aí atiram parvoíces a esmo, se entendessem que o carisma do primeiro presidente negro do África do Sul*) não advinha do acinte da fala, do veneno da verve, mas da bondade do exemplo, da doçura do sorriso com que nos contemplava, da moderação e brandura pelas quais regia uma sua vida que lhe era imposta em condições miseráveis, enquanto, por seu turno, certos radicais e  supostamente aguerridos defensores das minorias, os que se escandalizam afirmando falsidades - como não se ver negros em forças policiais que, na verdade, com eles contam -, em nada contribuem para a serenidade que a nobreza de tão elevada causa requer.

Por falar neles: onde estavam esses defensores nas quase desertas manifestações promovidas, no Porto*) e em Lisboa*), no primeiro dia da Primavera de 2021?

Alguém lá fora se lembra de inventar o pomposo nome “Dia Internacional pela Eliminação da Discriminação Racial*) – até parece nome de ministério português*), disto, daquilo e mais daqueloutro, como se, quanto mais termos se encavalitasse no cargo mais competente o ministro fosse … -; outro alguém se lembra de que um Portugal em bicos de pés deveria ter também as suas manifs, pois então; e, entre as duas maiores cidades do País, nem cento e cinquenta pessoas foi possível arregimentar para os eternos chavões gritar e umas vuvuzelas fazer bramar!

Até as Manifs contra o confinamento pareceram, pelos números, bem mais importantes e concorridas do que estas*), já para não falar dos autocarros que, em plena crise sanitária, de todo o pais chegam para as iniciativas políticas do Partido Comunista e para as peregrinações a Fátima. Quanto ao racismo, porém, o interesse parece já tão escasso - leia-se “tão poucos os que se sentem, efetivamente, excluídos” -, que, porventura por não valer a pena, nem a extrema-direita aproveitou para lá ir perturbar a manifestação

Será assim?

Onde andava, então, aquele partido – perdão, movimento - supostamente muito à esquerda e pendurado nas minorias cujas bandeiras ainda são a única vela que os faz navegar? Será que as previsíveis escassas migalhas de protagonismo e a meia dúzia de letras ou segundos neste ou naquele jornal lhe não despertaram o apetite para a exibição? Não?

Pois não, uma vez que era mais do que previsível o fiasco, a deserção.


8. Não Há Negros Comunistas? Ou Só Faltam na Polícia?

Não Há Negros Comunistas?
Por falar em partidos…

Lembram-se daquele deputado negro do Partido Comunista Português?*) Não se lembram, pois não: foi só um, e há tanto tempo, já... O facto de o PCP não ter voltado a apresentar candidatos ditos de cor nas suas listas significará que o racismo já chegou à esquerda?  Ou será, antes, porque mais nenhum negro com apetência, ou vocação, ou ambição, ou queda para a política no Partido se inscreveu? Tal como na Polícia, talvez? Ou em qualquer outra organização?

Nem uma deputada negra nas hostes do Partido ou a falar na televisão... Vamos também, perguntar-nos por que não se vê, no PCP, mais cidadãos de origem africana? Vamos insinuar que o Partido Comunista é racista? Ou não?...

Claro que, em menor ou maior grau, há racismo latente, racismo manifesto, todas as variantes que queiram enumerar; e continuará enquanto forem tão desajeitados, radicais e exagerados os esforços para o debelar. Mas, perante manifs desertas, forçoso se torna concluir que, no Portugal dos nossos dias, o racismo é menos abrangente e a intensidade é, felizmente, já outra.

Tirando o racismo primário e parolo fundado no ódio irracional que só as bestas também irracionais valorizam, lá bem no fundo todos vão reconhecendo, mesmo que nem com todos se identifiquem uns com os outros nem todos mutuamente se admirem – nem, em liberdade, a tal são obrigados -, que, voltando aos Up With People, “everyone is the same in the Good Lord’s sight*).

O Dever Universal de Respeitar o Próximo

9. O Dever Universal de Respeitar o Próximo

Resta lembrar a, por vezes muito esquecida, condição essencial que jaz indelevelmente associada à aceitação espontânea e aberta por qualquer pessoa ou comunidade de pessoas de outras comunidades, sejam elas quais forem: o respeito.

Se, no que é essencial, estrutural, inexiste qualquer distinção com base no tom da pele, nos traços morfológicos ou noutra característica fisiológica, antes operando preponderantemente as diferenças culturais e civilizacionais, há, outrossim, que respeitar e acautelar a defesa dos valores da estabilidade, da segurança e da identidade que estruturam as sociedades que recebem e acolhem, sem prejuízo de quanto de saudável e enriquecedor na diferença houver.

Se é verdade que a solidariedade, a disponibilidade e a boa vontade para com o próximo devem sobrepor-se a qualquer objeção mais ou menos comezinha à plena aceitação de um ser humano por outro, o velho brocardo “em Roma, sê romano” deve estar sempre presente na mente dos que buscam acolhimento, já que manda a mais elementar cortesia que, não só quando visitamos alguém devemos observar as normas e os costumes dos nossos anfitriões, como se espera que nos abstenhamos, em qualquer circunstância, de a eles impor a nossa vontade, os nossos gostos, as nossas convicções, designadamente àqueles com quem um dia venhamos a coabitar, por maioria de razão.

Uma coisa é todos terem a liberdade de escolher, em função da adequabilidade às necessidades e objetivos de vida de cada um, o país para onde pretendem emigrar.  Outra, muito diferente, é escolher-se uma terra como alvo ideal para a disseminação e imposição indesejada dos costumes próprios do país de onde, por alguma razão, alguém se viu obrigado a emigrar – o que, em última análise, sempre será contraproducente, dado o risco de, dessa forma, se acabar por transformar a terra de adoção precisamente em algo muito parecido com aquela de onde se tiver tido de retirar.

No plano social, este dever de respeito opera, desde logo, na absolutamente legítima exigência do estrito cumprimento das normas jurídicas e da observação dos costumes locais, já que nenhum ser humano tem o direito de sujeitar qualquer outro, de diferente ou igual etnia, à imposição brutal de comportamentos por ele indesejados, ainda para mais escudados numa inaceitável discriminação positiva por parte dos tais partidos políticos ou grupos de pressão que cavalgam a suposta defesa de minorias por mais não terem no que se evidenciar – discriminação positiva essa que pode fácil e indesejavelmente ser conotada com a, em alguns latente, ideia de menoridade de uma ou outra população, ideia essa que, paradoxalmente, se pretende afastar.

