quarta-feira, 25 de agosto de 2021


Leonardo da Vinci


"
Todo aquele que se apaixona pela prática, sem ligar ao conhecimento, é como o marujo, que entra no navio sem leme ou bússola, e nunca sabe ao certo para onde vai"

"Quelli che s’innamorano della pratica senza la scienza, sono come i nocchieri che entrano in naviglio senza timone o bussola, che mai hanno certezza dove si vadano"

Leonardo da Vinci *)                
 Trattato della Pittura           


Um pungente exemplo da falta de rigor e de rumo de que fala Leonardo
será, sem dúvida, aquilo que, de forma cada vez mais preocupante, se passa com a

LÍNGUA PORTUGUESA,

domínio onde grassa a tendência para a afirmação perentória de posições não fundamentadas, invocando regras gramaticais inexistentes ou interpretadas ad libitum.

Não perca, no correspondente separador no topo desta página,
diversos artigos polémicos sobre temas com ela relacionados.

segunda-feira, 23 de agosto de 2021


Shirley Bassey: Moonraker Theme

"Where are you? Why do you hyde?"

Goste-se ou não dos filmes de James Bond, ache-se a história mais ou menos banal ou vazia, diga-se que tudo aquilo não passa de uma demonstração de maestria dos efeitos especiais, critique-se como se quiser: a voz de Shirley Bassey, a música de John Barry e a letra de Hal David tornam o tema de Moonraker uma obra prima, não apenas da música cinematográfica, mas de qualquer música, em qualquer lugar.

sábado, 21 de agosto de 2021


Talibãs e Talitugas

"Para a semana há reunião da concelhia.
Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.
Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!
Hádes vir também!"

O medos dos Talibãs

Sozinhos no vazio, sentimos medo.

Quando o vazio somos nós, domina-nos o pânico.

Com o pânico, vem o oportunismo de outros, vazios como nós, mas que têm a vantagem de uma ou outra habilidade a que chamam competência e com a qual se propõem, para nos salvar do avassalador vazio, preencher a nossa vida e, ao mesmo tempo, o ego ou a carteira deles..

- x -

O grande sonho da maior parte de nós é ter dinheiro: muito, mas muito, dinheiro, como se fôssemos um daqueles ídolos que gostam de relaxar na gaiola (perdão, marquise) da cobertura (perdão, da penthouse, que com estas coisas não se brinca…), enquanto contemplam, numa tela (perdão, écran) panorâmica o anúncio em que uma progenitora balbucia, por entre a resplandecente dentadura que não é dela, uma catadupa de sons ininteligíveis num anúncio de uns óculos belíssimos mas tão acessíveis que até podem ser comprados por nós, pobretanas vazios e ridículos, que, em hipnótico desvelo, nos embasbacamos a contemplar riquíssimos pategos não  menos  vazios e ridículos – que, naquilo que importa, pouco ou nada valem -, pela simples razão de terem sido tão bem sucedidos depois de, coitaditos, terem nascido tão pobrezinhos.

Ou como uma qualquer histérica e desbocada milionária que viva do vigor de umas cordas vocais que pareçam apenas vibrar para e com a brejeirice, que se ache maravilhosa e cujo maior sonho da vida seja trepar por cima daqueles empecilhos que a não deixavam brilhar e acabar a mandar neles; e numa coisa grande, assim como, sei lá, uma televisão.

Ou como outros como eles que, não sendo habilidosos na política, o sejam – e de que maneira! – com os milhões dos outros, até ao momento em que nem os bancos, nem as associações desportivas, nem os poderes públicos consigam continuar a olhar para o lado porque alguém se terá descaído e propagou aquele vírus tinhoso, comichoso, chato e incómodo chamado informação.

Se não pudermos ser ricos e famosos como eles, enfim, ao menos termos o dinheirito suficiente para mostrar aos outros palermas que somos mais ricos do que o pai daquele rapaz que é colega do meu e só teve férias num acampamento daquilo lá da escola - não me lembra agora o nome – e ainda queria ser um tipo importante na secção do partido cá do bairro, como eu.

