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quarta-feira, 24 de novembro de 2021


Maria José Morgado


 

"A única maneira de defender a liberdade

é limitar a liberdade de cada um"

Maria José Morgado*)
(entrevista a 'Por Outro Lado - RTP) 




Aplica-se, antes de mais, à necessidade de privar da liberdade quem comete crimes, claro está.

Mas não será abusivo lembrar este princípio também quando falamos das investidas de certas minorias de escassa representação na comunidade que, embaladas pelos anseios eleitoralistas de certas forças políticas,  procuram, mais do que defender os seus legítimos direitos, impor aos outros ideologias globalmente rejeitadas por uma maioria que, em democracia, tem todo o direito de o fazer, precisamente por ser uma maioria e por, em democracia, prevalecer, até no voto, o primado da maioria.

Ou terão as coisas mudado tanto que assim já não será?

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sábado, 6 de novembro de 2021


Desventurosa Retratação!

 

Mesmo tendo a retratação pública sido imposta, não bastaria dizer que,
afinal, a família injuriada não era composta por bandidos,
impondo-se que o Presidente do Chega! perentória e expressamente reconhecesse o erro moral,
a censurabilidade social da conduta e do pensamento e da ideologia a ela subjacentes


A inevitável subjetividade inerente ao modo como a retratação pública é realizada apenas é comparável à subjetividade da avaliação da eficácia da mesma por aqueles a quem ela compete, designadamente no que se refere à proteção do bem jurídico da honra do ofendido, sem esquecer o valor que a ampla divulgação da execução da sentença deverá representar para a prevenção da proliferação de condutas do mesmo tipo.

Maior ou Menor Carga Subjetiva
A despeito da maior ou menor carga subjetiva que comporte, o cumprimento de qualquer obrigação deve ser pautado pelo princípio da idoneidade, da adequação ao bem jurídico e social prosseguido, não sendo, pois, admissíveis, quer a retratação equívoca ou incompleta, quer a que se revista de falsidade ou hipocrisia.

- x -

Para que seja plenamente eficaz, bastará a uma retratação equívoca ou incompleta ser clarificada ou complementada com os elementos indispensáveis à perfeita compreensão, não apenas do sentido, mas também da sinceridade da intenção.

Já uma retratação falsa, hipócrita, expressamente manifestada como mero cumprimento da obrigação imposta e acompanhada do esclarecimento de que se está a proferir palavras meramente formais, sem qualquer substância - naquilo que, numa visão desfocada e distorcida do direito e do conceito de reparação, o ofensor considera o estrito mas eficaz cumprimento da sentença condenatória - não resulta, de facto, no menor desagravo da ofensa feita ao merecimento social do ofendido, tampouco em nada desculpando as injúrias proferidas, antes as agravando na medida em que afasta qualquer resquício de dúvida que, quanto à firmeza da intenção de ofender, pudesse ainda persistir nos mais benevolentes espíritos.

Constitui, além do mais, intolerável ofensa aos tribunais e aos demais agentes judiciários intervenientes no processo, escarnecendo, não apenas das doutas decisões proferidas, mas também do frágil significado e do débil conteúdo intrínseco aparentemente subjacentes à execução deste tipo de penas e, por via deles, ao muito relativo impacto social da própria condenação.

No topo da desfaçatez estará, necessariamente, uma eventual e acintosa menção ao facto de que as ocas palavras de retratação apenas terão sido proferidas ou escritas a fim de evitar a ruína económica do condenado, decorrente da hemorragia de multas que diariamente seriam devidas por força do aresto condenatório, sanção pecuniária que apenas poderia considerar-se objetivamente cumprida uma vez material e liquidadas aquelas.

Se é verdade que, ao concluir pelo carácter equívoco de uma retratação, estaremos mais próximos de uma ponderação subjetiva da proporcionalidade, a retratação falsa ou hipócrita é facilmente identificável e objetiva, na medida em corresponde à inversão do sentido, da própria razão de ser da decisão, uma vez que o condenado, não só a não cumpre de forma efetiva, como  acaba por fazer exatamente o contrário daquilo que, espontaneamente, deveria ter feito ou lhe fora determinado.

Não há, por outro lado, como considerar que, quer a falsidade, quer a hipocrisia, não excluem a presença da componente fundamental de qualquer retratação: o arrependimento. Se é verdade que a mera reparação material e objetiva - mediante a execução de penas de prisão ou de multa, por exemplo – o dispensa, o mesmo não se aplica à retratação, da qual ele deverá, afinal, constituir a própria essência.

Dar por Encerrado o Processo
O mesmo é dizer que a retratação inexiste sem claro e manifesto arrependimento, o que é incompatível com uma eventual declaração, no momento em que é proferida ou escrita ou em data próxima posterior, de que os pressupostos da injúria se mantêm intactos, apenas se retratando o ofensor a fim de, para si, evitar males maiores.

Jamais se poderá, num tal caso, dar por encerrado o processo ou considerar extinta a punibilidade do crime, antes se tornando evidente ao menos juridicamente instruído dos homens médios que uma sentença executada num tal contexto continuará por cumprir, com todas as legais consequências, entre as quais a acumulação da multa diária alternativa eventualmente imposta.

- x –

Por “ofensas ao direito à honra e ao direito à imagem” nas pessoas de membros de uma família residente no Seixal*), foi o presidente do partido Chega! sentenciado, em Maio de 2021, a delas se retratar publicamente, tal como o Partido*).

Porém, à semelhança do que recentemente aconteceu com uma retratação pública imposta ao Presidente da República Federativa do Brasil*), o alegado cumprimento da sentença consistiu em pouco mais do que uma firme declaração de manutenção dos pressupostos das ofensas pelas quais fora condenado.

Não pode, é verdade, legitimamente esperar-se que, acontecendo a retratação na sequência da prolação de sentença judicial, alguma vez possa ela corresponder a um impulso genuíno e espontâneo do ofensor. Mas não pode ela também, mesmo nessas circunstâncias, ser despudoradamente desvalorizada e ridicularizada, sobretudo na imediata sequência do próprio ato em que se materializa a suposta execução do decidido pelo tribunal*).

De facto, e embora possa não ser, neste caso, de afastar completamente a presença de hipocrisia, encontramo-nos, sobretudo, perante uma retratação confessadamente vazia, falsa, como não pode deixar de se extrair de um texto em que é dito que, com ela, apenas pretende o Réu, por receio de um inevitável impacto económico negativo, dar cumprimento formal ao que foi exigido, mantendo-se, não obstante, a essência das ofensivas declarações.

Especificando, mesmo tendo a retratação pública sido imposta, não bastaria dizer que, afinal, a família injuriada não era composta por bandidos, impondo-se que o Presidente do Chega! perentória e expressamente reconhecesse o erro moral, a censurabilidade social da conduta e do pensamento e da ideologia a ela subjacentes.

A situação parece, assim, corresponder a um cumprimento aberrante e, até, pernicioso da medida imposta*), atendendo a que, a não ser a retratação dada como inexistente e sancionado o Réu por desrespeito, se estará, provavelmente, a criar condições muito favoráveis à futura invocação do episódio como precedente, arriscando-se a completa desvalorização da figura da retratação pública, que passará a ser contemplada como mera retórica ineficaz, que, afinal, nada reverte e nada resolve, ganhando as futuras decisões que a outros a imponham o estatuto de atos meramente decorativos.