Oligarquias marginais e não representativas
Afigura-se, por exemplo, inadmissível a existência, em plena catástrofe sanitária, de muito concorridos eventos de índole familiar que forças militares não têm como interromper*); de veículos de tração animal que, a passo de caracol, inesperadamente se nos deparam ao dobrar uma curva da estrada pondo em risco vidas de animais e de pessoas, designadamente as das crianças de tenra idade e dos adultos que,muitas vezes, a pé e ao lado, esses veículos vão a acompanhar*); de zonas de criminalidade comprovada e injustificadamente excessiva, promovida no interesse exclusivo de oligarquias marginais e não representativas das boas gentes de qualquer etnia; de bairros em que até as forças policiais pensam muitas vezes antes de entrar.

Não me causa especial alarme o racismo primário defendido por meia dúzia de ignorantes, indignos de qualquer crédito ou de que os ouçam, sequer. O que me preocupa é a generalização irracional do racismo decorrente de comportamentos lastimáveis e fortemente condenáveis por parte de uma outra meia dúzia de indivíduos de certas etnias que assim contaminam, junto de fatias consideráveis da população autóctone, a imagem de todo um grupo, ou de diversos, em idênticas circunstâncias.

Em certos casos - talvez não poucos -, a motivação dessa meia dúzia radica, já se sabe, na forma discriminatória como os olhamos e para com eles agimos, enquanto sociedade. Não obstante, o tratamento condenável por parte de meia dúzia de pessoas cor de rosa não justifica ou legitima a violência da reação, à qual, nesse caso, todos teriam direito, do que resultaria um caos maior ainda do que aquele a que assistimos em certos lugares e momentos não tão raros assim.

Quanto a mim, sou, decididamente, racista para com essa raça de indivíduos de todas as culturas, religiões e credos que, independentemente da cor mais ou menos rosa ou acastanhada da pele, indiferentes aos direitos daqueles por quem querem ser tratados como iguais, para com eles se comportam selvaticamente, deliberadamente agredindo, insultando, incomodando, escarnecendo, desprezando, como certos tugas hooliganizados com que nos cruzamos com indesejável regularidade - a maioria dos quais caucasiana.

 

10. Conclusão

Toda e qualquer postura ou atitude de agressão social é inaceitável. Se queremos, efetivamente, erradicar o racismo, cumpre, se necessário, rever a legislação vigente; e, com a maior urgência, nos casos por ela já contemplados, sensibilizar para a necessidade do seu estrito cumprimento toda a população, as autoridades e os poderes judiciários, bem como dotar de meios coercivos as forças policiais com atribuições e competências para a aplicar.

Entre tantos outros, os exemplos que referi - alguns deles comuns a indivíduos de variadas etnias - ilustram bem a impossibilidade prática de confundir, com impunidade laxista ou com anarquia a qualquer preço, o princípio geral de que qualquer cidadão de qualquer outra terra é livre de nos visitar e de, observados determinados requisitos, aqui se radicar: tal como é condenável a rejeição liminar de um ser humano por outro que dele difere num aspeto ou noutro, também se não pode, a coberto de uma falsa ideia daquilo que é ou deixa de ser politicamente correto, fechar os olhos a desmandos e ilicitudes que a ninguém podem ser permitidos porque, muito simplesmente, são contrários ao costume e, acima de tudo, à lei que a todos deve obrigar.

Princípio da Igualdade
A lei é legitimada pela mesmíssima Constituição que consagra esse princípio geral da igualdade que, ora com mais, ora com menos propriedade, anda nas bocas de todos e é essencial à efetivação da consagração teórica da diferença. Representa, pois, séria violação do mesmo princípio da igualdade acolher determinados preceitos constitucionais – os que proíbem a discriminação – enquanto se rejeita outros – os que obrigam ao cumprimento de todas as leis comuns – só porque não nos convêm ou porque, politicamente, fica melhor no retrato.

Num estado de Direito, qualquer cidadão, nativo ou oriundo de outra parte do Mundo, está vinculado ao primado da lei. Isto é algo que ninguém, em qualquer momento ou lugar poderá legitimamente esquecer ou ignorar, sob pena de estar, afinal, a praticar a discriminação que diz condenar.

Em ambos os sentidos, a cada um assiste o direito de se não sentir atraído por pessoas de outros grupos, bem como de não admirar determinadas características culturais ou comportamentos dos mesmos. Tal não confere, todavia, a uns o direito de maltratar e, muito menos, de procurar banir os respetivos representantes que aceitem e observem as leis e os costumes das sociedades que visitam ou os acolhem no seu seio; nem, a estes, o de agir como se, em lugar de convidados, fossem anfitriões, ainda para mais rudes, pouco educados, e felizes por assim se quererem conservar.

Tu deves porque eu quero’ é um absurdo; mas ‘tu deves porque eu devo’ é um objetivo legítimo e a base do Direito 2;  e, perante tais desmandos, tanto as maiorias, como as minorias, têm direito a indignar-se.

* *

Não obstante as convicções que cada um, enquanto indivíduo inserido num estado livre, possa ter, a obrigação de tratar bem o próximo, seja ele quem for, todos obriga; e, por maioria de razão, os que serem em forças de segurança.

Mas nem sempre assim acontece...

[não perca aqui a sequência deste artigo]


Chantepie de la Saussaie, Pierre Daniel – “Lehrbuch der Religiongeschichte” (Freiburg im Breslau, 1887–1889) – ”História das Religiões” – Editorial Inquérito – Lisboa, 1940 – pp.31

2 Seume, Johann Friedrich – "Prosaische und poetische Werke" - G. Hempel - 1899 - Vols 6-8 – pp.169 

sábado, 17 de abril de 2021


As Portuguesas e os Portugueses

"A gramática destina-se a fazer com que cada um entenda o que o outro está a querer dizer-lhe;
e o que diz a linguagem pseudo-inclusiva - mas, na verdade, divisionista - é que
existem dois tipos bem distintos de seres humanos, e não um único e indiviso,
ao qual uma regra manda referir, no plural, como  portugueses,
como a consulta da mais elementar gramática rapidamente esclarecerá"


   1. Perdeu-se a Noção do Ridículo
   2. Partidos Mendicantes Apoiam a Violação das Normas Constitucionais por Desnorteados Radicais
   3. A Gramática como Instrumento de Manipulação Política


1. Perdeu-se a Noção do Ridículo

...ou, para observar a regra da cortesia, “os portugueses e as portuguesas”, se for uma senhora a falar.