A estes tolos ambiciosos, serve muito bem a miragem do dinheiro ganho ao jogo, em que o bom do bestializado tuga das jolas e dos pistachos baralha, parte, dá e eructa alarvemente quando a vida lhe corre mal; e, ao jogar, fica mais pobre, muito mais pobre, de dinheiro e de intrínseco valor.

O Jogo é uma treta
Outros de nós, com alguns estudos e miolos mas nem por isso menos anestesiados tugas do que os outros, topam logo, matreiros, que isso do jogo é uma treta, e que o que é a gente ir para aquele partido para onde também foi o habilidoso lá do bairro que hoje manda em tanta coisa, veste e come aquilo que quer, tem a casa e o carro pagos, viaja por todo o Mundo, toda a gente conhece, tem motorista e até vai à televisão, enquanto o burro do meu homem o mais que recebe são as ordens do patrão, a troco de uns miseráveis trocos ao fim do mês que lá deram para a consola nova de jogos para o miúdo mas o passe social é, cá em casa, o principal meio de locomoção.

Ou era, porque vieram aí uns senhores com um contrato para assinar e vamos ter um carro daqueles elétricos*) que entregam cá na Sexta-feira*), para irmos, no Sábado, à reunião da concelhia e, depois, ter com aquele primo da Trudes que pinta uns quadros e até nos convidou para… ai! como é aquilo… qualquer coisa que acaba em age… ah!, pois, a inauguração.

- x -

No fim da extensa lista que aqui não teria lugar, há aqueles de nós que não têm dinheiro, não têm miolos, não têm estudos, não acreditam no elevador social da política, não têm o que quer que seja além da enorme vontade de que alguém lhes diga que são alguém. Pelo menos, algo mais do que o outro que mora ao lado e cuja única afinidade connosco é o vazio imenso, o vazio de tudo, um vazio tão grande que não temos dinheiro para preencher com casotas, com ferrares, com trapos, com palmeiras, piscinas e long drinks; só, mesmo, com os pistachos e as jolas. Um vazio tão grande que já nem pode ser preenchido pelas emoções primárias que põem milhões aos urros e à batatada dentro e fora de um estádio de futebol.

A estes de nós, resta a ilusão da transcendência, da elevação daquela ilusão a que chamam espírito, não por qualquer manifestação do mesmo, mas pela sensação de pertença a quem um dia, algures, nos há de compensar de tanto sofrimento, a quem devemos cega obediência, ainda que à custa das maiores atrocidades e violências sobre o próximo, embora sem saber o que essa providencial divindade ao certo quer de nós.

Ou melhor: sabemos porque nos disseram, porque nos disse alguém que fomos ouvir falar naquela reunião prenhe de elementar misticismo e havida num ambiente de paupérrima encenação, em que um chefe religioso de olhos esbugalhados, aura impiedosa e sorriso cínico nos enviou a fazer explodir em bombas uma interpretação espúria e despudoradamente manipulada da mensagem do Além.

A missão consiste em impor, pela força, a mensagem aos resistentes, privando-os das formas mais elementares de liberdade que apenas subsistem nas vidas e nas mentes retrógradas e estúpidas dos alucinados ideólogos e promotores.

Terra atrasada com um punhado de bestas
Para o conseguir, numa terra atrasada e com a voz da maioria emudecida pelas armas de um punhado de bestas, mobilizam eles outras mentes gananciosas e estultas com ocas promessas de imortalidade – ou de, caso adiram, simplesmente os deixarem viver… -, eliminando os mais fracos, cativando os rapazes, espezinhando as mulheres – coisa que, por cá, não há de chocar muito certos magistrados de tribunais superiores que escrevem coisas que nos poderiam levar a pensar que essa coisa de maltratar mulheres é assim mesmo, e até está muito bem*).