Será, em conclusão, de esperar que o Tribunal declare inexistente o cumprimento da obrigação pelo Presidente do Chega! e mande contabilizar as multas diárias vencidas e vincendas até que aconteça uma efetiva retratação.

Não podemos, além do mais, deixar de, com toda a legitimidade, nos questionar da validade do discurso de alguém que, sem aparentes constrangimento ou pudor, afirme que falou por falar, inexistindo qualquer correspondência, entre as palavras que proferiu e aquilo que, efetivamente, entende.

- x -

Não está aqui em causa qualquer característica intrínseca da pessoa ou da organização condenadas, já que apenas a Deus é dado avaliar objetivamente as pessoas por aquilo que são, cabendo aos tribunais julgá-las, unicamente, por aquilo que fazem. Também, já que nem queixa houve, tampouco será legítimo afirmar que um crime foi cometido, como por essa blogosfera há quem sustente..

No entanto, e independentemente do que venha a acontecer à decisão – ainda não transitada em julgado -, bem poderá a Justiça considerar-se ofendida pela forma como àquela foi, alegadamente, dado cumprimento, forma que em nada dignifica, quer os ofendidos, quer a sociedade, de um modo geral.

Não podem, pois, aqueles a quem compete fiscalizar a execução das sentenças ficar indiferentes a estes factos, já que, como alguém disse, “o padrão de uma sociedade civilizada é a qualidade da sua justiça”.

Ou não?

Outros artigos polémicos sobre
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quarta-feira, 3 de novembro de 2021


O Caos Seria a Alternativa...

Não há como não nos sensibilizarmos perante a angústia de pais que, apenas por quererem educar os seus filhos de acordo com as suas convicções, tenham acabado por provocar a reprovação dos mesmos na sua vida académica, como aconteceu no caso bem conhecido daquela família de Vila Nova de Famalicão.*) Nem perante os anos de prejuízo que a sua vontade de combater ideologias absolutamente espúrias à mais elementar ideia de democracia aos jovens estudantes não deixarão de provocar.

No entanto, mesmo sem conhecer o processo, não me ocorre como poderia um tribunal vinculado a decidir no estrito cumprimento da lei, deixar de indeferir o pedido de providência cautelar, da mesma forma que não vejo como poderá outro tribunal deixar de prolatar uma decisão definitiva em desfavor da pretensão da família, pretensão essa moralmente legítima mas legalmente inadmissível.

Como alguém, que anteriormente citei, recentemente disse, "um juiz, quando vesta a toga, tem de despir as suas convicções".*)

Não é, pois, o sistema judiciário que deve ser responsabilizado, mas sim um Governo que, focado em garantir a sua permanência no poder durante esta meia dúzia de anos que agora finda, sempre tendeu a ceder, com a maior das facilidades, a sucessivas exigências de uma extrema-esquerda radical, também ela preocupada com a sobrevivência política de ideias completamente desfasadas da realidade e da prossecução do bem-estar e da estabilidade das populações.

Não obstante insistir em declarar-se democrática, essa esquerda radical continua a agir sem qualquer contemplação pela vontade e pelos valores defendidos pela maioria, a procurar impor ideologias e originalidades sem qualquer justificação, substância ou conteúdo, à partida condenadas a permanecer tanto tempo na memória dos vindouros quanto qualquer irrelevante banda de garagem alguma vez permaneceu no top de vendas apenas porque resolveu que, pelo simples facto de existir, tanto mérito merecia quanto os The Beatles, os Bee Gees ou outros de igual valor.

Por muito que nos revolte a situação daí resultante, podemos, naturalmente, insurgir-nos e indignar-nos quando confrontados com ela, mas haverá que considerar que sempre será preferível a um Estado levado à anarquia pela eventual capacidade de qualquer cidadão discordante das opções políticas de quem governa poder, por um simples ato de vontade, ignorá-las e agir como muito bem entendesse, lançando no caos social e económico o que, a breve trecho, deixaria de ser um país, para se tornar, ainda mais do que agora, numa monstruosa amálgama de interesses.

Em democracia, a vontade popular manifesta-se através de canais próprios e há muito consagrados, designadamente por via do voto sempre que são convocadas eleições.


Outros temas que poderão interessar-lhe no Mosaicos em Português:
- A injusta e evitável desproporcionalidade na fixação do valor de coimas e multas' Leia AQUI
- Pensamento sobre a imparcialidade dos tribunais Leia AQUI


sábado, 16 de outubro de 2021


Juíz Negacionista ou Advogado Oportunista?

 
Um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação
da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente,
num Estado que se diz
de direito, mas de cuja Justiça
a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar

Limites Abstratos da Validação
1. Dos Limites Abstratos da Validação
2. Um Caso de Estudo
    2.1. Cronologia
    2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado
    2.3. Algumas Hipóteses
            2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado
            2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista
            2.3.3. Outras Possibilidades
3. (In)Conclusão

1. Dos Limites Abstratos da Validação

De tenebrosos contornos, aterrador enunciado e inimagináveis consequências sociais futuras, certas hipóteses arrepiam no próprio momento de as formular.

Talvez por isso, a uma grande parte dos investigadores – mesmo os mais sensacionalistas – elas nem ocorram, como efeito de um bloqueio natural do espírito e da mente perante a perversidade, a maldade intrínseca, a quase sociopatia associável aos correspondentes atos, e imanente das pessoas dos imaginários autores.

Todavia, apenas poderá, alguma vez, atingir-se um conhecimento razoavelmente pleno da realidade quando, a par do apuramento dos factos e das respetivas circunstâncias - fundado na certeza oferecida por prova positiva fidedigna -, cuidarmos de, procurando com objetividade, com incansável empenho e até ao limite material e humano do possível, prova negativa aceitável das hipóteses menos prováveis, das mais caricatas, das indizivelmente abjetas, das virtualmente impossíveis.

Desta forma, e só desta forma, se estará, mediante a aplicação da dúvida sistemática*), a fazer, efetivamente, tudo quanto é possível para anular qualquer fator de incerteza, por ínfimo que seja, suscetível de inquinar a segurança que sempre se quer presente na validação de uma formulação em qualquer área do conhecimento.

Pois não é, afinal, a dúvida a única certeza da vida?

- x –

Introdução da Dùvida Sistemática
A introdução da dúvida sistemática nos domínios da Justiça revela-se indispensável designadamente no direito penal das nações livres - em que a presunção inicial da inocência é regra -, devendo a culpabilidade que legitima qualquer punição ser demonstrada para além de qualquer dúvida razoável, e sempre fazendo prevalecer o princípio in dubio pro reo*).

Assim, e por mais improvável e ridículo que se nos possa afigurar, o mais ínfimo resquício de incerteza que possa subsistir só poderá ser eliminado se todas, mas mesmo todas, as pistas em presença forem seguidas e rejeitadas, num esforço sério, honesto, empenhado e levado a cabo até aos mais exigentes, porquanto razoáveis, limites.

Isto é válido, não apenas para a Justiça dos estados, como para a validação, por cada cidadão, da opinião que, em cada altura, forma sobre terceiros, seja no âmbito estrito das relações sociais com o núcleo próximo de familiares e amigos, seja na formação de juízos críticos tendo como objeto personalidades que, na maior parte das vezes, pessoalmente não conhece, a elas apenas tendo acesso através das informações até si veiculadas pelos meios de informação.