Quem se dedica à causa das animaizinhas e dos animaizinhos, não deverá, também, esquecer-se de dizer “as gatas e os gatos”, “as cadelas e os cães” e por aí fora, não vão as fêmeas dessas espécies achar que nos esquecemos delas; ou as donas e os donos das ditas fêmeas assim pensar;  e quando temos um aquário cheio de peixas e de peixes… o corretor ortográfico queixa-se com um impiedoso sublinhado encarnado.

Como, decididamente, nada disto vem de uma generalizada ignorância da gramática – designadamente por parte da Exmª Linguista que coordena um dos partidos que mais insistem nesta coisa -, todas estas alusões específicas aos elementos femininos não passam, desde a primeira que escrevi, de uma redundância patetoide e deliberada, apenas explicável como tentativa de manipulação comunicacional dos ânimos com o fim exclusivo e popularucho de angariar, quando muito, mais um punhado de votos junto de ingénuas apaixonadas e de ingénuos apaixonados por causas que não chegam a sê-lo, ou de almas hipersensíveis ao politicamente correto a ponto de se embevecerem com coisas destas.

A linguagem neutra em português não é arrimada na gramática, que sustenta, como bem se sabe, que o plural de um conjunto – ainda que parcialmente enumerado – se forma no masculino sempre que, pelo menos, um elemento deste género o integre.  Isto não é discriminação, não é sexismo, não é política: é gramática pura e dura*); e não é a política, mas a gramática, que deve determinar a nossa forma de escrever e de falar.

Não deixa, outrossim, de ser disparatado que esta forma rebuscada e bacoca de gastar mais tinta com descabidas redundâncias provenha, se a memória me não trai, da metade esquerda da bancada parlamentar, na qual tem assento, entre outros, o partido que teve, como destacado militante, o iluminado ser que promoveu e fez aprovar a patetice ortográfica vigente*), cuja única virtualidade parece ser, paradoxalmente, a de economizar uns quantos caracteres de tinta – boa parte dos quais indispensável à boa leitura e à compreensão do que se lê - que, aqui e ali, por artificiosa síncope, se foi tratando de amputar, diligência essa que a manipulada e estafada verborreia feminista de agora, obrigando-nos a gastar mais tinta, vem contrariar.

Como sou exagerado, dei comigo a pensar por que razão não teria o Hino Nacional*)sido, ainda, alterado em consonância com a nova moda: “Heroínas e heróis do mar” e por aí fora, assim irremediavelmente arruinando a métrica - e obrigando, mesmo, a escolher outra música, já que o Autor*) da atual não está entre nós para a poder alterar.  Heroínas e heróis”, “as tuas egrégias avós e os teus egrégios avôs”, quando fosse cantado por elementos masculinos; o inverso quando fosse cantado por elementos femininos e, num coro… a confusão generalizada. 

Lá acabei por concluir que a ideia era parva, quanto mais não fosse porque as egrégias avós não andavam embarcadas em cascas de noz*), privilégio esse então reservado às também egrégias – e heróicas - caras metades.

Convenhamos que, além de gramaticalmente incorreto, “portuguesas e portugueses” se apresenta excessivo na leitura.  No entanto, na linguagem falada de umas quantas políticas e de uns quantos políticos que não se importem de alardear chã ignorância a troco de um poucochinho de popularidade acrescida junto de setores mais permeáveis ao discurso demagógico…  por que não?  Até se faz, por aí, figuras bem piores, como aquela pirosice do Cartão de Cidadania*).  Ou deveria ser Cartona de Cidadã e Cartão de Cidadão?  Ou talvez a solução esteja na gíria das redes sociais*):  Cart@o de Cidad@o?  Sim, o @ não admite – ainda – o til.  É pena…

Já agora: como se lê est@ cois@?

Vendo bem, “Portuguesas e portugueses” poderá não ser, gramaticalmente, um pecado capital.  Mas onde, em qualquer ortografia do Mundo – mesmo naquela idiotice do acordo ortográfico – encontramos portugues@s, a não ser na linguagem abstrusa daquela cena das redes sociais?  Que tal, então, a ideia também abstrusa de substituir Direitos do Homem por Direitos Humanos?  O que muda, neste caso, se a raiz homo da nova palavra é a mesma da anterior?  Talvez Direitos Mulieranos e Humanos, então?

Se anthropos, em grego, significa homem, que nome irão dar, a partir de agora, à antropologia?

Mas anda tudo doido, afinal?

A propósito: já alguém ouviu um desses defensores desta desgraçada coisa dirigir-se-nos de viva vós dizendo "Cares Portugueses"? Ou espera-se que o ridículo seja só para nós?


2. Partidos Mendicantes Apoiam a Violação das Normas Constitucionais por Desnorteados Radicais

À míngua de resultados eleitorais dignos desse nome por parte da amálgama de movimentos radicais de esquerda, talvez toda esta antigramatical trapalhada acabe por captar mais uma meia dúzia de votos junto de quem mobiliza boa parte dos neurónios que lhe restam a magicar o que irá tirar da despensa para, ao magro salário, poder surripiar aqueles preciosos dez por cento indispensavelmente destinados à rotina quinzenal de nail art*)- em inglês, para sermos chic como gostam.

O problema com as radicais e com os radicais é serem obrigadas e obrigados a defender até ao fim determinada construção intelectual erigida em torno de um certo ideal ao qual sacrificaram toda a sua energia e, por vezes, toda a vida.  Não podem ceder um milímetro que seja, pois, fazer perigar essa construção, questionar esse ideal, seria, para elas e para eles, o mesmo que questionar a utilidade da sua própria existência; e há quem pense que não há maiores radicais do que as idealistas e os idealistas, principalmente as e os que defendem as minorias contra as maiorias.

Ocorre, porém, que as mulheres não são uma minoria*).  Bem pelo contrário:  são, em Portugal, uma – embora ligeira – maioria; e acontece, também, que os indivíduos de um sexo dizerem mal dos do outro é prática habitual desde tempos imemoriais, por mera picardia e sem que algum prejuízo sério seja conhecido como decorrente dessa prática.  Ademais, sendo este maldizer próprio, quer das mulheres, quer dos homens, ao não se intrometer está o Estado Português simplesmente a dar cumprimento à alínea h) do artigo 9º da Constituição*), que o obriga a “promover a igualdade entre homens e mulheres”.