- x -

Quando a divindade tornada fera implacável inventada por uma torpe interpretação das escrituras pede com mais força que os bravos alarves aniquilem os detratores daquilo a que chamam fé, os americanos não gostam do exagero não autorizado nas conversações – três mil conterrâneos mortos, caramba, é demais! -  e entram por ali dentro para garantir que os outrora aliados ficam sossegadinhos pelo menos durante um prazo razoável para que aquele disparate do estupor do Bin Laden em Setembro se desvaneça um pouco da memória das dóceis e ditas civilizadas formigas dos States, tão dóceis como as que civilizadas não são - no resto do Mundo, claro.

Enquanto lá estão a aplicar o corretivo, ocupam pela força, impõem as suas regras, libertam… os corpos, apenas os corpos.

Por ser nada mais do que a restrição da liberdade dos corpos, a mudança resultante da ocupação é ilusória e efémera. Os invasores não educam, não procuram aproximar-se, entender, dedicar àqueles que andam naquilo contrariados uma palavra amiga, um diferente olhar, enfim, algo que os afaste do arrepiante caminho que escolheram ou os obrigaram a trilhar (não muito mal comparando, até faz lembrar a recente legislação publicada sobre a alimentação nas escolas cá da terrinha, feita à pressa e que, em lugar de educar, se limita a proibir).

Depois, cansam-se os americanos de esbanjar dólares com a presença militar, os aliados e também fazem contas aos euritos, aquilo já não faz sentido, eles já devem ter aprendido a lição, e… Butes? Bora lá!

Começa, então, a debandada daqueles que acreditaram ter vivido o ideal da liberdade, o maior sonho das suas pobres vidas prestes a acabar pela força, ou a ser brutalmente desalojadas pela fuga num avião de carga americano qualquer, possibilidade única de sobreviver para ir alimentar o mesmo sonho noutra terra também qualquer.

O que os aliados europeus parecem não ter, ainda, entendido é que o impacto causado pelo drama brutal e pungente destes candidatos a refugiados acontece, sobretudo na Europa: ninguém foge para países ainda mais pobres e subjugados por tiranos... ou por terra ou num bote para os riquíssimos Estados Unidos da América. Afinal... America First!

- x –

Por cá, as autárquicas estão aí à porta e, com elas, a vazia e desoladora campanha habitual.

Para a semana há reunião da concelhia.

Tenho de mandar lavar o carro novo que parado à porta.

Aquilo é giro, , e tu mereces melhor do qu’ó que tens!

Hádes vir também!

* *

A par de toda esta triste figura que não passa, afinal, do resultado de uma necessidade quase compulsiva de seguir os ídolos, a moda, continuam estas pessoas a querer passar por originais, diferentes, alguém digo de se contemplar com admiração.

(leia aqui o desenvolvimento)


quarta-feira, 18 de agosto de 2021


Agostinho da Silva




"
Provavelmente, o verdadeiro génio
é aquele que foi criança até ao fim
"


    Agostinho da Silva*)         
    Entrevistado por Herman José   
no programa "Conversas Vadias"*)



Caso se interesse por
QUESTÕES SOCIAIS
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Mosaicos em Português

segunda-feira, 16 de agosto de 2021


Tieta


Tieta (telenovela)
Imagem: tudosobreprodutos.com
O fanatismo religioso de Perpétua (Joana Fomm) & Companhia, a pedofilia do Coronel Artur da Tapitanga (Ary Fontoura), o comcubinato de Modesto Pires (Armando Bógus), o impagável e ridículo casalinho Eliza e Timóteo d'Alemberti (Paulo Betti e Tássia Camargo), o machismo parolo de Zé Esteves (Sebastião Vasconcelos) para com a sua mulher Tonha (Yoná Magalhães), a sabedoria de Osnar (José Mayer), Dona Milú (Miriam Pires) e Padre Mariano (Cláudio Corrêa e Castro) e tantas outras personagens geniais, inesquecíveis, de uma história que vai até ao mais fundo da essência do ser humano, evidenciando de forma magistral a podridão que jaz sob a capa das mais ingénuas e pias aparências. 