Deve, assim, ver-se com olhar crítico quanto de bom e de mau nos chega relativamente a cada um, procurando, mediante o complementar da informação disponível e a aplicação à mesma da mais exigente lógica, encarar de frente e com espírito aberto e rigor científico, quer a mais divinal hipótese, quer a mais abjeta.

 

2. Um Caso de Estudo

Sem prejuízo do desfecho de reclamações ou de recursos pendentes sobre a drástica decisão, acaba de ser, pela quarta vez em Portugal*), um juiz de direito (adiante “Visado”) expulso da magistratura, ou seja, afastado compulsiva e definitivamente do digno cargo que lhe fora confiado, bem como das funções a ele inerentes.

Os atos subjacentes à inevitável e há muito esperada decisão foram objeto de ampla cobertura por jornalistas, juristas, pelos mais diversos comentadores.

A Generalidade das Abordagens
Acontece, porém, que a generalidade das abordagens parece ter, deliberada ou, inconscientemente evitando mergulhar nas profundezas da eventual podridão humana, nomeadamente furtando-se a elaborar exaustivamente sobre as motivações possíveis: não através da especulação infundada, difamatória, emotiva, inconsequente e gratuita, mas partindo da sólida base factual não desmentida que nos chega da comunicação social,.

Cumpre, assim, que sobre ela nos debrucemos a fim de procurar afastar qualquer dúvida que, em qualquer plano, possa, ainda, manifestar-se sobre tão triste caso.

 


2.1. Cronologia

Posto que a sequência dos factos parece não ter, ainda, sido objeto de qualquer tentativa de sistematização, aqui fica, a fazer fé no que foi noticiado e no que se refere apenas ao mais relevante, o que quanto nela parece adequado incluir:

i.
Licenciado pela Faculdade de Direito da Universidade Clássica de Lisboa*), inicia o Visado, em 2003 ou 2004 as funções de juiz de direito*), que terá exercido até 2011 (ou, segundo alguns, apenas durante quatro anos).

ii.
Por essa altura, e a seu pedido, passa à situação de licença sem vencimento, para se dedicar à advocacia, tendo, no mesmo ano, rumado ao Brasil, onde permaneceria até 2017.

iii.
De regresso a Portugal, algures durante o Outono de 2020 funda o sítio “Juristas pela Verdade”*), centrado na negação da existência de uma pandemia da doença COVID-19.

iv.
Entre 2011 e Fevereiro de 2021, tem como atividade profissional o exercício da advocacia numa sociedade de advogados presumivelmente sediada no Brasil, mas licenciada para operar também em dois escritórios em Portugal, em Oeiras e em Lisboa.

Juiz Negacionista
A página de apresentação dessa Sociedade*), evidencia, além da sua capacidade de advogado, a qualidade de  magistrado judicial em Portugal, em regime de licença”, sendo esta situação de licença omitida no perfil existente no LinkedIn*), onde se apresenta, simultaneamente como “Law Judge (Portugal)/Attorney at law (Brazil and Portugal)

Os serviços da Empresa são apresentados como centrando-se em “Homologação de divórcio”, ”Direitos trabalhistas do estrangeiro ilegal”, “Contumácia: como resolver?” e obtenção da cidadania europeia - embora, na apresentação do escritório português no Linkedin*), se apresente o Visado, de forma bem diferente, como especializada em “Direito Penal e Direito Processual Penal”.

v.
De 19 de Fevereiro de 2021 data a mais recente publicação no sítio “Juristas pela Verdade”.

vi.
Em 01 de Março – não é claro se, automaticamente, no termo da licença sem vencimento, ou na sequência de solicitação do próprio -, retoma o Visado as funções de juiz de direito, tendo sido colocado no tribunal de Odemira.

vii.
Em 02 de Março requer a suspensão da inscrição na Ordem dos Advogados.

viii.
No exercício das funções de magistrado judicial, continua a aparecer como principal rosto da já anteriormente existente página do Facebook ”Habeas Corpus”*), negacionista e, aparentemente, sucessora da “Juristas pela Verdade”.

Cronologia
ix.
Entre 01 e 12 de Março, falta o Visado nove dias úteis consecutivos ao serviço sem apresentar qualquer justificação. Ou seja: demorou nove dias úteis a apresentar-se ao serviço em que, no dia um do mesmo mês, deveria ter iniciado funções.

x. A existência de um inquérito disciplinar*) na sequência da publicação de pequenos filmes manifestando-se contra o estado de emergência é noticiada em 23 de Março.

xi.
A Ordem dos Advogados faz saber, em 25 de Março, que irá proceder disciplinarmente contra o Visado por ter ela tomado conhecimento de atos de competência própria de advogados por ele praticados já com a inscrição suspensa.*)

xii.
No mesmo dia, é o Visado suspenso do exercício de funções*) pelo Conselho Superior da Magistratura (CSM).

xiii.
Em 29 de Março é noticiado que desafiara, para um combate de artes marciais, o Diretor Nacional da Polícia de Segurança Pública (PSP).*)

xiv.
Em 16 de Junho apresenta defesa no âmbito do processo disciplinar.*)

xv.
Em 29 de Julho, publica no YouTube, um pequeno filme em que classifica como pedófilo o Presidente da Assembleia da República.*)

xvi.
Em 25 de Agosto, apresenta na Procuradoria-Geral da República queixa contra o Presidente da República e o Primeiro-Ministro pela prática de crimes contra a Humanidade.*)

xvii.
Na audição levada a cabo em 07 de Setembro, diz-se o rosto dos injustiçados e reprimidos pelas medidas de combate à pandemia cuja existência nega, tal como nega o facto de haver a doença provocado qualquer morte entre os cidadãos.

Presidente do Supremo Tribunal
Após ter exigido que todos os membros do Conselho retirassem as máscaras, já que "Com as caras tapadas não sei quem são", dirige-se ao Presidente do Supremo Tribunal de Justiça (STJ)*) dizendo que "O doutor está mais próximo de ser presidente do Supremo Tribunal de Justiça de Marrocos ou da Guiné Equatorial. É esse o prestígio que tem. A sua vaidade e o seu narcisismo não lhe valem de nada. E o mesmo se aplica a todos os outros como é óbvio".

xviii. No mesmo dia 07 de Setembro, depois de um graduado lhe garantir que não iria mandar carregar sobre quem quer que fosse, insiste o Visado em destratar agentes da PSP, nos seguintes termos*): "os Senhores não vão carregar sobre as pessoas, porque senão os Senhores é que vão ser detidos, hoje (...) Ai de você que carregue sobre as pessoas, porque há coisas que vão ser sabidas, se você carregar sobre as pessoas. Diga lá aos seus Chefes!". "O Senhor não tem que me dizer que exemplo é que eu dou ou não. Não me toca, hã? Não me toque. Não me toque. 'tá a perceber? Ponha-se no seu lugar! Ponha-se no seu lugar! Eu sou a autoridade judiciária, aqui. E o Senhor também ponha-se no seu lugar. 'tá a perceber? O Senhor vai ser detido, se carregar em alguém (...). Eu ponho-me no meu lugar, e o meu lugar é este: acima de si, acima de si! 'tá a perceber? O Senhor 'tá abaixo de mim. Portanto o Senhor não vai carregar sobre ninguém".

xix.
Em 08 de Setembro a PSP apresenta queixa contra o Visado por haver desrespeitado alguns agentes*) à porta do edifício onde está instalado o CSM.

xx.
Em 07 de Outubro, o plenário do CSM aplica-lhe, por unanimidade, a pena de expulsão da magistratura*) por “Ter nove dias úteis consecutivos de faltas injustificadas e não comunicadas, as quais ocorreram entre o dia 01/03/2021 a 12/03/2021, com prejuízo para o serviço judicial (...)", “Ter proferido despacho, durante uma audiência e julgamento, no dia 24/03/2021, no qual emitiu instruções contrárias ao disposto na lei no que respeita às obrigações de cuidados sanitários no âmbito da pandemia Covid19 (…)” e “Ter publicado uma série de vídeos em várias redes sociais, nos quais, e não deixando de invocar a sua qualidade de Juiz, incentivava à violação da lei e das regras sanitárias, bem como proferia afirmações difamatórias dirigidas a pessoas concretas e a conjuntos de pessoas”.