Entre parênteses, direi que, como tantas outras, esta disposição constitucional corre sério risco de ser considerada, em si mesma, discriminatória, uma vez que refere primeiro os homens e só depois as mulheres.  Haverá, assim, que rever e substituir este discriminatório preceito machista por “promover a igualdade entre @s portugues@s de ambos os sexos” - fazemos figura de parvos em tantas coisas que, mais uma, menos uma, a ninguém fará grande impressão.

Fechando os parênteses, e com o devido respeito, aquilo que diz a Constituição japonesa interessa-me tão pouco como o que diz a Constituição portuguesa poderá interessar ao japonês médio.  Mas já me interessa, e muito, que algumas portuguesas e alguns portugueses achem muito bem que, semanas atrás, o Presidente do Comité Olímpico Japonês tenha sido forçado a demitir-se*), nada mais, nada menos, do que por ter dito mal das mulheres – por, na sua opinião, tenderem a retardar o andamento dos trabalhos ao falar bastante mais do que os colegas homens, nas reuniões.

Por alguma razão que desconheço, é verdade que a Constituição da República Portuguesa não reconhece, expressamente, a liberdade de expressão individual, a qual parece ser prerrogativa exclusiva da comunicação. Não obstante, o seu artigo 16º é bem claro ao dispor que “os direitos fundamentais consagrados na Constituição não excluem quaisquer outros constantes das leis e das regras aplicáveis de direito internacional”, e que “os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de harmonia com a Declaração Universal dos Direitos do Homem*).

Por força do mesmo artigo 16º é, assim, aplicável o que diz o artigo 19º da Declaração Universal: “Todo o indivíduo tem direito à liberdade de opinião e de expressão, o que implica o direito de não ser inquietado pelas suas opiniões e o de procurar, receber e difundir, sem consideração de fronteiras, informações e ideias por qualquer meio de expressão”.

O n.º 2 do artigo 13º da Constituição portuguesa impõe que “ninguém pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão (…) do sexo (…)”.  Conjugado com quanto antecede, quer isto dizer que nem as mulheres podem ser impedidas de dizer mal dos homens, nem os homens podem ser impedidos de dizer mal das mulheres.

Pretender que não se pode opinar livremente acerca das mulheres é desmerecer a nobre motivação e a corajosa atuação dos movimentos feministas*), nascidos para promover a igualdade de direitos entre os sexos e para pôr cobro aos maus-tratos de que eram vítimas as mulheres; não, decididamente, para fomentar a coscuvilhice e o diz que disse, e muito menos para coartar o direito de expressão dos masculinos.

O Mundo foi criado por um homem ou por uma mulher?  Criador masculino ou Criadora feminina?  Embora, com esta parvoíce linguística supostamente feminista, passem o tempo a discutir o sexo dos anjos, uma tal sandice parece que ainda ninguém se lembrou de suscitar…


3. A Gramática como Instrumento de Manipulação Política

A gramática destina-se a fazer com que cada um entenda o que o outro está a querer dizer-lhe; e o que diz a linguagem pseudo-inclusiva - mas, na verdade, divisionista*)- é que existem dois tipos bem distintos de seres humanos, e não um único e indiviso, ao qual uma regra manda referir, no plural, como  portugueses, como a consulta da mais elementar gramática rapidamente esclarecerá.

Os excessos só levam a afastar cada vez mais as pessoas umas das outras: a que olhem umas para as outras como um incómodo, ou como alguém de menor capacidade que se tem de, como se de crianças se tratasse, olhar com carinho e proteger. A vitimização desrazoável e descabida equivale a um autêntico atestado de menoridade passado, paradoxalmente, por quem pugna por se libertar – ou, mais propriamente, por se evidenciar – com a preciosa ajuda das revistas que, para fomentar a igualdade e o equilíbrio, publicam artigos sob o título “As 100 Mulheres Mais Poderosas do País*).

Mas não tem, mesmo, esta gente coisas mais interessantes com que se entreter, coisas verdadeiramente importantes a tratar?  Têm, mesmo, de perder tempo a assassinar a sangue-frio a língua que falamos, numa terra onde tanto se fala e, havendo tanto para fazer, tão pouco se faz?

Só não discriminando garantimos que os outros se não sintam discriminados: não, mediante a utilização de uma assim chamada linguagem inclusiva,  cujo primeiro e imediato efeito é, paradoxal e inevitavelmente, nada mais, nada menos do que lembrar constantemente ao discriminado que, efetivamente o é, que contra ele existe discriminação.  Não passa, assim, de tremendo e oportunista disparate, esta linguagem inclusiva, esta politiquice primária, parola e... contraproducente.

Agora, muito à séria (que horror!) e muito a sério…

Escreveu um filósofo suíço do século XVIII que “no que têm de comum, ambos os sexos são iguais; no que têm de diferente, não são comparáveis*).

Ora, além de ser manifesto erro tratar como igual o que é tão diferente como as Portuguesas e os Portugueses, perante tão flagrante ausência de argumentação válida querer mudar, através da forma de nos exprimirmos - a assim chamada linguagem inclusiva -, o que vai nas cabeças das eleitoras e dos eleitores afigura-se caminho bem pobre, muito redutor, de duvidosa eficácia, quase subversivo, até;  sobretudo na cabeça das eleitoras prospetivas e dos eleitores prospetivos, assim se deseducando a juventude na direção pretendida por umas quantas e por uns quantos… poucas e poucos, esperemos.

Nada disto passa, evidentemente, de uma forma sinuosa mas despudorada de manipulação dos espíritos, mediante a inversão da tendência natural e saudável para ser a língua a acompanhar, a par e passo, a evolução da cultura e das mentes, como quase sempre aconteceu e penso que, no respeito pelos princípios e pelas regras gramaticais, deveria continuar a acontecer.

Ou será que, perante a generalizada resistência à mudança, não passará toda esta fantochada do canto do cisne, do grito de desespero de quem cada vez encontra menos eco para a sua deriva para os temas fraturantes, num derradeiro e patético atirar de poeira aos olhos das menos esclarecidas e dos menos esclarecidos, das menos sensatas e dos menos sensatos, impondo-lhes expressões inventadas à revelia da gramática e que, com a realidade, pouca ou nenhuma correspondência acabam por ter?

Mudar o Mundo é difícil, mas mais difícil ainda sempre será tirar a derradeira tábua de salvação da mão de um político prestes a afundar-se.  Ou de uma política.