Numa época em que as telenovelas nacionais e brasileiras se caracterizam, antes de mais, por histórias de situações forçadas, contadas por atores cada vez mais pobres de formação e de talento - mais conhecidos por aquilo que vão afixando nas redes sociais do que pelo mérito intrínseco do desempenho em cena -, chega a ser comovente recordar a que foi porventura - que isto de gostos, já se sabe... - a demonstração maior de que é possível, sem artifícios publicitários e unicamente devido ao mérito intrínseco, manter uma audiência presa ao televisor durante meses a fio.

Tieta, com muito prazer.


sábado, 14 de agosto de 2021


COVID: O Palácio das Araras

"Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará,
nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos:
é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada,
que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação
"

          1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas
          2. Vacina-se os Miúdos ou Não?
          3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social
          4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão
          5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

 

Importância da Sustentação Científica
1. Da Importância da Sustentação Científica das Opiniões Formuladas

No Estado de Direito, é entendido como do mais elementar bom senso – e a lei prevê – que um decisor que não domine determinada área do conhecimento recorra à opinião de peritos visando o rigor da decisão a prolatar, bem como a clareza de uma exaustiva e clara fundamentação.

Tal recurso à presumível sapiência de terceiros pressupõe, necessariamente, que o laudo produzido por cada perito consultado se sustente em saber estabilizado e adquirido segundo as regras do método científico, sob pena de acabar o decisor enleado numa amálgama de opiniões díspares que, em lugar de contribuir para o desejado esclarecimento, apenas irão a sua ignorância nestas coisas acabar por aumentar.

Ainda assim - ou seja, mesmo quando os diversos pareceres solicitados se baseiam numa mesma ciência antiga e são redigidos de acordo com os procedimentos preconizados -, não é raro chegarem os respetivos autores a conclusões substancialmente distintas, já que, contrariamente ao que às vezes por aí se diz, conta bem menos o volume do conhecimento do que a efetiva capacidade para corretamente o processar, para, daquele que existir, alguma coisa aproveitar.

A situação agrava-se, evidentemente, quando a ciência consultada não é antiga nem conhecimento, verdadeiramente, existe porque o problema é recente e ninguém domina uma matéria que não houve tempo para, serena e exaustivamente, investigar.

Assistimos, então, a espetáculos tristes por parte de desesperados e desabridos gestores ou governantes que ficam sem saber o que decidir e como manter confiante e tranquila uma população tão ignorante como eles nestes assuntos – e muito bem, porque, se cientistas existem de determinada área, é porque tudo de tudo todos não têm de saber -  e ávida de orientações e esclarecimentos coerentes e seguros, ou que, pelo menos, pareçam fidedignos, que estimulem a vontade de os seguir e de à lei obedecer.

Atarantados, não cessam, pelo contrário, os atores sociais e políticos de ainda mais inquietar os espíritos, lançando na comunicação social o debate tipicamente estéril que, de forma inevitável, nasce do costume de espalhar aos quatro ventos todas as palavras alguém diz, seja lá o que for, seja lá quem for, como que procurando transferir para os desgovernados a obrigação de, em cada caso específico, decidir sobre aquilo que não conhecem, e deixando-os sem saber o que fazer nem em quem, afinal, acreditar.

Políticos escondidos no buraco do avestruz
Inversamente, poderá, também, dar-se o caso de outros desesperados gestores ou governantes se acoitarem no buraco do avestruz, na toca estreita da inação, esperando que peritos e ólogos disto e daquilo se matem e esfolem em debates mais ou menos espalhafatosos mas sempre inconsequentes, esquecendo-se de que, para que da discussão nasça a luz, necessário se torna que ela se processe sobre conhecimento validado e objetivo, e não sobre qualquer sandice que saia da pena ou da boca de quem, pouco ou nada sabendo do assunto, da quantidade do que lhe sai da pena ou da boca depende para viver.