Embora a condenação seja passível de recurso, este não suspende a eficácia da decisão.*)

xxi.
Na mesma data, a Associação Sindical dos Juízes de Portugal exprime o seu entendimento*) de que a condenação, “que toda a gente esperava e era inevitável”, “coloca uma pedra sobre o assunto”, salientando o “impacto negativo na imagem da justiça” de “um caso isolado e bizarro para aquilo que é o comportamento dos juízes

 

Direito de Não Comparecer ao Trabalho

2.2. Das Faltas Injustificadas e do Seu Significado

Embora raramente comentado, o aspeto das faltas injustificadas assume, no presente caso, uma importância muito especial.

Qualquer trabalhador tem o direito de não comparecer ao trabalho em situações consideradas justificáveis pelas normas aplicáveis, desde que para a falta apresente justificação.

Não sendo tal justificação apresentada, haverá que presumir uma de três coisas: ou justificação válida inexiste e o trabalhador faltou por razões não atendíveis; ou existe justificação válida mas, denotando desrespeito, o interessado optou por nem se dar ao trabalho de a apresentar; ou a omissão é deliberada, procurando assim marcar-se uma posição.

Em qualquer caso, a conduta subjacente denota desrespeito pelos ditames éticos e deontológicos, na medida em que nenhuma organização alguma vez poderá ser eficaz quando sujeita ao capricho e à arbitrariedade daqueles de quem depende para harmoniosamente funcionar, tampouco podendo os que, por sua vez, dela dependem deixar de ser, de alguma forma, prejudicados nos seus legítimos direitos e expetativas, nomeadamente no domínio da Justiça, cuja solenidade e integridade na administração se mostram essenciais ao funcionamento do Estado de Direito.

- x –

Embora todos sejamos criados e educados de maneiras muito diferentes, qualquer representante do assim chamado homem médio, do bonus pater familiae*), entenderá que é pressuposto da admissão de alguém a um posto de trabalho que esse alguém ao mesmo ser irá dedicar de forma diligente, no interesse de quem contrata e daqueles a quem o empregador presta serviço ou com os quais desenvolve uma relação comercial.

Sendo, no caso do sistema judiciário, o Estado o empregador e sendo a generalidade dos cidadãos aqueles a quem presta serviço, não há como ilidir a inevitabilidade da conclusão pelo dever de o juiz agir com irrepreensíveis brio e empenhamento profissional no desempenho das suas funções, até no superior interesse da dignificação da atividade judicial.

O facto de o Visado ter, nos dezanove dias úteis em que esteve ao serviço, faltado nove – quase metade! - sem apresentar qualquer justificação torna irrazoável não concluir que o regresso do outrora advogado à magistratura judicial se deveu, exclusivamente, a motivação egoísta que, embora de natureza e contornos desconhecidos, nada teve alguma vez a ver com qualquer ideal de missão, de serviço público ou sequer, de aplicado desempenho de qualquer função.

Ganha, assim, esta aparentemente menor questão das faltas injustificadas especial relevância quando se trata de, em vão, procurar afastar qualquer dúvida relativa à falta de bondade da motivação do regresso aos tribunais de quem há muito era o rosto principal de uma sociedade de advogados com o seu nome e, simultaneamente, de uma campanha mediática contrária ao interesse nacional, designadamente na área da saúde pública.

Acresce, naturalmente, o facto de ser humanamente impossível ao Visado desconhecer a inexorável e fatídica sorte a que, dada a sua conduta imprópria, a carreira de magistrado estava, à partida, condenada. Por outras palavras, bem sabia, porque enquanto magistrado não podia deixar de saber, ser impossível não expulsar da magistratura alguém que como ele tivesse agido.

Jamais podendo alguém minimamente lúcido esperar, de facto, poder continuar a ser juiz de direito após tamanhos desmandos públicos amplamente divulgados, seria logicamente aberrante não concluir que sempre o Visado pretendeu que a sua nova passagem pela magistratura fosse efémera e acabasse no meio de retumbante queda, durante um espetáculo cuidadosamente encenado.

Mas com que objetivo? Qual a motivação?

 


2.3. Algumas Hipóteses


2.3.1. Promoção da Atividade Profissional Enquanto Advogado

Todos temos presente o caso de um quase desconhecido advogado que, há não muito tempo, esteve na origem da fundação de um sindicato que acabou extinto por decisão judicial devido a irregularidades na sua constituição*), não sem antes ter quase paralisado o País inteiro por privação de combustível que permitisse aos cidadãos assegurar a mais elementar deslocação.

O rosto do mesmo advogado promover-se-ia, mais tarde, em enormes cartazes de um insignificante partido político, nunca mais, desde então, do portador da triste cara se tendo ouvido falar, mas sendo de presumir que a respetiva atividade profissional tenha muito favoravelmente evoluído graças à ampla e generosa divulgação mediática da imagem do indivíduo, independentemente da motivação da atuação.

A primeira hipótese a eliminar quanto ao que verdadeiramente move um alegado negacionista que regressa à magistratura em plena campanha por si alimentada para, menos de uma quinzena depois, faltar ao trabalho nove dias consecutivos sem justificação, enquanto continua a manifestar, com o alarde de sempre, as suas alucinadas posições, exagerando desnecessariamente no protagonismo e tratando de assegurar que dele muito se ouviria falar é, assim, a de estarmos, não diante de um juiz de direito, mas de um advogado oportunista que viu e aproveitou uma oportunidade única para chamar a atenção pública para a sua pessoa como forma de atrair clientes.

Tratar-se-ia, a assim ser, de algo que se estaria a tornar num hábito na profissão de advogado: dada a proibição de publicitar a atividade profissional, optar pela promoção, embora negativa, da imagem pública da pessoa, indiferente ao prejuízo para o Estado e retirando-se da ribalta logo de seguida – ou sendo removido.

Regressaria, então, à advocacia quando já sobejamente conhecido junto de potenciais clientes pouco sensíveis aos prejuízos causados à coletividade, mas muito atentos aos desacatos, ao tom agressivo, à suposta coragem com que o interessado afrontaria os poderes públicos e as autoridades, comportamentos por alguns considerados fortemente promissores de um bom desempenho na barra dos tribunais.

Dar-se-ia, assim, razão ao velho chavão publicitário segundo o qual não importa o que digam de nós: o que importa é que falem de nós.

- x -

A favor desta hipótese milita praticamente toda a sequência cronológica acima resumida em 2.1., sobre a qual, dada a evidente clareza, não valerá muito a pena elaborar.