Convém, não entanto, que as políticas desesperadas e os políticos desesperados não esqueçam aquilo que, apesar de tudo, boa parte dos seres humanos ainda sabe: que uma mulher que se comporta como um homem tem, para um homem, tanto interesse quanto para uma mulher tem interesse… um homem que se comporta como uma mulher.

Portuguesas e portuguesas significa que existem mulheres e homens; e que não são iguais.

sábado, 20 de março de 2021


Demagogia à Portuguesa

"A catalepsia política destes partidos foi habilmente aproveitada para,
desembainhando a espada em pretensa defesa de alguns dos setores mais críticos
do descontentamento laboral (...) e cavalgando a passadeira estendida por grupos profissionais
dos mais insatisfeitos outrora no feudo do PCP, conseguir o 
Chega!, em tempo incrivelmente curto,
a almejada e indispensável visibilidade inerente a uma elementar
mas preciosa representação parlamentar"


   1. Introdução
   2. Na Génese da Demagogia Portuguesa
   3. Primeira Sacudidela
   4. A Inversão da Tendência
   5. O Trambolhão
   6. De Onde Fugiram os Votos
   7. Hipótese

1. Introdução

Apregoou-se por aí, durante quase cinquenta anos, que Portugal era uma democracia madura, de maioria de esquerda e fortes convicções políticas.

A sustentar essa tese, quatro fatores principais caracterizavam uma vivência política na verdade desinteressante e pantanosa, que a generalidade dos políticos e dos comentadores se foi habituando a confundir com estabilidade.

Por um lado, as frequentes maiorias do Partido Socialista (PS).  Por outro, as contribuições do mais jovem Bloco de Esquerda (Bloco), aparentemente potenciadoras de sinergias numa esquerda que se acreditava forte no plano eleitoral.  Acima de ambos, a tão propalada lealdade estoica de uma parte do eleitorado fiel à proposta do Partido Comunista (PCP), sobretudo em Setúbal e no Alentejo. 

Por fim, a manifesta dormência à direita de todos estes, mormente num Partido Social Democrata (PSD) que não parece saber como se livrar da perene imagem de maior partido da oposição e num Partido do Centro Democrático e Social (CDS/PP) demasiado próximo do anterior, sem margem para uma expansão democrática à direita e que nem com a inflexão para Partido Popular soube encontrar espaço político onde apenas havia um razoável campo de manobras e trampolim para quem dele se soubesse aproveitar.

Os humilhantes resultados da extrema esquerda na eleição presidencial de 2021*) fizeram soar, no pantanal, campainhas de alarme, cujas pilhas a coincidente ascensão da votação na extrema direita esteve a pontos de completamente gastar.

Muitas opiniões autorizadas se fizeram, então, ouvir, desdobrando-se na apresentação de explicações aritméticas para tão estranha, inesperada e abrupta transferência de votos – alguma dela, entre os extremos que alguns dizem tocar-se. Ora, pelo menos quanto à dependência da demagogia, os extremos tocam-se ou tocaram-se mesmo, e misturam-se bem com o centro, como nas linhas seguintes procurarei demonstrar.

 

2. Na Génese da Demagogia Portuguesa

Até ao final do século XX, se alguém perguntasse qual era, no panorama político português, o partido que, imediatamente, associávamos à ideia de esquerda, a resposta evidente seria o PCP; aliás, a única, já que, na extrema mais extrema ainda, procuravam manter-se à tona minúsculos partidos que apenas uma vez ou outra lograriam obter representação parlamentar - sempre meramente  simbólica e que jamais souberam potenciar.

Não é difícil recordar as causas do PCP, as suas bandeiras, a que, para concitar as suas hostes, parecendo dinâmico e aguerrido, prefere chamar lutas.  Note-se que a escolha vocabular é acertada, desde logo porque, digam o que quiserem continuar a dizer, a prática democrática nunca foi, até à data em que a maior parte acabou por cair com estrondo, a dileta dos governos ditos comunistas, que o PCP ainda hoje diz admirar;  e continua a não ser naqueles países que, contra toda a lógica e evidência, afirmam encontrar nas comprovadamente ocas e ineficazes teorias marxistas legitimidade ideológica para os respetivos povos democraticamente oprimir e espezinhar.

A escolha do termo lutas é acertada também porque o que, em tempos há muito idos, valeu ao PCP aqueles quinze por cento – ora mais uns pós, ora menos uns pós - que lhe permitiram afirmar-se foi a imagem de força desalinhada, de partido antirregime, que só o não era mais porque, como não o deixaram impor-se à batatada, alternativa não lhe restava a sujeitar-se ao voto popular.

Para angariar votos, caia-lhe, então, às mil maravilhas o ambiente pós-revolucionário, o desejo de mudança há muito legitimamente sentido e alimentado.  Mais do que tudo, foi fulcral a sagacidade de um Secretário Geral, cuja inteligência fina e trato cordial souberam camuflar o objetivo final e a verdadeira estratégia atrás do mais antigo discurso demagógico da democracia portuguesa, prenhe de chavões proferidos em incessante catadupa, naquele tom bem conhecido e característico que alguns dirigentes do PCP de hoje nas suas cacofónicas prosas ainda não conseguem – ou não querem - evitar.

Nesse registo de então, paradoxalmente monocórdico e acutilante, quase agressivo, cujas promessas soavam como música aos ouvidos dos mais descontentes, dos mais oprimidos, dos menos esclarecidos, sucediam-se referências a bandeiras como a da prolongada luta pelo direito à reforma e a uma pensão digna*), a da luta pela reforma agrária*), a da luta contra o pacto de agressão da direita com a Europa contra a Segurança Social*), a da luta pelo aumento do salário mínimo*) e por aí fora, habilmente visando cada foco de descontentamento – espontâneo ou induzido e mesmo que tal foco fosse politicamente explorável apenas no limiar da irracionalidade -, independentemente da disponibilidade económica e financeira do Estado, a qual jamais pareceu preocupar.

Todas estas lutas iam sendo travadas sob a égide de duas ideias estruturantes da mensagem:  a união de todos os trabalhadores em torno dos ideais comunistas salvadores, e a defesa de uma Constituição da República Portuguesa*) originariamente feita à medida do Partido.  O braço armado – por assim dizer - residia, então como agora, na CGTP Intersindical*), estrutura reverberante e pujante a brandir a espada da greve como ameaça permanente à cabeça dos governantes.