2. Vacina-se os Miúdos ou Não?

Enquanto, na imensa praia da insanidade comunicacional típica do Portugal de todos nós o areal vai, a cada dia que passa, ficando cada vez mais poluído, decisões de sentido inverso vão sendo tomadas em regiões distintas do País. Foi o que aconteceu na Madeira, onde, a despeito da recomendação de sentido contrário da Direção-Geral da Saúde – e não de Saúde, como alguns peritos e alguns ólogos, quiçá por soar mais chic gostam de dizer -, se decidiu inocular os menores com idades entre os 12 e os 16 anos*), independentemente da existência ou inexistência de patologias – direito esse que, diga-se de passagem, à Região Autónoma plenamente assiste, nos termos constitucionais.

Não pode, porém, ignorar-se que, se a disparidade de critérios e de fundamentações que grassa Europa fora é, já de si, sintomática do desnorte que por aí reina na ciência destas coisas, torna-se, para a fiabilidade do que cientificamente é dito, simplesmente catastrófico que, para salvaguardar particularidades da economia de determinada Região ou por mera ânsia de protagonismo político, sobre questão são importante e sensível como a vacinação de menores se não entenda uma região autónoma com o poder central - por muito débil que este possa ser mau grado o folclore gerado por cada vez mais frequentes e indisfarçáveis tiques ditatoriais.

Mais grave, porém, será o facto de a Direção-Geral da Saúde e a Ordem dos Médicos terem posições diametralmente opostas sobre este tema da vacinação de menores*).

Note-se que se trata de entidades que, desejavelmente, não estão a proferir opiniões de natureza política: em ambas pontificam cientistas das mesmas áreas do conhecimento que estariam, supostamente, a pronunciar-se de forma sensata, ponderada e cientificamente sustentada sobre matérias da sua especialidade, visando, unicamente, proporcionar aos tais mais ou menos desesperados governantes os elementos necessários à tomada de decisões políticas - decisões essas que acabam por quase sempre tardar, por ficarem os governantes à deriva num confuso oceano de contraditórias opiniões.

>A Cereja no Topo do Bolo
A cereja no topo do bolo da descrença popular vem-nos do facto de,
dentro da própria Ordem, os médicos não se entenderem quanto ao que devem recomendar*); e, cereja ainda mais saborosa, que, dias mais tarde e, ao que consta, por atuação direta do Senhor Presidente da República no exercício da magistratura de influência para a qual por todos nós foi mandatado, a Direção-Geral da Saúde lá acabe, a contragosto, por dar o dito por não dito e passe a dizer que, ah!, afinal, as coisas não são assim tão simples e os miúdos sempre são todos para vacinar!

Bonito!

Não obstante, entende o Senhor Primeiro-Ministro que não se trata de ziguezague - como, à manobra, um definhado partido da oposição chamou à cambalhota -, mas sim de "evoluir na decisão"*)... mais propriamente, evoluir precisamente para a decisão contrária, com os mesmos dados disponíveis e, praticamente, uma semana depois.

Fala-se muito de linguagem inclusiva, mas esta é simplesmente exclusiva, na medida em que exclui do seu entendimento os olhos e os ouvidos de pessoas minimamente inteligentes e de boa fé, que apenas procuram entender o que se passa, sem estar preocupadas com votos ou campanhas eleitorais, como, por maioria de razão, a um Governo conviria em tempo de tão graves e sensíveis decisões.


3. A Chinfrineira Muda na Comunicação Social

No século passado, era eu ainda mais miúdo do que os miúdos cuja vacinação tanta celeuma hoje levanta, levava-me a minha Mãe ao Palácio das Araras, no Jardim Zoológico de Lisboa.