Contra ela, temos o facto de se tratar de algo tão abjeto, tão vil, tão manipulador, são indiferente aos interesses e aos direitos do próximo que, considerá-la válida seria o reconhecimento último de que muito pouco haverá, já, que esperar de certos representantes da Humanidade. Ou dela toda…

A propósito: terá, quando deixou a profissão, o Visado vendido as quotas na sociedade de advogados, obrigada que esta está a apenas contar, no capital, com participações de advogados inscritos e no exercício da atividade profissional?

Terá a Ordem cuidado de averiguar o que, efetivamente, se passou?


2.3.2. Promoção Genuína da Causa Negacionista

Outra hipótese que não pode deixar de ser considerada quanto à motivação para o uso e abuso da oportunidade de regresso à magistratura com o fito específico de dela ser rapidamente expulso no meio de enorme alarido será ter o Visado pretendido chamar a atenção, não para a atividade de advogado - que, necessitando de assegurar o sustento, provavelmente irá retomar -, mas para a causa negacionista da pandemia.

Tal possibilidade não pode deixar de nos fazer refletir um pouco também sobre a motivação dos próprios negacionistas: o que ganharão em insistir na tola ideia de que não existe pandemia, de que a evidência científica apresentada não é válida, de que ninguém morreu devido a infeção pelo vírus Sars-Cov-2?*)

O que ganharão elementos da extrema-direita em negar o holocausto nazi*), ou elementos da extrema-esquerda em negar Holodomor?

O que ganhará, afinal, quem quer que seja em, de entre aquilo que se encontra cientificamente demonstrado, negar seja o que for?

No caso da COVID, será assim tão nocivo andar de máscara, ou ser inoculado com uma vacina idêntica a tantas outras? Será que o dano residual a um ou outro vacinado entre largos milhões justificará que milhões se neguem a proteger-se e a proteger os outros?

Não estaremos, antes, diante de pessoas que advogam causas em que não acreditam, que nem chegam a entender bem, às quais aderem apenas pelo ruído mediático que provocam e que, dessa forma, algum protagonismo a um punhado de barulhentos e irracionais frustrados poderá trazer?

Como poderá encarar-se como legítima a posição de um verdadeiro, de um genuíno juiz de direito que, com porventura inconfessáveis ou condenáveis e egocêntricos objetivos, em grupelhos destes se imiscui, advogando posições antissociais e anti o que quer que de saudável e construtivo para o bem de todos queiramos fazer?

Como considerar natural a identificação de um magistrado com gente que é do contra seja no que for, pela notoriedade, pela mera fruição, pelo prazer de o ser?


2.3.3. Outras Possibilidades

Significarão aquelas camisolas pretas, aquele ar agressivo, aquele discurso desconexo e repetitivo, a negação desrazoável, que o juiz apenas estará a advogar, numa toscamente encapotada manobra, práticas extremistas visando a desestabilização e a subversão?

Ou, mais singelamente, não passará de uma personalidade narcísica - característica que se não coibiu de atribuir ao Presidente do STJ quando, durante a audição no CSM, o interrogou?

Estará o pretenso juiz negacionista a agir apenas como advogado oportunista de si mesmo, da própria imagem, consistentemente com as múltiplas fotografias do próprio que povoam a Internet, seja no sítio da Sociedade de Advogados, seja nos sítios das causas que diz defender?

Tratar-se-á, afinal, de uma completa indiferença ao sofrimento que, se atendidas as suas inenarráveis pretensões, estas poderiam causar a todos, desde que o seu estatuto pessoal acabasse elevado por via da defesa exacerbada das mesmas?

Se não, como explicar, a não ser por mero exibicionismo, a insistência em, valendo-se do seu estatuto, proibir uma carga policial sobre quem se manifestava à porta das instalações do CSM, quando já lhe fora, por mais de uma vez, garantido que ela não iria ser ordenada?

Mais a mais, proibiu estando suspenso do exercício de funções, coisa que ninguém se lembrou de lhe recordar…

 

3. (In)conclusão

Se a primeira hipótese for verdadeira, o sujeito rapidamente desaparecerá de cena - e nem terá, provavelmente, chegado a vender as quotas da sociedade comercial.

Se a segunda o for, continuará a manifestar-se como prometido*), pelo menos enquanto a pandemia fizer manchetes - eventualmente mudando depois de bandeira para uma então mais mediática.

Se é válida uma destas duas ou qualquer outra igualmente desprezível, cada um por si o julgará. Jamais poderá, no entanto, uma das hipóteses ser plenamente validada: por um lado, porque só o Visado saberá o que, efetivamente, o moveu; por outro, porque, mesmo que o admita, perante as características que a pessoa tem vindo a manifestar, de muito escassa credibilidade se iria tal admissão afigurar.

Causa cognoscitur ab effectu, mas nem sempre…

- x -

Independentemente de qual a hipótese verdadeira - se alguma -, certo é que todas sempre acabarão por beneficiar, ainda que acessoriamente, da atuação destemperada e imprópria de quem, se um verdadeiro magistrado fosse, também de todas elas deveria ter tido o cuidado de se distanciar.

De facto, quer a imagem enquanto advogado, quer a causa negacionista, quer, eventualmente, as causas de quem milita com camisolas pretas, quer, por fim, a imagem pessoal do Visado acabarão, inevitavelmente, promovidas, se não pelas melhores razões e junto do mais recomendável auditório, pelo menos de quem aprecie o género de pessoa de quem as pessoas certas se não esquecerão.

Tudo isto à custa de irreparável dano para a ideia que cada um tem do sistema judiciário, da magistratura judicial, daquilo que ambos representam, da Justiça que, supostamente, administram e da qual, a assim continuar, pouco mais esperarão os cidadãos.

Estamos perante um então juiz de direito que, enquanto tal, se não coibiu de achincalhar, de humilhar, que se sentiu acima de outros que entendia que deveriam pôr-se no respetivo lugar, em posição de subserviência perante tão distinta e iluminada criatura.

Mais ou menos tenebrosa e arrepiante, cada uma destas quatro hipóteses e qualquer outra que, além delas, possa formular-se, terá estado na origem daquele se apresenta como um dos mais escabrosos episódios exemplificativos de uma degradação da qualidade dos magistrados que se torna cada vez mais sensível e evidente, num Estado que se diz de direito, mas de cuja Justiça a prática judiciária cada vez mais nos faz duvidar.

* *

Negacionista por negacionista, o que será pior? Juiz, ou Médico?

(continua aqui)

sábado, 31 de julho de 2021


Otelo: O Espinho que nem a Morte Arrancou

Propositado, necessário ou acidental, o bem que se faz gera, em quem o pratica,
inilidível responsabilidade pela perpétua dignificação da memória dos feitos
junto de quem deles se apercebeu, pelo que nenhum ídolo tem o direito de
boicotar a própria obra; e, em matérias tão importantes e sensíveis
como a Liberdade e a Democracia, não pode a tal ponto desiludir, quase renegar

      1. Fala Breve sobre a Motivação
      2. A Dívida dos Portugueses
      3. O Homem da Revolução
      4. O Lado Mais Negro
      5. Anedotário Politicamente Correto
      6. Cuidar do Futuro
      7. Requiescat

Sobre a Motivação
1. Fala Breve sobre a Motivação

No Palácio da Pena, em Sintra, existe a Sala das Pegas*), cujo teto está pintado com cento e trinta e seis destes pássaros – a quantidade de damas da corte na altura -, cada uma das quais segura a rosa que simboliza a Casa de Lencastre e ostenta, junto ao bico, os dizeres “POR BEM”.

