"A matéria-prima da liberdade é a educação"
"Longe de ser perfeita, a democracia não é segura, mas é a menos perigosa;
não é pura,
mas é a menos impura. Em países como o nosso peca, no
entanto, por ser sustentada por um eleitorado
cujo efetivo nível
académico e cultural não passa de uma miragem construída por políticos
para parecerem bem na fotografia"
"A democracia só funciona quando conta, maioritariamente, com eleitores
razoavelmente ensinados, educados
e politicamente empenhados e esclarecidos. Nunca, quando assenta numa turba
desinteressante, desinteressada e
preferencialmente dedicada às notícias da mais recente competição
desportiva, de preferência com muitos cartões de diversas cores,
insultos e pancadaria, para financiar os eternos comentadores, para animar
a coisa"
A credibilidade destas notícias é, já se sabe, a habitual nos nossos dias. Não deixa, no entanto, de ser relevante o facto de o diz-que-disse se arrastar ao longo de vários anos e de, agora, os factos aparecerem divulgados no âmbito de averiguações oficiais, necessariamente mais credíveis, que poderão, por uma ou outra rzaão, levar a ações penais*).
Acresce que uma leitura perfunctória dessas peças noticiosas poderá, com toda a naturalidade, levar-nos a, rapidamente, nos desinteressarmos do aliás desinteressante assunto, quando muito com a conclusão elementar de que, de verdadeiramente desportiva, a postura da pessoa muito pouco poderá ter (hipoteticamente, que diferença haverá, de facto, entre procurar falsear um resultado subornando um árbitro e fazê-lo recorrendo à bruxaria, quando é certo que, no espírito dos prevaricadores, sempre se estará a visar mais uma trafulhice entre tantas outras de que ouvimos falar, relacionadas com um desporto que alguns bem intencionados ainda gostariam de ver límpido e impoluto?)
O pior de tudo isto, é que, se quisermos complementar, com uma breve consulta à Wikipedia *), a leitura dessas notícias, ficaremos a saber que o ilustre suposto cliente dos bruxos é, além de personalidade proeminente na sociedade portuguesa, um menino bem nascido, ensinado em bons colégios particulares. Mesmo sem a Wikipedia, basta atentar na forma como a dita personalidade se exprime em pontuais aparições em entrevistas e afins para podermos concluir tratar-se de uma pessoa informada, esclarecida, de nível cultural muito acima da média, educada, civilizada… que nem por isso deixará de ir à bruxa com a mesma facilidade com que vai a Fátima pedir ajuda a alguém que muitos parecem considerar a padroeira dos clubes de futebol.
Perante esta possibilidade, veio-me ao espírito a inevitável pergunta: quantos mais destes cidadãos supostamente esclarecidos e evoluídos por aí haverá, como ele, e mais educados e ensinados do que ele, até?
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Não deixa de ser verdade que o dirigente do nosso exemplo não detém um grau académico de nível superior; mas não é menos verdade que, no que à educação e à cultura diz respeito, merece lugar de destaque, muito acima da mais grossa fatia dos licenciados que vemos por aí.
Independentemente do nível de estudos e do grau de erudição, por parte da mole
humana, de proporções pouco divulgadas, que despende rios de dinheiro com os
mais do que discutíveis mas principescamente pagos préstimos dos ditos
videntes, o exercício do direito de voto em eleições democráticas parece, antes,
caracterizar-se pela escolha de quem legisla e irá governar segundo os mesmos
critérios básicos, elementares, idiotas, apavorados, adotados nas decisões de
consultar estes magos. Vivemos, na verdade, no meio de uma população
fortemente permeável à manipulação pelo marketing - seja ele
comercial, feiticeiro ou partidário - e, claro, ao espetáculo mediático
que técnicos altamente especializados na arte do engodo encenam para os atores
políticos poderem mostrar o que, maioritariamente, não são, e que se encontram
em patamares de excelência e de competência a que jamais conseguirão
chegar.
Encenam estes técnicos, magistralmente, campanhas eleitorais que nada esclarecem quanto às ideias e aos princípios, antes se tornando progressivamente mais focadas na capacidade de se exibir, na tendência para o estardalhaço por parte de quem os partidos escolhem para por eles dar a cara como candidato em sucessivas eleições. Isto, porque qualquer político muito bem sabe que são mínimas as probabilidades de sucesso nas urnas sem o espetáculo pimba, sem as provocações gratuitas dirigidas aos adversários, sem os acalorados debates denegrindo a qualidade dos opositores... e com pouco ou nada sobre linhas programáticas que, ao fim e ao cabo, a poucos interessam, que quase ninguém entenderia, e que fazem muita gente mudar de canal quando a conversa envereda por aí, levando a que boa parte dos telespectadores deixe de conseguir descodificar e, muito menos, assimilar o que nela é dito.