Cá de fora, pouco se dava por isso. Mas, uma vez lá dentro, o diálogo entre humanos tornava-se completamente impossível, tal era a chinfrineira saída dos bicos das animadas e tagarelas aves.

O mesmo se passa hoje com a vozearia que, sobre assuntos relacionados com a COVID, por aí vai nos jornais e televisões, resultando numa chinfrineira muda, vazia de mensagem, já que ninguém ouve nem ninguém se faz ouvir, com um mínimo de respeito e de credibilidade, no meio de tanto alarde, de tanta vontade de se pôr em bicos de pés a dizer “eu é que tenho razão!” quando lá se arranja maneira de, uma vez mais e ganhando ou não uns trocos, aparecer na televisão.

Manifestamente, não se baseiam estes discordantes palradores em dados cientificamente recolhidos e validados, uma vez que, em quantidade e com fiabilidade suficientes, os não há: proferem palavras tiradas da mera dedução lógica a partir de algumas notícias e elementos insuficientemente interpretados e testados. Ou seja: deitam-se a divinhar, como, mais coisa, menos coisa, qualquer um de nós seria capaz de fazer.

Missão de Informar De nada vale o brocardo segundo o qual, quando um burro zurra – digamos assim -, os outros baixam as orelhas: todos sabem que ninguém sabe, mas todos fazem por parecer que sabem, porque, para esta gente, é “vergonha” não saber.

Mas a título de quê e com que legitimidade ou direito tanto palra esta gente toda?

Até quanto a ânsia narcísica e obsessiva de um se fazer notar continuará, nesta atrasada e mal governada terrinha, a opor-se ao interesse de todos?

4. Missão de Informar versus Liberdade de Expressão

Estruturalmente, a democracia é um regime político muito fraco, dada a facilidade com que se usa e abusa na interpretação dos direitos, garantias e liberdades constitucionalmente reconhecidos, invocando-os para tudo e mais alguma coisa em proveito exclusivo de um indivíduo ou de um grupo restrito, sem que alguém tenha a coragem de a tal se opor. Se o fizer, o mais certo será deparar-se com acusações de ser fascista, ditador e mais isto e mais aquilo, como sempre acontece quando alguém procura, no exercício de direitos ou de deveres e com a melhor das intenções, moderar o exercício das amplas liberdades da democracia por parte de quem delas abusa e volta a abusar.

Já, a propósito dos festejos da vitória do Sporting na Primeira Liga de futebol, aqui falei sobre a confusão entre, por um lado, o direito de cada um manifestar as suas posições e ideais políticos e, por outro, invocar tal direito para atividades que nada têm com os direitos garantidos na Constituição.

O abuso da liberdade de expressão em tempo de pandemia é claramente, mais um destes casos.

Na verdade, aquilo a que diariamente assistimos nas televisões não é o exercício do direito de livremente exprimir posições políticas sobre o assunto, posições essas que, efetivamente, todos têm o direito de manifestar e todos têm o direito de conhecer.

O que se escreve nos jornais e passa nas televisões são conclusões meramente técnicas e, quase sempre, não fundamentadas sobre matéria científica que apenas meia dúzia de portugueses se encontra em condições de escutar e interpretar. Para a multidão restante, são coisas sem qualquer interesse prático, sem conteúdo político, apenas destinadas a preencher tempo de antena quando nenhuma catástrofe ou desastre espetacular em Portugal fornece matéria para vender anúncios, e cujo principal efeito é espalhar a confusão, descredibilizar as decisões e convidar, por desconhecimento ou descrédito, à prática de sucessivas infrações.