3. Primeira Sacudidela

Desgraçadamente para o PCP, o Secretário Geral decidiu retirar-se no ano seguinte ao do desaire de 1991 – acontecido poucos dias antes da há muito anunciada queda do Muro de Berlim*) -, ato eleitoral em que a compacta coligação com o estranho satélite denominado Partido Ecologista os Verdes (PEV) fez um enorme buraco no patamar daqueles quinze por cento que, na verdade, desde 1987 eram só doze. Excetuando, curiosamente, as eleições europeias, mergulharam de então em diante os números nas profundezas abaixo dos dois dígitos, numa queda livre da qual, até hoje e excetuando uma ou outra insignificante oscilação, o PCP jamais conseguiria recuperar.

A saída do Secretário Geral levou com ela a substância, a superior inteligência e a empática habilidade do discurso demagógico do Mestre, passando aquele a ser tentado pela pena de próceres simpáticos, mas de postura frouxa, nada convincente, visivelmente pouco elaborada, sem carisma, e que, aliada à absoluta falta de alternativa válida e disponível, apenas a proverbial obstinação do Partido em fazer passar uma imagem de inabalável segurança e de continuidade durante tantos anos acabou por sustentar.

As ideias, entretanto, eram as mesmas, os processos idênticos, e o discurso encontrava-se esvaziado já que, além de faltar quem soubesse enriquecê-lo, colapsara ante múltiplos e inegáveis fracassos o substrato ideológico essencial para o suportar.

A morte política do comunismo um pouco por todo o Mundo, acabaria por atingir, também, os minúsculos partidos da extrema esquerda portuguesa.  Apesar disso, apercebendo-se da entropia que ia aniquilando o outrora bastião antissistema, alguns deles lá trataram de engolir um sapinho aqui, outro ali, acabando, quase no fim do século passado, por se entender num amalgamado Bloco que pretendia ser – e durante certo tempo foi – a nova pedrada no charco.

O discurso demagógico, outrora bandeira do PCP, foi então encabeçado, à esquerda, por um coordenador do Bloco de Esquerda que, não obstante se apresentar algo tímido e reservado, lá conseguiu, ao fim de uma década e em eleições legislativas, quase atingir os dois dígitos, beneficiando do marasmo do gigante comunista, que continuava inanimado.

Cabe abrir aqui um parênteses para referir que, no extremo oposto do hemiciclo parlamentar, encabeçava então as hostes do CDS/PP um político de gema, mestre na arte da manipulação de cariz demagógico, que, no fim da primeira década ficou conhecido pelos apelos ao voto junto das peixeiras do Mercado de Benfica, em contraponto com o Coordenador do Bloco que, ao que diziam, ali as não visitava.

A eficácia desta demagogia do centro-direita não é, no entanto, fácil de avaliar tendo como base resultados de eleições presidenciais, já que, desde 1996, o Partido não tem por hábito apresentar candidato próprio.  Mas a verdade é que o em tempos partido do táxi *) conseguiu, durante vários anos, manter uma representação próxima de quinze deputados, daí passando até para mais de vinte, e culminando com uma significativa participação ao nível do governo – experiência pela qual já noutros tempos havia passado.

Não poderia esta ascensão do CDS/PP deixar de ser associada ao pendor fortemente demagógico do discurso e do desempenho do Presidente do Partido, pelo que, embora sem suporte em resultados eleitorais independentes, este texto ficaria incompleto se aqui a omitisse.  Tanto mais que, em votos em eleições legislativas, estava o CDS/PP até ligeiramente acima de quem, à esquerda, o contraponto esboçava.

Voltando ao Bloco de Esquerda, à façanha de quase atingir os dois dígitos nas legislativas de 2009, seguiu-se um trambolhão para quase metade, após o que foi o Coordenador substituído por uma sucessora cujos dotes comunicacionais inatos, académica e profissionalmente desenvolvidos e progressivamente cultivados para as necessidades da vida política, voltaram a, decisivamente, elevar os resultados nas eleições legislativas.

Como candidata às duas eleições presidenciais do seu consulado, a Coordenadora escolheu a deputada ao Parlamento Europeu, militante cuja qualidade humana e simpatia inegáveis em 2016 valeriam ao Bloco dez por cento dos votos expressos*), a melhor marca de sempre obtida por um candidato presidencial recrutado nas hostes do Partido – ou do Movimento, como preferem chamar-se.

Talvez por essa razão, e com toda a justeza, foi a mesma Candidata selecionada como representante na eleição presidencial de 2021, altura em que também o discurso demagógico do Bloco esmorecera já bastante, tendo os seus dirigentes preferido como que sofisticar a mensagem, passando a propugnar causas fraturantes*) que apenas a algumas minorias poderão interessar, simultaneamente relegando – pelo menos aos olhos da opinião pública - para segundo plano a defesa dos tradicionais alvos que, em tempos, com o agora estiolado Partido Comunista Português costumava disputar.

As classes menos favorecidas, menos letradas, menos esclarecidas da população votante foram, por este processo, deixando de se rever nas causas defendidas pelo Bloco de Esquerda, que passou a ser cada vez mais conotado com a ideia de uma emergente esquerda que procura votos tentando impor, a maiorias democraticamente estabelecidas e consolidadas, minorias que talvez preferissem que as deixassem em paz.

Juntando esta inflexão do Bloco ao colapso do PCP, a ainda muito considerável massa menos esclarecida de votantes deixou de ver, nos partidos da esquerda, quem com alguma eficácia agitasse as águas, alguém que ainda desse a ideia de os estar a representar.

Erro fatal!


4. A Inversão da Tendência

Vai daí que num belo dia de 2019, tendo, à direita, o discurso demagógico do CDS/PP perdido o brilho com a saída do Presidente uns anos atrás, começaram os tais desiludidos eleitores a aperceber-se da existência, lá muito à direita, de um novo partido que, de forma para eles aparentemente muito mais promissora e exaltada, pretendia pugnar precisamente por aquilo com que, em tempos idos, lhes acenara sobretudo a esquerda.

É certo que este novo partido dizia, ao mesmo tempo, umas coisas de arrepiar, mas não há de ser nada; e é claro que aquilo não passa de disparates que, com o tempo, acabam por passar - além do que nada disso importa quando o discurso chega bem vivo, acutilante e brejeiro, de um tribuno de inteligência viva resposta pronta e palrar infrene, suficientemente incisivo para conseguir as hostes animar com uma lata bem apropriada a uma fatia básica e esquizofrénica da população, capaz de exigir o encerramento das escolas para, três semanas depois e sem consenso na comunidade científica, logo a necessidade da imediata reabertura alardear.