A ditadura é em mais calma, que remédio. Mas terá de ser tão pateticamente animada e extremada a democracia?
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Em abstrato, a ditadura em si mesma nada tem de mal, desde que o ditador seja movido por bons propósitos - o que se tem demonstrado uma impossibilidade prática, bem sei - e, também, competente. Inversamente, a democracia pode revelar-se bem nociva, caso os eleitos apresentem inversas características.
A vantagem inegável e indispensável da democracia, em relação à ditadura, reside, essencialmente, na possibilidade de ser a ação legislativa e governativa sujeita a escrutínio através do voto popular, sempre estando na mão de quem vota pôr fim a eventuais arbitrariedades e desmandos mediante a entrega do poder a outro partido… que, a curto ou médio prazo, os eleitores irão também remover do poder a fim de pôr fim às respetivas arbitrariedades e desmandos; e assim sucessivamente, até que um dia, desgastada pelo uso e abuso de uma alternância exageradamente competitiva que em nada contribui para sedimentar a República e serenar os ânimos, a democracia acabe por soçobrar.
Não se estranhe, assim, quando alguém pretende que “a democracia ainda é a pior forma de governo que existe, se excetuarmos todas as outras”.
Longe de ser perfeita, a democracia não é segura, mas é a menos perigosa; não é pura, mas é a menos impura. Em países como o nosso peca, no entanto, por ser sustentada por um eleitorado cujo efetivo nível académico e cultural não passa de uma miragem construída por políticos para parecerem bem na fotografia, e para assegurar a empregabilidade e o lucro nas universidades, institutos e quejandos que vão criando cursos vazios, de interesse escasso ou nenhum mas que, como qualquer outro, dão direito ao almejado mas insignificante diploma cada vez mais desvalorizado pelos maus tratos que o ensino tem, há largas décadas, sofrido e continua a sofrer em Portugal.
Uma educação efetiva, sólida, encorpada por um ensino estável, responsável, com visão estratégica, ministrado por quem sabe e não por quem se supõe que deva saber, numa sociedade com valores éticos que se sobreponham aos chamamentos da fachada, da ganância e dos mais desprezíveis aspetos de um desejavelmente saudável mercado é requisito indispensável a qualquer verdadeira democracia.
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Quando a maturidade, política ou não, de boa parte dos habitantes, mesmo dos mais educados e ensinados, ainda reside nos conselhos da bruxa, quando, se os deixassem, às vacinas prefeririam as mezinhas e, aos medicamentos, as poções; quando pensam pela boca e pela pena dos outros, abdicando do direito sagrado que a democracia lhes confere - pelo qual tantos tanto lutaram e sofreram… - de cada um pensar pela própria cabeça e, esclarecidamente, agir e votar por vontade própria, ninguém poderá insurgir-se contra a ideia de que eleitor é o “indivíduo que goza do privilégio sagrado de votar na pessoa escolhida por outro indivíduo”.
A democracia só funciona quando conta, maioritariamente, com eleitores razoavelmente ensinados, educados e politicamente empenhados e esclarecidos. Nunca, quando assenta numa turba desinteressante, desinteressada e dedicada, antes de mais, às notícias da mais recente competição desportiva, de preferência com muitos cartões de diversas cores, insultos e pancadaria para animar a coisa, e assim garantir a publicidade, impiedosamente impingida aos basbaques, que irá financiar, nas televisões, as horas arrastadas dos eternos comentadores.
Sabia-o muito bem o Presidente do Conselho que, notavelmente, sintetizou a ideia na que se tornou, provavelmente, na mais conhecida frase por ele proferida: "O que nós queremos, é futebol! *)". Foi essa apetência desmedida das massas pelo supérfluo como elemento estruturante da sociedade que lhe deu pulso livre para, juntamente com os seus sequazes, durante décadas privar da liberdade toda uma população que então não sabia e hoje não sabe que a matéria-prima da liberdade é a educação.
A simples ideia de eleições supostamente livres num regime democrático feito de gente civicamente pouco educada e pouco habituada a pensar mais não é do que uma perigosa falácia, de efeitos tão previsíveis quanto indesejáveis. “Como é bom para os governantes que as pessoas não pensem!”*)... como um dia disse aquele que foi, porventura, o mais pérfido dos ditadores...
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