Direção-Geral da Saúde
Não se trata, neste caso de, ao espalhar por aí palavras a esmo, a Direção-Geral da Saúde, a Ordem dos Médicos, os epidemiologistas, os outros istas, os ólogos, os espertalhões, os jornais e as televisões estarem no exercício de qualquer direito previsto na constituição, designadamente o direito à liberdade de expressão: trata-se, antes e muito evidentemente, de uma clara violação do dever social de contenção, de reserva, sobre temas que não são do interesse da generalidade de uma população que tudo quanto quer é saber o que é para fazer, porque é isso que importa: é isso que, se cumprido, poderá ainda ter alguma eficácia e, da COVID e do seu Exmº Vírus, em alguma medida evitar maior propagação.

Afinal, o que queremos, verdadeiramente, quando vamos ao médico? Simplesmente, que nos passe a receita e instrua quanto à posologia. Às discussões técnicas, que nos poupe e as tenha em local próprio e com os colegas de profissão!

É no INFARMED, e não na praça pública, que deve ter lugar o debate entre cientistas que falem a mesma língua e que, nesse e noutros fora da especialidade, expressem livremente as suas opiniões, procurando chegar ao bom porto de alguma válida e, finalmente, eficaz conclusão, na falta da qual o Governo ficará desobrigado de seguir o resultado da difusa e inaproveitável discussão - mas, mesmo assim, obrigado a decidir com base no bom senso e segundo os mais altos e saudáveis ditames da administração.

Não é ciência aquilo que, todos os dias e a todas as horas, nos entra pelos olhos e ouvidos: é uma vozearia ignorante, pedante, oportunista e, por vezes, desesperada, que apenas contribui para agravar a já catastrófica situação.


5. Pluralismo no Debate versus Motivação para Aparecer na Televisão

Bem, dir-se-á, mas, no INFARMED isso já é feito, os especialistas já debatem estes temas antes e durante as famosas reuniões.

Pois sim, mas o que, aparentemente, acontece, é que, convenientemente, não são convidados cientistas de todas as tendências para essas reuniões, assim restando aos excluídos e ignorados badalar cá por fora as razões pelas quais discordam das conclusões.

A assim não ser, isto é, se existe o cuidado de garantir que participam nas reuniões especialistas com as mais diversas visões do problema, serão os vencidos no debate que, dando mostras de ausência, nos seus espíritos, da mais elementar noção de ética, vêm publicamente - e de forma mais ou menos equívoca – destilar o fel que, da derrota no debate, lhes ficou. Ou, então, os medíocres que querem, à viva força, ser alguém mas nada de útil têm a acrescentar e já ninguém tem paciência para ouvir, sem que por isso se coíbam de bater à porta desta ou daquela estação televisiva onde lá acabam por encontrar alguém que, por sua vez, conhece alguém que, a troco de uns minutos a encher com alardeada erudição uma antena desprovida de interesse, lá arranjam maneira de, no próximo jantar em família, exibir o vídeo de mais aquela vez em que as importantes criaturas foram à televisão.

- x -

Os editores dos jornais e os diretores de informação das televisões prestariam bem mais válido e sério serviço público se, em tempos tão complicados e difíceis, se recusassem a incentivar e a amplificar a chinfrineira destas araras que nos enchem olhos e ouvidos com a sua ignorante confusão; se pensassem um pouco menos em tiragens e em audiências e se abstivessem de dar eco a quem o não merce - ainda que substituindo o interminável rosário de opiniões dos entendidos por cacofónicas crónicas futebolísticas com vocabulário mais ou menos anedótico ou por mais um programas pimba apresentados por gente cada vez mais mal preparada e mais desinteressante.

Agiriam, assim, em defesa do legítimo interesse do público que os sustenta e a quem se dirigem, em lugar de dar palco a quem, falando daquilo que supostamente sabe sem, efetivamente, algo saber, apenas perturba a paz social, desacredita o legislador e as leis que produz, e assim torna ainda mais incerto e confuso o que já tão difícil é entender.

Em circunstância nenhuma será boa ideia aumentar a depressão e o pânico numa martirizada população e em desnorteados governantes que, manifestamente, não fazem a mais pequena ideia do que ainda poderão fazer, sem meter o pé na argola e sem dar cabo da próxima eleição.