Conta-se que, na origem da pintura, terá estado um beijo que El-Rei Dom João I, marido de Dona Filipa de Lencastre, dera a uma cortesã, gesto testemunhado por uma dama da corte que, qual pega tagarela, terá ido piar ao ouvido da Rainha o ternurento evento.

Justificando-se, responderia o Rei a Dona Filia que beijou “por bem”, com tal expressão querendo afastar qualquer condenável intenção.

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Foi sem querer”. “Foi por bem”.

Quantas vezes não ouvimos já, às crianças grandes que somos e às verdadeiras crianças, expressões como estas procurando justificar algo de menos bom que se fez por acidente? Ou, até, com boa intenção, mas com alguma falta de jeito, qualquer das duas expressões apenas visando fazer aceitar o que, por vezes, parece injustificável, desde um simples pecadilho a uma morte às mãos de alguém.

À morte sem intenção às mãos de alguém, ora chama o Direito crime por negligência, ora legítima defesa, e a pena aplicada é relativamente leve no primeiro caso e, até, inexistente no outro, já que seria aberrante punir quem mata ou fere para se defender ou para salvar a vida de outrem.

Deixando o contexto penal, no mundo dos comum mortais quem também “sem querer”, por mero acaso, obtém um bom resultado para outros, não pratica, na verdade, uma boa ação; logo, não merece especial louvor, já que nada terá, propositadamente, feito para que esse bom resultado acontecesse.

De igual modo, quem, já não “sem querer” mas deliberadamente, com má intenção, acaba por praticar uma boa ação, faz, também uma obra sem mérito, pois com má intenção e a título meramente instrumental a fez.

Ou seja: fê-lo, porque, para alcançar o resultado censurável que o movia, era imprescindível praticar esse tal bem que, mais tarde e sem qualquer mérito, os beneficiários, enganados e indevidamente agradecidos, lhe viriam a atribuir.

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A Conduta do Agente
Numa sociedade que se pretenda minimamente civilizada e evoluída, a valoração da conduta do agente, depende menos do resultado, bom ou mau, do que da motivação na sua génese; e isto vale, tanto para o Direito, como para a Ética, como deveria valer para o desenho da imagem mais ou menos folclórica da personagem, daquilo que, dos seus feitos, fica para contar.

Assim, aquilo que, em dado momento e com resultado positivo acidental para o bem comum, alguém possa ter feito antes não desculpa o mal que vier a fazer depois - ou a quantidade daqueles que na cadeia as culpas purgam seria, seguramente, muito inferior.

 

A Dívida dos Portugueses

Não vou preocupar-me com a demonstração de factos que bem altas instâncias já deram como provados: cingir-me-ei, unicamente, à interpretação dos mesmos tal como me chegaram e que demonstram, antes de mais, que a responsabilidade do então Major Saraiva de Carvalho no êxito da revolução que viria a derrubar a ditadura é inquestionável, e é, e será sempre, digna de assinalável registo histórico, ou jamais seria credível a História.

A fazer fé nas palavras do próprio e relembrando aquilo que, à época, se ouviu e a que se assistiu, o Senhor Major não foi apenas o comandante operacional: foi a mente por detrás do planeamento do golpe militar. Foi, a bem dizer, quase tudo, sendo digna de especial menção a brilhante estratégia de, antecedendo qualquer ação armada de maiores dimensões que poderia resultar num banho de sangue, ordenar a tomada das principais estações de radiodifusão e de televisão.

Silenciou, assim, o regime e, simultaneamente, assegurou, numa altura em que ainda não se falava de telemóveis, um veículo eficaz e simples de comunicação com os revolucionários espalhados por todo o País. Isto, sem esquecer a excecional relevância da ativação de escutas das conversas dos governantes entre si por se haver assegurado, previamente, a colaboração da Escola Prática de Transmissões*).

Entretanto, sob o comando do Capitão Salgueiro Maia*), avançava sobre Lisboa uma gigantesca coluna armada até aos dentes que, num primeiro momento, não passava, afinal, de uma genial manobra de diversão destinada a desviar as atenções das outras e primordiais operações.

Otelo Saraiva de Carvalho
Sem prejuízo de o 25 de Abril, mais tarde ou mais cedo, sempre acabar por acontecer, no planeamento e, talvez sobretudo, no improviso - inevitável em qualquer operacionalização -, dificilmente alguém com menos chama, menos vivacidade, menos carisma teria sido tão eficaz como Saraiva de Carvalho, a quem se deve boa parte do retumbante e tanto quanto possível pacífico sucesso da Revolução - goste-se ou não do Major e da Revolução.

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Já a atuação subsequente, não só pelo que fez, mas pelo que disse sem hesitação ou pudor, dúvidas não pode deixar quanto à certeza de que, quanto na Primavera de 74 fez de bom, lhe granjeou, para toda a vida e além dela, um estatuto que as qualidades pessoais manifestamente não mereciam e com o qual nunca soube lidar; e não deixa, também, dúvidas de que, na base de quanto fez, jaziam projetos e intenções dos quais custa até falar.

A evolução pela via democrática do "País que em 25 de Abril viu abertas com estrondo Pá as portas de uma esperança Pá enorme Pá no Futuro" acabaria por desiludir, profundamente, o Herói a quem arrepiava a "democracia representativa ocidental burguesa" e não escondia que “não viemos aqui para assaltar o poder. Mas queremos transformar o poder” - que, à data, já era democrático, algo que, na visão distorcida do Major, seria, sempre, de condenar.

Quaisquer incertezas que subsistissem relativamente ao que entendia por liberdade e democracia, ficaram definitiva e inequivocamente esclarecidas na sua frase “custa-me a admitir que, estando nós a fazer uma revolução decididamente no campo da esquerda, possamos admitir vozes de direita. Pessoalmente, isso repugna-me, mas, democraticamente, no âmbito da democracia ocidental burguesa, tenho de as acatar e respeitar*).

De outra forma dito: uma democracia em que todos votassem naquilo a que Saraiva de Carvalho chamava esquerda revolucionária - na qual, graças ao estatuto de heroico libertador, as suas modestas qualidades intelectuais de alguma forma pudessem brilhar - estava muito bem.

Mas, nada mais.

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Apesar de toda a sua propensão para o mediatismo, demonstrou ignorar que, propositado, necessário ou acidental, o bem que se faz gera, em quem o pratica, inilidível responsabilidade pela perpétua dignificação da memória dos feitos junto de quem deles se apercebeu, pelo que nenhum ídolo, seja de quem for, tem o direito de boicotar a própria obra; e, em matérias, tão importantes e sensíveis como a Liberdade e a Democracia, não pode a tal ponto desiludir, quase renegar.

Dever Histórico de Agradecer
O dever histórico de agradecer ao competente Oficial pelo que fez para derrubar a ditadura rápida e implacavelmente cedeu perante todo o aberrante que, nascido deste enviesado conceito de democracia, se lhe haveria de seguir.

O que de bom possa ter feito, começou em Março de 74, e logo em Abril seguinte terminou.

O que depois disse e fez demonstra que, desde o início, agiu com propósitos de tal maneira inconfessáveis que obnubilam por completo o mérito residual pela organização e operacionalização do golpe militar, pelo qual muito mais devemos à abnegação e coragem daqueles que, ao longo do tempo, sempre se souberam comportar, e o 25 de Abril souberam dignificar.