Concluiu, então, essa ilustrada mole que Chega! de ficar à espera de que o Bloco perca as peneiras, o PCP volte à vida, o PSD encontre alguém com o carisma necessário para protagonizar uma verdadeira oposição e o CDS/PP deixe os cuidados intensivos, tudo isto enquanto o PS continua, tranquila e desnorteadamente, a mandar.

A catalepsia política destes partidos foi habilmente aproveitada para, desembainhando a espada em pretensa defesa de alguns dos setores mais críticos do descontentamento laboral – professores, enfermeiros e forças policiais – e cavalgando a passadeira estendida por grupos profissionais dos mais insatisfeitos outrora no feudo do PCP, conseguir o Chega!, em tempo incrivelmente curto, a almejada e indispensável visibilidade inerente a uma elementar mas preciosa representação parlamentar.

Conseguiu tudo isto sem ainda se ter, sequer, estabilizado, estruturado enquanto partido, não passando, para já - e se quisermos ser muito simpáticos -, de uma heterogénea amálgama de gente saturada da bem patente incapacidade dos partidos do regime para gerir seja o que for.

Bloco e PCP, bem se esforçaram, então, por balbuciar sucessos associáveis à sua presença na geringonça governativa.  Mas como pode a generalidade dos eleitores, não militantes e pouco ligados a estas coisas da política, deixar-se sensibilizar por difusas alegações de autoria dos sucessos ou de partilhada responsabilidade positiva pelos mesmos?

Perspicaz, o Presidente do Chega! entendeu que, aos espíritos menos vocacionados para a política, com menos apetência para absorver informação, menos preparados, menos aptos, menos esclarecidos, quase iletrados – e tantos são, ainda! –, a ilusão de promissora eficácia tem muito mais a ver com energia, com vivacidade, com carisma, com o espetáculo proporcionado pelo permanente chasquear com os colegas parlamentares do que com visitas à sala poeirenta onde cada partido expõe troféus alegadamente ganhos em tempos passados que nada podem melhorar.  Como, no século XIX, alguém em França escreveu, “um governo seria eterno com a condição, de todos os dias, oferecer ao povo um fogo de artifício, e à burguesia um processo escandaloso”.  O Chega! sabe-o bem.

O que rende votos é o tom da mensagem, a vivacidade, o dinamismo, ser convicto e, sobretudo, falar a linguagem de quem nos ouve, trazer novidades, ainda que a suposta diferença se traduza numa bússola ideológica completamente à deriva, que a vivacidade roce a ordinarice e a aparente convicção se mostre irrepreensivelmente vazia de valores.  São, em grande medida, estas qualidades que levam o eleitor português que vota porque sim a encarar um partido como sendo o seu clube do coração, a vestir a camisola, a acreditar, a votar no seu candidato de eleição.  Insistir unicamente no debate das ideias, como se todos por elas se interessassem e fossem capazes de as entender, é estar, como acontece com a generalidade dos partidos tradicionais, em estado de alienação, de negação.

De facto, é tão sensato esperar que um eleitor comum perceba a fundo de política como que um doente seja perito em medicina.  A verdade é que sabemos escolher tão bem o medicamento ideal para nos curar, como o sistema melhor para nos governar.  Escolhemos, não o remédio, mas o médico, o governante e não o sistema político, assim nos interessando tão pouco a bula do remédio como o programa partidário; e eleitores comuns somos quase todos nós.

O Presidente da República reeleito sabe muito bem tudo isto, pelo menos, desde o dia em que mergulhou no rio Tejo*).  O Primeiro Ministro, vai aprendendo.  Ao Presidente do Chega!, corre nas veias sem ter de se esforçar.

No extremo oposto, fatigada, talvez, pelo esforço de exigentes anos passados como única deputada do Partido ao Parlamento Europeu, a Candidata do Bloco mostrou, na campanha eleitoral, evidentes sinais de fatiga e desgaste, de desânimo quase, que a invocação da batalha pelos cuidadores informais não chegou para obnubilar.

Já o PCP viu bem o perigo, a pontos de, em lugar de imolar na pira eleitoral um outrora sacerdote*) que ninguém conhecia, desta vez tudo ter jogado na decisão de optar pelo gambito do delfim designado para suceder ao atual Secretário Geral, nele tendo apostado todos os seus trunfos.  Mas o olhar parado, uma voz que mal se ouve e o discurso de antanho nunca poderiam tê-lo levado longe, mais a mais sempre apoiado na velha cartilha, agora ainda mais insonsa por ter sido enriquecida com a estafada lengalenga da defesa da Constituição*) - esquecendo-se de que que, por todos estarem ao cumprimento desta obrigados, nunca tão pouco original defesa moverá quem padecer de eleitoral indecisão.

Apenas se consolidou, desta forma, no eleitorado a ideia generalizada de que continuará a definhar até à morte o velho Partido, casado com uma inércia nele de tal forma entranhada que jamais conseguirá o divórcio ou, pelo menos, a separação; que bem sabe que o novo 'slogan' "O Futuro Tem Partido" mais não visa do que obnubilar a certeza de que a utopia dos ainda propalados, mas defuntos, ideais comunistas deu lugar à distopia de um futuro no qual, ao invés, nem nos bastidores o Partido tem lugar.

Continuou, entretanto, o Partido Socialista por ali a pairar à toa, sem que um candidato próprio tenha, às eleições de 2021, sido apresentado pelo partido da governação, apenas tendo, espontaneamente, avançado uma candidata independente - de apaixonado e nem sempre muito coerente discurso demagógico em decalque das tais causas da nova e sofisticada esquerda personificada pelo Bloco -, Candidata essa militando na zona mais à esquerda do Partido, área política que, deixando saudades dos tempos áureos do Procópio, se apresenta hoje deserta de verdadeiras figuras.

Dadas as inevitáveis inconsequência e falta de continuidade posteriores do seu gesto, não se entende bem o que, além de barulho e de dispersar os já escassos votos mais à esquerda, a tal Candidata a estas eleições foi fazer.

 

5. O Trambolhão

Para os supostamente indefetíveis eleitores de esquerda, naquele dia de Janeiro de 2021 lá se foi o Marx, mais o Lenine e a cartilha toda que, em boa verdade, nunca lhes interessou:   longe de serem indefetíveis, votavam em quem votavam apenas porque lhes faltava quem, à esquerda ou à direita, tivesse um discurso mais espetacular, mais demagógico e mais agitasse as pantanosas águas do sistema, mais os fizesse sonhar.