 

O Homem da Revolução

Como qualquer um pode ler nas entrelinhas da imprensa de agora e da de há mais de quarenta anos, a personalidade do Extinto era tudo menos complexa, antes de uma simplicidade atroz: tratava-se de um indivíduo intelectualmente pouco dotado, sanguíneo de carácter, sanguinário de temperamento e de educação e instrução assaz elementares no que não dissesse respeito ao combate e à ação militar.

O facto de ter sido um homem dito de esquerda radical que, apesar disso, dizem as más-línguas ter trabalhado para a Comissão de Censura - entre outras incoerências de percurso - não pressupõe qualquer complexidade, antes transmitindo uma ideia de confusão, de indecisão ou, mais simplesmente, de uma absoluta ausência de ideais além de, ora este, ora aquele que aqui ou ali ia apanhar.

De raciocínio e discurso mais que elementares, nele não sobressaía uma espinha dorsal, pessoal ou política: mais parecia um daqueles ditadores pantomineiros que se apoiam no que e em quem lhe vier à mão, só não tendo levado a bom porto os seus desgraçados intentos por ter sido travado a tempo por outros militares, pelas forças de segurança, pelos tribunais e, antes disso, pela clareza do voto popular.

Como ideal, Saraiva de Carvalho tinha, notoriamente, uma narcísica ânsia de protagonismo, anos depois bem patente no símbolo da Força de Unidade Popular (FUP)*)- e que, como caso de estudo, importaria, provavelmente, à investigação de alguma mais ou menos interessante patologia -, bem como uma sede de poder pessoal impossível de cercear.

Presidência da República
Não pode, é verdade, dizer-se que esta postura difira substancialmente da de certos governantes e outros políticos também sem conteúdo ideológico bem definido que em certos regimes ditos democráticos operam e não passam, afinal, de operacionais da luta pela própria imagem e pela saúde do respetivo património, em terras onde a corrupção continua, com o freio nos dentes, a cavalgar. Deve, no entanto, notar-se que, contrariamente a estes, Otelo Saraiva de Carvalho jamais quis assumir a liderança do Estado num quadro democrático, quando teve oportunidade para tal: apenas viria a candidatar-se à presidência da República, cereja no topo do bolo da imortalidade que sempre almejou ganhar.

Estaria, apesar de tudo, ciente de que, apesar da indiscutível competência no plano militar, não detinha qualificações mínimas para governar e que, aceite o poder e exercido este de forma incompetente, se iria a sua bem querida imagem, inexoravelmente, degradar?

- x -

Um patente e avassalador complexo de inferioridade relativamente àqueles a quem, num plano que não fosse o das armas, o Major jamais poderia surgir como igual estava, possivelmente, na origem do ódio mortal pelos opositores sentido por alguém que sempre achou que “se tivesse cultura livresca, podia ter sido o Fidel Castro da Europa”.

Bem, se não tinha, tivesse tratado disso, já que de tal nada nem ninguém o impediu, além da vontade própria de se dedicar a outras artes que conhecemos. Graças a estas, pode alimentar o desgraçado sonho da tomada do poder pela força e posterior instauração de um regime que nada tinha de democrático, antes passando por um Projeto Global dominado por um partido político radical e apoiado por um exército revolucionário que não olharia a meios para garantir a implementação das suas políticas governamentais, “visando a destruição, pelas armas, do regime democrático português*).

Ora, poderá o propósito de eliminação pura e simples de quem não se enquadrasse na tal definição muito própria de democracia - fuzilar os contrarrevolucionários no Campo Pequeno*), quem sabe se depois de os tourear - deixar de nos lembrar, salvas as devidas distâncias e proporções, um alucinado que, décadas antes e apoiado por fidelíssimas, hipnotizadas e poderosas forças armadas e de segurança implementou, não um projeto global, mas uma Solução Final igualmente pensada para a eliminação dos que, na sua doentia opinião, não eram dignos de respirar o mesmo ar que ele?

Será caso para se pensar...

 

O Lado Mais Negro
O Lado Mais Negro

Para vergonha imensa de todos nós, o Português que, com especial preponderância, organizou e operacionalizou o 25 de Abril de 1974 era adepto do terrorismo ideológico, e não tinha qualquer vergonha de considerar fascistas as democracias de tipo ocidental.

Provou-se que cometeu e mandou cometer crimes - não apenas "excessos" -, e o facto de a condenação inicial ter sido revertida por decisão do Tribunal Constitucional*), amnistia ou indulto e ter sido dispensado da pena ainda não cumprida em nada diminui a forte e dolosa culpa ou contamina a decisão relativa à prova dos factos.

Assim, dúvidas não restam de que o posterior sucesso do Major Saraiva de Carvalho na agregação de vontades de uns quantos visionários radicais como ele - que culminaria na formação das Forças Populares 25 de Abril (FP-25) de má memória - apenas serviu para espalhar, nos espíritos da população, o medo; nos corpos a mesma morte que, de forma bem mais pacífica, agora o veio chamar.

Pela força, procurou implementar um reinado de autêntico terror que, sucesso tivesse tido, não hesitaria, como a tentativa não hesitou, em recorrer à banalização do homicídio com dolo direto puro e simples*); à detonação de engenhos explosivos em representações diplomáticas e instalações militares, com o intuito de outras vidas tirar; ao roubo à mão armada a inúmeros bancos para se financiar, e a instalações do Estado para de se apropriar de impressos que permitissem às FP-25 diversos documentos falsificar; à emissão de mandados de captura em branco para mais facilmente ser perseguido quem ao caminho se lhe viesse atravessar.

Não me lembro, em contrapartida, de ter ouvido falar de sequestros: as FP-25 não faziam prisioneiros. A ordem era, sempre, para matar.

Uma antiga piada de gosto duvidoso dizia que os comunistas comiam criancinhas ao pequeno-almoço, o que não era, evidentemente, verdade; mas era verdade que, sem piedade e pelas mãos das FP-25, Otelo mandava matar-lhes os pais*).

- x -

Quem não acreditar neste rosário de crimes dados como provados, que ataque específica, lúcida e fundamentadamente a prova produzida e validada em juízo, ou para sempre há de se calar: bramar à toa contra uma sentença apenas causa alarde e ofende o sistema judiciário que garante a segurança e a paz social, inclusivamente a esses mesmos que o atacam apenas quando à defesa da memória dos seus pouco merecedores heróis isso convém.

Chocam-se, e ajudam à festa do vexame público, quando agora algum outro assassino é condenado - especialmente se tiver vitimado alguém das relações deles. Nesses casos, não se preocupam em criticar as decisões judiciais. Já no caso do Major Saraiva de Carvalho, indignam-se quando se belisca a imerecida e distorcida imagem que o próprio a tantos trabalhos se deu para criar e fazer admirar.

FP-25 Forças Populares 25 de Abril
Chamar romântico e idealista a quem, sem remorso, por um difuso ideal manda matar, apenas fará sentido aos olhos dos que consideram o caminho do roubo e do assassinato como uma mera escolha infeliz, e entendem que algo tão inqualificável como as FP-25 faz parte da inenarrável utopia com que gostam de sonhar.