A grande ilusão da nação convicta implodiu espalhafatosamente, para gáudio dos oportunistas que, com pequenas alfinetadas em sítios judiciosamente escolhidos, num ápice esvaziaram a bolha da inanimada esquerda ao convencer boa parte dos votantes de que a defesa dos seus anseios prometida pela interminável, monocórdica e sincopada parlenda do Partido Comunista jamais iria, verdadeiramente, levar a bom porto a maior parte das reivindicações.  Fez-lhes ver que aquilo que o Partido há décadas para eles exigia, sempre seria, pelos detentores do poder – e mesmo no quadro da Geringonça –, concedido como uma esmola a conta gotas, unicamente destinada a suster aquela incómoda mania de fomentar e apoiar sucessivas paralisações laborais;  e que, no marasmo comunicacional das frases repetidas, repisadas até mais não se aguentar, as pouco invejáveis condições de vida desses eleitores iriam perdurar, até porque a medida colossal da sempre incómoda falta de liquidez do Tesouro jamais, foi, ou será, coisa de preocupar, apenas servindo para os fazer mudar de canal quando os entendidos dela começam a falar.

Perceberam eles, também, que a sua esperança não residia naquele estranho e cada vez mais apagado conjunto de pessoas que ocupa o cantinho mais à esquerda da bancada parlamentar, e cujos alegados impacto e eficácia na luta pelos direitos dos trabalhadores agora se não consegue vislumbrar, quase se limitando agora a perorar sobre causas fraturantes das tais minorias que, de tão badaladas, já ninguém tem, propriamente, apetência para apoiar, ou, sequer, paciência para delas ouvir falar.

Tirando os adeptos ferrenhos que gostam de ver o seu partido jogar na Sport Parlamento TV, o supostamente mui consciente e politizado povo português de esquerda não lê programas partidários, programas de candidatos presidenciais, programas seja de quem for:  quer é ver a vidinha resolvida por quem mais possibilidades lhe pareça ter de, expeditamente, a resolver, bem sabendo que lá não irá pela mão de quem durante mais tempo na campanha arrastar o seu desinteressante e pouco credível palrar;  e, quanto ao palrar, do que essa menos favorecida e mais volátil massa eleitora gosta mesmo é de os ver todos à bulha nos debates que as estações televisivas generalistas e noticiosas tão bem sabem explorar.

 

6. De Onde Fugiram os Votos

Meio milhão de fascistas portugueses vota no Chega!? *)  Claro que não.

Mas também pouco sentido fará atribuir o sucesso eleitoral do jovem Presidente desse novo Partido maioritariamente à migração de votos do PCP - no Alentejo, em Setúbal, onde for.  Embora tampouco seja despiciendo, em certa medida, fazê-lo:  por um lado, porque o segundo lugar em Beja, Évora, Portalegre e Setúbal não pode deixar de estar relacionado com a campanha de proximidade, quer física, quer do discurso, relativamente aos anseios da população;  por outro, porque, desta vez, o candidato do PCP não era um ilustre desconhecido, mas o próprio Delfim e deputado europeu, o que deveria ter servido para imprimir uma mensagem de confiança suficientemente forte para captar os votos da tal fatia menos esclarecida do eleitoral bolo, pelo que bem poderia ter conseguido melhorar, de forma expressiva, o resultado da votação.

Ao invés, os resultados percentuais em três destes distritos foram, até, ligeiramente inferiores aos de 2016 - não tendo comparação possível com os de 2011*) - o que permite dizer, numa extrapolação algo liberal para os resultados globais, que o eleitorado fiel e disciplinado do PCP ronda, quando muito, os quatro por cento, pelo menos em eleições presidenciais.

Por sua vez, o sofrível desempenho em campanha da Candidata do Bloco permite admitir que nela terão, também, votado quase unicamente os obedientes, ficando-se a base estável de apoio pelos mesmos quatro por cento.

Por fim, atentos a atitude trapalhona e o discurso mal alinhavado, quase entontecido e pouco propício a atrair multidões, os magros quase treze por cento obtidos pela Candidata da ala esquerda socialista levam a concluir pela possibilidade de ser essa, quanto à ala em que milita no Partido, a verdadeira representação.

Juntando estes três restinhos, terão ficado, para a habitualmente maioritária esquerda - esclarecida e convicta - uns bem medidos vinte por cento, devendo-se tudo o resto que noutras eleições em votos tem recebido à mais ou menos eficaz manipulação, pela mensagem, de um eleitorado flutuante que, basicamente, se está nas tintas para quem vai ganhar, desde que esse alguém o convença de que, antes de todos, será esse mesmo eleitorado que, com a escolha, terá a ganhar.

Os grandes vencedores da eleição presidencial de 2021 foram os que já sabemos:  os mestres da comunicação, cuja retórica capaz de fazer derreter o gelo e vibrar as pedras atrai às assembleias de voto largas centenas de milhar de votantes, mesmo que receosos de, ao deixar o voto, poderem levar, em troca, um virulento bicharoco capaz de dar cabo deles e dos seus.

Ganharam porque, ao contrário do que parece ser geralmente entendido, demagogia não é sinónimo de extrema direita.  A demagogia, de onde quer que venha, é, porventura, o instrumento mais eficaz para quem quiser aproveitar-se dos verdadeiros e incuráveis calcanhares de Aquiles da democracia:  a ignorância e o défice de consciência política e cívica de boa parte dos eleitores.

Ao que parece só o discurso demagógico - e popularucho – alguma vez logrará desviar as atenções da incompetência e do vazio político de um partido, tácito mas claríssimo e irrecusável convite à emergência de outros.

Independentemente da evolução futura do Chega!, os resultados da eleição presidencial foram um sério alerta, e a mensagem para os partidos do sistema é clara:  procurar, preservando a ética, apostar na qualidade e, sobretudo, no dinamismo da comunicação, adaptando-a não apenas às expetativas dos eleitores, mas, durante a campanha, também à capacidade de entendimento de cada segmento visado.

Talvez, acima de tudo, aos seus gostos e necessidades de evasão, de distração.

 

7. Hipótese

Entre os menos esclarecidos ou menos interessados eleitores de qualquer quadrante, o caráter mais ou menos demagógico do discurso político tende, nos atos eleitorais, a condicionar mais fortemente, respetivamente para mais ou para menos, o sentido da votação, do que a divulgação das grandes linhas programáticas de quem se candidata; e os resultados eleitorais são, cada vez mais uma medida de avaliação do desempenho das agências de comunicação.

Sic transit gloria mundi...