Diz-se, com verdade, que o 25 de Abril é historicamente mais importante do que as FP-25, que lhe são marginais. Mas Saraiva de Carvalho foi protagonista também nessa Frente terrorista que tentou subverter os ideais da Revolução dos Cravos; e, ao contrário da maior parte dos outros heróis de Abril, fez parte da gente que não soube nem sabe estar.

Anedotário Politicamente Correto

De mortuis nihil nisi bonum *) está muito bem, mas não apaga a memória individual ou coletiva, e apenas é de seguir desde que algo de fundamentalmente, de estruturalmente bom haja a dizer de quem morreu, e não apenas de um ou outro feito mais ou menos sensacional se possa falar.

Não sendo esse, propriamente, aqui o caso, o chavão da personalidade complexa foi a forma elegante que lá encontraram políticos proeminentes e comentadores já não muito incipientes para definir o popular Defunto, assim procurando fugir a acusações de maledicência comezinha e esquivando-se a, sobre ele, ter de dizer algumas coisas necessariamente embaraçosas tratando-se de quem se trata, fossem elas “boas” ou “más”.

Não passam, pois, no quadro aqui descrito, de desengraçadas anedotas as que saem da boca ou da pena de quem pretende estarmos perante de um "enfant térrible" com uma "história empolgante e apaixonante para contar", e uma "personalidade complexa" e dominada por um intrigante "lado lunar".

Bem pelo contrário, das públicas palavras proferidas após a morte - e dos não menos públicos e eloquentes quase silêncios - por quem a seu lado lutou ou nele acreditou, apenas pode concluir-se que o agora Tenente-Coronel não passou de um alucinado sem qualquer vontade de liberdade que não fosse a dele, sem sentido de responsabilidade democrática, sem qualquer competência além da inerente à conceção e operacionalização da preferencialmente violenta ação – sem prejuízo, naturalmente, do derramamento de sangue que, em 25 de Abril, a sua notável capacidade de organização permitiu evitar.

Para muitos, um grande incómodo político enquanto viveu. O mesmo incómodo agora, que morreu sem que alguém que queira ficar bem na fotografia dele aceite dizer alguma coisa: mal, não pode, por causa do dever histórico de agradecer o bem, ainda que acidental; bem, também não, já que dispensar encómios a quem demonstrou ser o que a História sabe que era acarreta um custo político que se não pode desconsiderar.

Verdadeira Liberdade
Saraiva de Carvalho era corajoso, sem dúvida; temerário, até. Foi o comandante da operação, o responsável máximo, o que mais arriscou.

Mas arriscou por ele mesmo, por aquela que, do que mais tarde fez e das palavras que proferiu, emerge como a sua verdadeira e inconfessável causa. Outros, muitos outros, arriscariam tudo lutando por todos nós, pela verdadeira Liberdade. Como entender que um seja mais falado e louvado do que os outros?

Luto nacional? Discorde-se do Governo no que se quiser, mas aqui não é possível deixar de acompanhar.

No entanto, lá conseguiu a sua homenagem: embora em Julho, não em Abril, morreu a 25, distinção que lhe fez, quem sabe, um Além capaz de descortinar para lá dos atos cujas motivações perversas e distorcidas as nossas limitadas e imperfeitas mentes não sabem aceitar; e os nossos corações sangram por não poder negar.

 

Cuidar do Futuro

Não se ouve muito a gente mais nova falar de Otelo Saraiva de Carvalho, mas é pena: como os jovens não viveram as emoções de Abril, estão, talvez, mais habilitados a julgar com objetividade a pureza, a crueza dos factos, sem preocupação com a memória e com o politicamente correto, e sem receio de derrubar de um esboroado pedestal de barro quem há muito lá não deveria estar.

Gratidão aos corajosos Capitães por tudo aquilo que o 25 de Abril significou e significa para cada um de nós, todos a sentimos; em alguma medida, mesmo quem a data faz questão de, estupidamente, continuar a invetivar.

Mas a data tem suficientes heróis, verdadeiros heróis, para que, presa da emoção excessiva e da memória curta, a sua lembrança fique excessivamente dependente de um protagonista que, além da atuação naquele incomparável e decisivo mês de Abril, pouco deixou para louvar.

Nada há de mais natural do que cada um de nós povoar o imaginário com os seus ídolos, e quase os endeusar na exata medida em que a nossa endémica insegurança o recomendar: sentimo-nos mais seguros, sentimos que fazemos parte, que somos importantes ao projetar neles as qualidades que gostaríamos de ter.

Ficamos felizes quando os tais ídolos nos entram em casa pela televisão, quando dizem bem deles, quando têm sucessos, quando marcam um golo. Pelo contrário, ai de que diga mal deles e, se algum não defende um remate ou, pior, a equipa perde, pobres de nós e, sobretudo, daqueles que levam com os despejos mais ou menos explosivos das nossas emoções.

Cromos da Bola
Aos cromos da bola tudo é permitido; e, afinal, pouco importa, já que nos seus pés apenas uma bola está em jogo: nada que a Humanidade possa, verdadeiramente, afetar. Mas a apreciação da pessoa e o julgamento dos atos do então Major Saraiva de Carvalho não pode fazer-se com a ligeireza e o fanatismo inconsequente de quem comenta um desafio de futebol: louvar, apaixonadamente esta sem dúvida importante pessoa é defender e enaltecer os seus feitos, todos os seus feitos, e subscrever, não apenas todos estes, mas a forma de estar na sociedade e na vida a que, com boa parte deles, nos quis condenar.

O que gostaríamos de ver amanhã em Portugal? Será, mesmo, o jugo terrorista de uma ditadura popular? Será a imagem do agora Tenente-Coronel Saraiva de Carvalho o ideal de Cidadão que  aos nossos jovens queremos passar?

Se não é, vamos lá arrefecer um pouco o ânimo e selecionar com alguma objetividade e critério aqueles que queremos e devemos elogiar…

 

Requiescat

Desenganem-se os que ainda pensam que há dias morreu o alguém de "pouca cabeça e muito coração" de que o recente anúncio de cerveja nos vem falar: quem, há dias, morreu foi um ídolo de pés de barro, o implacável comandante do COPCON, o rosto da FUP, o homicida por detrás das FP-25, o autor e promotor da aberração que, a exemplo de outros ditadores, queria impor a todos nós: o muito seu Projeto Global de imposição, pela força dos explosivos e das armas e ordenando a aniquilação dos adversários, daquilo a que chamava verdadeira democracia, mas não passava de um reinado de terror.

A América Latina teve Guevara. Por cá, e à nossa maneira incuravelmente tuga, tivemos um aluado que nem lhe chegava aos calcanhares e tudo fez para aniquilar, subvertendo-o, o regime democrático que dizia defender e que, por ser instrumental na senda de um objetivo pessoal, com inegável coragem e dedicação num curto e muito feliz momento acabaria por ajudar a implantar.

No dia 25 de Julho de 2021 morreu um duro e rude, mas muito competente,   operacional e estratega, a quem, em vida, a maior parte dos políticos viraria a cara, se pudesse, e agora, morto, reza para que dele lhe não venham falar.

Para os radicais de esquerda que se não podem dar ao luxo de deixar de o idolatrar e para os verdadeiros e valorosos Capitães de Abril, de nobres propósitos a que se mantiveram fiéis, e que souberam, cada um, ocupar na vida posterior o respetivo lugar, o Tenente-Coronel Saraiva de Carvalho foi, será sempre, o espinho que nem a morte soube arrancar.

O quam cito transit gloria mundi!


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